terça-feira, 3 de maio de 2016

Charge (Foto: Moisés)

Contra a democracia

Dilma Rousseff se refere agora à Presidência da República como “minha cadeira” – quando aquela “cadeira” é pública, a ninguém pertence. Mas não é disso que vou me ocupar aqui. O sociólogo Gustavo Falcón, autor do excelente “Reformismo e Luta Armada no Brasil”, me leva a detalhar o artiguete onde afirmei que, durante a ditadura militar, Dilma jamais defendeu a democracia no Brasil.

Falcón sabe que Dilma, expert em falsificar fatos, mente sem pudor quando se apresenta como alguém que, entre o AI-5 e os tempos de Médici, foi uma brava militante democrata. Conhecemos a história política de Dilma. Ela criou uma fantasia deliriosa para consumo próprio, bem distante da realidade da esquerda militarista em que se enrascou.


Dilma veio jovem para a esfera de influência da organização “marxista-leninista” Política Operária (onde ficou um semestre na célula da Faculdade de Economia) – a Polop, que considerava imbecilidade essa conversa de “democracia”. Livro-de-cabeceira dos polopianos era “Estado e Revolução”, de Lênin, pregação acesa a favor da destruição do Estado representativo-parlamentar.

Para o Brasil, o programa era unívoco: derrubar a ditadura dos patrões para, em seu lugar, implantar a célebre ditadura do proletariado. A democracia era olhada como manipulação alienada, desprezível. E deveria ser combatida em nome da revolução socialista. Dilma, embora militante sem qualquer relevo (na verdade, naquele arremedo de luta armada, ela nunca foi além da “intendência”), rezava por essa cartilha.

Chegou na Polop no momento do racha da organização, optando então pela facção militarista, que se confinou no Colina – Comando de Libertação Nacional. Adiante, duas vertentes da esquerda armada, o Colina e a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), se fundiram na VAR (Vanguarda Armada Revolucionária)-Palmares. E em todos esses momentos e organizações, “democracia” era palavrão. Mistificação execrável para sustentar a dominação da classe burguesa. O projeto continuava o mesmo: substituir a ditadura militar da burguesia pela ditadura militar do proletariado.

Agora, por que Dilma esconde esses fatos e se dispõe a mentir tão safadamente para o conjunto da sociedade brasileira? Simples: porque hoje fica muito bem na foto quem diz que enfrentou heroicamente a ditadura em nome do princípio maior da democracia. Mas fica mal quem admite que, como os militares, também achava que a solução estava numa ditadura. E Dilma prefere a morte do que ficar mal na foto.

Liberdade de imprensa ameaçada

Nesta terça se comemora o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, um dia que as organizações não governamentais aproveitam para chamar a atenção para as ameaças sobre o direito a uma informação independente, plural e transparente. Em muitos países, os jornalistas sofrem perseguições e assédio, são fustigados, torturados e presos. No ano passado, 67 pagaram com a vida o exercício de sua profissão, segundo a organização Repórteres sem Fronteiras, uma organização que coloca o foco em quatro países –Egito, Turquia, Rússia e México– para denunciar a violação dos direitos dos jornalistas no exercício de sua profissão.

Os Estados totalitários nos quais a democracia brilha pela ausência têm a imprensa comprometida com a defesa dos direitos fundamentais como um dos seus principais inimigos. Os jornalistas tornaram-se o alvo de todo tipo de regime corrupto e estão sendo assediados pelo crime organizado em áreas cada vez maiores da América Latina, às vezes com a dilacerante conivência da polícia e das autoridades locais. Intimidar a imprensa é também objetivo do terrorismo jihadista, que atentou contra meios de comunicação e assassinou brutalmente repórteres ocidentais sequestrados na Síria.

As leis antiterrorismo e as políticas de segurança –em todos os países– podem se tornar um grave perigo para a informação. Nessas circunstâncias, é necessário que tanto as organizações profissionais como os próprios meios de comunicação lutem contra as tentativas de cercear a liberdade de expressão e obstaculizar o controle dos governantes. Uma imprensa livre é a pedra angular da democracia e as medidas de combate ao terrorismo não podem ser uma desculpa para silenciá-la. E certamente seria uma má notícia que os jornalistas se lançassem nos braços da autocensura.

