sábado, 28 de novembro de 2015

O PT despreza a democracia e seus valores fundamentais

“Nem Meireles, nem Levy, eu quero a Dilma que elegi”. Esse era o grito de guerra entoado pelos membros da Juventude do PT, após seu último congresso, realizado em Brasília. Neste mesmo evento, os petistas expuseram uma faixa que exibia os dizeres “GUERREIROS DO POVO BRASILEIRO”, e os rostos de João Vaccari Neto, Delúbio Soares, José Genuíno, João Paulo Cunha e José Dirceu. Não por acaso, todos os homenageados na faixa são petistas que estão presos e condenados por diversos crimes, tais como lavagem de dinheiro e corrupção.


O PT apela para a defesa da democracia para acobertar sua presidente, ao tempo em que homenageia criminosos condenados pela justiça. Não haveria uma contradição em tais atitudes? É possível ser um democrata ao tempo em que se protegem corruptos? Sem dúvidas, a democracia não combina com defesa da impunidade. As atitudes do PT demonstram que, na verdade, o partido despreza a democracia e seus valores e instituições fundamentais.

A democracia consolidou-se somente após três grandes revoluções liberais, quais sejam: a Revolução Gloriosa da Grã Bretanha, a Revolução Americana e a Revolução Francesa. Em seguida, nos séculos XIX e XX, a aplicação dos princípios liberais dentro das democracias ocidentais levou o mundo a um patamar de desenvolvimento nunca antes visto. Isso implica dizer que a riqueza e a qualidade de vida observados nos países desenvolvidos depende tanto do liberalismo quanto da democracia. Tal afirmação encontra apoio na obra de Mises[1], e também na teoria de Acemoglu e Robinson[2].

Resta claro que a democracia é de suma importância para o desenvolvimento e para a qualidade de vida dos indivíduos. O que não é tão cristalino, todavia, é o próprio conceito de democracia. Na verdade, existem diversos conceitos, que podem ser aglutinados para a formação de uma definição satisfatória. Assim, a partir da análise dos conceitos de Kelsen, Bobbio e Sartori, dentre outros, pode-se dizer que a democracia é o sistema de tomada de decisões, baseado na regra da maioria, que tem por finalidade resguardar os princípios da igualdade e da liberdade. Para tanto, requer diversas instituições fundamentais, tais como (i) a realização de eleições livres, justas e periódicas, (ii) liberdade de imprensa, (iii) proteção dos direitos fundamentais da minoria, (iv) identidade entre governantes e governados, e (v) responsabilidade do chefe, dentre tantas outras.

A liberdade é, junto com a igualdade, um dos princípios fundamentais da democracia. Como ressalta Pontes de Miranda[3], a democracia requer liberdade porque o voto sem liberdade é mera obediência a uma ordem. Por outro lado, a liberdade requer democracia, porque somente o cidadão livre de uma democracia pode influir na vontade do Estado (ente que limita sua liberdade)[4]. A liberdade da democracia se desdobra em diversos direitos fundamentais, como a liberdade religiosa, a liberdade de manifestação de pensamento, a liberdade de locomoção, a liberdade física e a liberdade de imprensa, de tal modo que a limitação indevida de qualquer uma dessas liberdades significa o fim da democracia.

Ocorre que o PT despreza a liberdade de imprensa. Esse é o primeiro ponto de atrito entre a democracia e a ideologia petista. A regulação dos meios de comunicação em prol da hegemonia do partido é um antigo sonho do PT. Nesse sentido, o partido tentou, sem sucesso, instaurar um “controle social da mídia”, a fim de calar as críticas da imprensa livre. Ante o insucesso da primeira medida, o partido volta agora suas atenções para a “regulação econômica da imprensa”. O novo objetivo é atacar os grandes grupos de comunicação, fatiando-os, além de realizar uma espécie de controle indireto, por meio do domínio das receitas publicitárias. Some-se a isso o fato, repetidas vezes noticiado na imprensa livre, de o PT utilizar verbas públicas para financiar “blogs sujos”, cujo único objetivo é defender o governo e atacar qualquer um que o desagrade.

Ademais, a democracia também requer a regra da responsabilidade do chefe. Segundo Kelsen[5], o regime democrático pressupõe que, assim como todos os cidadãos, o chefe (ou governante) se submeta às leis e responda integralmente por seus atos.

Todavia, o PT não pensa dessa forma. Na verdade, o PT despreza o princípio da responsabilidade do chefe. Para o partido, todos os crimes cometidos por seus membros de alto escalão devem ser perdoados. O PT acredita que seus membros estão acima da lei que se aplica aos demais brasileiros. Essa postura pode ser claramente observada nas notas de apoio emitidas pelo partido em favor de João Vaccari Neto, Delúbio Soares, José Genuíno, João Paulo Cunha e José Dirceu. Mais que isso, conforme já mencionado, os membros do partido condenados são tratados como heróis pelo petismo.

A democracia também requer eleições justas e livres. Somente o processo eleitoral pode garantir a realização de um governo de modo “sensível e responsável perante a opinião pública”[6]. Todavia, o PT despreza essa regra. Conforme amplamente noticiado na imprensa, diversos delatores da Operação Lava Jato, dentre eles Ricardo Pessoa e Salim Sachim, relataram que pagaram propina ao PT, e que o dinheiro fora utilizado para abastecer as campanhas de Lula, em 2006, e Dilma, em 2014. Ora, não há eleições justas quando um dos partidos tem sua campanha financiada por dinheiro desviado de uma empresa estatal. Ressalte-se que tais delações premiadas (ou colaborações judiciais) são importantes meios de prova admitidos em processos judiciais em curso.

