segunda-feira, 16 de janeiro de 2017


Cidadão invisível

De tanto ser ignorado, achou que era invisível. Era natural. Não conhecia outras circunstancias. O Estado jamais havia funcionado. E os serviços, pioraram a cada geração. Sempre. “É assim mesmo”, imaginou.

Em outras circunstancias, poderia ter se tornado um líder. Lutaria pela cidadania. Exigiria do Estado respeito a seus cidadãos. Mas achou impossível a meta. Não poderia dar certo. Aprendeu a ficar em silencio. Aceitou ser ignorado. Tornou-se cidadão invisível.

Mesmo sendo invisível, precisava sobreviver. E, se possível, viver. Apesar do Estado. Sem serviços. E com muito imposto. Não era pouco. Nem fácil. E laborou para criar soluções que resolvessem seus problemas sem incomodar ou mudar o Estado.

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Precisava de educação para os filhos que a escola publica falhava em entregar. Poderia ter tentado melhora-la. Mas acreditou não ser possível. E, se possível, seria demorado e trabalhoso. Preferiu outro caminho. Deixou a escola publica para aqueles que não tinham outra opção. Pagou escola privada.

Apavorou-se com a qualidade dos hospitais. Precisava remédios, médicos, atendimento. Mas sabia que o Estado ignorava seus cidadãos. E achava que não dava para mudar. Afinal, ser ignorado é o destino natural do cidadão invisível. Não tinha jeito. Saúde publica era para os outros. Preferiu pagar por saúde privada.

Um dia, entraram em sua casa. Roubaram alguns valores. Vandalizaram. Destruíram. Foi um choque. Poderia ter gritado. Exigir ser ouvido. Mas não achou viável. Melhorar a segurança publica não parecia solução. Era invisível, afinal. Colocou grades nas janelas.

Andando pela rua, foi assaltado. Percebeu que a cidade estava perigosa. Não queria sua família exposta. Precisava de solução. Urgente. E mudou-se para condomínio. Fechado, claro. Assistiu contente o muro que subia a sua volta. Viu nele a proteção que o Estado jamais daria.

Agora morava longe do trabalho. Precisava chegar lá. Não havia trens. Ônibus eram poucos, lotados, infrequentes, e ruins. Não dava para depender de transporte publico. Adotou o carro. E todos os dias passou a ver vida escorrendo pelos dedos enquanto ficava parado no congestionamento. Por horas a fio.

Percebeu que continuava pagando impostos. Muitos. E pagava mais. Aumentado a cada ano. Saía cedo. Voltava tarde. Chegava cansado. Educar os filhos foi ficando cada vez mais caro. A saúde também. Não ia a parques. Não aproveitava a natureza. Conhecia apenas seus vizinhos. Já não andava nas ruas. Vivia confinado em mundo cada vez menor.

Refletiu. Contemplou seu entorno. Por entre as grades de sua janela, enxergou os muros em volta da casa. Não se sentiu protegido. Estava isolado. Sentiu-se preso. Invisível, enfim.

Havia construído sua própria prisão. E pago por ela, naturalmente.

Paisagem brasileira

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Praia de Pipa (RN)

Cinismo em alta

É claro que quero eleições gerais. Mas com algumas condições. É preciso que tenhamos, antes, pelo menos alguma reforma política. E que não haja permissão para réus se candidatarem.

O problema é: satisfeitas estas exigências básicas, em quem votar? Na direita, não. Alckmin é um provinciano cartorial (futuro “socialista”?), cabecinha menor que a de um pardal. Mas também não votaria em Aécio, burguesinho mimado. Nem em Serra, com sua trajetória de autodegradação.

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Mas e à esquerda? Também não dá, está muito difícil. Lula vem se apresentando seguidamente como salvador da pátria, sujeito talhado para tirar o Brasil da merda em que o país se encontra. Fanáticos à parte, acho que nem ele e Rui Goethe Falcão acreditam nisso.

O que me impressiona, como delirioso ou até patológico, é que Lula fala com a cara mais limpa do mundo, como se não tivesse culpa alguma no cartório. Mas Lula mente tanto quanto Dilma.

