sábado, 5 de março de 2016

AUTO_amarildo-2

Está inaugurada a democracia brasileira

Corria o ano da graça de 1605 e a força do Poder Judiciário inglês onde todo julgamento continuava sendo baseado na forma tradicional como cada queixa ou cada crime sempre fora tratado, estava encurralada pelo rei James, o primeiro da dinastia Stuart. Ele queria para si os mesmos poderes absolutos que os reis da Europa Continental tinham conseguido amealhar justamente acabando com esse modo de fazer justiça que fora comum a toda a Europa, Portugal inclusive.

Por volta de 1300 abre-se esse desvio a partir da Universidade de Bolonha onde foi costurado, sob o disfarce de “um renascimento do direito romano”, o esquema que poria os tribunais a serviço do rei, garantido seus poderes absolutos.

A Inglaterra, protegida pela sua condição de ilha, foi exceção. Por essa mesma altura – 1300 – resolveu sistematizar o seu método tradicional. Desde essa época todo julgamento na Inglaterra é minuciosamente documentado em duas versões, um relato dos fatos em discussão e outro, igualmete minucioso, do cumprimento dos ritos que, aos poucos, foram sendo estabelecidos para o processo. Foi constituido um juri de “iguais” das partes em litígio e neutros em relação à queixa? Convocadas testemunhas dos acontecimentos para restabelecer a verdade dos fatos? Elas foram interrogadas pela acusação e pela defesa? As duas versões são aquivadas e, para se requerer do Poder Judiciário uma satisfação, passa a ser obrigatório encontrar o “precedente” do seu caso para reivindicar do sistema “a mesma satisfação que sempre foi dada a casos semelhantes“. É o juri quem diz, ouvidas as testemunhas e reconstuida a verdade dos fatos, “sim“, ou “não“, o caso é exatamente semelhante ao anterior, cabendo então ao juiz passar sentença obrigatóriamente idêntica à do caso precedente. Nenhum espaço para arbítrio. Nenhuma brecha para a corrupção ou a negociação de sentenças diferentes para casos iguais.

Com o acumulo desses relatos ao longo dos séculos, torna-se necessário criar um índice de resumos tecnicamente perfeitos de acesso a eles, para que os queixosos encontrem, na montanha de precedentes, qual o parecido com o seu, já que esta deve ser a exata formulação de qualquer queixa a ser julgada. A importância dessa função e a precisão exigida desses índices de “writs” é o pilar fundamental do sistema. Por isso só dois autores dos ultimos tres séculos, naquele alvorecer dos anos 1600, são reconhecidos como portas autorizadas de entrada nos tribunais.

Mas então surge a prensa de Guttemberg e o mundo do conhecimento sofre um choque muito parecido com o que a internet está provocando hoje, guardadas as proporções. Passa a ser muito mais fácil e barato editar e publicar livros que ate então, tinham de ser copiados a mão. Na Inglaterra, uma das áreas afetadas por essa “disrrupção” é a desses índices de “writs”. Começam a surgir “vulgatas” acessiveis em qualquer canto nas quais não ha nenhuma garantia de precisão num sistema que ainda não sabia se defender dessa ameaça. A confusão é tanta que a certeza jurídica fica abalada…

James I aproveita a brecha. Institui a Corte da Chancelaria, “tribunal eclesiástico” apoiado pela Igreja que fornece os “juizes” que nela operam, e esta começa a dar sentenças não mais com base nos fatos ou na tradição mas segundo a parte que o rei quer agradar.

O Judiciário verdadeiro resiste. Tem à frente o juiz supremo Edward Coke. Ele cassa as sentenças das cortes do rei, anula seus decretos na velha Corte de Queixas Comuns (Common Pleas) que toda a Ingaterra aprendera a respeitar. Resiste. Luta. Mas o rei tem, sim, poderes extremos sobre a pessoa de seus suditos. “Traição” é uma acusação que leva diretamente à morte. O jogo é pesado. James espreme, ameaça, persegue. Mas Coke é, ele mesmo, uma instituição. Não é fácil tocá-lo impunemente.

