sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Carl Sagan (infelizmente) tinha razão

Há 27 anos, o astrofísico e grande divulgador da ciência Carl Sagan (1934-1996), conhecido mundialmente pela série de televisão Cosmos, lançou uma previsão extremamente acertada sobre o futuro, na qual parecia antecipar o auge das grandes tecnologias e da desinformação.

Ainda que a previsão dissesse respeito especificamente ao futuro dos Estados Unidos, os temas de que trata possuem um caráter mais universal; uma premonição geral da sociedade moderna.

Além de seu trabalho como astrônomo, cientista planetário, cosmólogo, astrofísico, astrobiólogo e promotor da ciência, Sagan também era um escritor prolífico. Em 1995, publicou O mundo assombrado pelos demônios: A ciência vista como uma vela no escuro, no qual aborda desde questões espirituais até desmentidos sobre abduções alienígenas.

Mas, bem além desses temas, seu livro constrói uma defesa apaixonada da ciência e do método científico, e explica como ela ajudou a iluminar muitos dos rincões mais sombrios do universo. Dessa forma, o astrofísico demonstra como a busca pela paz e pela verdade era minada por dois velhos conhecidos da humanidade: a superstição e a pseudociência.


Hoje, passados 27 anos da publicação da obra, o que mais chama a atenção nas redes sociais é uma passagem descritiva na qual Sagan faz uma previsão sobre futuro dos Estados Unidos, inquietantemente similar à realidade em que se vive.

"A ciência é mais do que um conjunto de conhecimentos, é uma forma de pensar. Tenho um pressentimento sobre uma América, na época dos meus netos ou bisnetos, quando os EUA serão uma economia de serviços e informação; quando quase todas as principais indústrias de manufatura terão escapado para outros países; quando impressionantes poderes tecnológicos estarão nas mãos de alguns poucos, e ninguém que represente os interesses públicos conseguir compreender os problemas; quando os seres humanos tiverem perdido a capacidade de estabelecer seus próprios objetivos ou de questionar com conhecimento de causa os que detêm a autoridade; quando, apegados aos nossos cristais e consultando nervosamente nossos horóscopos, com nossas faculdades mentais 3m declínio, incapazes de distinguir entre o que nos faz sentir bem e o que é verdade, retrocedemos, quase sem perceber, à superstição e às trevas."

Ainda que Sagan costumasse projetar visões otimistas, o trecho descreve uma possível sociedade distópica, repleta de divisão, confusão, desconfiança nas autoridades e uma separação cada vez maior entre os mais ricos e os mais pobres, sob lideranças cada vez mais autoritárias.

No capítulo em questão, Sagan trata, ainda, de alguns fenômenos culturais americanos da época, como o programa de televisão Beavis e Butthead e o filme Debi e Lóide, que ele considerava exemplos da decadência intelectual nos EUA:

"O emburrecimento dos Estados Unidos é mais evidente na lenta degradação dos conteúdos substanciais na mídia enormemente influente, nas frases de efeito de 30 segundos (agora reduzidas a dez segundos ou menos), as programações baseadas no mínimo denominador comum, apresentações crédulas sobre pseudociência e superstição, mas, sobretudo, numa espécie de celebração da ignorância."

Pode-se apenas imaginar qual seria sua opinião sobre o futuro dos Estados Unidos se ele estivesse vivo hoje e testemunhasse o fenômeno das novas redes sociais, desde o YouTube e o Instagram até a ascensão vertiginosa dos serviços de streaming, entre outros.

Muitos, talvez, considerem que a previsão feita há 27 anos não seja realmente uma revelação, e estão, provavelmente, corretos, uma vez que vislumbrar um futuro distópico não é especialmente complicado.

Mesmo assim, Sagan, com sua grande sensibilidade e inteligência, foi capaz de captar grande parte da essência das mudanças que começavam a se formar naquela época, e que hoje parecem óbvias. Escutar as vozes do passado pode ajudar a recordar e refletir mais sobre o que se pode melhorar na sociedade atual.