terça-feira, 16 de junho de 2020

Esticando a corda

O Supremo Tribunal Federal (STF) advertiu que não tolerará mais intimidação por parte do bolsonarismo, originada seja das infectas redes sociais, seja dos movimentos de camisas pardas travestidos de patriotas, seja do primeiríssimo escalão do Executivo.

Ao reagir ao disparo de fogos de artifício contra o prédio do Supremo, feito por bolsonaristas no sábado, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, ordenou a responsabilização dos delinquentes, citando uma “eventual organização criminosa”. O resultado da reação do Supremo não tardou, e alguns celerados já foram presos. Se o bolsonarismo estava testando os limites das instituições democráticas, sabe agora que o preço de tanta desfaçatez é a cadeia. É bom, portanto, que os que inspiram esse comportamento delinquente dos camisas pardas saibam que chegará o dia em que terão de responder por isso. Não à toa, o ministro Dias Toffoli, em nota, disse que as atitudes dos bolsonaristas, “financiadas ilegalmente”, têm sido “reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado”.


O presidente do Supremo acrescentou que a Corte “se socorrerá de todos os remédios, constitucional e legalmente postos, para sua defesa, de seus ministros e da democracia brasileira”. Isso já está acontecendo: correm no Judiciário investigações sobre inúmeras suspeitas que recaem sobre os liberticidas que chegaram ao poder em 2018, desde o financiamento ilegal de campanha até a organização de uma máquina de destruição de reputações na internet. Perto do que já se sabe a respeito disso, o disparo de fogos de artifício contra o Supremo é traque.

Ante essa pressão, não parece ter sido casual que na sexta-feira o presidente Jair Bolsonaro tenha emitido nota para “lembrar à Nação brasileira que as Forças Armadas estão sob a autoridade suprema do presidente da República” e que essas Forças “não aceitam tentativas de tomada de Poder por um outro Poder da República, ao arrepio das leis ou por conta de julgamentos políticos”. Trata-se de uma ameaça explícita do presidente de recorrer às Forças Armadas caso algum dos processos que correm contra ele afinal o tire da Presidência. A nota é assinada ainda pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo – e ambos se fizeram reconhecer no texto como generais, embora sejam da reserva. Ou seja, há aí a pretensão de indicar uma unidade militar em torno do presidente e de intimidar quem ousa contrariá-lo.

O mesmo fez o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. À revista Veja, o general disse que é “ultrajante” a ideia de que os militares pensem em golpe, mas “o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda”. O “outro lado” a que se refere o ministro são as instituições, sobretudo o Judiciário – que, na visão do general, estará “esticando a corda” e provocando uma reação militar se entender que houve irregularidade na campanha de Bolsonaro e cassar a chapa. Para o ministro, qualquer resultado que não seja a absolvição do presidente será “casuístico” – logo, inaceitável.

Trata-se de golpismo escancarado. Ora, quem “estica a corda”, dia e noite, é o presidente da República. Na quinta-feira, dia 11, Bolsonaro incitou seus seguidores a invadir hospitais para verificar “se os leitos estão ocupados ou não”, pois, segundo o presidente, “tem um ganho político dos caras”, referindo-se aos governadores, a quem acusa de aumentar o número de mortos pela pandemia de covid-19 para responsabilizá-lo.

É um atentado de múltiplas dimensões. Além de estimular a invasão de hospitais e de colocar em risco a vida dos invasores e dos internados, o presidente, sem nenhuma prova, acusa médicos de forjarem atestados de óbito e governadores de inventarem mortos. Ora, se o presidente estivesse mesmo interessado em saber o que se passa nos hospitais, bastaria acionar seu Ministério da Saúde, que existe para isso, e não atiçar seus seguidores a atuarem como polícia política. “Invadir hospitais é crime – estimular também”, disse o ministro do STF Gilmar Mendes, lembrando o óbvio.

Como salientou outro ministro do STF, Luís Roberto Barroso, é preciso indicar claramente que “há diferença entre militância e bandidagem”. E lugar de bandido, seja ele quem for, é na cadeia.

O Brasil ainda não matou o seu imperador

Joaquim Nabuco (1849-1910) frustrou-se com o levante militar que inaugurou a República em 1889. A 7 de setembro do ano seguinte, o líder liberal que ajudara um gabinete conservador a abolir a escravidão escrevia ao Jornal do Comércio para justificar por que fora e ainda continuava a ser monarquista.

“Por prever que a monarquia parlamentar só podia ter por sucessora revolucionária a ditadura militar, quando a sua legítima sucessora evolutiva era a democracia civil; por pensar que a República seria no Brasil a pseudo-República que é em toda a América Latina.”

E emendava o político, escritor e diplomata pernambucano: “A causa da altivez com que todo brasileiro olhava para o imperador era a certeza de que ele nada podia tentar contra o último dos cidadãos”.