O confronto final é inevitável. O rei chama à sala do trono todos os juízes. O ambiente é de quase pânico. Todos cabisbaixos, a capitulação é iminente. Menos Coke…

É ele mesmo quem relata:

“…o rei disse que acreditava que a lei estava fundada na razão e que tanto ele quanto outros eram possuidores de razão, assim como os juízes. Ao que eu respondi que sim, Deus tinha concedido a sua majestade excelente ciência e grandes dotes naturais; mas sua majestade não é versado nas leis deste reino da Inglaterra e nas causas concernentes à vida, à herança, aos bens e à fortuna de seus súditos; que essas coisas não devem ser decididas pela razão natural mas pela razão artificial e pelo julgamento da lei cujo conhecimento requer longo estudo e experiência; e que a lei é a ferramenta de ouro e a medida para julgar as causas envolvendo os súditos e para manter sua majestade em paz e segurança.

Com o que o rei se mostrou muito ofendido e disse que era traição um homem afirmar que ele devesse estar submetido à lei. Ao que eu retruquei que sim, o rei não está submetido a homem nenhum, mas está submetido a Deus e à lei”.

“…under god and under the law”, significando, esse “under god”, que nem mesmo sua majestade podia reescrever ou negar os fatos ao seu bel prazer; eles, mais a lei, é que tinham de prevalecer para orientar o oferecimento de justiça ou não poderia haver paz nem segurança jamais.

Estava nascendo a democracia moderna!

Nos tribunais, como prisioneiro na Torre, no Parlamento depois que fecharam-lhe as portas do Judiciário, Edward Coke segue com sua luta para desmontar os poderes arbitrários do rei. Sua obra vai ser coroada pelaPetition of Right, elemento basilar do moderno Estado de Direito, aprovada pelo Parlamento em maio de 1628, dando aos representantes do povo inglês e às leis por ele aprovadas os mesmos poderes soberanos que têm até hoje.

411 anos depois ver esta mesma cena se repetir no Brasil ainda me emociona. É longo, muito longo o caminho pela frente, mas foi finalmente plantada a pedra fundamental da democracia brasileira.

A perda da razão

Delírio! Quer dizer que vivemos um golpe aplicado pela dobradinha Judiciário-Mídia?

Quer dizer que é golpe uma operação policial autorizada pela Justiça?

Quer dizer que Lula "foi sequestrado por Moro" só por ter sido levado para depor em local seguro na companhia de advogados dele?

É mentira dizer que Lula sempre esteve à disposição da Justiça. Ele tem usado e abusado de todos os meios para escapar dela.

Enquanto o PT bate na Justiça e na mídia, o que ocorre por aqui é reconhecido no mundo como exemplo de vitalidade democrata.

Quando o PT se dará a chance de reconhecer seus graves erros e de tentar começar tudo de novo?

O PT humilha sua militância ao forçá-la a sair em defesa do indefensável.

Se empresas envolvidas em roubalheira entopem os bolsos de Lula com dinheiro e o presenteiam com reformas em imóveis, tal relação promíscua não merece ser investigada?

Se qualquer um de nós pode ser convocado ou levado para depor por que Lula não? No que ele é melhor do que nós?

Por que aumenta a cada dia o número dos brasileiros que dizem que não votarão de jeito nenhum em Lula em 2018? Serão uns tolos?

Se Lula nada deve, nada deveria temer. Se for injustiçado, os brasileiros saberão reconhecer que foi e ficarão ao seu lado.

Lula faz mais mal à esquerda brasileira do que ela quer admitir. Do que ela admitirá um dia.

O PT perdeu a razão.

Justiça brasileira ainda deve prova de isenção política

AUTO_bruno
Certamente não caíram do céu os agentes da Polícia Federal que, cedo da manhã desta sexta-feira (04/03), levaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor. Há semanas que se fala do suposto envolvimento dele no esquema investigado na Operação Lava Jato. Mesmo assim, a condução coercitiva do ex-presidente tem um grande impacto, pois sinaliza que também ele – apesar de toda a sua popularidade – não está acima da lei.

No Brasil, porém, isso não é exatamente algo óbvio para todos. Afinal, a lista dos que são culpados, nas nunca foram acusados; dos que foram acusados, mas nunca foram condenados; e dos que foram condenados, mas nunca foram punidos, é longa.

Os dois casos mais famosos estão por aí, livres, leves, soltos e no poder: o ex-presidente Fernando Collor de Mello representa desde 2007 o estado de Maceió no Senado. E o ex-governador e ex-prefeito Paulo Maluf – acusado de corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos, com vários mandados de prisão no exterior e origem do verbo "malufar" – é deputado em Brasília.

