sexta-feira, 14 de outubro de 2016

'Novo animal da criminologia'

Em depoimento à Comissão Especial que analisa as dez medidas de moralização dos Poderes, o delegado aposentado da PF Jorge Barbosa Pontes, que se formou no FBI e atuou na Interpol, disse que a corrupção do Brasil não é só gigantesca como também criou uma nova modalidade de crime ou, nas palavras dele, “um novo animal da criminologia”. Em vez de “crime organizado”, aqui se tem “crime institucionalizado”, uma classificação perfeitamente compatível com a expressão usada pelo ministro do Supremo Celso de Mello para definir os desmandos revelados pela Lava Jato: “delinquência governamental”. 

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Santiago Caruso
O delegado explicou a diferença entre esse “novo animal” e o crime organizado tradicional: um, o “organizado”, é praticado por grupos de pessoas; o “institucionalizado” é comandado pelo “núcleo do poder”, no Planalto e na Casa Civil, por exemplo, “e não usa armas, mas o Diário Oficial”. Lula, aliás, é três vezes réu.

O presidente e o relator da comissão, Joaquim Passarinho (PSD) e Onyx Lorenzoni (DEM), querem discutir o parecer final no início de novembro e a semana que vem será animada. A comissão ouvirá o ministro Alexandre de Moraes (Justiça) na segunda-feira, terá depoimentos todos os dias e chegará a cem depoentes sobre as dez medidas apresentadas por procuradores e subscritas, agora, por três milhões de brasileiros.

Só esse número comprova o quanto a sociedade está exausta de desvios milionários e onipresentes. Como disse o ministro do STF Luís Roberto Barroso ao Estado, “onde você destampa tem alguma coisa errada”. Ele não citou, mas bem poderia ter citado a Petrobrás, a Casa Civil, Fazenda, Planejamento, Minas e Energia, BNDES, Correios, Carf (o conselho revisor de decisões da Receita), fundos de pensão e vai por aí afora. Destampou, achou.

Também participaram da sessão da comissão na terça-feira duas representantes da chamada “sociedade civil”, Ana Paula Sayão e Rosa Richter, e elas, assíduas no acompanhamento dos trabalhos, dizem que se surpreenderam com o ritmo frenético da Câmara e com a seriedade de parlamentares que estão de fato envolvidos na aprovação das propostas. O Congresso, visto de dentro, é menos horripilante do que aparece na mídia...

Eis as 10 propostas: “testes de integridade” em agentes públicos; criminalização do enriquecimento ilícito e do caixa 2 de campanha; transformar corrupção em crime hediondo; apressar penas e prisões em crimes comprovados; rapidez também nas ações de improbidade; acabar a prescrição ou ampliar prazos; redução das nulidades penais; prisão preventiva para evitar evasão do fruto do roubo; devolução do dinheiro desviado.

A questão do foro privilegiado para político fica fora, porque exige Emenda Constitucional e poderia atrasar a aprovação do pacote. Mas podem ser incluídas duas medidas pelas quais se bate Rubens Bueno (PPS): aposentadoria para juízes afastados por corrupção e mais rigor com os aditamentos em obras públicas, um ralo do dinheiro público.

Uma curiosidade: enquanto a comissão da corrupção se reunia, o plenário guerreava para incluir no projeto de repatriação de recursos a permissão para que familiares de políticos possam aderir e se beneficiar da lei. Dureza, não?

Quando se pensa que nada mais escabroso pode acontecer...

A notícia de que três adolescentes (dois de 13 e um de 17 anos) incendiaram sua escola em Goiânia ultrapassa qualquer raciocínio lógico. A violência está no ato, nas imagens de livros, carteiras e quadros queimados, mas estes graves danos materiais não me chamaram mais a atenção do que os argumentos que justificaram a barbárie. Perguntados sobre o que motivou o ato de vandalismo os adolescentes responderam que “a escola estava em más condições, “o prédio é velho”, não querem estudar “em uma escola sem estrutura”! Os argumentos em consonância com a mensagem que deixaram no que sobrou de um quadro negro em uma das escolas são emblemáticos: “Nóis comanda essa escola”.

Estamos falando de crianças de 13 anos que pela faixa etária deveriam saber escrever e interpretar a realidade, amar a escola! Estamos falando de uma geração que deveria ter noção básica de direito, ética, valores humanos, bem público…
Biblioteca da escola em Goiânia incendiada pelos alunos
O axioma é bem claro, embora os erros ortográficos não deixem dúvida do movimento catártico que denuncia uma tensão entre prazer, dor e tragédia.

