domingo, 28 de julho de 2024

Pensamento do Dia

 


Venezuela, entre a ditadura que segue e a democracia que volta


Haverá um banho de votos na Venezuela se a oposição à ditadura de Nicolás Maduro ganhar hoje a eleição presidencial com uma larga vantagem. Haverá um banho de sangue caso Maduro perca e não reconheça a derrota de imediato.

Maduro voltou, ontem, a falar em banho de sangue, desta vez ao reunir-se em Caracas com embaixadores de outros países, entre eles o do Brasil. Culpou de antemão o “imperialismo americano” por um eventual banho de sangue e disse:

“Não há possibilidade de que eu não vença. Não poderão evitar o que está no ‘pacto secreto dos livros celestiais’, previsto para o futuro do nosso país. Os piores tempos ficaram para trás.”

Está nas mãos dos militares, sócios de Maduro desde a morte do coronel Hugo Chávez há 11 anos, evitar o banho de sangue. Basta que eles declarem que o presidente eleito, seja qual for, tomará posse. A dúvida é se farão isso.

As pesquisas de intenção de voto apontam o favoritismo do candidato da oposição, o diplomata Edmundo González Urrutia, com 20 pontos percentuais à frente de Maduro. Mas pouca gente em Caracas acredita que isso seja possível.


Uma vitória de Urritia deverá ser por uma estreita margem de votos. É verdade que a seu favor, Urritia tem o desejo imenso de mudanças dos venezuelanos e a realidade de um país falido, onde a inflação bate recorde e a miséria campeia.

Contra Urritia, porém, move-se a gigantesca e bem azeitada máquina do chavismo que manda no país há 25 anos em parceria com os militares. Maduro sabe como fraudar uma eleição porque já fraudou mais de uma.

As Forças Armadas venezuelanas contam com cerca de 115 mil militares no serviço ativo e 8 mil na reserva. Dos 34 ministérios do governo Maduro, 12 são dirigidos por militares. Petróleo, mineração e comércio são áreas controladas por eles.

Segundo agências americanas antidrogas, os militares também comandam a narco via de escoamento de cocaína pelo rio Orinoco. Aos olhos do governo dos Estados Unidos, Maduro é suspeito de envolvimento com o tráfico de drogas.

Por fome, falta de empregos e remédios, 8 milhões de venezuelanos fugiram da Venezuela. Dada às restrições criadas pelo governo, menos de 70 mil deles poderão votar no exterior. O próximo presidente só tomará posse em janeiro.

É nesse vácuo de seis meses que poderá acontecer muita coisa se Maduro não renovar seu mandato. A autoridade máxima eleitoral da Venezuela anunciará o nome do vencedor por volta das 7 horas desta segunda-feira, horário de Brasília.

A IA pode nos salvar ou pode construir vírus para nos matar

Aqui está uma pechincha das mais assustadoras: por menos de US$ 100.000, agora pode ser possível usar inteligência artificial para desenvolver um vírus que pode matar milhões de pessoas.

Essa é a conclusão de Jason Matheny, presidente da RAND Corporation, um think tank que estuda questões de segurança e outros assuntos.

“Não custaria mais criar um patógeno capaz de matar centenas de milhões de pessoas do que um patógeno capaz de matar apenas centenas de milhares de pessoas”, Matheny me disse.


Em contraste, ele observou que poderia custar bilhões de dólares para produzir uma nova vacina ou antiviral em resposta.

Contei a Matheny que eu era chefe do escritório do The Times em Tóquio quando um culto religioso chamado Aum Shinrikyo usou armas químicas e biológicas em ataques terroristas, incluindo um em 1995 que matou 13 pessoas no metrô de Tóquio. "Eles seriam capazes de causar ordens de magnitude a mais de dano" hoje, disse Matheny.

Sou membro de longa data do Aspen Strategy Group, uma organização bipartidária que explora questões de segurança global, e nossa reunião anual deste mês focou em inteligência artificial. É por isso que Matheny e outros especialistas se juntaram a nós — e depois nos assustaram.

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No início dos anos 2000, alguns de nós nos preocupamos com a reintrodução da varíola como uma arma biológica se o vírus fosse roubado dos laboratórios em Atlanta e na região de Novosibirsk, na Rússia, que retêm o vírus desde que a doença foi erradicada. Mas com a biologia sintética, agora ele não teria que ser roubado.

Alguns anos atrás, uma equipe de pesquisa criou um primo do vírus da varíola, a varíola equina, em seis meses por US$ 100.000, e com a IA poderia ser mais fácil e barato refinar o vírus.

Uma razão pela qual as armas biológicas não têm sido muito usadas é que elas podem ter um efeito bumerangue. Se a Rússia liberasse um vírus na Ucrânia, ele poderia se espalhar para a Rússia. Mas um general chinês aposentado levantou a possibilidade de uma guerra biológica que tenha como alvo raças ou etnias específicas (provavelmente de forma imperfeita), o que tornaria as armas biológicas muito mais úteis. Alternativamente, pode ser possível desenvolver um vírus que mataria ou incapacitaria uma pessoa específica, como um presidente ou embaixador problemático, se alguém tivesse obtido o DNA dessa pessoa em um jantar ou recepção.