Por fim, a democracia requer igualdade, especialmente igualdade perante a lei. Essa regra implica que (i) a cada cidadão deve ser atribuído o mesmo peso na formação da vontade do Estado, que (ii) a lei deve ser aplicada com a mesma severidade a todos, e que (iii) o Estado deve proteger direitos individuais e evitar favoritismos.

No entanto, o PT despreza a regra da igualdade. O que quer o partido é instaurar no Brasil uma espécie de Estado Estamental ou “Neofeudal”, em que aos amigos tudo é permitido. Isso pode ser observado na atuação petista justo aos “movimentos sociais”. No ano de 2014, a Presidente Dilma editou o chamado “decreto bolivariano”, no sentido de implantar os “conselhos populares” nos órgãos da administração pública. Tais conselhos seriam compostos por integrantes dos “movimentos sociais” aliados políticos do partido. O referido decreto feria de morte a igualdade da democracia, pois concedia um poder extraordinário aos grupos escolhidos pela autoridade central (não por acaso seus apoiadores políticos). Em outros termos, o decreto criava duas categorias de cidadãos, os comuns, que apenas poderiam votar, e os membros de “movimentos sociais”, dotados de especial poder de decisão junto à Administração. Felizmente, o famigerado decreto bolivariano fora derrubado, ainda no mês de outubro de 2014, pela Câmara dos Deputados.

Outro exemplo do desprezo petista para com a igualdade reside na sua postura junto ao MST. Embora seja reincidente na prática de crimes como invasão de propriedade privada e depredação de patrimônio público, o MST é constantemente patrocinado por verbas públicas. Obviamente, essa proteção atende aos interesses eleitorais do PT.

Por fim, cabe lembrar que a democracia requer dois valores basilares, quais sejam: igualdade e liberdade, bem como a presença de diversas instituições fundamentais, tais como a liberdade de imprensa, a responsabilidade do chefe por seus atos, e a publicidade dos atos administrativos, dentre outras. Ante isso, os fatos demonstram que a conduta do PT é consistente no sentido de violar ou tentar violar sistematicamente os fundamentos da democracia. Portanto, está claro que o PT despreza a democracia. Em outros termos, resta evidente que o PT é inimigo da democracia, porque esta não tolera o privilégio e a impunidade pretendidos pelo partido.

A coreografia das trevas

Millôr Fernandes escreveu certa vez que “tarado é uma pessoa normal surpreendida em flagrante”, sugerindo que o ser humano, na sua dualidade, abriga zonas de sombra que, em alguma medida, o levam a práticas e desejos inconfessáveis.

“Se as pessoas pudessem ler o pensamento umas das outras, ninguém se cumprimentava”, resumiu Nélson Rodrigues.

O preâmbulo vem a propósito do senador Delcídio do Amaral, líder do governo, flagrado esta semana em prática, que, embora obscena e criminosa, não é estranha a quem circula no meio político – hoje e em qualquer tempo, aqui e em toda parte, mas hoje, convenhamos, mais aqui que em qualquer tempo ou qualquer parte. Que o digam os investigadores da Lava Jato.

A coreografia das trevas (Foto: Arquivo Google)
A História mostra que a saga humana se decide mais nos bastidores e subterrâneos que no palco iluminado dos plenários e tribunas. Prevalece, frequentemente, a coreografia das trevas.

Delcídio foi, digamos, ao banheiro sem perceber que a porta estava aberta. Suas excreções morais foram captadas por um gravador – e foi essa circunstância, providenciada previamente por seu interlocutor, Bernardo, filho do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, que deflagrou o desastre em que está metido.

Não fosse isso, e teria saído sorridente da conversa, exibindo todo o prestígio de seu cargo e reputação, na certeza de que cumprira apenas mais um ato rotineiro do que se convencionou chamar de “negociação política” - ou quem sabe “missão política”.

Ele, de fato, era tido, por aliados e adversários, como um grande articulador; daí ser o líder do governo.

A reação no meio político evoca mais uma falha técnica que moral. Lula chamou-o de “imbecil” e classificou de “burrada” o que fez (desmentiu posteriormente, mas há diversas testemunhas de seu desabafo, segundo a Folha de S. Paulo). Foi, em síntese, um amador. Rui Falcão, presidente do PT, limitou-se a dizer que não se solidarizava pois “ele não estava em missão partidária”. Ah, bom.

Não houve, nos dois casos, condenação moral. No próprio Senado, que não teve como revogar a prisão, seus colegas confessavam estar constrangidos, mas ressaltavam ser ele um grande sujeito, um amigão e parlamentar competente.

Não era momento para elogios, de onde se deduz que, acima da condenação, ouviu-se um lamento – e um sinal preocupante de que a taxa de imunidade parlamentar perdeu substância. Houve ainda quem votasse por sua libertação: 13 senadores, ironicamente o número da legenda do PT, partido do condenado.

A presidente Dilma, informam os jornais, estaria preocupada – afinal, era o seu líder - com “as mentiras que ele poderá dizer”, pondo assim em cena um inédito desmentido prévio.