Por mais contraditórios, os atos de vandalismo e ignorância denunciam que quando a educação fracassa só resta fazer justiça com as armas que se tem: a violência física. A destruição da escola projeta autodestruição das possibilidades de estudar e crescer. Me permito, como educadora, abstrair kantianamente a realidade política partidária. Não quero, ao menos por um minuto, culpar governo A ou B, porque não quero simplificar o que é dolorosamente complexo por envolver fatores múltiplos.

Meu desespero como educadora e cidadã visa encontrar uma saída. Não podemos continuar fechando os olhos para o fato que estamos fracassando como seres humanos! Precisamos pensar no futuro de um país em que crianças analfabetas mandam sinais de que sua autonomia futura está ameaçada e que estão se autodestruindo frente à irresponsabilidade de um conjunto de autoridades!

Sim, esta responsabilidade é social, minha, sua, das instituições. Não podemos fechar os olhos! Basta de assistencialismo ou culpabilização “do outro”. A responsabilidade é conjunta!

Silvia Zanolla, professora da Universidade Federal de Goiás Núcleo de Estudos em Educação, Violência Infância, Diversidade e Arte

Comilança parlamentar

      I
Penso, pondero e reflito,
Porém nunca compreendo
Por que é que os deputados
Só se reúnem comendo?
Quanto mais comem, mais querem
E maldades vão fazendo.

      II
Para arrumar o negócio
Da emenda parlamentar,
Reservam logo uma mesa
Com tudo incluso no bar
E haja beber uísque
E degustar caviar!

      III
Se o esperto empresário
Quer alterar o projeto
Para ganhar uma fortuna
Alterando o objeto,
O parlamentar atende
Depois do menu completo.




       IV
Deputado ou senador,
Obscuro ou de renome,
Têm uma doença rara
Na boca do abdome:
Quanto mais comem a comida,
Mais caceteira é a fome.

          V

Temer quis votar o teto
Das gastanças do Estado,
Pensou fazer um encontro
Num auditório fechado,
Mas foi logo advertido
Por mais de um deputado:

           VI
- Você tem o nosso apoio,
Pra deixar tudo regrado,
Mas não faça esse encontro
No bico seco lascado,
Porque político só cede
Se for de bucho forrado!

      VII
Foi aí que o presidente
Mandou fazer o banquete:
Tinha peixe da Bahia,
Tinha boi de Alegrete
E rodando na fogueira
Vinte porcos no rolete.

      VIII
Tinha mais de trezentas bocas
Mastigando sem parar:
Senador boca de bola
Não parou de mastigar,
Bateu no bucho e gritou:
- Mande, que eu vou aprovar!

      IX
Um deputado agarrou-se
Com uma coxa de peru,
Uma tirrina de farofa
Com gordura de tatu
E disse que dava ao povo
O olho do sobrecu.

      X
Já comeram a Petrobras,
Quase que a empresa acaba;
Comeram a Eletrobras,
Quase que a rede desaba;
Só faltam comer a gente,
Bocas de ferida braba!

Mundo só festeja 'triunfos'

"Marcha Triunfal" de "Aída", ópera de Guiseppe Verdi

No Estado, o céu é o limite

Corruption prevents money from going to where it is needed. #Anticorruption #Corruption #Movement:
Farinha pouca, meu pirão primeiro. O velho adágio popular resume à perfeição o momento em que, mesmo diante da evidente necessidade de que cada brasileiro aceite sua parte no sacrifício nacional pela recuperação da economia, corporações de funcionários públicos acham-se no direito de exigir que seus privilégios sejam poupados do facão. O caso em que a Procuradoria-Geral da República considerou “inconstitucional” a proposta que impõe um limite aos gastos públicos, porque, segundo sua exótica interpretação, tolheria o trabalho da Justiça, dá a exata dimensão do divórcio entre os interesses corporativos e a realidade do País. Felizmente, para que sofismas como esse não prosperem, são cada vez mais numerosos os estudos que mostram que os servidores do Estado, especialmente os da elite, estão em posição muito mais vantajosa do que aqueles que disputam um lugar no mercado de trabalho privado.

Naquele mundo bancado com dinheiro público, a chamada “elite” do funcionalismo público chega a ganhar quatro vezes o salário pago para funções correlatas na iniciativa privada, conforme indica um levantamento do economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, publicado há dias pelo Estado. O estudo foi feito com base no relatório Grandes Números, feito pela Receita Federal a partir de declarações de Imposto de Renda Pessoa Física de 2015, com dados de 2014.