Bingo. Nabuco, mais liberal que monarquista, fornecia a chave para o sucesso dos regimes abertos que se consolidavam no Ocidente: a morte de direito, mas não necessariamente de fato, da figura imperial.


Ela pode até caminhar entre os seres humanos, como o monarca britânico e o tardio Pedro 2º idealizado por Nabuco, mas perdeu os dentes. Tornou-se o emblema de um superpoder que se esvaziou e se pulverizou pela comunidade política. Atua como o lembrete da vitória definitiva da cidadania sobre a tirania.

Não há dúvida de que a República atingira o mesmo fim nos Estados Unidos e na Suíça, argumenta Nabuco. Ele também concede que democráticos eram os ideais originais do Partido Republicano no Brasil.

No entanto “o primeiro grande contingente que ele recebeu”, o apoio de escravocratas ressentidos, “fê-lo perder de vista o povo; e o segundo contingente, o do Exército, que o tornou vencedor sem combate, fê-lo perder de vista a própria República”.

O golpe de 15 de novembro de 1889 substituíra um imperador moribundo por um vigoroso monarca coletivo e fardado. Essa praga tem assombrado a nossa história desde então.

Ou o Brasil mata o imperialismo militar ou a República não florescerá.

Brasil da neo-censura


O espetáculo da pobreza

O Brasil avança rápido para completar uma nova “década perdida”. Vai ser o quarto período consecutivo de crescimento econômico obsceno (média anual de 2,1%).

Desta vez, o ciclo será encerrado na tragédia de uma pandemia. Já são mais de 44 mil mortos sob o desgoverno de Jair Bolsonaro na Saúde.

A lupa do IBGE ajuda a entender o que aconteceu com o país na última década, quando a população passou de 196 milhões para 210 milhões, com um crescimento de 7,1%.

Dobrou o número de favelas. Aumentou 107,7% em apenas dez anos. Eram 6.329 em todo o país, em 2010. Agora são 13.151.

É crescente a favelização das cidades. Em 2010 o muro social era visível em 323 municípios. Foi estendido para 734 cidades — ficou 127,2% maior.

Já são 5,1 milhões de habitações nesses aglomerados subnormais na classificação do IBGE. Eram 3,2 milhões. Aumentou 59% na década.


Uma de cada quatro dessas casas está no Rio e em São Paulo. Mas há cidades como Belém com mais da metade (55,5%) dos lares situados em comunidades. Em Vitória do Jari, no Amapá, nove mil dos 12 mil habitantes (74% da população) sobrevivem em favelas, grotas, palafitas, mocambos ou similares.

O Brasil produziu um espetáculo de pobreza nas últimas quatro décadas. Houve políticas sociais para mitigação dos efeitos, em geral descontinuadas a cada governo. Por isso, nove de cada dez favelas estão a menos de cinco quilômetros de hospitais do Sistema Único de Saúde, mas essas unidades não têm infraestrutura necessária para atendimento.

O quadro de desigualdades tende a ser agravado na surpresa pandêmica com a queda de até 10% no PIB. Sem programas efetivos de renda mínima, democracia tende a se tornar luxo para a maioria.

Há uma ironia histórica nesse ciclo de pauperização. Começou na ditadura e se amplia sob uma coalizão de civis e fardados aposentados que cultuam o obscurantismo militarista.

Negando a Ciência na pandemia e ingressando sem bússola na recessão, o governo Bolsonaro até agora só conseguiu oferecer ao país um futuro baseado na abertura de cassinos e na multiplicação do comércio de armas, com garantia de isenção de rastreamento. Isso, talvez, seja um estágio superior da inépcia.

'As pessoas passam por nós e nós somos invisíveis'

“Senhor Presidente da República, senhor primeiro-ministro, senhor presidente da Câmara [Municipal de Lisboa] venham aqui dar a cara. Não é só Natal e quando há eleições que precisamos das vossas palavras de conforto. Continuamos invisíveis”, acusou António, um dos sem-abrigo que discursou perante as dezenas de manifestantes que se concentraram hoje frente ao edifício do Parlamento em Lisboa.

“A rua não é uma escolha – Queremos casas” era uma das palavras de ordem escrita num enorme lençol atado às grades de segurança da escadaria da Assembleia da República montadas pelos agentes da PSP presentes no local.

A concentração que decorreu de forma pacífica juntou pelo menos três dezenas de sem-abrigo e pessoas desfavorecidas, de todas as idades, da zona da Grande Lisboa: “da Avenida da Liberdade até à ‘Cova da Morte'”, numa referência ao bairro da Cova da Moura.


