segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Charge do dia 08/08/2016

A hora da mudança

Os estados brasileiros, salvo raras exceções, comprometeram-se com o que se poderia chamar de irresponsabilidade fiscal. Viveram, nos últimos anos, sob a égide de despesas crescentes, como se os recursos públicos fossem infinitos. Reajustes salariais, penduricalhos dos mais diferentes tipos, cálculos contábeis duvidosos de forma a aparentar uma espécie de conformidade à lei, empréstimos que eram consumidos por fora dos objetivos contratuais, dispêndios feitos com receitas extraordinárias e assim por diante.

Ressalte-se que não se tratava de uma política levada a cabo apenas pelo Poder Executivo, mas compartilhada pelo Legislativo, pelo Judiciário e pelo Ministério Público. Cada um procurava tirar o seu quinhão, como se os recursos dos contribuintes estivessem simplesmente à sua disposição. Cada um desses poderes poderá eventualmente produzir suas próprias justificativas, algumas legais, outras no limite, sem que isto altere minimante o quadro geral.


Os anos lulopetistas que agora chegam ao fim estimularam tal irresponsabilidade, sempre concedendo aos estados verbas adicionais, como se o Tesouro público não estivesse comprometido. Os longos anos da presidente afastada Dilma conduziram tal postura ao paroxismo, criando contabilidades fictícias que agora pagam o seu preço. Ou melhor, todos nós estamos pagando esse preço. Os privilegiados deixaram de se preocupar com o bem público, isto que constitui propriamente uma república.

O governo Fernando Henrique deixou, entre outras heranças positivas, um legado de responsabilidade, consubstanciado na Lei de Responsabilidade Fiscal e na renegociação das dívidas dos estados que estavam quebrados. Entre outras contrapartidas, alguns estados deixaram de ter bancos próprios, que somente serviam a objetivos eleitoreiros.

Ora, se o primeiro mandato do presidente Lula foi particularmente bem-sucedido, isto se deve à preservação deste legado, apesar de seu discurso esquizofrênico da “herança maldita”. Os incautos e desavisados acreditaram em tal mensagem. O torpor tomou conta da nação, que ainda o reelegeu, apesar dos efeitos da corrupção já se fazerem presentes no que se convencionou chamar de mensalão.

A responsabilidade fiscal, porém, começou a ser progressivamente corroída a partir da segunda parte do seu segundo mandato e nos governos Dilma que, então, adotou a política da mais completa irresponsabilidade. É fato, contudo, que tentaram eles produzir uma narrativa, a das causas externas, que não resiste a qualquer análise mais minuciosa.

Neste meio tempo, o mensalão reapareceu sob a forma do petrolão, aí minando definitivamente qualquer credibilidade lulopetista, levando, inclusive, a presidente Dilma ao seu afastamento e ao seu impeachment iminente.

O novo governo Temer está começando a tomar atitudes corajosas de reversão de tal quadro, em uma situação que não deixa, contudo, de ser ainda paradoxal, por não ser ainda definitivo. O presidente interino deve tomar atitudes que mudem estruturalmente o país.

Uma delas, da maior importância, é a do controle das despesas estaduais. A maior parte dos governantes está à míngua, atrasando salários, não honrando suas dívidas, causando prejuízo aos seus fornecedores e não conseguindo atender os seus cidadãos adequadamente em assuntos da maior relevância como segurança, educação e saúde públicas.

Mal acostumados sob o lulopetismo, sempre fizeram o jogo perverso de transferência de suas responsabilidades para a União. Apostavam, de uma ou outra maneira, no jeitinho, na “negociação”, empurrando com a barriga um problema para não explodir agora, porém mais adiante. Uma bomba de efeito retardado.

Acontece que as finanças da União estão também quebradas. Não há mais remendo possível. O governo Temer está tomando as medidas necessárias, mas nem sempre está sendo correspondido pelos parlamentares e por várias corporações, como o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público e setores do Executivo. Cada um desses setores clama para si um “direito”, o direito à exceção.