A preocupação, com certeza, é outra: é com as verdades que, em circunstância extrema, quem já perdeu tudo poderá revelar, em busca de atenuar sua pena. A Lava Jato tem levado à delação premiada gente habituada a conviver com o sigilo.

Delcídio, que deverá perder o mandato de senador, não é um político qualquer: era o líder não do PT, mas do governo – amigão do Lula e da presidente. Encontrava-se com Lula semanalmente. Por isso, deixa uma dúvida no ar: estaria em missão pessoal ou, digamos, política?

Afinal, o que engendrou – o silêncio e a fuga de um detento que é uma caixa preta de Dilma e Lula nos escândalos da Petrobras – não interessava apenas a ele, Delcídio. E qualquer investigação policial parte sempre de uma pergunta: a quem interessa o crime?

Entre as “falhas técnicas” cometidas pelo senador, uma selou o seu destino: a de ter se referido nominalmente a ministros do STF, o que resultou no rito sumário de sua prisão.

Ele, na gravação, tenta convencer o filho de Cerveró de que conseguiria emplacar um habeas corpus, pois tinha prestígio com alguns ministros. E os cita. Estes, diante disso, não tinham saída senão proclamar isenção, condenando-o.

Delcídio, assim, acabou prestando involuntariamente um serviço público: o STF, que já foi acusado de tentar melar a Lava Jato, com o fatiamento do processo, não tem agora como recuar da indignação exibida em relação a esse caso.

Num momento como este, de grave crise moral, nada como uma Corte Suprema indignada. Grato, Delcídio.

Isso poderá acelerar – espera-se que sim – ações análogas em relação a outros parlamentares, implicados na Lava Jato. O ineditismo de um senador preso em pleno exercício do mandato poderá perder essa conotação em breve.

Mais: a delação premiada de Nestor Cerveró, o homem-chave da negociata de Pasadena – que o então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli considerou “um bom negócio” -, poderá estimular outras; a do próprio Delcídio, pressionado pela família a contar a história completa. Não convém contrariar a família.

O preço do desastre

A tragédia de Mariana poderia ter sido evitada se o Ibama tivesse ordenado, quatro meses antes, o embargo da barragem de Fundão porque a mineradora havia desmatado mais do que o permitido em uma área.

O cumprimento da ordem ficou agarrado na burocracia do órgão, e a mineradora pôde continuar a sobrecarregar a barragem de rejeitos, a fim de compensar, com a superprodução, a queda nos preços internacionais do minério.

Ante a inércia e a conivência do Estado, venceu a lógica empresarial: a barragem poderia não se romper. No ano passado, a mineradora teve o maior lucro líquido em relação ao recolhimento de impostos no Estado.

Governos e empresários acreditam que o ambientalismo é contra a economia. Na verdade, o passivo ambiental de hoje, provocado por um desastre como o de Mariana, representa o passivo fiscal de amanhã.

Diante de um desastre, a infraestrutura tem de ser reparada, e recuperados os serviços essenciais, aumentando o déficit público. As empresas se eximem da responsabilidade, e os governos socializam os prejuízos.

Entre 2002 e 2012, os desastres ambientais custaram R$ 278 bilhões ao país, de acordo com um relatório do Grupo de Economia do Meio Ambiente da UFRJ. Cerca de 25% dos brasileiros foram afetados por catástrofes.

O número de desastres triplicou em 20 anos, passando de 3.556 entre 1991 e 2001 para 10.066 entre 2002 e 2012. Para reagir às catástrofes naturais, o país precisaria de R$ 25 bilhões por ano – o mesmo valor do Bolsa Família.

Por isso é tão importante prevenir esses desastres. Empresas e governos, geralmente, estão despreparados para enfrentá-los. Durante vários dias nada foi feito para conter a lama que saiu de Mariana até ela chegar ao mar.

A tragédia veio mostrar que os efeitos de um desastre ambiental não afetam apenas os que lhe estão mais próximos, mas atingem uma vasta região, durante muitas décadas, para algumas pessoas e animais pela eternidade.

Aqui ainda há um país

Cadê o Brasil? A sombra dele esteve na decisão do Congresso para manter Delcídio Amaral no lugar certo. Chocada, eu? Não. Experimento a repulsa serena, sedimentada, resoluta, curável apenas com o banimento do PT da vida pública, com a prisão do jeca mentor da inédita degeneração – pública e a olhos vistos, privada e íntima com família e amante no meio, pessoal com a história vitoriosa arruinada pelo caráter miserável – e o impeachment de Dilma Rousseff, a mulher honrada que já escolheu o substituto de Delcídio na liderança do governo: Wellington Fagundes, que responde no STF por peculato e está envolvido no escândalo dos Sanguessugas.
A culpa da luxuriante escalada da corrupção sob o lulopetismo não é do capitalismo, ao contrário do que bradam os-seres-humanos-muito-gente (aqueles que desenham corações no ar ou mandam – que aflição! – um beijo-no-seu-coração), uma gente maçante, tristinha com a ganância-do-grande-capital. Ora, o grande-capital vai muito bem em ditaduras de esquerda que, reza a lenda, são antagônicas ao capitalismo e ao grande-capital.

