terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

A natureza devolve as agressões que recebe, e os pobres pagam a conta

Sai barato para o poder público instalar sirenes que soam poucas horas antes de vendavais, socorrer depois os desabrigados e enterrar os mortos. Sai barato prometer que tomará providências para que tragédias como a de São Sebastião não mais se repitam.

Quando elas se repetem sob a mesma administração, prefeitos e governadores alegam que faltou dinheiro e jogam a culpa no governo federal. E caso se repitam em novas administrações, essas culpam as anteriores, e é vida que segue, cada vez pior.


Não há notícias sobre a morte de afortunados. Muitos, ilhados em suas casas, conseguiram ser resgatados por helicópteros e outros meios fora do alcance da maioria. O número de mortos deverá ultrapassar a casa dos 50, e há milhares de desabrigados.

Em alguns locais do litoral paulista, caíram em poucas horas mais de 600 mm. Dito de outra maneira: mais de 600 litros por metro quadrado, acima da média esperada para todo o mês de fevereiro. Culpa de São Pedro que abriu as comportas do céu?

Foi um evento extremo, concordo. Antigamente, só ocorriam de séculos em séculos, ou a intervalos maiores; amiudaram-se em consequência das mudanças do clima provocadas pelo aquecimento da atmosfera. Mas isso também era previsível.

Estima-se que 5% dos brasileiros moram em áreas sujeitas a inundações e deslizamentos de terras. Estima-se, porque o país não dispõe de dados confiáveis a respeito. E por não dispor, entra governo, sai governo e falta plano que informe sobre o que fazer.

Foi bonito ver três políticos de partidos adversários – Lula (PT), o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito de São Sebastião, do PSDB -, somarem esforços no socorro às vítimas de mais uma tragédia anunciada. Foi bonito. Não basta, porém.

Por inépcia e omissão das autoridades até aqui, a natureza agredida devolveu e continuará a devolver as agressões que recebe.

Tragédia que se repete

Há mais de 30 anos passei férias em Barra do Sahy, hoje duramente atingida pelas chuvas no litoral norte de São Paulo. O lugar é lindo, lembra o litoral do Vietnam, montanhas, florestas, rio e mar. Lindo realmente, mas chove. Chove muito e muitos pobres moram nas encostas como acontece em todo o Brasil. Nos 30 dias que passei por lá choveu durante 25, pelo menos. Choveu tanto que a parede da casa foi escurecendo de humidade. A uma certa altura comecei a ir para a praia com chuva mesmo.

Durante os poucos dias que amanhecia sem chuva ficávamos olhando para as montanhas tentando adivinhar de qual delas ia surgir a primeira nuvem. Tenho amigos que têm casa em Maresias, ali ao lado e eles relatam as chuvas como elementos da natureza presentes à região. Agora, com a tragédia acontecida pensamos, são tantos anos, a natureza tão teimosa e repetitiva e nada foi feito diante do que acontece com maior ou menor intensidade todos os anos. O Brasil é um país tropical, abençoado por deus(?) e bonito por natureza, mas chove justamente por isso e porque a benção de deus é uma coisa não confiável.


Barra do Sahy, Bahia, Rio de Janeiro, Petrópolis é tudo igual. A natureza faz parte do país. É preciso pensar nela para evitar desmatamento, genocídios e mortes dos habitantes em qualquer lugar, vítimas de natureza que se repete. E as autoridades só olham.

Isso não é seleção natural, nem vontade de deus. Isso é desleixo, falta de vontade política, inércia e crime. Quando veremos obras estruturais que não atraem a atenção nem votos, mas que evitam mortes? O povo precisa comer, ter trabalho e morar num lugar seguro. Isso é fundamental. Não basta só ajudar depois que acontece. Isso é o básico. É importante que não aconteça.

Chover pode até diminuir se desmatarmos menos o ambiente. Mas, vai continuar só que nem toda a chuva deve destruir e matar. As pessoas precisam morar em lugares decentes, não os que sobram. Somos um país pobre, sim, mas também por causa disso. Banco central, juros, inflação são temporais que matam lentamente e só pioram as condições de quem mora em áreas de risco.

O Brasil está virando uma enorme área de risco. Será que vamos sobreviver ou estamos juntando todos os pobres, indígenas, negros e flagelados num mesmo projeto de genocídio por descaso e desprezo.