Por que essas pessoas são reeleitas é algo que se deve perguntar a quem vota nelas. Por que elas podem concorrer, porém, é uma questão que deve ser feita à Justiça brasileira.

Desde 2010 existe um instrumento legal: a Ficha Limpa, assinada por Lula, que torna inelegíveis por oito anos as pessoas que já foram condenadas ou tiveram um mandato cassado – ao menos na prática, pois a aplicação da lei exige promotores e juízes independentes e eficientes.

Só que desses há poucos, afirmam muitos brasileiros – sobretudo os partidários de Lula, da presidente Dilma Rousseff e do PT. Eles fazem acusações graves à Justiça brasileira: por que nomes do alto escalão do PT foram condenados à cadeia no escândalo do mensalão e, ao mesmo tempo, o escândalo de corrupção – bem menor, mas na essência muito semelhante – do mensalão mineiro, que envolve o PSDB, não foi investigado com o mesmo fervor?

Já os adversários do PT rebatem perguntando por que Lula não foi questionado na Justiça sobre como é possível que ele, na condição de presidente da República, não soubesse que deputados eram comprados para votar com o governo.

Quem sempre fez essa pergunta deve agora estar sentindo uma certa satisfação. Mas isso não quer dizer que essas pessoas acreditem na imparcialidade da Justiça.

Mais de 30 anos depois da redemocratização, está mais do que na hora de a Justiça começar a melhorar sua credibilidade. Os investigadores da Lava Jato colaboram para isso, sem dúvida – nem tanto, porém, porque têm a coragem de levar para depor uma das pessoas mais conhecidas e populares do Brasil. Muito mais importante é que, ao longo da Lava Jato, haja investigações amplas, não importa de que partido.

Decisivo para a reputação da Justiça brasileira é que ela se mantenha firme e também no futuro investigue suspeitas sem considerar implicações partidárias ou empresariais.

Jan D. Walter

Acordado pela polícia, Lula descobriu o Brasil redesenhado pela Lava Jato

Há dois dias, o comentário de 1 minuto para o site de VEJA constatou que, por negar-se a enxergar as mudanças operadas pela Lava Jato na paisagem brasileira, a alma penada de Lula ainda não descobrira que, hoje, nenhum fora da lei está acima da lei. Descobriu nesta manhã, quando a mão do destino ─ disfarçado de Polícia Federal ─ bateu à porta do apartamento do ex-presidente em São Bernardo.

Até este histórico 4 de março, Lula acreditava que, se todos são iguais perante a lei, ele sempre seria mais igual que os outros. Esse status de condenado à perpétua impunidade lhe permitiria, por exemplo, rejeitar intimações judiciais, zombar de autoridades dispostas a fazer Justiça e debochar do Estado Democrático de Direito. Acordou para a vida real ao ser acordado pela 24ª fase da Lava Jato, batizada de Alethea.

dh
Conduzidos coercitivamente ao local do depoimento, Lula e o filho Lulinha tiveram de abrir o bico ─ pela primeira vez ─ sobre as bandalheiras em que se meteram. A família que se julgava inimputável foi enquadrada por juízes, procuradores e policiais que não temem criminosos da classe executiva. Alethea, convém ressaltar, é uma palavra grega que significa “busca da verdade”. Nesta sexta-feira, a verdade venceu a mentira.

A busca da verdade não cessará tão cedo. Mas a Era da Canalhice está perto do fim, confirmaram a discurseira do chefão e a contra-ofensiva ensaiada pelo Mestre e seu rebanho agonizante. Um dia depois de divulgado o desastroso desempenho do PIB em 2015, Lula tornou a festejar o Brasil Maravilha que só existe na cabeça baldia de embusteiros e na imaginação de cretinos fundamentais.

Ele também relançou a candidatura à Presidência que as revelações de Delcídio do Amaral haviam afundado de vez na véspera. A Alethea, por sinal, já dispunha de munição suficiente quando Delcídio começou a contar o que sabe ─ e o que sabe o ex-líder do governo no Senado vai adicionar toneladas de dinamite ao vasto arsenal da Lava Jato. Como Lula tentará escapar da sequência de explosões?

A resposta é fácil: ele vai ampliar ainda mais o acervo de mentiras que engordou algumas arrobas com o falatório desta tarde. Os truques e vigarices do mágico de picadeiro já não iludem sequer marilenas chauís. De novo, Lula não deu um pio sobre as acusações que o transformaram em campeão de impopularidade. Ele simplesmente não tem como justificar as delinquências que protagonizou, sobretudo as praticadas no ofício de camelô de empreiteira.