O bem público fica, então, esquartejado entre os diferentes interesses corporativos. Como tem sido assim nos governos petistas, permanece arraigado o sentimento de que tudo deve permanecer igual, apesar da aparência da mudança.

As condicionantes do governo Temer são as mais sensatas na renegociação das dívidas estaduais. Limitação dos gastos públicos e sua correção anual pela inflação do ano anterior, além da igual limitação dos reajustes salariais nas mais diferentes esferas do funcionalismo público.

Não é possível que um país com mais de 11 milhões e meio de desempregados vivencie aumentos salariais em setores que gozam de estabilidade do emprego, quando famílias estão lutando por sua sobrevivência. Não é possível um discurso de sacrifício da nação, com tais disparidades. Medidas devem valer igualmente para todos, sob pena de termos, aí sim, injustiça.

Não se venha com a catilinária de oposição entre direita e esquerda, como se a esquerda petista e de seus congêneres fossem “sociais”, em defesa dos direitos, contra os neoliberais e conservadores que tomaram conta do novo governo.

A distinção básica é entre os que sabem fazer contas, como qualquer responsável de família, e dos que não conhecem as regras elementares da aritmética, vivendo dos recursos alheiros. Ou seja, essa esquerda é ignorante dessas regras, vivendo no mundo da “contabilidade criativa”.

O país necessita mudar, não pode mais continuar vivendo neste mundo imaginário de uma ideologia ultrapassada. Os deputados são, então, chamados à responsabilidade, a de apostarem em um novo Brasil, tomando decisões que permitam ao nosso país enveredar para o caminho da mudança, do crescimento econômico e da equidade social.

Nada poderá ser feito se houver, de modo geral, qualquer tergiversação sobre uma nova responsabilidade fiscal, agora consubstanciada nesta nova Lei de Renegociação das dívidas estaduais, com suas imprescindíveis contrapartidas.

Denis Lerrer Rosenfield

Do sucesso e da ausência de desastre

Sucesso é, claro, subjetivo. É individual. Dada um adota a definição que lhe parece melhor. Pessoas, grupos, famílias, países, definem sucesso da maneira que bem entendam. Afinal, definir sucesso depende de muita coisa. De quem avalia.
Do ponto de vista. Do interesse. E até mesmo da realidade.

Em tese, o sucesso requer ter êxito em alguma coisa. Ou obter resultado feliz em algo. Ou mesmo conseguir chegar ao fim de uma empreitada. Portanto, comemorar sucesso deveria partir da compreensão do que se pretendia quando iniciou a empreitada. E comparar intenções e fatos.

Diferentes pessoas e povos lidam com os resultados das diferenças entre intenção e fato de maneira diversa. Alguns exigem superação de suas metas. Perseguem-nas obstinadamente, sem trégua e, ao fim da empreitada, comemoram (ou não) seu atingimento. Sucesso, para estes povos, é fazer melhor do que o planejado.

Agir assim tente a ser produtivo. Impulsiona a evolução. Recompensa o mérito. E, no longo prazo, deixa legados e contribuições que vão se acumulando, geração após geração, criando realidades e sociedades que se beneficiam dos resultados conquistados em todos estes sucessos.

Por outro lado, agir assim é também convidar a frustração a fazer parte constante da vida. Nem tudo são flores. E adotar este comportamento requer lidar também com os fracassos, as limitações, imperfeições, as derrotas. Com sabedoria, serenidade, e espirito critico. Aprender, enfim, com os tropeços. Talvez por mais fácil, outros povos adotam outras estratégias.

Existem aqueles que reescrevem o passado. Esquecem as metas originais. Os delírios de grandezas. As promessas. As intenções. Os objetivos originais. O canto da sereia dos legados. Enfim, exercitam o autoengano na busca do balsamo que alivia a dor dos fracassos.

Assim, baixando a exigência ao nível da incapacidade em atingir os objetivos da empreitada, fica mais fácil declarar sucesso. Superação, planejamento, dedicação, trabalho, esforço, ficam menos importantes.