Segundo a pesquisa, um advogado do setor público, como um procurador da Fazenda, tem rendimento médio anual em torno de R$ 284 mil, contra R$ 143 mil de advogados do setor privado. Considerando-se carreiras como a de integrantes do Ministério Público (R$ 530 mil anuais) e dos juízes (R$ 512 mil anuais), a diferença fica ainda mais gritante.

Essa é apenas uma das tantas distorções apresentadas pelo estudo de José Roberto Afonso. A mais significativa delas é que, das dez categorias profissionais mais bem remuneradas do País, nada menos que seis fazem parte da elite do funcionalismo. Considerando-se que a atividade mais rentável do Brasil é a de titular de cartório – ou seja, usufrui de concessão pública e, portanto, é ligado ao Estado –, pode-se concluir que a estrutura estatal, ao menos no seu topo, consolidou-se como um universo à parte, no qual não existe crise e onde o céu é o limite quando se trata de salários.

Como mostrou o Estado no domingo passado, em mais uma reportagem da série A Reconstrução do Brasil, essa situação insustentável resulta do gigantismo estatal, cultivado como nunca ao longo dos governos petistas. O total de funcionários públicos na ativa – sem contar os terceirizados – saltou de 5,8 milhões em 2001 para quase 9 milhões em 2014, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas.

Não bastasse a avalanche de contratações, resultante da necessidade de preencher vagas criadas pela multiplicação de funções atribuídas ao Estado nos últimos anos, os servidores tiveram aumentos salariais muito acima da inflação – valorização que não aconteceu na mesma proporção na iniciativa privada, pela óbvia razão de que a situação econômica do País não permitia. Desde 2001, os salários pagos pela iniciativa privada tiveram aumento médio de 21,4%, enquanto os vencimentos dos funcionários públicos subiram, em média, cerca de 50%. O aumento real para os servidores foi mais que o dobro do obtido pelo setor privado.

Não se trata de um fenômeno misterioso. Na última década, as reivindicações sindicais prevaleceram com enorme facilidade nas negociações com a administração pública, quase sempre leniente com a companheirada. Os tempos de bonança ficaram para trás, mas essas corporações não estão muito preocupadas com isso e continuam a pressionar o Estado em busca da manutenção e mesmo da ampliação de suas benesses.

Enquanto o governo não enfrentar esse problema com o rigor que sua gravidade impõe, mesmo diante do risco de desgaste, restará aos brasileiros da iniciativa privada a sensação de que são cidadãos de segunda classe, aos quais cabe apenas lamentar a falta de sorte por não ter passado num concurso público.

A perigosa sacralização de Lula

Lula como o papa Francisco? Lula como Deus? Lula como Jesus Cristo? Essa sacralização do ex-presidente, hoje acusado pela justiça, nem o ajuda nem ajuda a sua legenda, o Partido dos Trabalhadores (PT), que aparece cada vez mais castigado nas urnas.

Nenhuma idealização religiosa, e menos ainda na política, é boa ou proveitosa. Para os crentes soa como irreverência e para os agnósticos, infantilismo.

O polêmico Ciro Gomes, possível candidato de novo à presidência do Brasil, disse, mordazmente, que Lula “brincou de ser Deus e se queimou”.

Os advogados do carismático ex-presidente, certamente o mais popular da democracia brasileira, acabam de fazer malabarismos para aproximá-lo do papa Francisco.

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Querendo defendê-lo das acusações de corrupção que pesam sobre ele, acabam de fazer uma comparação entre ambos: “Como responsabilizar o papa Francisco pelas ações pessoais dos cardeais que cometam infrações?”. É o que poderia estar acontecendo com Lula, que considera estar sendo acusado das más ações de seus “cardeais”, não dele.

Foi tão sacralizado que ele mesmo caiu na tentação de se comparar com Jesus Cristo.

“Cristo não agradou a todos e, sem provas contra ele, acabou crucificado.” Lula também poderia ser condenado sem provas.

“No Brasil, só Jesus Cristo ganha de mim (em popularidade).”

“Meu corpo está mais arrebentado do que o corpo de Cristo depois do flagelo.”

“Em três anos Jesus mudou a história. O que fizeram com ele? Crucificaram-no.” Alusão a que ele mudou o Brasil e também o estão crucificando injustamente.

