sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Dois Brasis


Lula não pode tudo

Há reviravoltas e reviravoltas. Com estafante insistência, de uns tempos para cá – mais precisamente há quase duas décadas – petistas empedernidos nos falam de uma reviravolta para salvar o Brasil do caos. Suas receitas e promessas, aplicadas em campo na longa temporada que ocuparam o poder, acabaram por legar o próprio emblema do caos lancinante, no plano econômico, social e político, sem exceções, com um tempero de desemprego e recessão recordes na história. Ninguém disso duvida. Mas as patranhas palanqueiras do líder máximo da agremiação, Lula da Silva, hoje detento de ficha 700004553820, seguiram seu curso a despeito das evidências e alcançaram o último pleito, de embate capital no próximo domingo, 28, em segundo turno, com inadvertida desfaçatez. O menestrel das lorotas Lula e seus seguidores, como a caçoar da inteligência alheia, redobraram as apostas repetindo como farsa a ladainha de um resgate do País. Seria decerto uma salvação pela via da corrupção endêmica que massivamente praticaram. Haddad, o poste da vez, travestido de conciliador democrata sem aptidão para tanto, tomou para si o discurso engabelador e aceitou ser servido como presente de grego, na vã ilusão de enganar eleitores e potenciais aliados distraídos. Não colou. Encarnou o papel típico de um Cavalo de Tróia, escondendo em suas entranhas a camarilha de encalacrados petistas que inevitavelmente traria junto em seu projeto eleitoreiro, e se estrepou todo, caminhando para uma derrota fragorosa. Converteu-se em mero figurante do jogo. Pausa para registro: é sabido que Lula, Dirceu & Cia. sempre almejaram resgatar o poder a qualquer custo e de qualquer maneira – mesmo que não pela via do voto, como disse recentemente um deles -, mas decerto representa um lance bizarro, quase ingênuo mesmo, a tentativa do capo petista de empurrar ao Planalto (sem qualquer chance mais a essa altura do campeonato) um preposto da velha esquadra de sequazes saqueadores. Haddad, na campanha montada para lhe vender como algo que não é, virou pilhéria e provocou vergonha alheia. A agremiação escondeu a bandeira vermelha com estrela, marca pela qual é mais conhecida, tirou a imagem de Lula dos santinhos, mostrou seu usual desapego à realidade, lançando acenos que não cumpre, e perdeu-se no fabulário. A verdade não tem versões e o PT não entendeu isso. A ópera dos embusteiros acabou desmascarada. E logo por quem havia acabado de se enfileirar na esquadra de defesa do lulopetismo. “Lula tá preso, seus babacas! Vocês vão perder”, bradou o pedetista cearense Cid Gomes em um desabafo tão franco como surpreendente. Obcecados adoradores do demiurgo não quiseram ouvir. Possivelmente nem acreditaram no óbvio. Nessa marcha da insensatez que empreendem devem mesmo sair derrotados porque, de resto, como os próprios eleitores estão demonstrando nas urnas, Lula não pode tudo. Ninguém pode. A corriola de asseclas e militantes é capaz até de insistir na fé cega da hipótese, afinal muitos habitam um mundo onde as versões predominam sobre os fatos, as imagens virtuais sobre a realidade, no qual o universo paralelo serve de refúgio para negar a seca realidade. Decerto, em dado momento, sairão frustrados. A patota de caciques petista também. Ela estava convicta de que receberia o aval para replicar um modelo tão fraudulento como danoso à Nação. Os formuladores desse pacto foram escorraçados. Receberam um primeiro e eloquente recado ainda nas eleições municipais, há dois anos, e estão agora aprendendo, a duras penas, que não se ganha carta branca da população, indefinidamente, para seguir delinquindo sem punições. A maioria dos comandantes petistas está condenada. Outros respondem na Justiça por seus desvios. Lula segue na cadeia e transformou-se num mero espectro do poder de outrora. Não manda mais nada, não pode mais nada e fala apenas para um pequeno exército “Brancaleone”, cada dia mais ralo. Com o distanciamento dos eventos pregressos é possível notar que o pecado original da parolagem petista foi presumir que a conquista do Planalto lá atrás fazia do Brasil propriedade privada do partido para esbórnias sem fim. Ledo engano. A farra está se esgotando. O PT vive provavelmente o crepúsculo de uma antiga projeção. As artimanhas e as surradas práticas do patrimonialismo espoliador devem, com ele, sumir do cenário político. Será essa a verdadeira reviravolta.