Também tem lucro certo quando se associa aos donos de grotões africanos e a caudilhos latino-americanos que, entre o autoritarismo de esquerda e o de direita, deleitam-se com ambos. Para facilitar a vida dos cafajestes, aqui inexiste um corpo são e mente sana de leis que igualem todos perante o poder econômico e o político. Não é coincidência, em países civilizados, coexistirem um sólido estado de direito democrático e uma robusta economia capitalista.

Por aqui, as estocadas do lulopetismo na democracia se deram aos poucos, com recuos estratégicos, mas garantindo a promiscuidade entre o público e o privado; a impunidade por ideologismo ou elitismo cooptado; perpetuando o assalto para se garantir no poder para perpetuar o assalto. Vertiginoso. O amálgama dessas mazelas se escancara no ativismo delinquente de Delcídio Amaral revelado por Bernardo Cerveró – no circuito completo de canalhices lulopetistas partindo do Executivo (idealizador), passando pelo Legislativo (executor), infectando o Judiciário (garantidor), chegando aos capitalistas (copatrocinadores junto com a sociedade).

Demonstração gráfica da desenvoltura obscena com que o regime se vê na potência e no direito, só realizáveis no primitivismo, de tudo e todos se apossar. Para combater oposições às reformas de que o Brasil tanto precisa? Ora, indiferente aos brasileiros, o lulopetismo fez reformas com o grande-capital no sítio e no apartamento do jeca. E oposição, o regime só teve dos brasileiros representantes de si mesmos que insistem em não desaparecer.

Irremediavelmente cínica, a súcia talvez continue culpando o grande-capital aliado dela ou a mídia, em vez de reconhecer que, na exposição de outra porção do intestino perfurado do bando, a denúncia de Bernardo – diferente de certa Bia – mostra que a falta de limites tem limites e dá um aviso. Sobrevivendo ao abuso dramático de 13 anos contra desde intangíveis valores morais até a concretude de 280 mil desempregados neste ano, quando um filho escolhe a lei para resgatar o pai, o país espraia a sombra sobre os cafajestes para lhes dizer: ei, aqui ainda há um país
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Pátria limpa

No final deste ano, quando o PIB de 2015 for divulgado, a lama que matou o Rio Doce não vai aparecer. As cenas do Rio Doce sendo engolido pelo lixo da mineração, de famílias soterradas, trabalhadores sem meio de vida e praias destruídas são a face mais visível das depredações provocadas e ignoradas pela economia brasileira. Os desastres sociais e ecológicos não aparecem nas estatísticas.

A economia brasileira não leva em conta a sujeira que provoca a destruição da biodiversidade, nem as “monstrópoles” que criou com sua violência descontrolada, nem o agravamento da desigualdade. Nossos rios estão morrendo pelo mau uso de suas águas ao longo de décadas, explorados como depósitos de lixo industrial e urbano, e para geração de energia, sem consideração por sustentabilidade.


Prometemos deixar um país mais rico para nossos filhos e netos, e conseguimos fazer do Brasil a sexta economia do mundo, mas não estamos deixando um país mais limpo: da corrupção que rouba dinheiro público, que envergonha a sociedade, destrói nossas estatais, desvia dinheiro de nossas necessidades, desmoraliza a política, mata nossas esperanças; limpo da burocracia que barra a eficiência na aplicação dos recursos; do corporativismo, que se apropria da máquina pública e a utiliza mais para tirar vantagens do que para servir ao público.

Queremos um país limpo ao assegurar igualdade no acesso de cada criança brasileira a uma escola de qualidade, independentemente da riqueza dos pais e da cidade onde mora; uma pátria limpa da insensatez e da indecência de jogar fora a maior de nossas riquezas: desperdiçando o talento de qualquer brasileiro. Limpo da violência que assassina nossos jovens e rouba nossas ruas, tanto quanto a lama rouba o rio; sem filas para atender direitos básicos como vaga em creche ou escola; e atendimento médico necessário.

Não basta continuar prometendo fazer um país rico, precisamos de uma nação limpa: da vergonha dos ricos e das necessidades dos pobres; de sermos o oitavo mais rico e o sexto com pior distribuição de renda; do acanhamento de termos 13 milhões da população adulta que não conhecem a própria bandeira por não saber ler “ordem e progresso”, e outros 40% que sabem ler apenas pouco mais que isso.

Um país onde a riqueza seja construída com absoluto respeito ao equilíbrio ecológico e à preservação da biodiversidade; usada não apenas para reproduzir a riqueza, mas sobretudo para abolir o quadro de pobreza da nossa população, assegurando bolsa para quem precisar, mas emancipando as pessoas da necessidade de bolsas.

Para isso, o Brasil precisa de uma economia que seja sustentável ecologicamente, distributiva socialmente, moderna cientifica e tecnologicamente; uma economia limpa, criativa, inovadora, com elevada produtividade e competitividade; sem lama. E todos sabem que o caminho para isto é um presidente, um governo e uma base parlamentar que conduzam o Brasil na marcha para ser uma Pátria Limpa.

Fogo no circo

Não são somente Dilma e Cunha, o PT, o PMDB e o PSDB, a esquerda e a direita, o Executivo e o Legislativo. É tudo.