Desaparecem as razões para a exigência de superações e esforços. Basta o jeitinho, a gambiarra, a improvisação. E, claro, um pouquinho de autocomiseração não atrapalha. Ao contrário, justifica tudo. É esperar pouco e viver agradavelmente surpreso. E, sempre, comemorar o sucesso, sempre atingido através do rebaixamento das metas até o ponto em que elas encontrem a linha da incompetência.

Ninguém deseja sofrimento. Muito menos passar vergonha (própria ou alheia). Mas ausência de desastre é não é sucesso. E muito menos razão para comemoração. Apenas alivio que o pior não veio. Apesar de tudo.

É próprio de governo populista convencer de que oposição odeia pobres

Ao contrário dos outros partidos, que buscam convencer o eleitorado de que nasceram para governar em benefício de toda a sociedade, o Partido dos Trabalhadores afirma que veio para governar em benefício dos que são explorados e oprimidos pelos ricos.

A realidade mostrou que a coisa não é bem assim. De fato, os governos petistas, tanto o de Lula quanto o de Dilma, implementaram programas em benefício da parte mais carente da população. Ao mesmo tempo, aliaram-se a grande empresários com o propósito de usar recursos públicos para permanecer no poder.

Esse é um projeto fadado, cedo ou tarde, ao fracasso, uma vez que não investe nos setores fundamentais da economia e, sim, num projeto demagógico que termina por levar à carência do crescimento e à crise econômica, como ocorreu aqui no Brasil. É próprio desse tipo de governo populista convencer, sobretudo os setores carentes do eleitorado, de que toda a crítica que lhe fazem advém daqueles que odeiam os pobres e querem manter a desigualdade social.

Seria essa a razão das críticas aos governos petistas. Lula chegou ao ponto de afirmar que o mensalão nunca houve, foi uma invenção as imprensa. Disse isso muito embora José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares –altos dirigentes do PT– tenham sido julgados e condenados pelo Supremo Tribunal Federal.

Não por acaso o PT tornou-se conhecido como o partido da mentira, mesmo porque não encontra outro modo de escafeder-se das sucessivas acusações que lhe são feitas –não pela imprensa, que apenas as divulga–, mas pelos órgãos do Estado brasileiro, encarregados de apurar a corrupção e punir os corruptos.


Pode alguém, em sã consciência, acreditar que, da Polícia Federal à Procuradoria Geral da República, o Ministério Público e até mesmo o Supremo Tribunal Federal, enfim, todos os órgãos policiais e judiciais, todos, sem exceção, participem de um conluio para perseguir a Lula, Dilma e os petistas em geral? Pode alguém acreditar nisso?

Claro que não. Sucede que não é isso o que preocupa Lula e sua turma. Eles não pretendem convencer o povo brasileiro em geral: tudo o que dizem e fazem tem por objetivo o seu eleitorado, os aliciados pelo PT, pois sabem muito bem que, com suas mentiras, não convencem o povo em geral, mas convencem os que rezam por sua cartilha.

Por isso, não importa se você ou eu não acreditamos que o impeachment seja ou não um golpe: importa, isso sim, que seu eleitorado acredite no que dizem e continue votando no PT. Sim, porque, se ele muda de ideia e acredita na verdade, será o fim de Lula e seu partido.

E é com esse mesmo propósito que, para surpresa geral, Lula recorreu à Organização das Nações Unidas, alegando ser vítima de abuso de poder da parte do juiz Sérgio Moro. A rigor, o que significa semelhante recurso a um órgão internacional da importância da ONU?

Significa, implicitamente, afirmar que os órgãos responsáveis pela aplicação da Justiça, no Brasil, não têm isenção para aplicá-la. Consequentemente, para que Lula tenha seus direitos de cidadão respeitados, torna-se necessária a intervenção daquela entidade internacional. Ou seja, como no caso do mensalão e do petrolão, ele continua sendo acusado injustamente.

Trata-se, na verdade, de um disparate, mesmo porque a ONU só intervém em tais casos depois que são esgotados todos os recursos judiciais do país onde o problema ocorre. O que não é o caso de Lula, que nem réu ainda era quando impetrou o tal recurso.