São estas algumas das muitas alusões de Lula a Jesus Cristo.

Tenho apreço pessoal pelo ex-sindicalista que, sem estudos e depois de ter sofrido a fisgada da pobreza, soube conquistar as urnas e se elegeu presidente da República. Até celebramos, minha mulher e eu, no dia em que ele ganhou as eleições.

Reconheço seu carisma pessoal, a atração que exerce sobre os mais pobres e os afagos que sempre lhe fizeram banqueiros e empresários milionários, com quem se entendeu sempre bem. Reconheço seu olfato político, superior ao da maioria dos representantes do Congresso. E sua incrível capacidade de metamorfosear-se.

Acredito, porém, que essa sacralização do personagem, hoje acossado pela polícia, o Ministério Público e a Justiça, sob graves suspeitas de corrupção pessoal, não só não o ajuda, como também o prejudica.

Precisamente porque não é nenhum deus, Lula tem de defender-se das acusações como se defendem todos os mortais.

Chegaria a dizer que Lula não precisa de advogados. Sabe, quando quer, ser o melhor advogado de si mesmo, como demonstrou no escândalo do mensalão em 2005, do qual saiu ileso após ter confessado, solenemente, ao país, pela televisão, que tinha sido vítima de seus colegas de partido.

Estou convencido de que sua melhor defesa seria, por se tratar de um personagem icônico, com projeção mundial, olhar a nação nos olhos e contar-lhe o que há de verdade ou de mentira nas acusações que o perseguem.

Tentar protegê-lo ou que ele se proteja com semelhanças sagradas, buscar aproximá-lo da figura despojada e incorruptível do papa Francisco, tudo isso é mais como empurrá-lo para o abismo.

Se no jornalismo existe um lema, “contra o rumor, a notícia”, Lula deveria também, contra o rumor de suas supostas corrupções, apresentar, à luz do sol, a verdade dos fatos, se é que se sente inocente.

A nação, e me atreveria a dizer que também o mundo, tem o direito de saber a verdade sobre Lula, sobretudo porque ainda segue com o desejo e a esperança de voltar a presidir os destinos do Brasil.

Os textos sagrados, que certos políticos brasileiros tanto gostam de citar, afirmam que “só a verdade nos tornará livres” (Jn.8,32).

Imagem do Dia

Toscana (Itália), Reinhold Samonigg

O lixo ainda a passos lentos

Teria sido importante que o relatório Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil, divulgado no início do mês pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), houvesse alcançado maior divulgação no País todo. É um documento importante para ampliar a consciência de todas as pessoas sobre a geração, coleta e destinação do lixo, já em situação muito delicada. O total de resíduos sólidos urbanos produzidos no País de 2014 a 2015 aumentou 1,78%, passou de 78,6 milhões de toneladas para 79,9 milhões – cresceu 1,7%, mais do que a população brasileira, que aumentou 0,8%, e do que a atividade econômica (PIB), que caiu 3,8%. Ou seja, aumentamos a geração de lixo mais que a produção econômica e mais que a população (que cresceu menos de 1%). Por dia, passamos a gerar um total de 218.874 toneladas. E por pessoa, 1,071 kg.

É muito lixo, que cresceu mais de 26% na década. Com a agravante de mais de um terço da população ainda sofrer com destinação inadequada, já que 30 milhões de toneladas foram depositadas em lixões ou “aterros controlados”, que apresentam os mesmos problemas. Mais de 3.300 municípios continuam a usar instalações inadequadas e lixões. Na média, os serviços de coleta chegam a uma cobertura nacional de 90%, mas há muita diferença entre Norte e Nordeste (80%), menos que a das Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste (mais de 90%). No total, coletamos 198.750 toneladas diárias em 2015. Muito? Pouco? Foram 391 quilos por habitante/ano, mais que o Japão ou a Coreia do Sul, que têm PIB per capita de quase três a quatro vezes maior que o do Brasil. Ou a Islândia, a Bélgica, a Suécia, com PIBs per capita ainda mais altos.

Aumentaram as iniciativas municipais de coleta seletiva. Nas Regiões Sul e Sudeste, em mais de 85% dos municípios, superiores à média nacional de 70% dos municípios. E quanto custa o avanço? R$ 10,15 por mês a cada habitante. Já na área de resíduos da construção civil e resíduos de serviços de saúde, os municípios recolheram 125 milhões de toneladas, “suficientes para encher 1.450 estádios do Maracanã”, como diz o relatório. Muitos especialistas têm opinado que novos avanços dependerão principalmente da passagem dos orçamentos de limpeza urbana dos governos municipais para os estaduais.