A manifestação “nasceu na rua” mas contou “inicialmente” com o auxílio do Seara – Grupo de Apoio Mútuo de Santa Bárbara, e foi convocada poucos dias depois do despejo de 13 pessoas carenciadas ou em situação de sem-abrigo e que viviam num antigo infantário, em Arroios (Lisboa) e que servia de “centro de apoio para pessoas carenciadas”.

“Quando sabem que somos sem abrigo pedem-nos seis ou oito meses de caução para um quarto. Não temos direito a nada e temos de correr muitas burocracias. Fartei-me de dar tempo de antena aos políticos. Eu não sou um número, sou uma pessoa”, disse Sara, uma das manifestantes que se queixa da falta de apoios do governo, dos autarcas e da Santa Casa da Misericórdia.

“Precisamos de um teto. Todos os meses as mulheres têm a menstruação e não há apoio para nada, nem sequer para médicos. As pessoas passam por nós e nós somos invisíveis”, disse acrescentando que cada vez há mais pessoas a viver nas ruas de Lisboa.

“Cair na rua é muito fácil mas muitos querem sair da rua e há muitas casas fechadas e nós temos direito a um teto. A melhor solução é pegar nos sem-abrigo e ver as necessidades de cada um. Quem quer sair da rua anda anos em luta e não consegue nada”, queixa-se Sara frisando que “são muitas as casas vazias” na capital.

Sara vive na rua, não tem emprego e sente-se discriminada pela sociedade e pelas instituições.

“Eu sou um ser humano e agora com o ‘covid’ fecharam as instituições, andamos todos ao molhe e as únicas ajudas que temos é roupa. Dão-nos um rendimento mínimo que não dá para alugar um quarto. Os quartos custam 700 euros e nós recebemos 189 euros. Vivemos 20 pessoas num quarto e a alimentação não presta”, diz Sara indignada com a situação em que se encontram “milhares de pessoas”.

Hoje, uma nota do gabinete do vereador da Educação e Direitos Sociais, Manuel Grilo, do Bloco de Esquerda (que tem um acordo de governação da cidade com o PS), refere que desde o início da pandemia já passaram pelos quatro centros de acolhimento de emergência para sem-abrigo criados pela autarquia mais de 500 pessoas.

Segundo o documento, 47 foram encaminhadas para o programa “Housing First”, um projeto financiado pela Câmara de Lisboa em que as pessoas são integradas em habitações tendencialmente individuais e têm um acompanhamento por técnicos que as orientam a gerir uma casa tendo em vista a sua integração social.

A autarquia, segundo a nota, prevê que até ao final do ano um total de 380 pessoas estejam alojadas através deste programa.

Para os sem-abrigo reunidos frente ao Parlamento hoje de manhã o vereador do Bloco de Esquerda “vive fora da realidade”.

“Não há até hoje, dia 15 de junho de 2020 nenhuma casa municipal atribuída a um sem-abrigo”, disse Guerreiro, um dos manifestantes que se mostra indignado com a autarquia.

“As pessoas só servem para votar de quatro em quatro anos, depois não encontramos nenhum vereador da Câmara Municipal de Lisboa a receber a população. Porquê? Questiona o sem-abrigo que transporta um cobertor à bandoleira, uma garrafa de álcool-gel numa mão e na mão esquerda a Constituição da República.

“Trago aqui a Constituição da República Portuguesa porque se alguém do Parlamento aqui vier eu quero relembrar aos ilustres deputados que existe o direito à habitação, mas o país está a ser governado por uma esquerda burguesa que não quer resolver os graves problemas, começando pela habitação”, concluiu frisando que “não há falta de casas vazias em Portugal”.

Miséria, como sempre

O coronavírus colocou de novo no centro do nosso vocabulário uma palavra que a gente ouve há gerações e não consegue se livrar dela: miséria. O palavreado inócuo de sucessivos governos petistas alardeando exitosa “inclusão social” e “combate à pobreza” já havia sido desmentido pelos números antes mesmo da atual tripla crise política, econômica e de saúde pública – e Lula foi beneficiado por um ciclo de bonança internacional que não se repetirá por gerações.

No meio da pior crise de nossa memória o atual governo está demorando (assim como demorou para se adaptar ao jogo político) para entender que miséria é o fator que condicionará todos os cálculos políticos e estratégicos.

Miséria é o que já jogou para o alto o caminho de ação no qual Paulo Guedes insistia ainda naquela semana de março na qual as medidas de emergência foram decretadas. A saber: Guedes dizia que reformas estruturantes (Previdência, tributária, administrativa, de Estado, etc) produziriam dentro de um horizonte político conveniente, o de 2022, o “destravamento” da economia e consequente combate sustentável da miséria.

Ocorre que ela aumentou antes, e inverteu prioridades. A miséria está sendo agravada por uma crise que evidenciou de forma ainda mais brutal o grau de informalidade e vulnerabilidade de vastas camadas da nossa população, especialmente nas periferias das grandes capitais.