As avaliações de pesquisas sobre alvos étnicos feitas pela China são confidenciais, mas podem ser o motivo pelo qual o Departamento de Defesa dos EUA disse que a ameaça mais importante de longo prazo da guerra biológica vem da China.

A IA também tem um lado mais esperançoso, é claro. Ela traz a promessa de melhorar a educação, reduzir acidentes automobilísticos, curar cânceres e desenvolver novos fármacos milagrosos.

Um dos benefícios mais conhecidos está no dobramento de proteínas , que pode levar a avanços revolucionários no tratamento médico. Os cientistas costumavam passar anos ou décadas descobrindo as formas de proteínas individuais, e então uma iniciativa do Google chamada AlphaFold foi introduzida, que podia prever as formas em minutos. "É o Google Maps para a biologia", Kent Walker, presidente de assuntos globais do Google, me disse.

Desde então, cientistas têm usado versões atualizadas do AlphaFold para trabalhar em produtos farmacêuticos, incluindo uma vacina contra a malária, uma das maiores causas de morte de humanos ao longo da história.

Portanto, não está claro se a IA nos salvará ou nos matará primeiro.

Cientistas há anos exploram como a IA pode dominar a guerra, com drones autônomos ou robôs programados para encontrar e eliminar alvos instantaneamente. A guerra pode vir a envolver robôs lutando contra robôs.

Assassinos robóticos serão impiedosos no sentido literal, mas não necessariamente serão particularmente brutais. Eles não estuprarão e também podem ser menos propensos do que soldados humanos à fúria que leva a massacres e torturas.

Uma grande incerteza é a extensão e o momento das perdas de empregos — para motoristas de caminhão, advogados e talvez até mesmo programadores — que poderiam amplificar a agitação social. Uma geração atrás, as autoridades americanas estavam alheias à maneira como o comércio com a China custaria empregos nas fábricas e aparentemente levaria a uma explosão de mortes por desespero e à ascensão do populismo de direita. Que possamos fazer melhor na gestão da interrupção econômica da IA

Um motivo para minha cautela com a IA é que, embora eu veja a promessa dela, os últimos 20 anos têm sido um lembrete da capacidade da tecnologia de oprimir. Os smartphones eram deslumbrantes — e peço desculpas se você estiver lendo isso no seu telefone — mas há evidências que os vinculam à deterioração da saúde mental dos jovens. Um ensaio clínico randomizado publicado neste mês descobriu que crianças que desistiram de seus smartphones desfrutaram de bem-estar melhorado.

Ditadores se beneficiaram de novas tecnologias. Liu Xiaobo, o dissidente chinês que recebeu o Prêmio Nobel da Paz, pensou que “a internet é um presente de Deus para o povo chinês”. Não foi bem assim: Liu morreu sob custódia chinesa, e a China usou IA para aumentar a vigilância e apertar os parafusos dos cidadãos.

A IA também pode facilitar a manipulação de pessoas, de maneiras que lembram Orwell. Um estudo divulgado este ano descobriu que quando o Chat GPT-4 tinha acesso a informações básicas sobre as pessoas com quem interagia, era cerca de 80% mais provável persuadir alguém do que um humano com os mesmos dados. O Congresso estava certo em se preocupar com a manipulação da opinião pública pelo algoritmo TikTok.

Tudo isso ressalta por que é essencial que os Estados Unidos mantenham sua liderança em inteligência artificial. Por mais que possamos ter receio de pisar fundo no acelerador, esta não é uma competição na qual é OK ser o segundo colocado em relação à China.

O presidente Biden está no topo disso, e os limites que ele colocou no acesso da China aos chips de computador mais avançados ajudarão a preservar nossa liderança. O governo Biden recrutou pessoas de primeira linha do setor privado para pensar nessas questões e emitiu uma importante ordem executiva no ano passado sobre segurança de IA, mas também precisaremos desenvolver novos sistemas nos próximos anos para melhorar a governança.

Eu escrevi sobre imagens e vídeos nus deepfake gerados por IA , e a irresponsabilidade tanto das empresas deepfake quanto dos principais mecanismos de busca que direcionam tráfego para sites deepfake. E empresas de tecnologia têm usado periodicamente imunidades para evitar responsabilização por promover a exploração sexual de crianças. Nada disso inspira confiança nas habilidades dessas empresas de se autogovernarem de forma responsável.

“Nós nunca tivemos uma circunstância em que a tecnologia mais perigosa e mais impactante residisse inteiramente no setor privado”, disse Susan Rice, que foi conselheira de segurança nacional do presidente Barack Obama. “Não pode ser que as empresas de tecnologia no Vale do Silício decidam o destino da nossa segurança nacional e talvez o destino do mundo sem restrições.”