Estudiosos como Marcos Cunha têm lembrado (3/8) que há 25 anos se dizia nas faculdades de Engenharia Sanitária que em média a geração de resíduos sólidos domésticos era de 400 gramas por pessoa a cada dia – dependendo do perfil socioeconômico e cultural em cada lugar. Hoje, os dados atualizados apontam uma geração média por pessoa acima de um quilo, um aumento superior a 100%. Mas a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos ainda não chegou perto de seus objetivos. A queixa principal é a da falta de recursos financeiros. E com isso quase a metade dos resíduos sólidos tem destinação inadequada ou incorreta.

Já se chegou a apresentar no Congresso Nacional projeto de medida provisória para propor que o prazo para o fim dos lixões no País passasse para 2018. Foi aprovada, mas vetada pela Presidência da República. Porém continuam tramitando outros projetos para prorrogar até 2018 a data para acabar com os lixões; dando novo prazo a municípios de fronteira ou com mais de 100 mil habitantes para instalar aterros sanitários.

Tudo isso precisa de uma discussão forte e permanente com a sociedade. Por exemplo: casas e condomínios geram mais lixo reciclável do que lixo orgânico; mas tudo é descartado como lixo orgânico. Desperdício. Além disso, não se aceita que esse lixo seja coletado por cooperativas de catadores: desperdício de renda possível.

Quando se vai para o plano global, o panorama também é assombroso. Diz a ONU-Habitat (O Popular, 7/8) que 1,3 bilhão de toneladas de resíduos sólidos urbanos é gerado por ano no planeta – produtos têxteis, plásticos não recicláveis, resíduos de madeira, lixo “comum” ou embalagens sujas de alimentos. Um dos aproveitamentos é a transformação em etanol, o que já é feito também em outros 63 países. Mas o desperdício é gigantesco.

Não fazem licenciamento ambiental 70% dos municípios brasileiros (Observatório das Metrópoles e O Estado de S. Paulo, 15,4/16). E concorrem para que o desperdício não seja minimizado com o aproveitamento em obras. O lixo eletroeletrônico não para de crescer, acompanhando o consumo: no ano passado foram 41 milhões de toneladas desse tipo de resíduos no mundo; no Brasil, 1,2 milhão de toneladas, comercializadas ilegalmente (90%) ou descartadas, para aumentar o lixo urbano – mesmo assim, há propostas para prorrogar o prazo de fechamento de lixões, embora a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos já tenha completado seis anos e haja 22 associações e mais de 500 empresas aliadas. Cresceu 138% o número de cidades que desenvolvem programas de coleta seletiva; os postos de entrega voluntária já são 1.666, ou 255% mais que a meta estipulada para 2015. Apesar disso tudo, continua-se a atirar lixo na Baía de Guanabara; às vésperas da Olimpíada, este ano, foi retirada uma tonelada por dia – sem resolver o problema.

Os cidadãos e políticos continuam muito distantes do problema. “Cuidar do lixo não dá voto”, dizem os políticos. “Eu só não quero lixo diante da porta da minha casa”, dizem os cidadãos comuns.

O Ministério das Cidades assegura que a coleta seletiva caminha bem. E que a compactação e o isolamento em bolsas de propileno assegura destinação adequada e permanente. Muitas pessoas depositam sua esperança num sistema de transporte e descarte de resíduos da construção civil que permite à limpeza urbana monitorar e fiscalizar por meio de georreferenciamento onde está o lixo. Coordenadas dos pontos onde está cada caçamba permitem localizar por meio eletrônico qualquer porção do lixo.

Mas ainda falta muito.