Nesse contexto de pobreza gritante e crescente pode-se chamar o conjunto de parlamentares do que se quiser, menos de bobos, e a resposta que articularam até aqui (a de escancarar os cofres públicos) é o reconhecimento político da gravidade de uma situação social que ainda deve piorar antes de talvez melhorar, e não se sabe quando.

Em outras palavras, o dilema imposto ao governo pela miséria do País é como equilibrar o altíssimo custo político de parecer produzir ajuda insuficiente para milhões de necessitados versus o altíssimo custo fiscal de manter programas de renda básica. Diante da claque com que “dialoga” entrando ou saindo todo dia do Alvorada, Jair Bolsonaro já resumiu o problema para o qual ninguém tem solução. “Não tenho dinheiro para seguir nisso muito tempo”, afirmou.

Aproveitou também para repetir que a “culpa” é de governadores, do STF, de “terroristas” manifestantes, da imprensa ou, mais recentemente, da OMS, que estaria, por motivos políticos, interessada em “quebrar o Brasil” (desalojá-lo do poder, entende-se).

Bolsonaro evidentemente aprecia os benefícios político-eleitorais trazidos por programas de distribuição de dinheiro, conforme demonstram as pesquisas. Porém, reconhece que não há mais espaço fiscal para criação de despesas obrigatórias (como prestação de benefícios desse tipo) – a não ser que se arrisque levar as contas públicas à insolvência.

Na busca desenfreada por uma resposta ao “que fazer” surgem as propostas lacradoras de internet, como a de reduzir salários nos três Poderes. É um poderoso símbolo, mas no mundo dos números ainda insuficiente para combater a miséria. Ou a de colocar na frente de qualquer outra reforma a do sistema tributário, que ajudasse, pela simplificação, a diminuir a informalidade – portanto, ampliando o alcance de benefícios sociais.

Como é fartamente sabido, o grande obstáculo a qualquer reforma tributária é a ausência de lideranças políticas capazes de refazer o pacto federativo, fora descascar o abacaxi de equilibrar o jogo de interesses de múltiplos grupos econômicos e corporativistas.

Todos que lidam com história de campanhas políticas lembram da célebre frase de marqueteiros americanos quando tratavam de convencer um candidato à presidência (Bill Clinton) a manter o foco. “It’s the economy, stupid.” No Brasil a miséria impõe outra prioridade. “It’s the social, stupid.” É simplesmente não deixar pessoas morrerem de fome. E a gente achava que já tinha deixado isso para trás.

A caminho do abatedouro

No auge da pandemia no Brasil, o que fazem governadores e prefeitos? Jogam a toalha, vencidos por pressões econômicas e pela campanha de sabotagem permanente empreendida pelo presidente Jair Bolsonaro. Relaxam a quarentena —que sempre ficou longe do ideal— e oferecem carne fresca ao vírus insaciável.

Como chegamos até aqui? O roteiro foi escrito pelo sabotador-geral da República. Alguns exemplos: “gripezinha”, “resfriadinho”, “todos nós iremos morrer um dia”, “e daí?”, “quer que eu faça o quê?”, “não faço milagre”, “vai morrer muito mais se a economia continuar sendo destroçada por essas medidas”, “um bosta do prefeito faz a bosta de um decreto, algema e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse (sic) armado [o povo], ia para a rua”. Por fim, a incitação ao crime: “Tem um hospital de campanha perto de você, tem um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar”.

A população pobre teve enorme dificuldade de cumprir as regras de isolamento social não porque goste de bater perna nas ruas à toa, mas porque milhões de brasileiros, por assim dizer, vendem o almoço para pagar o jantar ou vice-versa. Confinar as pessoas em casa teria sido possível se o governo tivesse a capacidade de distribuir o auxílio emergencial a quem realmente precisa, com boa vontade e presteza. Mas, não. Milhões de necessitados ainda não conseguiram sequer se cadastrar enquanto milhares receberam indevidamente, inclusive militares. A incompetência do governo federal é evidente também na falta de testes para a população, o que dificulta projeções sobre a doença.

Reportagem de Eliane Trindade, publicada nesta Folha, em 29/3, mostrou que o vírus pegou carona na primeira classe dos aviões para chegar ao Brasil. Hoje os mapas de incidência da contaminação mostram que a peste se alimenta do sangue das periferias. Estamos diante de um mal disfarçado projeto de eugenia. E o povo, apinhado em ônibus, trens e metrôs, vai sendo tocado como gado, rumo ao abatedouro.
Cristina Serra

Oração ao tempo que não passa

Desculpe, Cazuza, mas é o contrário. O tempo não passa. Não sei se há três meses, se três séculos - o tempo deixou de ser um senhor com razão –, eu sigo trancafiado. Sem saber que dia é hoje, como será o amanhã, pergunto ao tempo confuso, criador do desatino de pôr o calendário de cabeça para baixo: quando eu sair, este futuro do pretérito mais que imperfeito, ainda haverá Hidrolitol à venda no Dragão da Rua Larga?