Debilidade do interesse

Os partidos se debilitam por terem medo das pessoas habilitadas
Napoleão Bonaparte

O que será será

O que será do nosso país?

Muita gente me pergunta isto, nas ruas e nos aeroportos. Respondo que penso no tema todos os dias e um bom pedaço das noites. Mas não cheguei a uma conclusão que pudesse ser transmitida num diálogo telegráfico. Tudo o que consigo dizer ainda não transcende a sabedoria de um escoteiro: estar alerta.

Não temo pela sobrevivência da democracia brasileira, mas pelos arranhões e pancadas que pode levar no caminho. É um perigo que ronda a democracia em quase todos os lugares onde ela existe.


Acabamos de sair do primeiro processo de eleições disputado principalmente no território virtual das redes. Talvez seja mais reveladora do Brasil que as outras, marcadas por comícios, propaganda na TV e reuniões domésticas. Muita gente participou, compartilhando opiniões.

O processo tem alguns perigos, que já rondaram as eleições presidenciais norte-americanas. O principal deles são as fake news, cada vez mais intensas.

Fake news sempre existiram. No passado as chamávamos de boatos. Na década dos 70 o escritor alemão Hans Magnus Enzensberger escreveu um livro de ensaios com o título Política e Crime. Um dos mais interessantes capítulos é dedicado aos boatos e sua capacidade destruidora em certos momentos políticos. A diferença essencial é que o boato hoje não só circula entre milhões de pessoas, mas o faz numa rapidez incomparável com outras fases históricas.

As fake news não seriam tão assustadoras para mim se houvesse uma vontade genuína de filtrá-las. O perigo apresenta-se no fato de que para muitas pessoas a distinção entre fake news e realidade não interessa mais. E essa indiferença diante de boatos espalhados por máquinas eficazes acaba sendo uma porta aberta para o totalitarismo.

Tanto no Brasil como nos Estados Unidos, um presidente não escreve o destino do país como se estivesse diante de uma folha em branco. Há instituições, às vezes precárias, é verdade, mas representam um contraponto ao poder.

Conheço as posições de Bolsonaro e seus aliados em relação ao meio ambiente. Será um osso duro de roer. Mas, ainda assim, creio que há um horizonte para o movimento ambiental. Na minha opinião, ele terá de rever suas alianças preferenciais. Foi mais fácil buscar a esquerda, sempre aberta para absorver lutas contra o sistema.

No entanto, a ciência, a grande aliada estratégica, foi subestimada. O verdadeiro encontro a ser buscado é o da ecologia com a ciência. Não importa a resistência que as ideias encontrem. Apoiadas numa lógica científica têm chance maior de se expandir na sociedade.

Marina teve uma votação muito pequena. No dia seguinte à apuração, dois economistas ganharam o Nobel com trabalhos sobre o desenvolvimento sustentável. O tema continua importante, sobretudo no mundo. A votação de Marina não expressa a irrelevância ambiental na cabeça dos eleitores brasileiros.

O momento histórico, as circunstâncias tornaram a luta contra a corrupção sistemática e a insegurança nas cidades o que realmente importava agora. No campo da segurança pública, outro osso duro de roer. Não só Bolsonaro, mas também parte de seus eleitores, aposta na posse de armas. Vejo isso de uma forma diferente, mas não tão contraditória.