O crime mais hediondo

Não existe crime mais sério do que a corrupção. Outras ofensas violam uma lei enquanto a corrupção ataca as fundações de todas as leis” assinalou o juiz da Lava Jato. “Sob nossa forma de Governo, toda a autoridade está investida no povo e é por ele delegada para aqueles que o representam nos cargos oficiais. Não existe ofensa mais grave do que a daquele no qual é depositada tão sagrada confiança, quem a vende para seu próprio ganho e enriquecimento, e não menos grave é a ofensa do pagador de propinas. Ele é pior que o ladrão, porque o ladrão rouba o indivíduo, enquanto que o agente corrupto saqueia uma cidade inteira ou o Estado. Ele é tão maligno como o assassino, porque o assassino pode somente tomar uma vida contra a lei, enquanto o agente corrupto e a pessoa que o corrompe miram, de forma semelhante, o assassinato da própria comunidade.
 political oppression:
O Governo do povo, pelo povo e para o povo irá perecer da face da terra se a corrupção for tolerada. Os beneficiários e os pagadores de propinas possuem uma malévola preeminência na infâmia. A exposição e a punição da corrupção pública são uma honra para uma nação, não uma desgraça. A vergonha reside na tolerância, não na correção. Nenhuma cidade ou Estado, muito menos a Nação, pode ser ofendida pela aplicação da lei. (..). Se nós falharmos em dar tudo o que temos para expulsar a corrupção, nós não poderemos escapar de nossa parcela de responsabilidade pela culpa. O primeiro requisito para o autogoverno bem sucedido é a aplicação da lei, sem vacilos, e a eliminação da corrupção
Trechos do discurso do ex-presidente dos EUA, Theodore Roosevelt (1901/1909), em 1903, citado pelo juiz federal Sérgio Moro ao condenar o ex-senador Gim Argello (PTB-DF)

Lula recusa sugestões e se nega a presidir o PT

Réu em três processos e protagonista de outras quatro investigações, Lula é assediado por correligionários que gostariam de vê-lo no comando do PT. Ele se recusa a dar ouvidos às sugestões. Apresenta duas razões para não assumir a presidência da legenda. Sustenta que o PT precisa de “renovação”. E alega que sua presença na direção do partido interessa mais aos adversários.

Nas palavras de Lula, seus rivais passariam a perseguir o objetivo de “matar dois coelhos de uma só cajadada”. Nesse enredo construído pelo pajé petista, delegados federais, procuradores da República, auditores do fisco e magistrados uniram-se aos “golpistas” e à mídia monopolizada para arrancá-lo do cenário de 2018. E as pancadas desferidas contra ele passariam a doer automaticamente no partido.

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Transferida do final para o início de 2017, a sucessão interna do PT empacou na definição de um substituto para Rui Falcão, o atual presidente. A palavra “renovação”, entoada inicialmente por Lula, tornou-se uma espécie de mantra do processo. O problema é que os nomes que se encontam sobre a mesa são, digamos, manjados. Por exemplo: o ex-ministro Jaques Wagner (BA), os senadores Lindbergh Farias (RJ) e Humberto Costa (PE). Em maior ou menor extensão, todos têm contas a ajustar com a Lava Jato.

De resto, petistas históricos, cujas rubricas constam da ata de fundação, avaliam que o problema do partido é mais de script do que de diretor. Aferrada à tese da perseguição política, a atual direção partidária não consegue colocar em pé um discurso que se pareça com uma expiação. E, embora Lula finja não perceber, o PT já sangra junto com ele.

A mascarada

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A escuridão acenando para você debaixo daquele sol de utopia
Saul Bellow 

Venezuelanos fogem do paraíso humanista, igualitário e socialista

Esses venezuelanos que se mandam para o Brasil, atravessando a fronteira em Pacaraima, devem ser direitistas empedernidos, intransigentemente conservadores, pessoas de muito mau gosto e lerdas de entendimento. Só pode ser isso. Quem, em sã consciência, quereria fugir de um governo que, além de comunista é bolivariano, assim definido pelo talento retórico de Hugo Chávez (de quem se diz estar morto, como se divindades morressem)? Quem quereria fugir?

Durante anos debati, em rádio e TV, com personalidades políticas e intelectuais da esquerda gaúcha, sobre a realidade venezuelana. Posso testemunhar a reverência que prestavam à revolução em curso na terra de Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios Ponte-Andrade y Blanco, nome que todo venezuelano sabe de cor! A Venezuela era o país mais bem orientado e governado no continente...

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Venezuelanos invadem Roraima
Caracas se tornou escala obrigatória dos que iam a Havana. Com Dilma, com Lula e em entusiásticas delegações, levavam ouro, incenso e mirra (ou financiamentos do BNDES, o que dá no mesmo). Apertar a mão de Hugo Chávez equivalia a uma sagração e compensava a viagem. Era coisa de contar aos netos. Quase como ter visto Che Guevara de longe. O homem mandava no parlamento, nomeava o judiciário, submetia a imprensa, exercia poder sobre tudo. De lambuja, vencia quaisquer eleições e plebiscitos a que se submetesse. Ali estava o melhor exemplo de democracia popular, em contraponto à democracia burguesa "ainda praticada no Brasil". Caracas era Havana com upgrade. E tinha petróleo.