Desculpe, Millôr Fernandes, mas o tempo não urge, não ruge e nem sai de cima. O tempo está devagar quase parando, um bonde cheio de estações vazias, sem motorneiro e nunca chega ao fim da linha. Não são três meses, mas três décadas de clausura. Na última vez que estive numa calçada, se o tempo congelado não me turvou o cristal da menina dos olhos, comi um Diabólico no Gordon da General Osório.

Desculpe, Drummond, mas você falava no tempo disso, no tempo daquilo outro e, como é comum aos poetas sonhadores, lamentava a inexistência do tempo do nada – pois ele chegou, meu caro, e eu vou te contar o caso. É um nada atrás do outro. Decepcionante. Todo dia tem sido sempre o mesmo dia, em seguida é o dia de São Nunca e sobre o depois de amanhã ninguém sabe informar ao certo.

Em meio a esse desvario do tempo, no mesmo dia em que me enfiei nesta quarentena de datas malucas, tiraram do ar a Rádio Relógio. A locutora me assoprava o acalanto apaziguador de que o mundo ia em frente, tudo estava em seu lugar, e que depois do sol quem iluminava meu lar era a Galeria Silvestre, a galeria da luz. Onde se escondeu essa civilização tão bem organizada de segundos, minutos e horas, cada um deles em marcha perfeitamente assimilada para os corpos de todo o planeta agendarem suas existências?

Desculpe, Waldir Amaral, mas aquele “O relógio maaaarca” cheio de eco que você dava da cabine da Rádio Globo no Maracanã, uma pérola de filosofia popular avisando que a vida tem um tempo regulamentar para se esgotar – desculpe, grande mestre dos estádios, mas o grito perdeu a lógica. O relógio tem marcado sempre a mesma hora. Tem sido sempre o mesmo jogo de toques para os lados, da sala para a cozinha, tudo naquela cadência sonolenta do Ademir da Guia. Ninguém tem noção de quanto tempo falta, se haverá prorrogação para a volta ao grande jogo da existência e quais as regras. Será preciso tirar o sapato para entrar na casa delas?

Desculpe, Caetano Veloso, mas o tempo cantado em tua oração deixou de ser contínuo, e eu francamente não sei mais se serei ou terei sido, tal a confusão que o trancafiamento me acometeu à cronologia da alma. O passarinho do relógio ficou maluco. Deixou todo mundo assim também, sem corda, sem saber em que ano estamos e a quantas vamos. Ainda fumam Pullman no boteco da esquina? Entre uma tragada e outra, há lá fora nas ruas quem arremate uma piada cutucando a barriga do amigo com um brincalhão “Morou, Moraes? Se não morou, não mora mais” – e cai na gargalhada?

Será que ao fim e ao depois desse apagão geral da ordem natural do tempo, ainda haverá quem caia na gargalhada? 

Pensamento do Dia


Um governo em cuecas

Disse o mais nervoso: “perseguem a mim e a minha família”. Ecoou um segundo: “tô levando bordoada e correndo risco; podemos perder este país; nenhum de nós vai se dar bem se perdermos o país”. Uma terceira voz acompanhou: “nossos valores estão sob risco em 30 anos, trata-se da maior violação dos direitos humanos”. Um mais velho, cabelos brancos, de quem se poderia esperar mais serenidade, não ficou atrás: “somos diferentes deles, por valores; é tiro, porrada e bomba; botamos a granada no bolso do inimigo; não vamos perder o rumo, não podemos perder o rumo”. Reclamou um quinto dos controles: “o tribunal é uma usina de terror; se faz alguma coisa — tá arriscado a ir para a cadeia”. “É que a mídia é enviesada, joga medo”, completou mais um. “Eu matava ou morria". "Acabo na cadeia”, exclamou um outro. O líder da reunião fechou a rodada: “querem a nossa hemorroida e a nossa liberdade, que vocês saiam da toca, que se exponham, não podem deixar que eu leve porrada sozinho, que o povo se arme” e exclamou, épico: “um povo armado jamais será escravizado”.



Parecia uma reunião de alguma organização política clandestina, prestes a ser destruída por forças poderosas. Nada disso, era o governo de uma república por nome Brasil que fazia uma reunião de ministros de Estado para discutir um plano de desenvolvimento. Aconteceu há menos de dois meses, e a reunião, secreta, acabou divulgada pelos meios de comunicação.