A “mobilização nacional da militância” prometida por cartolas do PT e pelegos que prosperam nos “movimentos sociais” só serviu para reafirmar que o partido que virou sinônimo de roubalheira tornou-se um ajuntamento de fanáticos sem cura. Manifestaram-se nesta sexta os devotos que restam. Os protestos da turma da estrela reuniram menos gente que procissão de vilarejo.

Muito mais abrangente e eficaz foi a mobilização da Polícia Federal decretada pela Alethea. Munidos de mandados de busca e apreensão, destacamentos de agentes vasculharam residências, escritórios e esconderijos de gente graúda engajada no projeto criminoso de poder. Declarações de delegados envolvidos na ofensiva atestaram que a Lava Jato já reuniu muito mais provas do que se imaginava.

Outras tantas foram recolhidas na devassa que atingiu 44 alvos, de Marisa Letícia e três lulinhas a Paulo Okamotto e o bunker no Instituto Lula, da Odebrecht e da OAS aos sitiantes de araque Fernando Bittar e Jonas Suassuna, passando por coadjuvantes como o engenheiro que trabalha de graça nas férias. Ficou ainda mais variado o elenco recrutado pela operação que investiga o maior esquema corrupto descoberto desde o Dia da Criação.

Hoje se ouviu o choro das carpideiras transformadas em animadoras de velório. Em 13 de março, a imensidão de indignados invadirá as ruas para exigir, além da punição de todos os poderosos patifes, o imediato despejo do governo destroçado pela incompetência, pelo cinismo, pela corrupção e pelo Código Penal. Oito dias depois dos uivos da subespécie em extinção, a nação ouvirá o rugido do país que presta.

Vergonha

Nem se prendessem a Dilma ficaria pior. Porque a prisão do Lula, filhos e dirigentes de empresas a ele ligadas equivaleu, na manhã de ontem, à maior das vergonhas jamais registradas no Brasil. Preso ele já tinha sido, mas com honra, por haver liderado greve geral de trabalhadores em pleno regime militar. Daí, porém, a ser levado à representação da Polícia Federal no aeroporto de Congonhas, para explicar os recursos entregues sem prestação de serviços ao Instituto Lula, é olímpica a distância. Provas de que um ex-presidente da República tenha se beneficiado por receber dinheiro de empreiteiras, jamais havia sido evidenciado. Nunca governantes jamais foram liberados para agir como se tivessem liberdade para fazer do país o seu quintal. A acusação é de que, a pretexto de palestras e conferências pretensiosamente pronunciadas por ele, chegou a faturar 20 milhões de reais.

A ser verdadeira a acusação, concluir-se-á não ter limites a desfaçatez com que se avança sobre a coisa pública. Não tarda a se conhecer os limites de até onde o Lula considerou como sua e de seus familiares a propriedade coletiva.

Conduzido à prisão, mesmo por poucas horas, o ex –presidente acaba de destroçar a imagem do partido um dia tido como a esperança da redenção nacional. Leva com ele os companheiros, os filhos, e os empresários envolvidos mas, acima de tudo, apanha a sucessora. Madame não vale mais nada, como presidente da República. Mesmo que nada tenha a ver com as lambanças do antecessor, Dilma encontra-se umbelicalmente ligada a ele.

O espetáculo verificado no aeroporto de Congonhas, para onde o Lula foi levado, exigiu a presença da Polícia Militar de São Paulo. Não foi fácil evitar a confusão entre os militantes do PT, exasperados pela prisão do Lula, de um lado, e seus adversários, de outro. O grave foi e ainda é o choque.

Há quem suponha que essa inusitada ação da Polícia Federal se deu à demissão do ministro da Justiça, por muitos meses acusado pela oposição de não conter o ímpeto da Polícia Federal contra o PT. Assim,o novo ministro teria decidido avançar sobre o partido, para demonstrar que não se intimida.

Cardápio de medos

Com exceção de tempos em guerra, as gerações costumam deixar futuro melhor para seus jovens; sobretudo, um futuro alentador. Mas, de todas as dificuldades que os adultos de hoje estão deixando para os jovens brasileiros, nenhuma é mais imperdoável do que o medo. Nosso legado é um cardápio de medo.