A conclusão a que inevitavelmente temos de chegar é que Lula, sabendo da improcedência de tal recurso, usou-o para se fazer de vítima em vez de culpado, o que o obrigaria a explicar-se diante de seus eleitores. Em suma, não importa se é tudo uma farsa e que você e eu saibamos disso: importa é que os petistas acreditem nele e continuem a tê-lo como o defensor dos explorados. E do Marcelo Odebrecht também?

Não há vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira

Ferreira Gullar 

A longa marcha da crise e o caos

No dia 4 de agosto, uma paralisação dos servidores públicos no Rio Grande do Sul, de onde escrevo, produziu certa alteração nas rotinas. Na véspera, ouviam-se advertências, contestadas pelas autoridades, no sentido de que as pessoas evitassem sair de casa. A situação, porém, não ficou tão anormal assim, exceto para a atividades dos restaurantes, à noite. Contudo, é inegável: o excesso dos gastos públicos frente à receita possível, levando ao fatiamento dos contracheques dos servidores ao longo do mês, nos conduziu ao estágio final da longa marcha da crise contra os bastiões de um Estado visto como inesgotável em sua capacidade de atender demandas. Nada diferente do resto do país, ao que se sabe.

A crise é um exército invasor formado por problemas que não chegam metendo o pé na porta. De longe, bem de longe, ela vem tocando trombeta - "Cuidado! Olha que estou chegando!". Os técnicos responsáveis advertem. Jornalistas zelosos repercutem. Indicadores piscam luzes vermelhas nos painéis. No entanto, para grande parte daqueles a quem está atribuída competência para decidir sobre o gasto público, e para a maioria da população, responsabilidade fiscal é tema tão indigesto quanto conversa sobre cinto apertado na mesa do almoço familiar.

Tenho bem presente as chacotas que a oposição ao governo Yeda Crusius lançava sobre o Déficit Zero que ela pretendeu, com imenso sacrifício político, emplacar como marca de seu governo. O que era meritório foi levado ao purgatório. O que era simplesmente responsabilidade foi retoricamente exorcizado como perversão neoliberal, patologia da consciência social, maldade pura. Quanto é sensível a opinião pública às fanfarronadas dos maus políticos! Quanta credibilidade é atribuída aos garganteios da tal "vontade política", presumível toque de Midas capaz de transformar conversa fiada em recurso público!

Não há como desconhecer: em 2010, o Rio Grande do Sul elegeu Tarso Genro malgrado seu discurso a favor da irresponsabilidade fiscal, que ele levou às últimas consequências, legando a seu sucessor um rombo de R$ 5,4 bilhões. E note-se, o somatório dos aumentos de vencimentos por ele concedidos para viger depois de seu governo, entre 2015 e 2018 representa um impacto adicional de R$ 7,5 bilhões ao gasto público.


É longo o parto do caos. A crise chega devagar. Vem avisando e leva bom tempo batendo à porta. Até que mete o pé e se exibe com toda a feiúra. Os servidores públicos que padecem o parcelamento de vencimentos pagos em dia à época do Déficit Zero, ali adiante verão as parcelas referentes a um mês se sobrepondo às do mês subsequente. Sim, a vida parece risonha e franca quando um Estado falido eleva seu gasto fixo, mas, parafraseando Marx, o que parecia sólido se desmancha no ar e o sagrado é profanado. O desfazimento e a profanação aconteceram ao longo dos anos, quando foram sendo negligenciados os problemas estruturais do setor público.

Clamam aos céus por justiça os desníveis remuneratórios existentes nos quadros de pessoal do Estado. Necessárias garantias funcionais resguardam desnecessários privilégios. É agressivamente desarmônico o tratamento entre a situação do Executivo e a dos poderes independentes (cujo pessoal ganha muito mais, em dia e recebe aumento). Mas a causa da crise vai muito além disso. Muito além!

Ela enfiou o pé na porta e o caos se instala. Seria desesperador imaginar que isso sirva, mais uma vez, para mobilizar esperanças na direção dos discursos demagógicos, da tal "vontade política", ou de algum pote de ouro no fim do arco íris.