Jair Bolsonaro disse no Rio que gostaria de ver a segurança funcionando como há 50 anos. É compreensível a nostalgia das ruas tranquilas. No entanto, o esforço é fazê-lo olhar para a frente, se não 50, ao menos alguns anos adiante.

As experiências que fortalecem a minha tese estão aí: a tecnologia e a ciência também são aliadas da segurança pública. No Piauí, um aplicativo trouxe mais segurança às mulheres ameaçadas. No momento em que escrevo, estou partindo para a cidade de Guararema, no interior de São Paulo. Ali vou documentar o trabalho de uma verdadeira muralha de câmeras que protegem o lugar. São 96. Há 33 meses não há um homicídio.

Deve haver alguns problemas, como de privacidade. Mas isso vou analisar no local. De qualquer maneira, é um exemplo que fortalece a tese de usar o avanço tecnológico e científico como um grande aliado da segurança pública.

Enfim teremos um novo presidente, novo grupo no governo, mas há um caminho para contrabalançar o poder emergente. Uma instituição com a qual se conta sempre, apesar de sua degradação, é o Congresso. Houve uma renovação, cujos contornos qualitativos é difícil avaliar antes de fevereiro.

A base parlamentar do governo, no momento, são as bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Não são monolíticas, nem necessariamente concordam em tudo.

Sempre escrevi que a chamada bancada da bala é formada, parcialmente, por policiais experientes, que têm muito a dizer. A repressão armada é a linguagem que melhor entendem. No entanto, uma investigação sofisticada, um método mais científico pode despertá-los também para outro caminho, ainda incipiente no Brasil.

Na bancada ruralista há gente com mais intimidade com a natureza do que muitos ecologistas. Sua diferença é que trabalha com os fatores sobrevivência e, sobretudo, lucro. Mas com a mediação da ciência é possível algum resultado, assim como com a bancada religiosa, em alguns temas, como meio ambiente e direitos humanos - não, porém, no sentido em que os conheceram nos anos de PT.

Enfim, teremos muito trabalho para tocar o barco. Mas não é impossível. Estamos diante de uma realidade, não adianta chorar o leite derramado. O Brasil é assim, temos de nos ajeitar com ele e dar graças a Deus, porque a alternativa do autoexílio é bastante dolorosa, creio eu.

Tenho visto algumas críticas de que esse raciocínio leva a normalizar o fascismo. Na verdade, o que consideram uma aberração é resultado do voto popular. É preciso um pouco de cuidado com a realidade.

Ainda bem que haverá muito trabalho para todos. E pouco tempo para patrulhar uns aos outros.

E os pobres?

À vista do que dizem candidatos e sábios das duas candidaturas residuais à Presidência da República, que se enfrentarão no próximo dia 28 de outubro, os pobres do Brasil estão fritos. De um lado, os que acham que a quirera do Bolsa Família resolveu o grave problema da pobreza. Além de ter resolvido o problema eleitoral dos que carecem de muitos votos em troca de poucas e ilusórias soluções para os problemas sociais. Dez merréis de acréscimo a ganhos indigentes são suficientes para a ascensão social puramente estatística de parte da população. Mas não aquela que a integre decentemente e democraticamente na sociedade de mercado e menos ainda na sociedade de consumo.

De outro lado, estão os sábios desenraizados do economismo superficial, pseudocientífico, que tem fórmulas mágicas para tudo, na educação, na ciência, na economia propriamente dita, desde que lucrativas. É evidente, pois, que os que "dão" prejuízo ou não dão lucro estão fora das cogitações políticas da nova ordem baseada no racional da iniquidade e na exclusão social e cultural.

É curioso isso. Historicamente, a sociedade brasileira reafirma o seu caráter estamental, volta sempre às desigualdades do passado, douradas por discursos ufanistas e enganadores. Procura restaurar sempre a inferioridade social do nascimento dos pobres que herdamos da dominação colonial.