Não estamos sendo capazes de oferecer as ferramentas necessárias para os jovens enfrentarem as incertezas criadas pelas mudanças no mundo, e ainda estamos criando novos medos brasileiros. Por força das transformações no mercado de trabalho, devido ao avanço técnico, os jovens estão com medo de desemprego, sem um sistema educacional capaz de enfrentar os desafios criados pelo avanço tecnológico; e ainda estamos provocando desemprego conjuntural, devido à recessão econômica criada pela incompetência e irresponsabilidade do governo atual.

Os jovens têm medo de andar nas ruas, usar tênis da moda ou um relógio que o pai presenteou. Todos estão com medo de epidemias, especialmente dengue, ainda mais as mulheres jovens, assustadas com o risco de seus filhos sofrerem microcefalia. E a imensa maioria, que depende do sistema de saúde pública, teme pela falta do necessário atendimento médico.

Estão com medo de que não terão um sistema sólido de aposentadoria, porque começam a perceber que a vantagem de uma vida mais longa vai exigir reformas que lhes obrigarão a trabalhar por mais tempo; e temem que a falta da reforma ameace a solidez do sistema.

Como todos os brasileiros, os jovens estão assustados com a inflação. Eles cresceram acostumados à estabilidade monetária e agora temem, com razão, o que vai acontecer no país se não conseguirmos recuperar a estabilidade monetária. E temem também as consequências que o enfrentamento deste problema provocará, devido aos cortes de verbas na educação, na saúde, na infraestrutura.

Sofrem com o medo da recessão econômica, que diminuirá a renda per capita que lhes caberá, diminuirá a posição do Brasil no mundo, degradará nossa infraestrutura econômica e social, reduzirá o nível de consumo e o bem-estar.

Estamos deixando aos jovens o medo do desequilíbrio ambiental, o aquecimento global, um dia enchentes, noutro falta de água, os recursos naturais ficando escassos. Não fomos capazes de acenar para eles um futuro no qual o progresso não signifique degradação ambiental, concentração de renda, violência, desigualdade social.

Medo do trânsito que ameaça a vida por acidentes, especialmente envolvendo motos e bicicletas, e rouba a vida silenciosamente pelas perdas de tempo no dia a dia dos engarrafamentos.

Também têm medo da corrupção e suas consequências, inclusive de nós, dirigentes, que hoje estamos construindo o futuro em que eles viverão, com medo. Medo de que em 2018 nenhum candidato a presidente prometa e ofereça, transmitindo confiança, credibilidade e competência, os caminhos para assegurar aos jovens que eles terão um país sem medo. Pelo menos isto: um Brasil sem medo.

Cristovam Buarque

O ídolo que cambaleia

Aconteceu na última campanha eleitoral, em um comício do Partido dos Trabalhadores na periferia sul e pobre de São Pulo. Lula, com a camiseta vermelha do partido e a voz cavernosa e cansada depois de semanas de forçar a estropiada garganta, entrou em cena para pedir outra vez o voto em Dilma Rousseff. Um operário metalúrgico o ouvia da rua, com um sorriso de orelha a orelha. Diante da pergunta sobre se gostava de Lula, o operário respondeu, sem parar de sorrir: “Há muitos anos, ele, Lula, vinha a nossas fábricas nos dizer quando tínhamos de protestar, quando tínhamos de fazer greve. Eu voto nele porque o conheço, porque não mudou”.

Quando Luiz Inácio Lula da Silva deixou o poder depois de governar o Brasil durante oito anos, de 2003 a 2010, armazenava uma inaudita popularidade de mais de 80%. Não estava mal para um operário convertido em sindicalista convertido em presidente de um país de 200 milhões de habitantes, chegado sem estudos a São Paulo na década de cinquenta com seus seis irmãos e a mãe na traseira de um caminhão procedente de um dos rincões mais miseráveis do país. Ele era um a mais entre os milhões de habitantes do Nordeste brasileiro que buscavam na grande cidade uma saída do labirinto da pobreza, seca e desemprego.


Durante seu mandato, cerca de 30 milhões de pessoas sem trabalho fixo entraram no sistema: começaram a desfrutar de um contrato, de férias, de seguro desemprego, começaram a pagar impostos, sentir-se cidadãos, protestar. Lula e os ideólogos do Partido dos Trabalhadores os denominaram de nova classe média, surgida daqueles que migravam em caminhões rumo ao sul. A maioria deles continuava vendo Lula como um a mais.