Percival Puggina

Imagem do Dia

O mito da meritocracia

Meritocracia. Essa se tornou uma das palavras preferidas dos conservadores. Se o multibilionário se deu bem na vida, é porque tem talento e trabalhou duro. É verdade, mas apenas parte dela. É difícil que alguém construa um império, se não tiver nenhuma aptidão, mas daí não decorre que todo mundo que seja competente dará certo. O sucesso tem muito mais a ver com sorte do que gostamos de crer. A meritocracia, em sua acepção forte, não passa de um mito. Aqui, são os liberais que estão certos.

Essa é basicamente a mensagem do livro "Success and Luck" ("Sucesso e Sorte"), de Robert Frank (Cornell). E, para nos convencer dela, ele usa um amplo e saboroso leque de histórias, estatísticas e estudos que mostram que o acaso não apenas define o que conquistamos como também está ficando cada vez mais influente, à medida que mais setores da economia passam a operar em modelos do tipo o vencedor leva tudo.

Os caprichos do destino começam a atuar antes mesmo do nascimento, já que características decisivas para o sucesso, como inteligência e disposição para o trabalho, das quais nos sentimos "donos", em nada diferem de outras que corretamente percebemos como fruto da loteria genética, como a cor dos olhos ou tipo de nariz.

Nascer no país certo também faz enorme diferença. Só viver nos EUA já determina que o indivíduo tenha renda média 93 vezes maior do que quem nasce no Congo (ex-Zaire). E, evidentemente, não há mais mérito em ser americano do que congolês.

De resto, mesmo entre os muito talentosos, pequenas mudanças nas condições iniciais podem ter consequências dramáticas. Al Pacino é um grande ator, mas há muitos grandes atores. Ele se deu bem, entre outras razões, porque teve a sorte de ser escalado para fazer o papel de Michael Corleone em "O Poderoso Chefão", o que o lançou ao estrelato. Frank encerra montando um bom caso em favor de uma taxação mais progressiva

Os descaminhos de Dilma

No exercício interino da Presidência e prestes a se tornar sucessor da presidente afastada – e a despeito das dificuldades decorrentes das circunstâncias excepcionais que o colocaram na função –, Michel Temer tem ensinado a Dilma Rousseff e ao PT uma lição elementar, que Lula não conseguiu transmitir a sua pupila. A de que governar um país, numa democracia, é um enorme desafio de natureza essencialmente política que não comporta soberba, autoritarismo, desapreço pelo contraditório. Egocêntrica, Dilma fez questão sempre de exibir seu poder, em vez de fazê-lo prevalecer pelo caminho democrático da adequação de meios a fins. Tentou levar a extremos o princípio inverso, autoritário, de que os fins justificam os meios. O resultado está aí.

É inacreditável a postura olímpica de Dilma Vana Rousseff, às vésperas de ter seu impeachment decretado, em relação à sua própria responsabilidade na grave crise da qual o País luta para se desvencilhar. Está prevista para o dia 10 a divulgação de uma Carta aos Brasileiros na qual ela exporá argumentos que julga capazes de atingir o principal objetivo da iniciativa: reverter a seu favor o julgamento final do impeachment previsto para se realizar no Senado no fim deste mês. A julgar pelo comportamento que Dilma tem adotado desde sempre, é fácil imaginar o teor da tal Carta: a proposta de soluções que ela própria não teve a capacidade de adotar enquanto governava e, principalmente, o indigitamento dos culpados pelos problemas do País – da direita inimiga do povo ao PT, passando pela “mídia monopolizada”. Um amplo elenco do qual ela nunca teve o menor escrúpulo de se excluir, embora tenha sido chefe do governo por mais de cinco anos.

É tão desmedida sua soberba que Dilma baniu a primeira pessoa de qualquer consideração negativa da gestão pública pela qual ela foi a responsável constitucional até semanas atrás. Ela jamais admitiu ter alguma culpa pelo descontrole das contas públicas, pela recessão da economia e, consequentemente, pelo brutal aumento do desemprego e pela diminuição dos recursos disponíveis para programas sociais que são considerados a maior realização dos 13 anos de lulopetismo. Tudo é culpa de terceiros. Quando não é da conjuntura internacional adversa, é da oposição desalmada que sabotou seu governo com pautas-bomba no Congresso ou da mídia a serviço das elites que não consegue enxergar os méritos de um “governo popular”.