Mas voltemos àquela pequena cidade no extremo norte do Brasil por onde estão entrando os venezuelanos. Pacaraima, com seus cinco mil habitantes, não é um polo turístico, mas ferve de estrangeiros. Sua modorra foi rompida pelo êxodo do país vizinho. Muitos chegam e ficam até arrumar o dinheiro para seguir viagem. Outros passam rumo a Boa Vista e além. São Paulo está quase sempre perto do coração e longe do bolso. Outras rotas de emigração, ou simples busca de alimentos, se estabeleceram no país, como a que leva à Colômbia, cruzando o rio Pamplonita em Cúcuta e tem ensejado impressionantes registros fotográficos.

Nos primeiros anos da Revolução Cubana, cerca de 20% da população abandonou a ilha. O fluxo autorizado pelos Estados Unidos e o clandestino por quaisquer meios até a Flórida, retirou bem mais de 2 milhões de cubanos que são denominados "gusanos" (vermes) pelo governo da ilha. Estamos vendo, agora, em proporções diferentes, mas por causa semelhante, uma repetição do fenômeno na Venezuela. Mas é claro, nada disso abala a fé que companheiros e camaradas daqui depositam no regime de lá.

Percival Puggina

Os laços da perdição

A discussão sobre capitalismo de laços no Brasil não é nenhuma novidade, assim como a tentativa de reinventar o capitalismo de Estado. Por R$ 100 é possível comprar pela internet dois livros de Sérgio Lazzarini sobre o assunto. Professor do Insper, o economista é um estudioso das imbricadas relações empresa-Estado no Brasil e do modelo político adotado pelo PT e que entrou em colapso com o escândalo da Petrobras, uma espécie de fusão das operações ilícitas envolvendo empresários, gestores públicos e políticos investigados pela Operação Lava-Jato com os mecanismos de intervenção do governo na economia, durante os mandatos de Lula e de Dilma.

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Não se pode atribuir ao PT tudo o que aconteceu, até porque as estruturas do Estado e do capitalismo brasileiros foram historicamente constituídas. O problema é que, ao assumir o poder, o partido foi abduzido pelos laços perversos do sistema, ao conquistar a chave do cofre e assumir as redes da política. O transformismo petista, porém, é mascarado pela retórica neopopulista de amplos setores da esquerda, na qual o nacional desenvolvimentismo ainda serve de biombo ideológico. Encaixa-se como luva na velha doutrina dos movimentos de libertação nacional durante a guerra fria: aliança com a burguesia nacional contra o imperialismo, num esquema em que a emergência da China na economia globalizada e o jogo duro da Rússia de Putin contra os Estados Unidos na Ucrânia e no Oriente Médio substituíram a antiga União Soviética e os ex-aliados da Cortina de Ferro. Os sindicatos e a esquerda europeia se encarregaram de dar ressonância internacional ao projeto.

Lazzarini notou que, nos processos de licitação, formavam-se consórcios com atores conhecidos, com a participação do governo e seus agentes, mesmo depois do período de privatizações. O Estado já não tinha controle total sobre grandes empresas, com exceção das Petrobras; havia diluído sua participação em algumas empresas (privatizadas ou não) para atuar em uma rede muito maior de organizações. Com isso, ao lado da ofertas públicas de ações (IPOs – Initial Public Offerings) nas empresas estatais a novos investidores nacionais e internacionais, o Estado permanecia forte e presente em muitos setores.

O Estado não se afastou de atividades econômicas por meio da privatização e da abertura econômica. Pelo contrário, adotou um modelo de maior capilaridade, aumentando o número de empresas que contam com a participação do BNDES e dos fundos de pensão de estatais, que têm laços políticos com o governo. E essa ramificação do Estado é tão ou talvez mais poderosa do que o modelo anterior, concentrado em grandes empresas. Além disso, os mesmos proprietários e grupos, com laços cruzados, estavam em muitas empresas. Com isso, grupos privilegiados pelo governo, em troca de propina, passaram a ter uma grande presença transversal na economia.

Pela primeira vez, a esquerda no poder promoveu uma política de concentração e internacionalização de capital nunca vista, os chamados “campeões nacionais”, cuja consequência foi a criação de um ambiente econômico degenerado e pouco competitivo. Ao contrário do que apregoa o discurso de defesa da “engenharia nacional” e da reserva de mercado para a inovação e tecnologia nacionais, quando as empreiteiras formaram o cartel que controlava todos os grandes projetos do governo, da construção de plataformas de petróleo a estádios de futebol, puxaram para baixo a competitividade, a inovação, a qualidade e a produtividade no país.