Tal qual o mar de lama com que a incúria e a busca do lucro fácil destruíram a vida de milhares de pessoas, comprometendo o meio ambiente por décadas, uma lava corrosiva está se espalhando pelo País, a ameaçar o futuro. Há algo de podre no reino. A política simplesmente não funciona.

Para começar, não há governo. O problema não é a presidente, mas o sistema e o modo como se deseja governar. Sua mais perfeita tradução é o Ministério pífio que há em Brasília, sem cabeças talentosas, sem liderança e coordenação, composto só para agradar ao baixo clero do Congresso e fortalecer a base governista. Não é um Ministério com perfil técnico ou político: ele simplesmente não tem perfil. Também não tem um plano de voo para seguir, já que não há programa de governo. O que havia antes, no primeiro mandato de Dilma, e que não era grande coisa, foi literalmente reduzido a pó após as eleições, quando a crise econômica encorpou e passou a ser reconhecida como um castigo dos céus. Jamais se admitiu que a economia desandou porque as opções governamentais foram ruins. A culpa seria das estrelas, e dos outros. Por isso, que se pague a penitência do ajuste fiscal.

Congresso Domino delcidio preso PT SEnado Camara

Neste cenário de horrores, seria de esperar que o Congresso Nacional se enchesse de brios e fizesse sua parte. Que os melhores se destacassem nele. Que pressionassem o governo, o obrigassem a agir, nutrindo-o com críticas e ajudando-o a enfrentar com determinação os problemas. É para isso que existem deputados e senadores. Mas o Congresso se encolheu miseravelmente. Passou a assistir impassível, com alguns arroubos de indignação seletiva, à sua própria conversão numa instituição desprezada pela população, que não se sacrifica pela Nação, pouco faz de produtivo. Chegou ao ponto de permitir que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, sujo até o último fio de cabelo, pose como um Maquiavel de província e deboche da Nação, equilibrando-se na indiferença das oposições e no apoio mal disfarçado de Lula e do governo.

O cenário seria perfeito para as oposições mostrarem sua cara e seus recursos, suas propostas, sua “narrativa”. E o que se viu? Silêncio total, entremeado por algumas vozes isoladas, impotentes, que não se fazem ouvir. As oposições simplesmente se entregaram ao jogo do poder – à pequena política –, deixando por terra sua identidade, suas glórias e tradições.

Cidadãos foram às ruas protestar. Encheram algumas praças e avenidas de diversas capitais, mas foram a pouco e pouco perdendo fôlego. Ressentiram-se precisamente da ausência da política. Foram “liderados” por pequenos grupos de ativistas e por alguns políticos verborrágicos, sem talento, com a faca nos dentes. Os cidadãos perceberam que naquele festival de bobagens reacionárias – em que não faltaram pessoas armadas e apelos patéticos aos militares – não encontrariam nenhuma saída.

Sem política – cabeça política, educação política, articulação política –, as ruas não puderam levar uma palavra de lucidez para o sistema político e a Presidência da República.

Enquanto isso transcorria nos vértices inoperantes do sistema, as reformas de que o País necessita foram sendo travadas, travando o conjunto. É muito mais que ajuste fiscal. A questão urbana é lancinante, em termos de habitação, segurança e mobilidade. A questão energética atingiu nível emergencial e a manutenção da matriz atual produz tragédias sucessivas, destrói florestas e prejudica populações inteiras. Ninguém mais fala de reforma política. A desigualdade lateja. O SUS, nosso maior patrimônio na área da saúde, parece abandonado. E estamos longe de ter conseguido equacionar a mais importante de todas as questões, a educação. O ensino deixa a desejar, a privatização avança, a escola pública derrapa e não recebe tratamento à altura da parte dos governos, que preferem tratá-la pelo lado do custo. A educação não se converte em causa nacional, suprapartidária, em questão de Estado, para prejuízo de milhões de jovens e o represamento da inteligência nacional.

Nesta última semana, o circo pegou fogo de vez. É provável que continue a queimar até 2018, pois o sistema está tão em crise que não consegue gerir nenhuma crise. Mas o ineditismo dos últimos acontecimentos, a gravíssima prisão de um senador, líder do governo, autorizada pelo STF, tem força para fazer com que os melhores políticos se movimentem. Foi uma bofetada.

Quando as coisas atingem grau máximo de degradação, espera-se que comecem a ser forjadas as soluções. O PSDB já está a rever sua conduta. O Senado consegue discutir e avaliar sem corporativismo a prisão de um de seus cardeais e por esmagadora maioria autoriza a continuidade das investigações contra ele. Reposiciona-se, corta na própria carne. Na Câmara, o Conselho de Ética aperta o cerco em torno de Eduardo Cunha, que se desmoraliza. Um banqueiro e um pecuarista – íntimos dos altos círculos políticos da República – são presos, acusados de corrupção e tráfico de influência. Ministério Público, Polícia Federal e Poder Judiciário dão sinais seguidos de que o círculo continuará a se fechar.

Não é pouca coisa para um único ano. Eppur si muove? Não dá para saber, mas a dinâmica alucinante do quadro está a criar sucessivas oportunidades para reformulações.

Pode ser que alguma luz se acenda no Planalto, vinda, quem sabe, de algum juiz ou dos pequenos partidos de oposição, o PSOL, a Rede, o PPS, o PSB. Pode até mesmo acontecer de alguns morubixabas se reunirem para estender a mão a Dilma e apoiá-la numa recomposição governamental séria. Os partidos não estão mortos. Podem render mais, recuperar sua vocação e sair da letargia.