Mas, se não consegue ser minimamente fiel à realidade – o que implica dizer que quem está errada é a maioria absoluta dos brasileiros que hoje a repudiam –, Dilma não consegue tampouco dedicar um mínimo de fidelidade ao partido político que a inventou e a carregou nas costas em duas eleições presidenciais. Na terça-feira passada, Dilma foi implacável com o PT: “Eu acredito que o PT tem de passar por uma grande transformação. Primeiro, uma grande transformação em que se reconheçam todos os erros que cometeu, do ponto de vista das práticas, da questão ética, da condução de todos os processos de uso de verbas públicas”.

Dilma aconselhou o partido a fazer aquilo a que ela própria se recusa: “A instituição, que é o PT, tem de ser preservada, tem de ser melhorada, tem de ser redemocratizada. (…) As pessoas é que têm de fazer as suas autocríticas”.

É fácil entender, diante disso, por que a direção do PT, embora ainda procure manter as aparências, está cada vez mais distante daquela a quem só aceitou como candidata à Presidência por imposição de seu então todo-poderoso chefão, Lula da Silva. E com a qual, ao longo de cinco anos de mandato presidencial, teve frequentes desencontros, como por ocasião da “faxina” ministerial que ela tentou promover logo no início do primeiro mandato ou quando, no início do segundo, o Ministério da Fazenda foi entregue ao “liberal” Joaquim Levy, que tentou em vão impor um mínimo daquilo que o populismo lulopetista jamais praticou: austeridade no trato dos recursos públicos. Bem a seu estilo, Dilma renega hoje o PT com o qual jamais se entendeu. Um enorme erro político pelo qual está pagando caro.

Quem é que ainda acredita que o FGTS existe em defesa do trabalhador?

É impressionante que ainda exista quem possa acreditar que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) tenha sido criado na ditadura pelo então ministro Roberto Campos em defesa do trabalhador. Na verdade, trata-se de um roubo sobre a poupança do trabalhador, já que rende juros que equivalem à metade do que paga a poupança, que também não chega nem a repor o que a inflação consome. Portanto, o FGTS serve mesmo é como fonte de recursos administrados pela Caixa Econômica Federal para os políticos corruptos meterem a mão.

É isso mesmo. Na verdade, o FGTS só é bom para esses políticos corruptos e para os pelegos sindicais, pois não serve aos empresários, que não podem nem pensar em atrasar os recolhimentos, já que é complicado conseguir parcelamento dos débitos, e muito menos serve aos trabalhadores, as maiores vítimas.

Em suma, o sistema do FGTS tem que ser totalmente repensado, assim como muitos dos supostos direitos dos trabalhadores, que de nada servem para quase 12 11 milhões de desempregados.

Está na hora de discutir o que realmente existe de errado no Brasil, problemas que não podemos continuar atribuir à CIA nem aos americanos, em denúncias de uma pobreza intelectual de fazer dó, coisa típica de vagabundos intelectuais.


Para falar a verdade, tenho muito mais medo dos supostos defensores dos direitos sociais do que dos assumidamente pró-mercados. Como exemplo disso, estamos assistindo à história dos empréstimos consignados, generosamente concedidos a aposentados, pensionistas e funcionários públicos.

Primeiro, se faz um arrocho nos salários e nas aposentadorias, depois abre-se crédito farto para que cidadãos endividados se enforquem cada vez mais e tenham descontados no contracheque as prestações obrigatórias. E tudo isso para ajudar a manter um projeto criminoso de poder, de um governo supostamente dos trabalhadores.
Basta então dessa conversinha, desse papinho furado dos esquerdopatas, que alegam lutar pelos direitos sociais. Na realidade, eles só pensam no projeto (criminoso) de poder e em se locupletarem.O pouco que se descobriu até agora mostra o ex-ministro Paulo Bernardo ter enriquecido mais de 7 milhões de reais só com os pixulecos das maracutaias do consignado.