Acho que está certo. Gerenciar a IA sem sufocá-la será um dos nossos grandes desafios, à medida que adotamos talvez a tecnologia mais revolucionária desde que Prometheus nos trouxe o fogo.

O acordão tem DNA

Pesquisa recente, "a cara da democracia", revela uma surpreendente sobreposição de opiniões por parte de eleitores lulistas e bolsonaristas. Mas passa ao largo da máscara elitista dessa face, a pletora dos acordos secretos de poder que põem em segundo plano as leis republicanas. A imprensa tem chamado isso de "acordão": uma miríade de arranjos políticos, judiciários e empresariais para anular condenações, liberar fraudadores do erário, isentar generais do golpismo. São muitas as "sangrias" a se estancar.


Talvez a exposição moral disso tudo ainda surpreenda parte da consciência civil. Mas dificilmente o senso comum. Este já pressentia que a roubalheira seria contornada pela correlação de forças que dirige o sistema. Pressentimento é o que a academia chamaria de episteme do comum, isto é, o saber nascido da experiência dos costumes e do cotidiano nas ruas.

Uma dessas formas epistêmicas provém da comunidade afro-litúrgica, outro tipo de reflexão sobre o mundo. Nesse universo, palavra-chave é "acerto", a negociação inerente aos modos de coexistência entre os entes vivos do planeta. É o conceito de um popular acordo profundo, análogo ao desenvolvido pelo filósofo baiano João Carlos Salles, em torno de uma erudita "gramática dos acordos profundos" (em "Gatos, Peixes & Elefantes"). Tudo se pactua por regras de linguagem. Até mesmo a fé se define como confiança no acerto simbólico entre homens e divindades.

Vem daí o primado das regras, sempre concretas, partilhadas pelo comum. Deveria valer para toda a sociedade. Se leis não são mediadas por regras conhecidas de todos, decai por um lado a legitimidade democrática e cresce por outro o descrédito popular na administração da vida social.

Sem regras públicas, na surdina dos acordos fisiológicos em torno das emendas parlamentares, esquerda burocrático-partidária e direita são rótulos distintos apenas para fins eleitorais. Ambas fecham os olhos ao retorno do "petrolão" e à blindagem da Câmara, hoje sindicato do coronelismo eleitoral, na sua mutação em câmara de horrores.

Quanto ao cardinalato togado, se velou para evitar a erosão da fachada democrática do país pela vertigem fascista, agora, em meio a acordos conciliatórios e à promiscuidade das libações internacionais, zela mais pelo DNA patrimonialista da República do que pela Constituição.

Acordão não tem de fato nada a ver com o acerto simbólico da vida comum, é um tapa-olho na cara da democracia. Nem é sequer coisa nova: à imagem do besouro rola-bosta, que carrega às costas o mesmo velho entulho, é o eterno retorno do pacto extrativista, de que o povo sempre esteve excluído.

Agora vai! Finalmente, temos Kamala Harris

Nos anos 1970, em um restaurante no Rio, Fernanda Montenegro sentou-se casualmente ao lado de uma mesa de americanos. Com ela, seu filho Claudio, ainda garoto. Os americanos falavam alto. Claudio perguntou a Fernanda: "Mamãe, eles são de verdade ou é só no filme?". Claudio tinha razão de duvidar. Com os americanos, nunca podemos ter certeza. A começar pelo cinema que eles faziam nos anos dourados. Nada era o que parecia ser.


Em plena 2ª Guerra, John Wayne e Errol Flynn interpretavam supersoldados dizimando nazistas. Logo eles que, na vida real, não foram à guerra e nunca vestiram uma farda —e, no futuro, o biógrafo Charles Higham acusaria Flynn de ter sido informante para os alemães. Jerry Lewis, um dos cômicos mais amados do mundo, era intragável como pessoa, segundo opinião unânime em Hollywood. Já Boris Karloff, o maior monstro do cinema, era um doce —educado, gentilíssimo, botava presentes de Natal para as crianças na porta de seus vizinhos no Edifício Dakota, onde morava.

Rita Hayworth não tinha testa —ganhou uma à custa de eletrólise. Marlene Dietrich teve os sisos e molares arrancados para ficar com o rosto afilado. Victor Mature, que fez Sansão em "Sansão e Dalila" (1949), morria de medo do leão dopado que tinha de enfrentar em cena. E Humphrey Bogart, Gary Cooper, John Wayne, James Stewart, Fred Astaire e Gene Kelly usavam peruca.

Nos filmes clássicos americanos, as cenas externas noturnas eram filmadas de dia, com a chamada "noite americana". Ninguém fazia a barba até o fim —limpava a espuma com a toalha e já estava impecavelmente barbeado. Ninguém terminava uma refeição —era sempre interrompido e tinha de abandonar a mesa. Nas pancadarias no saloon, com espelhos partidos e socos a granel, ninguém saía de mão ou queixo quebrado.

E que bom que, finalmente, temos Kamala Harris. Ela é de verdade ou os EUA são só no filme?
Ruy Castro