Me lembro de uma roda de conversa masculina, em Furnas (MG), durante a campanha de 2002. Estávamos eu, Ricardo Kotscho, Duda Mendonça e outros. O assunto era sexo e cada um contava uma proeza maior que a do outro – homem falando de sexo mente mais que pescador.

Quando, no giro da conversa, sobrou para Lula, ele cortou com segurança e seriedade: “Já fiz muita coisa errada com minha mulher, mas chega. Se Marisa tiver de sofrer, vai ser pela mão de Deus ou do destino. Pela minha, não”.

Fiquei impressionado com sua integridade. Pura fachada. Anos depois, o país inteiro saberia, pelo estardalhaço nacional da mídia, que já ali ele andava de xodó com Rose Noronha, que logo passaria a carregar escondida no “aerolula”, em viagens ao exterior.

E Lula continua o mesmo. Apresenta-se como salvador da pátria como se nada tivesse a ver com a crise instaurada no país. E tem. Duplamente.

Primeiro, porque foram os governos PT-PMDB, juntos com a Odebrecht, que arrastaram o país ao pântano. Segundo, porque, embora continue se proclamando a alma mais honesta do país, nosso São Francisco de Assis é réu em cinco inquéritos, três dos quais relacionados ao petrolão.

Que o discurso de Lula, apontando para a presidência, tenha sido feito em Salvador, não me espanta. A Bahia será a última região do país a perceber que Lula e o PT já eram.

O velho Octávio Mangabeira (democrata que foi governador local, frasista incorrigível, avô de Roberto Mangabeira Unger) já dizia: “Na Bahia, tudo é tão lento e atrasado que, quando o mundo acabar, a notícia vai demorar um mês para chegar lá”.

A contribuição da filantropia

A verdadeira filantropia deve ser incentivada no Brasil, e não por razões de caridade, palavra que erroneamente se costuma associar ao trabalho de entidades que se dedicam a cuidar do bem-estar dos cidadãos e do desenvolvimento nacional. O incentivo é necessário porque a ação das associações filantrópicas resulta em expressivo ganho para o Brasil, conforme demonstrou uma pesquisa inédita que mensurou a contrapartida desse setor para o País.

A pesquisa, feita pela consultoria DOM Strategy Partners para o Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas, indica que, em média, de cada R$ 1 que a Previdência deixa de cobrar dessas entidades, a título de isenção, elas devolvem R$ 5,92 à população. No momento em que o governo estuda maneiras de recuperar sua arrecadação e reduzir o rombo previdenciário, é preciso que as autoridades levem em conta esse potencial da filantropia antes de proceder a cortes que podem inviabilizar um trabalho tão necessário.

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As entidades filantrópicas, de fato, não podem viver da imunidade tributária, sendo necessário, para justificar sua existência, que apliquem em assistência social, saúde e educação um valor superior ao que foi concedido como isenção. A esse propósito, a pesquisa mostra que, enquanto as filantrópicas devolvem à sociedade quase seis vezes o que ganham com a imunidade tributária, outros setores da economia beneficiados nos últimos anos com generosos incentivos incorporaram grande parte desse alívio a seus lucros, sem gerar os esperados empregos ou aumentar a produção.

Dos R$ 131,6 bilhões concedidos em isenções da cota patronal da Previdência entre 2012 e 2014, R$ 47,4 bilhões, ou 36%, foram dados na forma de desoneração da folha de pagamento de 56 setores da economia, na tentativa do governo de incentivar a retomada do crescimento. Já a imunidade das instituições sem fins lucrativos chegou a R$ 26,7 bilhões, ou 20,3% do total.

Mas é o capítulo do retorno à sociedade, tangível e intangível, que torna mais evidente o valor das filantrópicas. Essas entidades receberam R$ 10 bilhões como benefício em 2014 e devolveram R$ 62,2 bilhões, que se desdobram em R$ 15 bilhões na área de educação, onde atuam 2.100 associações; R$ 42 bilhões na área de saúde, com 1.400 entidades; e R$ 5,1 bilhões para a assistência social, com 5.000 entidades.

Esses números podem ser traduzidos pela realidade da grande participação das filantrópicas na vida nacional. Em 968 dos 5.570 municípios brasileiros, o único hospital existente é de uma dessas entidades, e não há presença do Estado na saúde. No geral, no ano passado, as filantrópicas foram responsáveis por 31% de todas as internações realizadas no País, e também ofereceram 31% do total de leitos hospitalares. Além disso, essas associações empregam 10% do total dos funcionários da área.