Não é razoável que da gravíssima crise em que está o País não surja uma bandeira para que se reorganizem a sociedade e o Estado.

Para quem o cachorro ainda ...

Nenhum escritor policial inglês ou americano conseguiria criar sozinho a trama que estamos vivendo sob o nome de Operação Lava Jato. Nem Agatha Christie ou Raymond Chandler seria capaz de dar conta de tantos plots e subplots, quebras de narrativa, cenas de ação e, como suspeitos, gente com conta bancária de até 11 dígitos. Sem falar na dança dos coadjuvantes: todos os dias um novo nome assume o primeiro plano. Só não tivemos –até agora– um cadáver.

O primeiro grande personagem foi José Dirceu. Equivalia ao sinistro professor Moriarty, criad
o por Conan Doyle como o cérebro por trás de tudo de ilícito na Londres vitoriana. Como um Moriarty com ideologia, Dirceu armou o esquema que drenaria milhões da Petrobras e financiaria um sistema que se eternizaria no poder. Só que, de repente, Dirceu se tornou um personagem de John Le Carré: revelou sua fraqueza humana. Aproveitou para também locupletar-se em causa própria e foi apanhado.

Mas o esquema sobreviveu, graças ao caso de amor do partido e de seus aliados com diretores e gerentes da Petrobras. O resultado foi uma armação de deixar no chinelo as redes de corrupção descritas por Dashiell Hammett em "Seara Vermelha" e "A Chave de Vidro". A chegada de tubarões como André Esteves, José Carlos Bumlai e Marcelo Odebrecht, por sua vez, conferiu à história uma densidade digna de Frederick Forsyth.

Já o senador Delcídio do Amaral deu-lhe um toque de 007. Sua tentativa de comprar o silêncio do diretor da Petrobras Nestor Cerveró, tirá-lo da cadeia e despachá-lo para a Espanha num jatinho secreto parece coisa de James Bond.

E todos os fãs de romances policiais sabem que, se o cachorro não latiu para o criminoso, é porque este era conhecido do cachorro. Só falta, portanto, descobrir para quem o cachorro ainda não latiu
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A crise e seus limites


As prisões do senador Delcídio Amaral, líder do PT no Senado, e do banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, instituição ícone do mercado financeiro pela ousadia e sucesso de suas operações, reforçam e dão tons mais dramáticos à influência da Operação Lava-Jato nos destinos da política e da economia. Quando as coisas pareciam caminhar numa direção mais produtiva, com uma trégua política que propiciava a aprovação no Congresso de medidas facilitadoras do ajuste fiscal, o desmantelamento do conluio para evitar a delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró recolocou em cena todas as incertezas e instabilidades. Isso ficou visível na reação imediata dos mercados de ativos aos desdobramentos das prisões decretadas. No mercado, ganha quem se antecipa aos fatos e, por essa razão, se a primeira reação não pode ser tomada como tendência mais consistente de longo prazo, não deixa de ser reveladora da percepção daquilo que se espera que possa vir a acontecer em consequência do evento.

Desse ponto de vista, a tradução do mercado foi a de que a economia voltou a se complicar. No mercado de ações, o dia foi de vendas, com destaque para os papéis do BTG Pactual, que chegaram a ser negociados até 40% abaixo da cotação do dia anterior, dos bancos em geral e da Petrobras. A cotação do dólar, revertendo tendência de queda dos últimos dias, deu um pinote, com altas de quase 2%. Também o sensível mercado de CDS para o Brasil, em que são negociados títulos de prevenção contra riscos de calotes, que vinha em queda desde meados de novembro, voltou a empinar.

É certo que a mudança de agenda no Congresso, principalmente no Senado, onde Delcídio era peça-chave do governo nos temas do ajuste fiscal, encurtou os prazos de negociação de medidas cruciais não só para o reequilíbrio em médio prazo das contas públicas, mas em especial para questões de curtíssimo prazo. Esse é o caso da votação da permissão para que o governo possa fechar 2015 com um déficit primário equivalente a 2% do PIB. O assunto estava na pauta justamente na sessão de ontem, suspensa em virtude da prisão do líder petista.

É muito pouco provável que os senadores não concedam, ainda que no apagar das luzes do ano legislativo, o aval para mudar a meta fiscal. Mas o risco existe, e o prazo para escapar de uma escolha de Sofia entre paralisar a administração federal, para cumprir a meta de superávit de 1,1% do PIB, ou descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal ficou mais apertado. O mesmo ocorre — e aí as possibilidades de adiar a definição para 2016 são realmente maiores — com propostas de aumento de arrecadação, notadamente a repatriação de recursos ilegalmente mantidos no exterior, que estava, depois de idas e vindas, bem encaminhada — e por ironia — sob a coordenação de Delcídio Amaral.

Não há dúvida também de que a economia será afetada, ainda que em escala mais limitada, pela previsível e ainda que parcial desestruturação do BTG Pactual, hoje o quinto maior banco privado brasileiro. A repentina saída de cena de seu controlador expõe os riscos das operações em que o banco se envolveu, multiplicado pelo tamanho que atingiu e os tentáculos que desenvolveu. Em razão da abrangência alcançada por seus negócios, envolvendo mais de R$ 300 bilhões em ativos — o equivalente a 5% do PIB, para se ter uma ideia —, os temores no mercado, talvez um pouco exagerados, mas não descartáveis, são de que ocorra algum tipo de contágio de outras instituições financeiras.