É difícil explicar o Brasil


As TVs locais mostraram um pronunciamento da Dilma em que ela fala de um “golpe especial” para retirá-la do poder. Os patrícios não entenderam muito bem e insistiram para que eu explicasse que modalidade é essa de “golpe especial”, já que por aqui não existem variações de golpes. Foi difícil explicar, mas procurei o atalho mais simples: a presidente do Brasil é assim mesmo: uma pessoa destrambelhada, confusa, mente turva, não consegue juntar bem as palavras. Disse que ela vai continuar batendo na mesma tecla do golpe porque não consegue justificativa para o caos que provocou na economia e para o maior escândalo de corrupção da história do país em que ela e o seu partido se envolveram.

Disse também para alguns amigos por aqui que o governo petista atrasou o Brasil em mais de vinte anos, depois de pegar o país com as finanças equilibradas, inflação baixa e pleno crescimento. Agora, na saída da Dilma, eles tentam, como aves de rapina, limpar mais ainda os cofres. Se não fosse a intervenção do ministro Gilmar Mendes, do STF, a Dilma iria torrar 85 milhões de reais em propaganda institucional da presidência como se o país estivesse nadando em dinheiro. O pedido extraordinário desses recursos foi feito ao Senado e, em bom tempo, o ministro barrou a farra ao apagar das luzes.

Os patrícios por aqui, como a gente aí, já se convenceram de que o Brasil só sairá do buraco com a saída da Dilma e da quadrilha petista que continua assaltando os cofres públicos. Eles não entendem, contudo, como o Eduardo Cunha, outro corrupto de carteirinha, continua presidindo a Câmara dos Deputados. Explico que a assepsia também chegará a ele que responde a dezenas de processos no Supremo Tribunal Federal por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Eles acham, contudo, que com a posse de Michel Temer dificilmente Cunha será punido porque, a exemplo de Lula protegido por Dilma, a tendência de Temer é livrar a cara de Cunha com a conivência do STF. Irrespondível.

Atualizados com as notícias sobre o Brasil, segundo eles, uma das maiores potências econômicas do mundo, os patrícios discutem sobre o destino político da nação e ficam surpresos e, até perplexos, com as notícias que chegam daí. Por exemplo, eles não entendem como um ex-governador faz um discurso nas suas bases chamando um ministro do STF de “corno” e o Procurador-geral da República de “ladrão” e nada acontece. Tento explicar que os irmãos Gomes, lá do Ceará, são desbocados, afetados por um profundo complexo de inferioridade. Estão acostumados a dizer impropérios contra as instituições e as autoridades e nada acontece pela passividade da nossa justiça.

Eles acham que o Brasil está passando por uma crise moral e ética (irrespondível). Os poderes, segundo eles, estão decadentes e, por isso, pessoas como o ex-governador Cid e o irmão dele, o Ciro, destratam as pessoas dessa forma sem que haja punição exemplar. É verdade, não se entende essa falta de respeito contra o ministro Teori Zavascki, do STF, e o procurador Rodrigo Janot, responsáveis pela apuração da operação Lava Jato. Entramos no fundo do poço, numa anarquia geral.

Outros patrícios que conheço por aqui, homens de negócios, escritores e jornalistas também estão assustados com a demência do país, o vazio e o abandono das instituições. Eles são unânimes em afirmar que o governo não só acabou como fechou os ministérios. Explico-lhes que existem vários ministérios sem os titulares porque as pessoas se negam a ocupar as pastas. Temem ter seus nomes ligados ao governo corrupto do PT. Preferem se preservar a se envolverem nas maracutaias que já levaram muitos à cadeia.