Na educação, as filantrópicas respondem por 14% do total de estabelecimentos de ensino superior e por 17% das matrículas. Ademais, quase 17% dos funcionários que atuam no ensino superior no País trabalham em entidades sem fins lucrativos. Na educação básica, as filantrópicas atendem 1 milhão de alunos, dos quais 204 mil têm bolsa de estudos.

Por fim, na área de assistência social, a pesquisa mostra que as instituições filantrópicas foram responsáveis por 62,7% de todas as vagas disponíveis no País, embora respondam por apenas 14,2% das entidades sociais.

Todos esses números demonstram a amplitude do trabalho das instituições filantrópicas sérias, que fazem bom uso do dinheiro que deixam de pagar em impostos e contribuições. Na ânsia de aumentar a arrecadação, o governo deve ponderar o impacto que uma eventual revisão dessa isenção terá em diversos setores – nos quais o Estado tem sido sistematicamente falho. E é o caso de questionar se não está na hora, até mesmo em razão da crônica crise fiscal, de deixar que a sociedade assuma de vez as tarefas que o Estado não cumpre por incúria ou mesmo falta de vocação.

Em risco, o Estado de Direito

Aconteceu o que parecia impossível: São Paulo parou. Era uma cidade deserta por volta das 18 horas da segunda-feira 15 de maio de 2006.

Metade da população da Grande São Paulo, algo como 5,5 milhões de pessoas, deixara de trabalhar na ausência de ônibus.

Três em cada 10 estudantes haviam faltado às aulas. O comércio fechara antes do fim da tarde. São Paulo estava sob o ataque do crime organizado.

Foram nove dias de terror que deixaram um rastro de 493 mortos, segundo o Instituto Médico Legal, ou 564, segundo cálculos do sociólogo Ignácio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, feitos com base em boletins de ocorrência.

Em um único dia, 105 civis morreram a tiros. Não há estimativa sobre o número de feridos. Nunca se soube de quem partiu a ordem para atacar.


Mas o suspeito número um sempre foi Marco Willians Herbas Camacho, Marcola, o chefão do Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa fundada sob o lema de “Liberdade, Justiça e Paz”.

Dizia lutar “contra as injustiças e a opressão dentro das prisões”. Antes dos ataques, o PCC existia em 40% das favelas da capital. No final de 2006, em mais de 70% delas.

Marcola e os principais líderes do PCC estavam presos quando desafiaram o poder do Estado naquele ano. Continuam presos.

Um documento interno da polícia de São Paulo, que circula desde a semana passada, informa que o PCC distribuiu armas de fogo para desencadear possíveis novos ataques contra a cidade a partir de amanhã. O governo nem confirma nem desmente a ameaça.

A origem dela pode estar na decisão tomada pelo governo, à vista das mais de 110 mortes recentes em Manaus, Boa Vista e Natal, de transferir Marcola e outros detentos para penitenciárias onde o regime disciplinar é mais duro.

Decisão semelhante, que implicava na mudança de endereço de 730 presos do PCC, incluindo Marcola, foi o que deflagrou em 2006 a onda de medo que varreu a cidade.

Na noite de 12 de maio, antevéspera do Dia das Mães, o PCC matou agentes policiais na periferia da capital paulista, depredou agências bancárias e assumiu o controle de três presídios no interior.

No dia seguinte promoveu 63 atentados em 23 cidades do Estado, matando 25 agentes públicos. No domingo, mais 156 atentados, fora 80 presídios rebelados e sob o domínio do PCC.

Os ataques só cessaram quando o governo recuou da decisão de transferir presos. Mesmo assim, em agosto, o PCC sequestrou um repórter e um cinegrafista da TV Globo e só os devolveu com vida depois que a emissora divulgou manifesto onde a facção deplorava as “condições desumanas dos presídios”.

O episódio serviu para que se pusesse o dedo na ferida pela primeira vez.

