terça-feira, 28 de outubro de 2014

Segundo mandato


O susto do PT


A eleição presidencial deu um susto no PT. Não esperava que Marina Silva se tornasse cabeça de chapa e obtivesse votação mais expressiva do que em 2010. E muito menos que ela, derrotada, apoiasse Aécio.

Não esperava que Aécio fosse um concorrente tão ameaçador. E muito menos que o PMDB entrasse rachado na campanha, com Hartung, do Espírito Santo, e Sartori, do Rio Grande do Sul, como cabos eleitorais do PSDB.

Assustou-o também a divulgação das denúncias de corrupção na Petrobras em plena disputa do segundo turno. Sorte que o adversário também tem telhado de vidro...

Lula conclamou, em São Paulo, a militância a ir de casa em casa. Que militância? Além de ver reduzida, pelas urnas, sua bancada de senadores e deputados federais, o PT já não conta com aquela aguerrida militância voluntária das décadas de 80 e 90.

Agora, tudo depende de marketing e de muito dinheiro investido por pessoas jurídicas que, a partir de hoje, começam a cobrar a fatura.

A presidente Dilma sabe que tem pela frente uma espinhosa tarefa: cumprir o que prometeu e costurar o tecido da governabilidade em um Congresso tão esgarçado em partidecos, e desprovido de lideranças ética e politicamente consistentes em sua base de apoio.

O PMDB, rachado quase ao meio, usará todo o seu poder de pressão para ditar a pauta do governo. O PSDB, com apoio do DEM e do que resta do PSB, tentará consolidar uma oposição ferrenha, acirrada pela frustração de ter sentido o aroma do banquete ao qual foi desconvidado pelo resultado das urnas.

O PT enfrenta, agora, o desafio de governar melhor do que já fez até aqui e tentar resgatar o que, no passado, lhe imprimiu tanta credibilidade: o capital ético, a organização política dos setores populares e o compromisso de promover reformas estruturais.

Faça as contas

A grande reportagem deste pós-eleição ainda não surgiu em nenhum jornal. Espera-se que alguém possa responder a mais importante pergunta: Quanto o povo pagou, e onde ainda vai pagar em nada suaves prestações, para manter Dilma no troninho? Não é nada pouco.

Para começar, em cinco meses de farras eleitoreiras, com viagens dela, em campanha, o que se gastou em combustível de avião anda na casa dos milhões. A balela, no início da campanha, era de que tudo estaria bancado pelo PT. Alguém acredita que, agora, reeleita, o partido vai pagar algum tostão?

E quanto pesaram na conta as viagens dos ministros, secretários e outros do comissariado para todo país, principalmente no segundo turno, quando estavam de “férias” para trabalhar na campanha? Ponha-se zero e mais zero no gasto. Quanto ainda se pagou a Ongs para fortalecer com militância de aluguel? Apenas a Articulação Semiárido Brasileiro, que custeou 99 ônibus com militantes para uma série de comícios, recebeu este ano repasses de R$ 172,8 milhões. Isso foi o contribuinte que pagou.

Se achou pouco, ainda tem mais a somar. Calcule o prejuízo desse tempo por estar o país praticamente parado sem nada por fazer ou para fazer nos ministérios e outros locais de governança.

Só como exemplo, num caso inédito e inimaginável em país sério, o país sustentou um ministro demitido, que já não tinha mais nada para fazer. Ficou no cargo apenas para preencher espaço e dar “entrevistas” como aquela em que anunciou que, numa segunda gestão, Dilma levaria a economia às últimas consequências. Ameaça ou realidade? 

O caixa do PT dá para pagar tudo? Nem se mexe. A conta fica mesmo com o cidadão, que pague se quiser ter e exibir pela história uma presidente reeleita.

Se não acredita, vai aí uma historinha sugestiva de como o lulismo opera as contas de governo que deveriam ser justificadas e justificáveis. Em certo município de curral petista, o prefeito circulou pela Europa, pelo Brasil, e foi até a China.

Um caso inédito de um executivo municipal circulando pelo mundo às custas do minguado erário (nem tanto, chovendo royalties) que nunca prestou nem vai prestar contas. Chegou a manter um bonde de agregados, inclusive a filha do guru petista, lá fora, tudo em nome de conquistar recursos estrangeiros, pagando com recurso público.

Até hoje o município não soube quanto custou, mas sabe que vai pagar caro em saúde, educação, saneamento. O dinheiro do cidadão é mesmo para isso. Os políticos jogam no ralo para satisfazer interesses próprios e depois choram que suam para o bem da nação. Afinal hipocrisia dá voto, não é PT?.   

Poder afasta


Um dos problemas mais graves da política contemporânea é que frequentemente quem está no poder se distancia demasiadamente da maneira de viver das grandes maiorias. E acaba vendo a realidade a partir de onde estão. É preciso se voltar à fonte do que é republicano. Os eleitos para um governo são funcionários em trânsito, não são reis, não são sangue azul.
José Mujica (79 anos), presidente do Uruguai

Um mandato inédito


'A doutora Dilma reelegeu-se num cenário de dificuldades econômicas e políticas igualmente inéditas'
Os eleitores deram ao PT um mandato inédito na história nacional. Um mesmo partido ficará no poder nacional por 16 anos sucessivos. A doutora Dilma reelegeu-se num cenário de dificuldades econômicas e políticas igualmente inéditas. Lula recebeu de Fernando Henrique Cardoso um país onde se restabelecera o valor da moeda. Ela recebe dela mesma uma economia travada. Tendo percebido o tamanho da encrenca, em setembro anunciou a substituição do ministro Guido Mantega. Por quem, não disse. Para quê, muito menos. A dificuldade política será maior. As petrorroubalheiras devolveram o PT ao pesadelo do mensalão. Em 2005, o comissariado se blindou e, desde então, fabrica teorias mistificadoras, como a do caixa dois, ou propostas diversionistas como a da necessidade de uma reforma política. Pode-se precisar de todas as reformas do mundo, mas o que resolve mesmo é a remessa dos ladrões para a cadeia.

O Supremo Tribunal Federal deu esse passo, formando a bancada da Papuda. Foi a presença de Marcos Valério na prisão que levou o ‘‘amigo Paulinho’’ a preferir a colaboração à omertà mafiosa.

Dilma teve uma atitude dissonante em relação às condenações do mensalão. Protegeu-se sob o manto do respeito constitucional às decisões do Judiciário. No debate da TV Globo, quando Aécio Neves perguntou-lhe se achou ‘‘adequada’’ a pena imposta ao comissário José Dirceu, tergiversou. Poderia ter seguido na mesma linha: decisão da Justiça não deve ser discutida. Emitiu um péssimo sinal para quem sabe que as petrorroubalheiras tomarão conta da agenda política por muito tempo.

Será muito difícil, e sobretudo arriscado, tentar jogar o que vem por aí para baixo do tapete. Ou a doutora parte para a faxina, cortando na carne, ou seu governo vai se transformar num amestrador de pulgas, de crise em crise, de vazamento em vazamento, até desembocar nas inevitáveis condenações.
Leia mais o artigo de Elio Gaspari