Trata-se de fatos concretos e irrefutáveis. A libertação de Paulo Bernardo foi uma ofensa aos cidadãos de bem que ainda existem neste paí
s.

Histórias

Tarsila do Amaral, "Segunda Classe"
O professor de História, no seu primeiro dia de aula, entra e os alunos nem percebem, conversando, falando ou jogando no celular. Ele escreve na velha lousa um imenso H, e depois vai desenhando cabeças com bigodes e barbas, enxada, foice. A turma foi prestando atenção, trocando risinhos, e agora espera curiosa. Finalmente ele fala:

– Não vamos estudar aquela História com H, só com heróis e grandes eventos! Vamos estudar a partir da nossa história, daonde e como viemos. Por exemplo, como é seu sobrenome?

– Oliveira.

– Pois é, muitos Oliveiras têm esse nome porque eram imigrantes europeus, fugidos de perseguições religiosas, então adotavam nomes de árvores ou plantas, Oliveira, Pereira, Trigueiro e tantos outros. E o seu sobrenome?

- Santos.

– Foi o nome adotado por muitos ex-escravos ou filhos mestiços de fazendeiros com escravas. Você é, como diz o IBGE, pardo, o que não é vergonha nem demérito algum, ao contrário, a maioria do povo brasileiro é pardo. E o seu sobrenome?

– Vicentini.

– Origem italiana. Os italianos, como os espanhóis, alemães, japoneses, vieram para cá para bater enxada, trabalhar nos cafezais quando os escravos foram libertados.

O engraçadinho da turma levanta o braço:

– Meu sobrenome é Silva, professor. Tem mais Silva na lista telefônica que formiga em formigueiro. Daonde eu vim?– Da selva. Silva é selva, em latim. Foi o nome dado pelos romanos antigos aos que vinham das florestas para morar na cidade, eram os “da selva”. Se a gente pensar que a maioria das pessoas morava no campo há meio século, e depois se mudou em massa para as cidades, a origem do nome até se justifica.

A turma espera em silêncio: aonde ele quer chegar?

– Proponho o seguinte. Vocês conversem com seus pais, avós, tios, para saber dos antepassados. Daonde vieram, por que, trabalharam e viveram onde e como. Cada um contará então a história de sua família, e daí vamos situar essa história familiar na história social. Vamos falar da cafeicultura, por exemplo, depois que alguém falar que seu avô trabalhou com café.

Uma mocinha levanta a mão:

– Não só meu avô, professor, minha avó conta que também trabalhava. Levantava às cinco, fazia café, dava de mamar ao nenê, porque ela diz que sempre tinha um nenê no ombro, outro na barriga e uma criança na barra da saia. Depois de fazer o café e tratar das galinhas, recolher os ovos, tirar leite das vacas e cuidar da horta, ela ia levar marmita pro meu avô e os filhos maiores no cafezal, e ficava lá também batendo enxada até o meio da tarde, quando voltava pra preparar e janta e…– Bem, só com isso que você contou podemos estudar a cafeicultura e o feminismo, comparando as famílias daquele tempo e de hoje, tantas mudanças. Cada um de vocês, com sua história, vai acender o fogo do conhecimento em cada aula. Eu só vou botar lenha, dar as informações, vocês vão dar vida à História, que aí, sim, vai merecer H maiúsculo! Combinado?

Os alunos aplaudem, entusiasmados, comentam: nossa, massa, uau, professor maneiro!… Saem, e depois ele, saindo, dá com o diretor nervoso:

– Eu ouvi sua aula, professor, aqui ao lado da porta, como faço com todo novato! O senhor tire essas ideias da cabeça, viu? Vai ensinar conforme o programa, começando pelo descobrimento, as três caravelas, a calmaria etc. Entendido? Ora, onde já se viu, História viva… Só por cima do meu cadáver!

O professor novato vai pelo corredor, sentindo-se morrer por dentro. Na sala dos professores, nas paredes estão Tiradentes e o crucifixo de Jesus, dois mártires. Ele chora, perguntam por que, apenas consegue dizer “não é nada, é uma longa História”.