Sob o título “Basta de violência”, documento assinado por entidades que reúnem veículos de comunicação alertou:

“O que está ameaçado neste momento não é apenas o cotidiano civilizado a que todos os cidadãos têm direito. É a própria sobrevivência da sociedade democrática, porque sua manutenção depende da autoridade, credibilidade e prestígio das suas instituições”.

Era disso que se tratava há 11 anos. É disso, com mais razão, que se trata hoje.

A segurança nacional está em risco, admitiu na última quinta-feira o presidente Michel Temer. O Estado de Direito, também.

Com a Lava-Jato, e na ausência momentânea de quem o compre, o degradado poder político será uma presa fácil para as 27 facções criminosas disseminadas pelo país.

'Duelo' de titãs

E não se aprende


O horror brasileiro é uma eterna reprise
O Antagonista

Notas do cárcere

Raramente leio páginas policiais. Evito fazê-lo para não acrescentar doses extras de horror a meus próprios calafrios. Vivemos com medo, aferrolhados. Em nossas conversas habituais não faltam relatos de pavor e sangue. São apontamentos nos diários do cárcere, do cárcere em que nos recolhemos, inseguros e acossados. Há um pânico instalado no país e ele não distingue classe social nem cor da pele, campo e cidade. Como consequência, quem de nós, quando um bandido é morto no exercício de suas atividades, não exclama intimamente - "Um a menos!"?

É sobre essa síndrome que escrevo. Ela tem agentes causadores bem determinados. Não encontro pessoas com medo de serem vítimas de grandes crimes novelescos, por vingança, ciúme, herança ou dívida. O que encontro são pessoas com medo da criminalidade hoje considerada trivial, corriqueira, cotidiana. As pessoas temem ser espancadas ou mortas nas calçadas por motivo fútil. Percebêmo-nos sujeitos a isso. Volta e meia alguém, ao nosso redor, foi parar na mala do carro ou experimentou o metal frio do revólver encostado na cabeça. Quem sai vivo de tais enrascadas ajoelha-se gratificado e lava o passeio com lágrimas de ira e júbilo. Um ano depois, os mais extremados rememoram a data, reúnem a família e sopram velinha. Festejam aniversário. São sobreviventes da criminalidade cotidiana.

O que descrevo tem tudo a ver com luta de classes, com pobres e ricos, com oprimidos e opressores. Mas não pelo motivo que lhe indicam certos analistas. É a bolorenta leitura marxista, conflituosa, da realidade social, sem a qual não conseguem pensar, que produz essa inoperância do Estado e suas consequências. É ela que responde pelo abandono do sistema carcerário e pelo desapreço às instituições policiais. É ela que redige a generosa benignidade dos códigos e os favores concedidos por leis penais que desarmam os juízes bons e compõem o arsenal dos maus. É uma leitura da realidade que minimiza aquilo que apavora o cidadão e aterroriza a sociedade. É uma leitura da realidade que legisla e atua na contramão do que todos temos o direito de exigir. Criminaliza a vítima e absolve o réu.

O bandido que nos sobressalta certamente já foi preso. O desmanche para onde vai nosso automóvel roubado durante o assalto já foi fechado várias vezes. Mas alguém no aparelho estatal não fez e não faz o que lhe corresponde. O legislador brasileiro dispõe sobre matéria penal como se vivesse numa realidade suíça. Inúmeros magistrados desvelam-se em zelos para com os bandidos. Elevam desnecessariamente os riscos a que está exposta a sociedade sob sua jurisdição. E não faltam formadores de opinião para pedir penas brandas exatamente para esse tipo de crime cotidiano, covarde e violento, de consequências sempre imprevisíveis. Em tal contexto, conceder indultos generalizados e soltar presos a rodo é uma bofetada oficial nas vítimas.

Progressão automática de regime, na realidade brasileira? Quanta irresponsabilidade! Existe coisa mais escancarada do que o tal semiaberto? Prisão domiciliar? Estão brincando. "Mas faltam presídios!", alegam os protetores dos apenados. A situação dos presídios brasileiros extrai hipérboles do ministro da Justiça. Mas há dez anos o grupo do ministro governa, dá as cartas e joga de mão no país. Quem sabe Sua Excelência espera que os contribuintes, à conta própria, saiam por aí a construir presídios? Lidam irresponsavelmente com coisa seriíssima, senhores! Da rendição do Estado ante a criminalidade sobrevirão a anomia e o caos.

