domingo, 12 de outubro de 2014
Cara a cara
PT se quis exemplar e jogou na roleta da corrupção seu
capital ético, do qual nada sobrou. Vive dos dividendos de suas políticas
sociais
Foi cara a cara, longe do país das maravilhas com que o PT
bombardeou o Brasil na propaganda eleitoral, que Aécio Neves enfrentou Dilma
Rousseff. É possível que esses poucos minutos do último debate na Globo tenham
mudado a história do Brasil. A inesperada votação de Aécio não é alheia à
maneira como ele quebrou o gesso dos marqueteiros e, descontraído,
desestabilizou Dilma, que sobraçava um calhamaço de colas e procurava respostas
nos manuais de João Santana.
Foi também no cara a cara que Luciana Genro pôde explicar a
Levy Fidelix que a homofobia deveria ser crime pois, se já fosse, ele sairia
dali algemado. O contraste entre a intensidade do debate e a propaganda
pré-fabricada mostrou o quanto, sendo enganosa, ela distorce a democracia.
Moral da história, quanto menos marqueteiro mais verdade, quanto mais verdade
mais democracia. O debate cara a cara decidirá a eleição.
Marina não estará lá. Apesar de derrotada, é uma presença
incontornável. Se não conseguiu, literalmente do dia para a noite, improvisar
uma candidatura à Presidência, se teve que gastar seus parcos minutos na
televisão apenas para se defender de ataques, nem por isso deixou de ter
plantado suas sementes. Dilma não contará com o seu apoio. Está colhendo os
frutos do veneno que sua campanha destilou.
É cara a cara que o PT deverá ouvir que mente quando só fala dos seus sucessos, não aceita críticas e desqualifica os adversários. A mentira está inscrita no autoritarismo dos que falam em nome do povo, arvoram-se em seus defensores enquanto se autoabsolvem de crimes comuns como o desvio de dinheiro público. A mentira foi, desde que o PT assumiu o poder, um instrumento de governo.
O PT mente quando quer controlar a mídia porque a teme — e a teme porque ela diz que ele mente — mas diz que o faz porque ela é “parcial” ou “vendida”. Parcial é o jornalista que discorda do seu modo de governar ou investiga suas transações.
O país 'de saco cheio'
O país, sim, está de saco cheio dessa conversa fiada de
defensores dos pobres, vítimas da elite opressora.
No mesmo dia em que os depoimentos do ex-diretor da
Petrobras, Paulo Roberto Costa, e do doleiro Alberto Youssef eram divulgados
(quinta-feira, 9), o ex-presidente Lula desabafava, numa plenária do PT: “Eu já
estou de saco cheio”.
Referia-se naturalmente às denúncias de corrupção, que
envolvem seu partido e a ele próprio. E acrescentava: “Nenhum petista pode
aceitar que um tucano bicudo o chame de corrupto”.
Além de supor que a hipótese (não demonstrada) de o
adversário habitar o mesmo chiqueiro o isentaria, Lula se esqueceu de que
nenhuma das denúncias que “enchem o seu saco” partiu de tucanos. Esses sempre
foram exageradamente polidos na questão. Coube a FHC, ao tempo do Mensalão,
esvaziar a campanha do impeachment. Lula, de certa forma, deve-lhe o mandato.
Quem denunciou o Mensalão foi um então aliado do governo
Lula, o deputado Roberto Jefferson, que presidia o PTB. E quem está trazendo à
tona o escândalo da Petrobrás é Paulo Roberto Costa, nomeado pelo próprio Lula
diretor de Abastecimento e Refino daquela empresa. Dilma diz que não gostava
dele, mas o incluiu numa seleta lista de convidados ao casamento de sua filha.
Não se trata, porém, de cuidar de afinidades, mas dos fatos.
E esses tendem a continuar a “encher o saco” de Lula. O que veio a público dos
depoimentos de Paulinho (forma carinhosa com que Lula o tratava) e Beto (outro
apelido afetivo que indica intimidade) é só a ponta do iceberg. Vejamos.
Eles não puderam nominar os agentes públicos de escalão
superior, aos quais fazem menção em diversas partes do depoimento, em face do
benefício do foro privilegiado, que confere essa prerrogativa ao Supremo
Tribunal Federal.
Governadores, ministros, parlamentares e presidente (e ex)
da República só podem ser julgados pelo STF. Mas o STF já acatou as denúncias,
o que indica que estão fundamentadas. Se não estivessem, seriam rejeitadas.
Lula de nada sabia. Nem Dilma
É possível que Paulo Roberto e Yousseff tenham mentido à
Justiça. Provável, porém, não é.
No caso do mensalão, nenhum dos acusados disse à Justiça que
Lula sabia da existência do esquema de pagamento de propinas a deputados
federais para que votassem no Congresso como o governo mandava.
Com o processo adiantado, e tendo perdido a esperança de ser
salvo pelo PT, o ex-publicitário Marcos Valério, um dos operadores do mensalão,
afirmou que Lula sabia, sim, da existência do esquema.
Mas já era tarde. De resto, Valério não apresentou sequer
indícios convincentes para sustentar o que dizia. A Justiça também não se
mostrou interessada em investigar a participação de Lula no escândalo.
No caso da roubalheira na Petrobras para financiar políticos
e partidos, Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da empresa, e o
doleiro Alberto Youssef revelaram indiretamente que Lula sabia de tudo. Ou de
quase tudo.
Lula cedeu à pressão de políticos para entregar-lhes
diretorias da Petrobras, segundo Paulo Roberto. Foi assim que ele, por
indicação do PP, acabou na diretoria de Abastecimento. Lula chamava Paulo
Roberto de Paulinho.
Algum ingênuo poderá alegar que Lula jamais imaginou que
Paulo Roberto ou qualquer outro diretor patrocinado por partidos teria como uma
de suas missões roubar e deixar que roubassem. Santa ingenuidade.
O que ambiciona um partido ao emplacar um ocupante de cargo
na administração pública? Conseguir por meio de ele colaborar com o presidente
da República? Provar que dispõe de bons quadrados? Empregar alguém?
Na melhor das hipóteses, na mais sadia das hipóteses, contar
com alguém no governo para arrancar de fornecedores doações capazes de fazer
face a despesas de campanhas. O famoso Caixa 2.
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