Em meio a tantas perplexidades políticas e tão frequentes turbulências econômicas, não se deveria deixar de destacar, de todo modo, um aspecto fundamental desta crise tão profunda: as instituições democráticas resistem, e a lei está prevalecendo. Com isso assegurado, o resto, incluindo a economia, alguma hora acabará encontrando a saída.

José Paulo Kupfer

Aparências e enganos

Por sua história pessoal e por todas as declarações, até de adversários políticos, o senador Delcídio Amaral era gente finíssima, muito querido por todos, por sua cordialidade e simpatia, sua inteligência e educação, seu espírito tolerante e conciliador. Sem acusar ou julgar ninguém, são os primeiros requisitos de um canalha profissional para ganhar a confiança de suas vítimas e poder aplicar seus golpes. Não dá para ser grosso e arrogante e pretender a simpatia e confiança necessárias para exercer sua canalhice.

Também não se deve tripudiar sobre os caídos, mas se o bom e velho Delcídio, com seu look de Vovó Donalda e todas essas qualidades, fez o que fez, imaginem o que fizeram e fazem os suspeitos de sempre, com suas caras de bandido do tipo Jader, Cunha, Renan, Collor, Sarney, Lobão, que não há plástica ou botox, nem implante ou tintura de cabelos que disfarcem, pelo contrário, os tornam ainda mais grotescos e revelam a feiura de suas almas opacas, em contraste com o brilho cafajeste de seus ternos.

Tive um tio muito querido, inteligente e cínico, que sempre dizia que o problema dos governos brasileiros é que, com raras exceções, os talentosos e competentes geralmente são desonestos, e os honestos e bem intencionados são incompetentes e acabam dando mais prejuízo do que os ladrões. Não viveu para ver os governos petistas, mas o tempo lhe deu razão.

Assim como o doce Delcídio, o banqueiro André Esteves é a própria imagem do bom moço honesto e competentíssimo, que inspirava absoluta confiança na praça, e tanto que tantos aplicavam suas economias no seu banco de investimentos e ninguém nunca perdeu dinheiro.

Deveria ter ouvido a advertência do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica em um evento junto com Lula, que fingiu que não ouviu: “Quem gosta muito de dinheiro não deve se meter em política”. Agora, levado pela ambição e pela vaidade, está preso e humilhado, mas quem mandou se meter com políticos?

No “Retrato de Dorian Gray”, Oscar Wilde diz que “só os tolos não julgam pelas aparências.”
Há controvérsias. A Lava-Jato está questionando até Oscar Wilde.

O Brasil em seu labirinto


Dos repetidos rompimentos das barragens de contenção de rejeitos de mineração “a montante de comunidades” soterrando populações indefesas aos repetidos rompimentos das barragens de contenção de gastos públicos criminosos “a montante de economias nacionais” soterrando vidas inteiras de trabalho duro de uma ou mais gerações de inocentes; para todos os seus fracassos e para todas as suas catástrofes, seja qual for a área envolvida, o brasileiro, como um autômato com defeito no software, repete mecanicamente a mesma resposta: precisamos de mais leis, precisamos de mais regulamentos, precisamos de mais fiscalização, precisamos de mais verbas (e impostos)…

Precisamos, enfim, de mais Estado.

Quatro meses antes do desastre de Mariana o Ibama ordenou o embargo da barragem do Fundão. Ha 14.966 “bombas” semelhantes espalhadas pelo território nacional, segundo a última contagem que encontrei na imprensa. Dezesseis delas, em 14 municípios de quatro estados diferentes, já oficialmente catalogadas como “de alto risco” ameaçando diretamente 540 mil pessoas nas bacias do Amzonas, do Paraguai e do moribundo São Francisco.

Entre todos os brasileiros que assistem ou mesmo que protagonizam as longas e circunspectas discussões televisivas sobre as “soluções” para os problemas crônicos que o desastre do dia traz eventualmente à tona, não ha um único que não saiba que fiscalização é só mais um bom negócio que se outorga aos amigos do rei no pais do petrolão; que tudo que os fiscais constatam ou determinam – da


imposição de providências preventivas às multas pelas lamas derramadas e vidas perdidas – pode ser livremente comprado e vendido no mercado ou, no mais das vezes, não passa de jogo de cena pois, em tudo que diz respeito à grande mineração, às grandes inundações hidrelétricas, a toda a sujeira que o petróleo espalha na terra, no mar e no ar, aos futuros acidentes nucleares e a tudo que é grande o bastante para ser realmente ameaçador neste pais, o fiscal e o fiscalizado são a mesma pessoa; o mesmo onipresente Estado que insiste-se em apontar como a solução para os problemas de que ele próprio é a causa.

Quem multa não cobra e quem é multado não paga porque os dois são a mesma pessoa jurídica, e todo brasileiro, sem uma única exceção, está careca de saber disso. Mas continuam todos, como se nada houvesse, comemorando as “multas milionárias” que nunca serão pagas, os “planos derecuperação ambiental” que nunca serão executados e os novos e “severos” regulamentos que – “agora sim” – vão “resolver” o problema.