Percival Puggina (Este meu artigo, infelizmente profético, foi publicado no jornal Zero Hora em 18/11/2012).

O horror brasileiro

Estou preparando um texto sobre a Revolução Soviética, que esse ano faz 100 anos. Pouco vejo televisão. Ontem, porém, liguei rapidamente a TV e tive chance de ver os aposentos (sofá, TV, tapete, geladeira, ar condicionado) de um chefão de uma das falanges que se engalfinharam no presídio de Manaus, resultando da luta quase cem mortos (a maioria esquartejada) e quase duzentos foragidos. Um horror.

Fiquei pensando: como aqueles apetrechos decorativos entraram na penitenciária? Certamente não foram as visitas que levaram os brindes para a cela do chefão, que atende pela alcunha assustadora de Garrote. Presumo que um caminhão da Lusitana (“O mundo gira e a Lusitana roda”) parou diante do presídio, descarregou o mobiliário e gente do próprio presídio o levou à cela do chefão. Não pode ter sido de outra forma. Um sofá não cabe no bolso.

Inscrições do PCC em presídio no RN. Pelo menos seis homens, pertencentes à facção criminosa PCC, foram identificados como responsáveis pela rebelião que destruiu parcialmente a penitenciária e o Pavilhão Rogério Coutinho Madruga (Foto: Josemar Gonçalves / Tripé Fotografia)

Este é um aspecto sobre o qual tenho falado: a enorme capacidade que o crime organizado possui de corromper – e aí a coisa vem lá de cima, chegando, em cascata, aos guardas penitenciários, que lidam com os presos no dia a dia e fazem vista grossa ao que presenciam. Isto é assunto tabu, pois se generalizou a ideia de que só políticos e empresários se corrompem. Lamento informar, mas os proletas também são corruptíveis. Preciso dar exemplos?

Ao contrário dos sociólogos e antropólogos que se dizem especialistas no assunto, não tenho como opinar sobre o Plano Nacional apresentado pelo ministro da Justiça, inclusive porque não o li. Mas não vou esculhambá-lo gratuitamente; todos nós, sociedade brasileira, fomos pegos de surpresa pelos acontecimento e a montagem do Plano em tão pouco tempo foi uma exigência da própria sociedade.

Não conheço ninguém que não soubesse que o sistema penitenciário é o inferno que é – e que bandidos de alta periculosidade são irrecuperáveis. Livros e filmes estão cansados de mostrar o que acontece nas penitenciárias no Brasil e no mundo, EUA inclusive. No nosso caso, não só o sistema penitenciário é essa coisa monstruosa: infernais são também os sistemas de saúde (diariamente morre-se em filas, morre-se por falta de tratamento e exames), de educação (crianças saem da escola sem saber ler, escrever e fazer contas, tornando-se facilmente recrutáveis pelo crime organizado), de segurança (cá de fora), de transporte coletivo e, vale dizer, o sistema de convivência humana no Brasil. Ninguém caminha à noite pelas ruas das cidades brasileiras com a certeza que vai chegar incólume ao destino. E não só isso: sabe-se que centenas de pessoas são linchadas no Brasil. Fora, é claro, aqueles que matam por problemas no trânsito.

A verdade é que o Brasil é um país desatinado, desigual, miserável, violento por sua própria natureza, que precisa ser reformado profundamente em vários sentidos e direções. A ministra Carmen Lúcia está preocupada – certo, mas ela toparia liderar, com a voz da sua autoridade, uma reforma profunda no sistema judiciário brasileiro, tornando-o mais célere, mais eficiente, mais justo, menos burocrático e paquidérmico? Toparia correr o risco de enfrentar os interesses encastelados nos diversos escaninhos da justiça brasileira? O Brasil precisa ser passado a limpo, dizia Darcy Ribeiro. Precisa ser lavado com soda cáustica, acrescentou um dia o Brizola. Darcy e Brizola acreditavam na força da educação. Não sei se é o bastante.

Disso tudo, emerge um fato animador: com os massacres em Manaus e Boa Vista, o Brasil tomou consciência de si mesmo. O que vemos nos dá nojo, mas é essencial, o quanto antes, que reformemos o país, de cima a baixo, no Executivo, no Legislativo, no Judiciário e, sobretudo, no caráter do brasileiro.