Para os historiadores e demais dedicados às Ciências Humanas, um maná, caído do céu. Acessar um documento deste tipo depois de 40 ou 50 anos é uma raridade. Em dois meses? Não há precedentes na história. Transcrição e autenticidade asseguradas por peritos e controlada pela Justiça. As pessoas pronunciando-se com franqueza desembestada e não para o "distinto público". Por mais que se dê um desconto, pois estavam "entre eles", e não seriam capazes de dizer o que disseram em público. E um outro desconto para a venerável instituição do puxa-saquismo, visível na competição para ver quem era o mais agressivo e o mais cafajeste (aspectos enaltecidos pelo chefe), estavam ali os que governam o país, sem meias-tintas, uma transparência absoluta, quase desumana. Expostos. Expondo-se.

Enquanto a sociedade move-se preocupada face aos sinais de um processo autoritário em curso, a democracia em risco, as instituições balançando, ameaçadas pela intolerância dos governantes. Num contexto de manifestos que se divulgam nas mídias, congregando milhares de assinaturas em defesa das liberdades e de passeatas que já se esboçam, prometendo resistência a aventuras desejosas de reinstaurar ditaduras no país, a nação descobre, pasma, que são "eles" que se sentem cercados, ameaçados. São "eles" que se acham imprensados, vigiados, tolhidos, mal informados, perigando irem para a cadeia, para o trabalho compulsório, para o exílio, para a morte.

Estranhos e perigosos governantes: perseguem e se julgam perseguidos. Querem controlar e temem ser controlados. Reprimir e se acham reprimidos. Desejam prender e arrebentar, como dizia em época não tão remota, um esquecido general, porém, se declaram na iminência de serem presos e arrebentados. Imaginam matar, contudo, deliram como ameaçados de morte. Cercam e se sentem cercados.

A isso se chama paranoia em psicanálise. E não há como escapar da assombrosa conclusão de que estamos sob regência de um governo paranoico, que será capaz de tudo para evitar ou impedir o pleno funcionamento da democracia neste país.

Em meados dos anos 1950, Raimundo Magalhães Júnior lançou um livro divertido: “O império em chinelos”. Um apanhado das críticas ferinas desferidas pelos humoristas e caricaturistas da época. Na capa, o imperador Pedro II caía de bunda do trono, as pernas para o alto. Um livro bem-humorado.

Na reunião de 22 de abril passado, o governo brasileiro apareceu em cuecas, não em chinelos, e o quadro que se desenhou não é nem um pouco engraçado. É crítico e assustador e requer cuidado, decisão e coragem, mas...vai passar.

Previsões?

Nalguns países, por diversos motivos, a relação de forças vai ser favorável aos que não querem deixar que o autoritarismo prevaleça; noutros, pode pender para os que defendem políticas autoritárias. Temo que, no caso do Brasil, seja esta última a saída mais próxima.


Bolsonaro foi eleito com a ajuda de uma grande máquina, da qual ele depende e que não controla. Quando a máquina entender que o Presidente já não lhe serve, tudo vai mudar. Ele é uma emanação dos diferentes interesses que estão na rede capilar do poder executivo: a ala militar, a ala económica e a ala responsável pela condução das almas, que são certas igrejas evangélicas.
Diogo Sardinha 

Ópera bufa

O país virou uma grande ópera bufa, que não termina em tragédia, mas pode se transformar, como aconteceu com o gênero do século XVIII, que começou como um mero entretenimento no intervalo das óperas sérias e acabou ganhando autonomia. 

Temos que torcer para que o governo Bolsonaro seja apenas o intervalo, o mais curto possível, que nos levará, aos trancos e barrancos, à peça principal. Os personagens cômicos da ópera bufa sempre existiram, mas saíram do baixo clero para o proscênio nessa quadra de pandemia e pandemônio. 



Um Mussolini de hospício surge de repente num cavalo branco emprestado, fantasiado de presidente do Brasil, que mais e mais torna-se mesmo uma republiqueta de bananas. Um personagem do grande Chico Anysio, guiado pelo absurdo, vivia repetindo “Eu odeio pobre”. Pois temos até um ministro, Abraham Weintraub, supostamente da Educação, que disse na fatídica reunião ministerial de abril: “Eu odeio a expressão "povos indígenas”. 

Os militares que abundam na estrutura burocrática de nosso serviço público acabam levando ladeira abaixo o prestígio das Forças Armadas que, inertes, não reagem a essa corrosão de imagem que já é registrada em pesquisas de opinião. Por falar nelas, quando, em um país sério, a possibilidade de um golpe militar se transformaria em conversa de botequim (quando os botequins estavam abertos) ? 