Hoje o índice de rejeição a Lula, segundo pesquisas recentes, é de 47%. E a causa deve ser buscada, sobretudo, nas acusações de corrupção que pesam sobre ele e sua família, e que o perseguem há meses. Ele nega tudo. Afirma, com a mesma veemência que empregava ao pedir o voto em Dilma Rousseff nos comícios de campanha na periferia, que não existe no Brasil uma “alma mais honrada”. Ainda pensa em apresentar-se às eleições de 2018. Há alguns dias dizia que então terá 72 anos e o tesão de um de 30. Mas será preciso ver se sua gente ainda o considera um dos seus. Se ainda consideram que não mudou. Que o Ministério Público o acuse de aceitar presentes milionários das empresas envolvidas na peçonha da Petrobras, que o Ministério Público considere que essas mesmas empresas lhe pagam, entre outras coisas, os eletrodomésticos de cozinha de primeira e os móveis de luxo de um apartamento de três andares na praia não vai ajudar em nada.

Bordel em pânico

O ainda senador petista e ex-líder do governo, Delcídio do Amaral, escancarou a porta do bordel. Sua delação parcial expôs a orgia governamental, deixando claro que não há inocentes a bordo.

As suspeitas que pesavam sobre Lula e Dilma já não são meras suspeitas. Ganharam materialidade na voz de alguém que privou da intimidade e da confiança de ambos, cumprindo missões que agora revela. A rigor, quem acompanha de perto as investigações – na imprensa, na polícia, no Congresso – não teve qualquer surpresa.

Nenhum dos fatos arrolados era desconhecido. Muitos já haviam sido noticiados, com base em fontes que se mantinham anônimas. O impacto e a novidade ficam por conta de agora terem um informante que, longe de ser mero observador privilegiado, era um agente, cujo depoimento equivale a uma confissão, o que, no direito, é também chamada de rainha das provas.


Seu papel, nesse processo, é semelhante ao de Roberto Jefferson no Mensalão. Com agravantes: era o líder do governo, a voz da presidente no Senado. Jefferson era personagem periférico no Mensalão, presidente de um partido da base, o PTB, que se queixava exatamente do tratamento secundário que recebia.

Delcídio, não. Era, no Congresso, o próprio governo e também o elo entre Dilma e Lula, com os quais mantinha contatos quase diários. Ao abordar o filho de Nestor Cerveró, propor-lhe um plano de fuga e oferecer mesada – empreitada que o levou à cadeia -, Delcídio disse que cumpria missão a mando de Lula. Terá oportunidade de demonstrá-lo com mais dados.

O argumento do governo, expresso pelo ex-ministro da Justiça e novo advogado geral da União, José Eduardo Cardoso, de que Delcídio não tem credibilidade e está apenas querendo se vingar, é frágil. Pior: burro. Primeiro: se não tem credibilidade, por que era líder do governo? Segundo: numa delação premiada – que, se falsa, aumenta a pena do réu -, não há espaço para leviandades.

Colocar em dúvida a existência da delação de Delcídio dispensa comentários. Todos sabem que existe, carecendo apenas de homologação pelo STF – que, agora, diante do que já provocou, dificilmente a rejeitará. Se o fizer, aprofundará o seu descrédito.

As revelações, seguidas pela condução coercitiva de Lula a um depoimento que se empenhava em evitar, sugerem que as manifestações do próximo dia 13 devem superar as anteriores.

A militância do PT – ruidosa, agressiva, insensata – é numericamente inexpressiva. Não reflete nem de longe a sociedade brasileira. Consegue se fazer presente com agilidade, a qualquer dia ou hora, nos locais estratégicos, porque vive disso. Não trabalha em outra coisa. São profissionais do protesto.

Mas as pesquisas demonstram reiteradamente que a imensa maioria da população – na escala dos 90% - exige que as investigações se aprofundem e justiça seja feita com rigor, seja lá quem esteja em pauta: Lula, Dilma ou o mais obscuro lobista.

O PT alega que a Lava Jato estaria agindo politicamente. O que se dá é o contrário: os políticos do governo é que estão, há anos, agindo criminosamente, a ponto de transformar a análise política em criptografia policial. Não se trata de ideologia: crime não é de direita ou de esquerda – é crime. E o partido que o promove e oculta merece o título de organização criminosa, máfia em estado pleno.

Prova disso é que, até aqui, o empenho do governo e de seu partido – Lula à frente – não foi o de se defender, mas o de evitar a Justiça, obstruindo-a e cancelando depoimentos, recorrendo aos mais diversos e sórdidos ardis processuais. Quem deve, teme.