A pobreza no Brasil, mais do que nunca, já ultrapassa o nível da pouca vergonha. Essa definição não é científica. Mas tampouco a miséria brasileira o é. Um quarto da população brasileira, segundo dados recentes do IBGE, vive com pouquíssimo mais de R$ 18 por dia, R$ 387,00 por pessoa por mês. Menos do que o aluguel mensal de um barraco numa favela em São Paulo. Vivem em pobreza extrema 4,2% da população, os que dependem do Bolsa Família (R$ 85/mês). Vivem com um quarto do salário mínimo per capita 12% dos brasileiros.

A população mais pobre continua concentrada no Norte e no Nordeste, regiões há meio século beneficiadas por políticas de incentivos fiscais que nelas promoveram a difusão de uma economia moderna, poupadora de mão de obra e, portanto, desenvolvedora da economia, mas não da sociedade. Quase metade da população das duas regiões ainda vive na pobreza e na extrema pobreza. São extremamente pobres mais de 7 milhões de nordestinos, mais da metade dos do Brasil.

O Brasil não conseguiu superar a indigência de políticas sociais baseadas na concepção de esmola, caso do Bolsa Família. Nesta campanha eleitoral, nenhum dos candidatos foi além de propostas de políticas sociais baseadas na concepção da dádiva, seja na economia, seja na saúde, seja na educação, seja na seguridade, seja na segurança. O que unifica as propostas é a incapacidade de formular políticas econômicas baseadas no primado dos direitos sociais.

Se os intelectuais do economismo não conseguem ir além da subdesenvolvida concepção de sociedade lucrativa às custas do abandono e do banimento de milhões de brasileiros, melhor é procurar socorro teórico em outras fontes. Há séculos as ciências criaram sua resistência ética e propriamente científica à banalidade do meramente útil e lucrativo. Deveriam criá-la também aqui. A condição humana não se reduz ao lucro a qualquer preço nem com ele se confunde. O lucro é um epifenômeno, um resultado secundário das conquistas sociais. Os países ricos só o são porque a educação os fez culturalmente ricos e socialmente justos. Não estamos conseguindo ir por aí. Queremos imitar os países ricos e dar o salto da iniquidade que minimiza a sociedade para maximizar a economia. Queremos imitar porque os que mandam em nós acham que a macaquice da imitação substitui a diligência do esforço, do estudo, do trabalho. Macaquice não é ciência nem é criação.

Somos hoje economicamente pobres porque abandonamos os grandes valores que nos foram legados pela tradição humanística civil e militar do almirante Tamandaré e do marechal Rondon, heróis da pátria, que pensavam o futuro do povo brasileiro no marco da superação das contradições da escravidão e da conquista. Ou o legado de empresários como Antônio da Silva Prado, o maior de sua época, que arquitetou o fim da escravidão como engenharia de transformação social. E Roberto Simonsen, fundador da Fiesp, que concebeu o nacional-desenvolvimentismo e a política industrialista baseada na premissa dos direitos trabalhistas e previdenciários. Anticomunista, era leitor de Karl Marx, para desespero da família, como me revelou uma sobrinha sua.

Gente que assegurou a modernização do Brasil com a modernização de sua economia sem crucificar os desvalidos, ao integrar os pobres na sociedade por meio do trabalho livre e do emprego decente.
José de Souza Martins