Ou serviria para dar um ar de seriedade a uma militância de extrema-direita mais cênica do que real, mas nem por isso tolerável e menos perigosa, acampada sob a denominação genérica de 300 ? O nome vem do filme baseado em uma história em quadrinhos de Frank Miller, com o brasileiro Rodrigo Santoro no papel do rei persa Xerxes. Classificado como propagador da violência militar e da eugenia, o filme ficou marcado como de extrema-direita, o que justifica o nome do grupo de Sara Giromini, dita Winter, que nem chega perto dos 300 de Esparta na Batalha das Termópilas.

São alguns gatos pingados estimulados pela retórica agressiva do governo Bolsonaro, sendo o próprio presidente um propagandista do grupo. Na falta de material humano suficiente para tornar realidade suas bravatas, sobra à terrorista visão marqueteira para impressionar a opinião pública. Desde encenar na frente do Supremo Tribunal Federal uma patética mimetizacão da Klu Klux Klan, com seus capuzes e tochas acessas, outro símbolo da direita selvagem, até atacar o (STF) com fogos de artifício. 

Foi tardiamente presa, menos pelo que pode fazer do que pelo simbolismo de suas ações midiáticas. Como se estivéssemos em uma ópera bufa, o cavaleiro glorioso não passa de um mau soldado seguido por uma vivandeira de quinta categoria. Ambos tornam vexaminosos os enredos em que se metem, e levam junto consigo a credibilidade das Forças Armadas. Pelo menos enquanto os militares que o cercam não forem desautorizados de representarem o Exército no apoio às loucuras de Bolsonero, como o apelidou a revista inglesa The Economist, representante maior do liberalismo econômico, e não um panfleto comunista. 

O vice-presidente Hamilton Mourão, que tem o hábito de escrever e declarar uma coisa e depois explicar com seu oposto, disse que Bolsonaro não conta com as Forças Armadas para um autogolpe: “ (...) ele sabe que as Forças Armadas não o acompanharão em uma aventura dessa natureza. É isso que ele quis dizer”. 

A exegese de Mourão seria importante se não estivesse banalizada pela sua própria incoerência, assim como o golpe militar está tão vulgarizado que já se tornou uma paródia de si mesmo. Está claro há muito tempo que é preciso desbaratar a rede que financia fake news, ataques à democracia e manifestações como as que foram feitas em frente ao Palácio do Planalto e ao QG do Exército. 

É uma turma que trabalha com a intenção de pressionar o STF, o Congresso e outras instituições e nunca recebeu qualquer crítica do presidente Bolsonaro. E essa investigação vai acabar conectada ao inquérito das fake news no STF e do financiamento ilegal na campanha presidencial de 2018 que corre no TSE. 

Nesse novo mundo pós-pandemia, o Brasil tornou-se um pária entre as nações ocidentais. Um país que, por incúria e negligência de um governante insano, se colocou no ranking dos mais atingidos pela pandemia, levando a que fronteiras sejam fechadas à sua gente e a seus produtos, já atingidos pela péssima fama das políticas ambientais do governo.

Bolsonaro: fato ou fake?

Nesta semana, completo um ano como colunista quinzenal de política do Estadão. Foram 27 colunas, nas quais abordei vários temas relacionados ao desenho institucional e ao funcionamento da democracia brasileira, especialmente as interações e conflitos entre o Executivo, Legislativo, Judiciário e a sociedade. Um dos temas mais recorrentes foi a discussão sobre a solidez/fragilidade de nossa democracia. Procurei me contrapor à interpretação dominante entre os meus colegas cientistas políticos e articulistas que acreditam que a democracia está sob risco iminente com a presidência de Jair Bolsonaro.

Neste primeiro aniversário da coluna, “dobro a aposta”. Afirmo que as ameaças do presidente Bolsonaro à democracia brasileira são falsas. “Não críveis”, como dizemos no jargão da ciência política. Não porque Bolsonaro seja um democrata convicto ou porque não tente, a todo momento, fragilizar as instituições democráticas do País. Bolsonaro já deu inúmeras demonstrações, mesmo antes de ser eleito, do seu pouco apreço pelos procedimentos, ritos e valores democráticos. Nem mesmo aqueles eleitores sem qualquer vínculo identitário com o reacionarismo que Bolsonaro representa podem se sentir enganados pelo presidente. Ou seja, não podem hoje alegar que compraram “gato por lebre”.


Pode parecer paradoxal, mas o funcionamento pleno da democracia não requer de seus cidadãos, e nem tampouco de seus governantes, convicções ou “profissões de fé”, ou mesmo comportamentos consistentes com os valores democráticos. Não resta dúvida que melhor seria se uma parcela cada vez maior de eleitores e de atores políticos acreditasse e confiasse que seus conflitos pudessem ser resolvidos institucionalmente.

Entretanto, a estabilidade e a qualidade da democracia não se medem por convicções, mas pelo respeito aos procedimentos e, especialmente, pela capacidade de reação das instituições democráticas e da sociedade de impor perdas diante de potenciais comportamentos desviantes de seus governantes. Neste quesito particular, o Brasil tem sido um exemplo entre as democracias, inclusive as mais consolidadas.