O argumento do líder do PT, José Guimarães, de que Lula jamais se recusou a depor - e que, portanto, a coerção não era necessária -, é falso. Na festa dos 36 anos do PT, Lula disse que não iria depor de maneira nenhuma. E acusou a Polícia Federal, a Justiça e a imprensa, dando palavras de ordem à militância.

Tão espantoso quanto tudo isso é a reação frouxa, intimidada (quase solidária) da oposição, sobretudo do PSDB.

A sociedade está mobilizada, há uma manifestação nacional prevista para daqui a uma semana, revelam-se denúncias gravíssimas de um ex-líder do governo – que, em circunstâncias normais imporiam a deposição da presidente - e a oposição age como quem tem dúvidas. Em vez de ir às ruas, fecha-se, intimidada, em gabinetes. O PT mobiliza seus diretórios e organizações que sustenta (CUT, MST, MTST, UNE etc.) com dinheiro público para que ocupem as ruas e promovam badernas. E a oposição faz o quê? Aguarda.

O líder tucano Cássio Cunha Lima diz que “não vai sapatear sobre o governo”, mesmo sabendo que o governo, rodeado de indícios consistentes de que praticou crimes, não tem feito outra coisa sobre a sociedade. Com isso, apenas dá substância às insinuações do PT, de que tem também o que ocultar. Terá?

O bordel está em pânico. A festa, ao que parece, acabou.

É o fim do projeto do PT

A sexta-feira, 4 de março de 2016, é um dia histórico e divide apaixonadamente a opinião pública do Brasil, onde Luiz Inácio Lula da Silva nasceu nos rincões áridos do Nordeste, cruzou o país continental num pau-de-arara, comeu o pão que o Diabo amassou, foi o maior líder sindicalista e virou o presidente da República mais popular em décadas. É um dia profundamente triste, mas é também um marco: ninguém, nem mesmo Lula, está acima da lei.

A condução coercitiva de Lula e de seu primogênito, Fábio Luiz, não foi nenhuma surpresa no mundo político, mas é daqueles fatos que todo mundo espera, mas, quando acontecem, são como uma explosão atômica. Com Lula depondo na Polícia Federal e acossado, junto com a presidente Dilma Rousseff, pela delação premiada do ex-líder do governo Delcídio Amaral, não há outra conclusão possível senão a óbvia: é o fim do projeto do PT, o fim de uma era.

Até por isso, a Justiça, o Ministério Público, a Polícia Federal e a Receita Federal cercaram-se de todos os cuidados. Há meses vinham dando indícios de que Lula seria preso, mas isso só ocorreria quando as provas fossem consistentes, inquestionáveis. "Não podemos morder o Lula. Quando chegarmos nele, é para engolir", diziam os investigadores, ilustrando a consciência de que, deixar brechas de contestação, seria não apenas implodir a Lava Jato, mas também desmoralizar as instituições responsáveis.

Hoje, a Lava Jato engoliu Lula e, com ele, o projeto de eternização do PT no poder. De uma forma simples e direta, há provas de que havia uma triangulação criminosa: o dinheiro saía da Petrobrás, passava pelas empreiteiras e parte dele ia para o ex-presidente em forma de pagamentos dissimulados de palestras, viagens pelo mundo, o sítio de Atibaia e o triplex do Guarujá. Lula, portanto, seria beneficiário dos desvios da maior companhia brasileira, hoje uma das maiores empresas mais endividadas do mundo. Sem falar na Operação Zelotes...

A condução coercitiva de Lula, a prisão do marqueteiro dele e de Dilma, a delação do ex-líder do governo sobre o envolvimento de Dilma na compra suspeitíssima da refinaria de Pasadena e na tentativa de manipular o Judiciário para soltar empreiteiros amigos... tudo isso configura um cerco a Lula e a Dilma que, apesar de dependerem visceralmente um do outro, entram na dolorosa fase do "salve-se quem puder" ou, de outra forma, "cada um por si".

Como pano de fundo, a crise política e a economia. Por uma macabra coincidência, ou não, o resultado da economia em 2015 saiu no dia do vazamento da delação de Delcídio e na véspera da condução coercitiva de Lula e de seu filho. O Brasil teve uma recessão de 3,8% e ficou em 30º lugar entre 32 países pesquisados, só atrás da Venezuela, que quebrou, e da Ucrânia, que vem perdendo parte do seu território para a Rússia.