A questão é de um óbvio ululante e esta coleção rigorosamente “holística” de fracassos que o Brasil vem colhendo é a prova dela: quando o Estado e o Capital são uma só e a mesma entidade, todos e tudo o mais é só comida pra ser mastigada.

Mas como o mesmo Estado que miserabiliza é quem atira a migalha que mantém o nariz do miserável um centímetro acima da lama; como a mesma mineradora que desencadeia o tsunami e depreda o ambiente em volta até o esgotamento e a esterilidade absoluta transforma-se, por isso mesmo, na única alternativa de emprego; como o Estado que arrebenta a economia é o provedor da única ilha — a do funcionalismo — que nunca afunda na inundação, ninguém, o desafia; ninguém põe o dedo na ferida. A farsa continua porque a fera é vingativa e ninguém sabe o dia de amanhã…

E assim vamos, de desastre em desastre, em marcha batida para o desastre final.


A região de Mariana e adjacências vem sendo selvagemente depredada pela mineração ha 300 anos. Foi impossível mostrar o desastre do dia sem deixar entrever, nas mesmas cenas aéreas, a paisagem lunar daquela coleção de crateras gigantescas e insanáveis. Nem um milênio de paz dará jeito naquilo. Os repórteres e os ambientalistas que ha tres semanas não saem da ribalta fazem parte dessa geração que se acostumou a pensar que eucalipto é natureza porque “é verde” e que a carne a venda nos supermercados não veio de animais que estiveram vivos. Mas muito pior que o avanço da lama por aquela corrente esquálida daquele esqueleto de rio é o deserto que se enxerga até onde a vista alcança em ambos os lados do que foi o legendário Baixo rio Doce, o divisor de fauna entre os biomas da Mata Atlântica e da Floresta Amazônica, recoberto, até ha pouco, pela mãe de todas as florestas deste paraíso luxuriante da botânica que já foi o continente sul americano; ohabitat das mil e uma espécies de beija-flores de Augusto Ruschi, o herói esquecido de um Brasil que amava passarinhos.

O mundo sabe; a História confirma: não ha remissão de nenhuma das nossas crises – a ambiental, a econômica ou a moral – fora da conquista e da submissão do Estado pela cidadania. Mas não ha nenhum sinal dessa virada no horizonte.

Os dicionários da internet definem assim a Síndrome de Estocolmo: “Submetida por tempo prolongado a um stress físico e emocional extremo a mente da vítima inconscientemente fabrica uma estratégia para proteger sua psique em que qualquer sugestão de alivio por parte do sequestrador passa a ser supervalorizada a ponto de leva-la a sentir simpatia ou até mesmo amor pelo seu agressor”.

É uma descrição bastante precisa do presente estado da relação do povo brasileiro com o Estado que o sequestrou.

O escárnio é geral


Três semanas depois o desastre ambiental, provocado pela negligência da Samarco, braço da Vale e da BHP Biliton, continua a ser temperado em banho-maria. sob o sempre cúmplice olhar político-governamental.

"Seria triste e – atrevo-me a dizer – até catastrófico se os interesses particulares prevalecessem sobre o bem comum e chegassem a manipular as informações para proteger os seus projetos". A observação veio de longe no espaço e imensamente distante da moral brasileira. A fala do Papa Francisco em Nairobi cai como carapuça justa para a série de crimes, em dois estados, perpetrados pelo rompimento da represa da Samarco.

Não foi pouca coisa o que a mineradora cometeu. É tão ou mais criminosa do que a corrupção das empreiteiras no petrolão, que se pode converter com prisão e recuperação de dinheiro.

Como limpar o equivalente a 20 mil piscinas olímpicas de resíduos de lama tóxica contaminando solo, rios e o sistema de água numa área de mais de 850 quilômetros, segundo relatório da ONU? Estocariam esse material aonde se fosse possível recuperá-lo? Como ressarcir os danos sociais do desemprego e da extinção de grande parte da economia local à beira do rio Doce ou do mar de Regência? Como garantir que a lama, no fundo do rio, não continuará por décadas a causar contaminação aos habitantes que usam aquela água, inclusive para a lavoura e criação? Muitos crimes e o tempo passa sem indiciados sequer.

Dilma foi ridícula ao afirmar que o rio voltará a ser melhor do que era. Só uma desqualificada mental pode se achar acima da natureza. E mais flagrante foi ter sido cúmplice ao qualificar, por decreto, o rompimento da barragem como "desastre natural" .

O assassinato do rio Doce com a condenação social de quem vive às suas margens, segundo governo e empresas, deverá ser creditado ao meio ambiente, que ficou na rota de fuga da lama. Pois nada mais cretino do que a "coincidência" dos anúncios dessa sexta-feira. O governo, através de ação pública, pretende cobrar um fundo de R$ 20 bilhões da Samarco, Vale e BHP, mas as mesmas empresas anunciaram, horas antes, que pretendem criar um fundo, ainda sem cifrões, para socorrer a região. O dinheiro do fundo viria das empresas, dos governos, dos empresários interessados e de organizações internacionais.
Quer-se mais cretinice do que as culpadas criarem um fundo com as inocentes para ajudar a limpar a lama? 

Assim uma enxurrada de escárnio cimentaria de vez o crime de que os interesses empresariais estão acima da vida.