Mas quando, afinal, populistas eleitos democraticamente são capazes de transformar suas ameaças em fato? A resposta a essa pergunta é clara: quando as instituições e a própria sociedade não apresentam capacidade de resistência e de reação à altura das ações que pretendem subvertê-las. O potencial de populistas, como Bolsonaro, de causar estragos duradouros à democracia está sempre presente. Mas esse potencial é diretamente relacionado a sua capacidade de, por um lado, expandir os seus poderes e, por outro, de enfraquecer os demais. Mas, esse potencial tem sido mitigado, pelo menos até o momento, pela atuação firme das organizações de controle e da vigilância implacável da mídia e da sociedade a qualquer irregularidade ou descaminho seguido pelo governo.

O governo Bolsonaro, na realidade, tem amargado perdas sucessivas tanto no Legislativo como no Judiciário. A avaliação negativa de seu governo não para de subir. Seus vínculos com a sociedade têm se restringido a um núcleo duro cada vez menor de conservadores identitários. O inquérito das fake news no STF tem um potencial devastador sobre o seu governo. Além do mais, estamos testemunhando a ação conjunta de várias lideranças políticas de matizes ideológicas distintas em favor da democracia que não se deixam enganar pala astúcia que espreita sob as bravatas do presidente.

É a atuação das organizações de controle e da sociedade que de fato tem revelado o quanto são falsas as potenciais ameaças de Bolsonaro à democracia.

Bolsonaro é, de fato, fake!

Os dentes afiados da realidade

A semana passada houve certa comoção em Espanha e em Portugal, com a notícia de que um crocodilo do Nilo, um animal perigoso, que pode crescer até alcançar os seis metros, fora avistado no Rio Tejo. Afinal, era uma simples lontra.

Isto das pessoas olharem para uma lontra e verem um crocodilo, parece-me uma boa ilustração dos tempos que correm.

Também acontece o inverso: onde está um crocodilo, há quem insista em ver uma lontra. É o que se passa com o presidente Jair Bolsonaro, em relação ao número de mortes resultantes da epidemia de Covid-19. “Tem um monte de crocodilos por aí comendo gente”, alertam os especialistas. Bolsonaro encolhe os ombros flácidos e grita: “São lontras, p****! Duas ou três lontrinhas de merda! Querem f**** com minha família?!” — e nessa mesma tarde emite um decreto-lei equiparando os crocodilos a lontras. Por via das dúvidas, determina também que leões, panteras, jaguares, ursos e outros animais perigosos passem a ser considerados lontras.

— São todos lontras, p****! — Explica aos assessores, perplexos (aqueles que ainda têm a capacidade de se perplexizar). — Todos os f***** da p*** desses crocodilos do c****** são a partir de agora lontras fofinhas. 



No dia seguinte um general entra a medo no gabinete do Presidente da República para relatar que as lontras fofinhas andam comendo muita gente.

— Que comendo o quê, c******! — Irrita-se sua excelência. — Elas andam comendo é o c* da senhora sua mãe.

Para acabar de vez com as fake news, o presidente Jair Bolsonaro emite então um decreto-lei, determinando que as pessoas comidas por lontras fofinhas não podem mais ser consideradas pessoas, mas peixes — afinal, lontras comem peixes.

Durante alguns dias a situação parece acalmar. Os jornais destacam a infestação de lontras em todos os estados do país, e a quantidade impressionante de peixe que as mesmas andam devorando, mas essa questão deixou de ser do domínio da política. Como o Presidente da República faz questão de explicar a um repórter particularmente perplexo:

— Lontras comem peixes, é da ordem natural dessa p**** toda: a vida! Quando os peixes começarem a comer as lontras, aí, sim, me avisa. Entretanto cala a boca, comunista de m****!

Chegará a noite, em que ao entrar nos seus aposentos para repousar das inumeráveis fadigas do poder, o Presidente da República encontrará um crocodilo estendido na sua cama, de boca aberta. Há de ser um crocodilo enorme, bem nutrido, sólido como um inselberg.

— Olha a p**** da lontra! — Dirá Jair sacando do revólver. — Morre, comunista, morre!

E pum! Pum! Pum!

Acontece que a realidade tem o couro duro e os dentes aguçados. Assim, acabará devorando o Presidente da República, com todas as suas insígnias e medalhas, os seus palavrões e a sua persistente fixação anal.

— Os comunistas andam criando lontras à prova de bala. — Dirá Bolsonaro ao desembarcar no Inferno, diante de um Satanás perplexo e visivelmente assustado. — Mas pelo menos voltei para casa. Eta, rapaz, que calorzinho bom!…