As conexões internacionais do modelo são parte de um esquema de reprodução do projeto de poder, no qual o BNDES entrava como fonte financiadora. A maioria dos empréstimos camaradas tem prazo em torno de 12 a 15 anos, embora alguns contratos com Cuba destoem por terem até 25 anos. As taxas de juros estão entre 3% e 6% ao ano, em dólar. O financiamento desses contratos se dá via Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que recebe, nesses casos, remuneração atrelada a taxas internacionais. Mas essas são muito mais baixas do que o custo que o próprio governo consegue captar, aqui ou no exterior. E o próprio Tesouro tem coberto rombos no FAT.

Pois bem, quando um dos maiores fornecedores da Petrobras, com contratos no valor de R$ 25 bilhões, o estaleiro Keppel Fels, reconhece na Bolsa de Cingapura, onde fica a sua sede, que os pagamentos feitos a seu representante no Brasil “podem ser suspeitos”, desnuda os laços mais perversos e conexões internacionais desse modelo, que virou caso de polícia. Seu representante no Brasil é o lobista e engenheiro Zwi Skornicki, preso pela Operação Lava-Jato, que já disse que pagou US$ 4,5 milhões (R$ 14,4 milhões, em valores atuais) ao marqueteiro João Santana, que cuidou das campanhas de Lula (2006) e de Dilma Rousseff (2010 e 2014). A mulher e sócia de Santana, Mônica Moura, confessou que recebeu os US$ 4,5 milhões numa conta na Suíça, uma dívida da campanha de 2010. Os ataques ao juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, não salvarão o modelo fracassado. A crise fiscal do país exige do Estado e da sociedade uma mudança de paradigma.

A Síria é aqui

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Massacres, chacinas, extermínios em massa sempre frequentam o noticiário. O ser humano nunca se cansa de matar o semelhante. Não importa quão civilizado o país se julgue, ele sempre será bárbaro quando lida com o outro, com o diferente. Quer exemplo mais contundente que a invasão do Iraque pelos norte-americanos? Segundo cálculos feitos nos Estados Unidos e na Inglaterra, mais de um milhão de civis iraquianos teriam sido dizimados pelos bombardeios ordenados por George W. Bush. Quer outro exemplo, mais recente? Os mortos na Síria, contagem que varia entre duzentos e trezentos e cinquenta mil desde o início do conflito. Quer um exemplo do Brasil? Aqui aconteceram mais de cem mil homicídios no ano passado, número maior que o de vítimas no conflito da Síria em 2015. Uma guerra civil não declarada assola nosso país. Dez por cento dos homicídios do mundo ocorreram aqui. Dez por cento num país que tem menos de três por cento da população da Terra.

Neste exato momento, assisto a um tiroteio entre três facções rivais de venda de drogas no bairro da Serra, em Belo Horizonte. Os combates acontecem dia e noite. Ouvi-os sobretudo nas madrugadas, com armas pesadas, de repetição. A polícia só agora deu as caras. Há uma concentração de viaturas na praça principal do Conglomerado da Serra. Dizem que várias pessoas morreram. Entre elas, meninos de 13 ou 14 anos, que nesta semana exibiam metralhadoras pelas ruas da comunidade, orgulhosos de seu poder. E mais tarde não hesitaram em dispará-las contra os adversários.

Em BH, como no resto do país, há uma clara ausência do Estado no combate ao tráfico de drogas, vácuo que permite o surgimento de enclaves independentes dentro do país, com leis próprias, como o toque de recolher hoje em vigor numa parte do Conglomerado, implantado pelos bandidos. O Estado proíbe o consumo e o tráfico de drogas, mas não consegue impedir que aconteçam. Mudar a lei seria uma solução?

Diante do quadro, algo mais triste me assola: o pequeno valor dado à vida humana. Como disse acima, não importa o país, tampouco a época. Todos matam. Descendo ao interior da nossa sociedade, os 100.000 homicídios anuais mostram que os indivíduos também matam. Somos violentos. Violentos desde que surgimos no mundo. Daí minha tristeza maior. Sempre acreditei que, no século 21, nos respeitaríamos e viveríamos em iguais oportunidades para todos. Viveríamos uma democracia. A utopia desaba. E desabamos todos juntos.