Pensamento do Dia


Tudo chute

As últimas pesquisas de “intenção de votos” que estão circulando na praça dizem, em números redondos, que Jair Bolsonaro está com cerca de 60% das preferências do eleitorado, contra 40% de Fernando Haddad. Mas esperem um momento: deve haver alguma coisa errada aí. Até às vésperas da votação do primeiro turno, todas as pesquisas (e a mídia insistia muito nesse ponto: todas as pesquisas) garantiam que Bolsonaro iria perder de qualquer dos outros candidatos no segundo turno. Repetindo: de qualquer candidato. Nove em cada dez análises se fixavam na importância terminal desta informação vinda da ciência estatística. Podia se contar com diversos cenários, mas uma coisa pelo menos estava certa, acima de toda e qualquer dúvida: o candidato da direita iria perder a eleição no segundo turno, seja lá o adversário que sobrasse para a disputa com ele. Até o Meirelles? Aparentemente, não chegaram a medir a coisa nesses detalhes, mas as manchetes diziam que Bolsonaro perderia de todos os candidatos no segundo turno, e como Meirelles (ou o cabo Daciolo, ou o Boulos, ou o Amoedo, ou o Álvaro Dias etc.) eram candidatos, sempre dá para dizer, tecnicamente, que até essas nulidades iriam ganhar dele. Não aconteceu nada de extraordinário de lá para cá. Porque, então, as pesquisas preveem agora exatamente o oposto do que previam cinco minutos atrás?

Os institutos de pesquisa fariam uma especial gentileza ao público se explicassem, em umas poucas palavras compreensíveis, por que seus números devem ser levados a sério no segundo turno, se mostram agora o contrário do que mostravam no primeiro. Não conseguindo fazer isso, talvez ficasse mais simples dizer o seguinte às pessoas: “Esqueçam o que a gente deu no primeiro turno. Era tudo chute”. Chute ou torcida, tanto faz, porque uma coisa é tão ruim quanto a outra e, no fim das contas, nenhuma das duas será cobrada. Como sempre acontece, se Bolsonaro ganhar mesmo as eleições, os autores das pesquisas dirão que ficou provado o quanto eles acertaram – pois o resultado que costuma sobrar na memória é o último. Daqui a pouco, contando com esquecimento geral por parte do público, estarão propondo novas profecias para quem estiver interessado. E em 2022, ou já em 2021, prepare-se para ler que Lula está na frente de todo mundo com 50%, que Marina está subindo e Ciro Gomes começa a crescer. Bolsonaro, se for eleito agora e se candidatar à reeleição, estará com 0%. Na reta final os números serão ajustados de novo (“ocorreram mudanças no processo decisório”) e tudo continuará como sempre foi.

As pesquisas eleitorais de 2018 deixaram claro, mais que em qualquer eleição anterior, o quanto elas estão sendo incapazes de medir aquilo que está realmente na cabeça do eleitor. Foi um desastre. Dilma Rousseff foi garantida como a senadora mais votada do Brasil e ficou num quarto lugar em Minas Gerais. O senador de São Paulo Eduardo Suplicy, outro “eleito” pelas pesquisas, foi exterminado após 27 anos de Senado. Houve erros grotescos nas pesquisas para governador de Minas e Rio de Janeiro – os que acabaram colocados em primeiro lugar tinham 1% dos votos, ou nada muito diferente disso, até poucos dias antes da eleição. Geraldo Alckmin ficou com menos de 5% dos votos. Marina Silva ficou com 1%. No Nordeste, que foi citado durante seis meses seguidos como o grande celeiro de onde Lula poderia operar a sua “volta”, o PT teve 10 milhões de votos a menos que em 2014. Das sete capitais da região, perdeu em cinco. Erros deste tamanho, por mais que os institutos neguem, são sintoma de alguma coisa profundamente errada no sistema todo. Como escrito acima, tudo isso tende a cair rapidamente no esquecimento, sobretudo porque não há paciência para ficar discutindo um assunto que não interessa mais até a próxima eleição. Mas o problema não vai sumir só porque não se falará mais nele.

As pesquisas, com certeza, não conseguiram captar as correntes que se movimentam no oceano da internet e do mundo digital como um todo. Não entenderam nada sobre o peso que as redes sociais tiveram no processo eleitoral. Seus questionários podem não estar fazendo as perguntas certas, na maneira certa, na hora e no lugar certos. Na disputa nacional, o papel da propaganda obrigatória na televisão, tido como algo sagrado, mostrou que está valendo zero – e as pesquisas não estavam preparadas para isso, nem para o efeito nulo dos “debates” entre candidatos na TV, das opiniões dos comentaristas políticos e da orientação geral da mídia. Está surgindo um mundo novo por aí. Não será fácil para ninguém começar a entender como ele vai funcionar. Uma boa razão, portanto, para começar já o esforço.