Não faz muito tempo, eu fazia perguntas semelhantes a esses mesmos patrícios de como Portugal tinha chegado ao fundo do poço, com a sua economia destroçada. Existia por aqui, à época, um clima de pessimismo e de derrota quando José Sócrates, ex-Primeiro Ministro, e a sua turma, estavam no poder. Agora, Sócrates e seus amigos, estão na cadeia e a economia do país em franco desenvolvimento. Somos irmãos siameses.

Agora vai!

Os que já viveram muito - meio século, ao menos - são familiarizados com os Agora vai aqui vividos. São os orgasmos da nossa história. Momentos em que o povo vai à rua para protestar ou reclamar por mudanças e – parece – o pretendido ocorre. Ufa. Agora vai. Foi-se embora o mal, virá o bem.

Voltamos para o nosso cotidiano das pequenas e caseiras reclamações e deixamos o país para os que são do ramo tocar o barco. E eles tocam. Aos costumes.

E os costumes são velhos. Há quantos anos eu, você e a torcida do Corinthians, convivemos com a violência – a geral e a policial? Desde quando convivemos com a precariedade na saúde e na educação? Com as péssimas estradas? Com o trânsito caótico nas grandes cidades, com os horrorosos serviços das empresas (ditas) de serviços?

Desde sempre, qualquer Mané sabe, comenta e debocha sobre relações promíscuas de agentes públicos e da política com empresas. Vez por outra vira escândalo – inho ou ão, como os de agora. E é um Deus nos acuda. Ai, ui, que horror! Nunca imaginei que era tanto!

Pois devia imaginar. Pistas não faltam desde sempre.

A propina deve ser o mote mais antigo de comédias e comediantes nacionais. (E vá fazer política, por exemplo, sem dinheiro pra ver se consegue! No mínimo, cabos eleitorais e até eleitores ficariam muito putos de não levar o seu. É ou não é?)

Qualquer brasileiro sabe que existe Caixa 2, dinheirinho "não contabilizado”. Quem não sabe que a sonegação fiscal dos grandes é quase regra geral e que, podendo, dá-se sempre um jeitinho de escapar do fisco? “Esse dinheiro vai ser roubado mesmo”, argumenta-se. E a consciência fica limpinha da silva.

Essas coisinhas todas sabidas e vividas são apenas nossa lista básica do que não há Agora vai que tenha conseguido mudar.

Por que será que não muda e, às vezes, até piora?

Porque, de verdade, de verdade mesmo, a gente vai levando com a nosso histórico conformismo, nossa também famosa síndrome de vira-lata. Tudo lá fora é melhor. Aqui não tem jeito mesmo.

O povo, essa entidade concreta e difusa que é o conjunto de nós todos, vez por outra, precisa arranjar alguém/algo para amar muito e algo/alguém para odiar mais ainda. O amado da vez é o bem em forma de gente, aquilo ou aquele que representa ideal de perfeição, modelo a ser seguido. O herói, enfim. Joaquim Barbosa, Moro.
O que seria da gente sem achar um deles de vez em quando?

O mal é para ser odiado. E concentrar o ódio nacional nuns desses maus é tudo de bom, desopila nosso fígado daqueles pequenos ódios todos que temos acumulado. Ai cabendo o vizinho barulhento, a inveja do filho do amigo que tem mais sucesso do que o nosso e outras pequenezas mais.

Por elas não vamos às ruas. Só ficamos entalados até a próxima chance de gritar um basta coletivo, por um Brasil Melhor, que vem acoplado à crença de que Agora Vai!

Se não for, vamos tocando. Nos costumes. De novo. Quem tem mais dinheiro instala alarme, bota grade, cerca, contrata segurança, põe filho em escola particular. E se conseguir um pouco mais de grana, manda os garotos estudarem em escola americana. (Aqui, esse sistema de cotas, baixou muito o nível da universidade, né não?)

A saúde não tem conserto? Fecha com um bom convênio e vai pagando preço de Sírio Libanês por serviços privados no padrão público – ruim, claro. Esses desacertos antigos do dia a dia não nos levam às ruas. Não têm jeito mesmo, não é?

A gente só vai pra rua quando o mal fica muito mauzão. Daí a gente impicha e bota fé: Agora vai!