Imagem do Dia

I see trees like this -- just one, where others could not survive -- and wonder *how* it grows there.  But I never wonder *why*:

Governo vai gastar R$ 306,9 bilhõesem salários

Os brasileiros economicamente ativos terão de se virar para gerar todos os impostos que possibilitem à União sustentar sua máquina administrativa em 2017, uma das mais caras do mundo: serão R$ 306,9 bilhões somente em salários nos três poderes. Nessa conta não estão consideradas despesas de manutenção da máquina, incluindo mordomias, tarifas públicas, material de consumo, medicamentos etc.


O maior gasto da União ainda será com encargos da dívida pública, que se aproximam do trilhão: já somam R$ 946,4 bilhões.

Desenvolvimento Social, que custa R$ 660 bilhões, tem orçamento muito superior a Educação (R$ 105 bilhões) e Saúde (R$ 125 bilhões).

O Congresso custará R$ 10,2 bilhões ao contribuinte, em 2017: Câmara, R$ 5,92 bilhões, e o Senado Federal, R$ 4,24 bilhões.

O Supremo Tribunal Federal (STF), que chefia o Poder Judiciário, tem um dos menores orçamentos da Esplanada: R$ 686 milhões.

Cúmplice, o PT silencia sobre Cunha e Geddel

Um dirigente do PT tocou o telefone para parlamentares do partido, no final de semana, para sugerir o uso das revelações mais recentes da Lava Jato como munição na guerra política contra “o governo golpista” de Michel Temer. Classificou de “bombástica” a acusação de que Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, íntimos de Temer, trocavam empréstimos da Caixa Econômica por propina. Um dos destinatários da sugestão indagou: “A farra ocorreu na gestão da Dilma, esqueceu?”


Os petistas sentem um prazer quase orgástico cada vez que a Polícia Federal e a Procuradoria penduram um amigo de Temer nas manchetes de ponta-cabeça. Mas a maioria silencia para não passar a vergonha de ter de explicar por que os inimigos de hoje plantaram bananeira dentro dos cofres públicos durante os governos do PT. A Lava Jato tornou a corrupção um fenômeno tão abrangente que a ética virou um valor órfão na política.

Nunca um escândalo teve tantos cúmplices. Considerando-se tudo o que os investigadores já jogaram no ventilador, a desfaçatez foi generalizada. Tudo muito deplorável. Mas quase ninguém no universo da política pode dizer isso sem ruborizar a face. Não há mais inocentes em Brasília, só comparsas.

Obstáculos intransponíveis à reforma política

Salvo algum inusitado, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira serão eleitos presidentes da Câmara e do Senado. Nada melhor para o presidente Michel Temer. Os três conduzirão a reforma política de comum acordo, começando pela extinção do princípio da reeleição para presidente da República, governador e prefeito. Nos estados e nos municípios, manterão a prerrogativa de disputar o segundo mandato no exercício do primeiro aqueles que tiverem sido eleitos em 2014. Pairam dúvidas a respeito da duração de seus mandatos, hoje fixados em quatro anos. Poderão ser cinco para presidente da República, governador, prefeito e deputado, a partir de 2018, ainda que para senador não há certeza. Dez anos seria demais. Oito, como agora, determinaria a descoincidência com as demais eleições, e cinco seria impossível.

Eis o primeiro obstáculo ao fim da reeleição. Os 61 senadores votarão pelos dez anos, mas os 513 deputados, contra. Por conta do impasse, vem aparecendo partidários de deixar tudo como está, inclusive a reeleição.

Outro risco refere-se ao número de partidos. Hoje são 35, um absurdo, o ideal seriam quatro ou cinco, mas quais? Junto com os chamados partidos de aluguel, existem os partidos históricos ou ideológicos. Como distingui-los? A cláusula de barreira ou de desempenho causará injustiças, além de se constituir num fator de desentendimento entre as legendas, internamente. O tempo das sublegendas não deixou saudades. Melhor então não mexer? Seria o caso de pelo menos acabar com o Fundo Partidário? Só que a corrupção se multiplicaria.

Em suma, até as reformas que de início parecem unanimidade esbarram em obstáculos intransponíveis.