Bolsonaro não receberá um cheque em branco

Divulgada a dez dias do segundo turno, a nova pesquisa do Datafolha deu à sucessão presidencial uma aparência de jogo jogado. O staff de Jair Bolsonaro mal consegue conter a euforia. Como sua liderança não chegou a ser colocada em xeque por Fernando Haddad, o capitão aproxima-se do Planalto como se recebesse um cheque em branco do eleitorado. Engano.

O principal atributo de campanhas como a de Bolsonaro, que irradiam um imaginário forte, é ter rompido com a situação anterior, dando a impressão de que nada será como antes. Não é pouca coisa. Foi à cova no primeiro turno aquele PSDB que se oferecia como polo de poder há seis sucessões. Vão à lona no segundo round o petismo e, sobretudo, o lulismo.

No momento, o eleitor mostra-se pago e satisfeito com a retórica de Bolsonaro, feita de probidade, segurança e prosperidade. Mas a situação é mais complexa. Tão complexa que ficou simples como o ABC. A, o programa aguado de Bolsonaro produz alta expectativa; B, a boa vontade virará cobrança em janeiro; C, a corrosão da legitimidade do eleito crescerá à medida que o eleitor for percebendo que o único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é o dicionário.

Bolsonaro coleciona no Datafolha 59% das intenções de votos válidos, contra 41% atribuídos a Haddad. O petismo já se dedica à produção de teorias para explicar a derrota. O exercício é tão inevitável quanto inútil, pois não produz a hecatombe que seria necessária para engolir até 28 de outubro os 18 pontos percentuais que separam o substituto de Lula do seu algoz.

Um detalhe potencializa o desafio de Bolsonaro. O resultado da eleição será marcado não pela preferência, mas pela rejeição do eleitorado. Subiu para 54% a taxa de eleitores que declaram que jamais votariam em Haddad. Quer dizer: o capitão será empurrado para a cadeira de presidente pela maior força política da temporada: o antipetismo.

O índice de rejeição a Bolsonaro diminuiu. Mas continua enorme: 41%. Significa dizer que não haverá na plateia muita gente com disposição para aplaudir um governo que não entregue rapidamente a mudança que prometeu.

Do ponto de vista econômico, a aura de Bolsonaro já tem dono: o liberalismo do economista Paulo Guedes. Que esbarrará no fisiologismo do Legislativo. Do ponto de vista político, seu governo precisa virar o sistema do avesso. Fácil de prometer. Difícil de executar.

Em condições normais, o eleitor talvez se esforçasse para distinguir políticos melhores e piores. Mas os gatunos ficaram ainda mais pardos depois que a Lava Jato transformou a política em mais uma ramificação do crime organizado. Depois que o governo empregocida de Dilma Rousseff foi sucedido pela cleptogestão de Michel Temer, a ideologia do eleitor tornou-se uma espécie de radicalismo retrógrado, movido a fúria, desinformação e inconsequência. Deu em Bolsonaro.

Jogando parado, Bolsonaro avisou que não irá a nenhum debate, embora os médicos o tenham liberado. Segundo o Datafolha, 73% dos eleitores avaliam que ele deveria duelar com Haddad diante das câmeras. Entretanto, 76% declaram que não cogitam modificar o voto por causa de debates. Nesse contexto, a fuga parece um grande negócio para o favorito. Mas essa percepção só é válida até certo ponto. O ponto de interrogação.

É verdade que há algo de sádico na forma como os candidatos são expostos, questionados, insultados e até ridicularizados nos debates. Neste segundo turno de 2018, a perversão ganharia nova dimensão, pois um dos contendores convalesce de duas cirurgias provocadas por uma facada.

Mas o sadismo não seria necessário apenas para o esclarecimento de eleitores que parecem dar de ombros para o contraditório. Valeria mais pela educação democrática que propiciaria a um candidato com pendores autocráticos. O mesmo Datafolha que coloca Bolsonaro a um milímetro da poltrona de presidente da República já revelou que sete em cada dez brasileiros enxergam a democracia como o melhor sistema de governo.

É mais uma evidência de que, eleito, Bolsonaro não vai dispor de um cheque em branco do eleitorado. Tiros para o alto ou murros na mesa não serão aceitáveis. O capitão terá de aprender a negociar. Algo que jamais fez nos seus quase 28 anos de Parlamento.

Fazer sentido

Precisamos dar um sentido humano às nossas construções. E, quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu
Erico Verissimo

Petismo, antipetismo e pacificação

No Brasil em que eu vivo com os olhos bem abertos, o antipetismo acabou se tornando a maior força política, suplantando o petismo. Não houvesse um petismo a suscitar antagonismo, não surgiria a reação contrária.

Desde que foi criado, o petismo se dedica à criação de antagonismos, fornecendo instrumentos institucionais, organização, recursos humanos e financeiros para o lado que ocupa nos conflitos que cria e estimula. Enorme esforço tem sido despendido pelo PT para que os brasileiros sejam identificados e antagonizados pela cor da pele, pela etnia, pela cultura, pela região do país, pelo tal de gênero, pela faixa etária, pelo extrato de renda, pela relação de autoridade (pais/filhos, professor/aluno, policial/cidadão, criminoso/vítima), pela posição política e ideológica, e por tudo mais que a inventividade possa suscitar. Assim é o petismo.


Mas não é daí que vem o antagonismo. Ele surge do empenho em transformar essas realidades em conflitos nos quais a parte supostamente protegida pelo petismo é ensinada a ver a outra como inimiga. E o que é pior: sendo a ela imputadas as intenções mais vis. É o que acontece quando repetido incessantemente, por exemplo, que o PT é malvisto pela classe média porque esta não quer pobre viajando em avião ou comendo filé mignon. Ou quando se diz que o brasileiro é racista, machista e homofóbico. Ou quando se pretende, em sala de aula, contra a vigorosa reação nacional, confundir a sexualidade das crianças com ideologia de gênero como “conteúdo transversal”, vale dizer, em todas as disciplinas... Ou quando se insulta a direita liberal e/ou conservadora chamando-a de fascista. Ou quando se tenta impedir a projeção de um filme do Olavo ou uma palestra de Yoani Sanchez. Ou quando se afirma que o pobre é pobre porque o rico é rico. Ou quando, aos olhos e ouvidos da população indignada com a roubalheira promovida no país, é dito que os condenados são heróis do povo brasileiro, ou que o preso é um santo julgado por magistrados patifes. Não se diz essas coisas para um povo que foi roubado nas proporções em que os brasileiros foram! Mas o petismo diz.

Tenta-se hoje, por todos os meios, impingir à opinião pública a ideia de que liberais e conservadores “odeiam” todos aqueles cujas posições são fomentadas pelo discurso petista. No entanto, essa é mais uma vilania! A exasperação tem como causa o petismo dizendo o que diz e fazendo o que faz. É o petismo que suscita rejeição; não é o pobre, nem o negro, nem o índio, nem o homossexual, nem o esquerdista, nem sei lá mais quem.

A impressionante renovação promovida pelos eleitores em sete de outubro nada teve a ver com qualquer “efeito manada”. Bem ao contrário, significou a tomada de decisão, livre e soberana, de uma sociedade cuja opinião vinha sendo desprezada por supostos tutores confortavelmente acomodados nos espaços de poder institucional, nos grandes meios de comunicação e no ambiente cultural. A necessária pacificação nacional será difícil, porque todos sabem como se conduz o petismo quando na oposição.