Tudo somado, Dilma está totalmente isolada em seus palácios, enquanto Lula se despe da roupagem do "Lulinha paz e amor" e conclama suas tropas para a guerra. A possibilidade de impeachment de Dilma é cada vez mais real e a próxima etapa de todo esse processo deve ocorrer nas ruas. Vêm aí as manifestações do dia 13 contra Dilma, Lula e o PT, mas, antes delas, já começam os confrontos. As bandeiras vermelhas, em minoria, vão tentar ganhar no grito - ou na pancadaria.

Lava Jato enquadra agressividade de Lula e protestos ganham força

A inédita operação visando diretamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é uma demonstração pujante de força institucional da Operação Lava Jato e um reforço simbólico ao movimento que pede a saída do governo petista do poder. Ela ocorre justamente no momento em que o petista anunciou publicamente sua disposição de ir para o enfrentamento.

Com o crescente cerco da Lava Jato, mas não só ela, sobre si e sua família, Lula buscou vestir novamente o figurino de líder sindical raivoso. Com discursos inflados, decretou a morte do "Lulinha paz e amor" que envergava para não assustar as elites que conquistou e nutriu para ter dois bem-sucedidos mandatos à frente da Presidência.

De duas semanas para cá, criou site para tentar intimidar jornalistas. Prometeu processar Deus e o mundo. Esbravejou na Justiça, e obteve vitórias no intento, que não poderia ser investigado. Derrubou José Eduardo Cardozo da pasta da Justiça com a enésima queixa de que ele não controlava a PF que agora bateu à sua porta.

Deu no que deu. Como outros personagens, sendo João Santana e sua mulher exemplos mais recentes, sabem, a Lava Jato não perdoa soberba. Obviamente, ser implacável anda de mãos dadas com correção: para o bem do futuro da força-tarefa, é bom que haja motivos bem sólidos para tudo o que está acontecendo na manhã desta sexta.

O recado para os poderes constituídos é brutal. Como disse, no hoje longínquo 2014, um dos capitães da investigação, "não sobrará ninguém". Perguntei se isso incluiria os próceres do poder e a resposta foi um assertivo sorriso.

A reação, previsivelmente, será também de força. A imagem de carros de polícia na frente da casa de Lula certamente remeterá, para os que ainda o apoiam no espectro petistas-governista, ao sindicalista preso na ditadura militar. Lula irá usar a analogia, buscará a vitimização a fim de somar o martírio à sua usual hagiografia.

Isso pode dar certo, embora seja incerto dado que os indícios acumulados contra o petista são muito grandes –de quebra, sítios e apartamentos, a fração teoricamente menos grave do que se imputa no escopo da Lava Jato ao líder petista, são ícones de fácil assimilação pela sabedoria popular.

Ainda assim, é previsível também que subiu o grau de risco de confronto no próximo fim de semana, para quando está marcado o próximo protesto pedindo o impeachment de Dilma Rousseff. Militantes a soldo e apoiadores espontâneos de Lula, cada vez mais pertencentes a nichos com demandas específicas e autointituladas progressistas, talvez tentem fazer frente ao provável engrossamento do coro antipetista em centros urbanos.

Politicamente, é um prego no caixão cada vez mais fundo na terra do PT e do governo. No caso do partido, Lula é passado, presente e futuro sob ameaça. É o único presidenciável viável da sigla, com respeitável apoio popular, ainda que decadente de forma acelerada.

O cerco contra o líder encima um longo processo pelo qual os petistas e suas práticas reveladas são as responsáveis centrais, apesar do choro contra elites, imprensa e os suspeitos de sempre. Nesse sentido, o batismo da operação, Aletheia, remete ao desvelamento da verdade além das aparências. Soa apropriado, ainda que alguém possa implicar com a associação nazista do principal filósofo a trabalhar o conceito no século 20, Martin Heidegger.

Já para Dilma, que em outros momentos talvez até agradecesse ver o antigo mentor e não ela no centro do fogo, não há boa notícia possível. Após a pré-delação vazada do seu ex-líder no Senado Delcídio do Amaral (PT-MS) a colocar diretamente na mira da Lava Jato, a petista vê a queda em desgraça do homem que a criou politicamente –e a quem entregou a cabeça de Cardozo, numa demonstração de fraqueza compatível com sua baixíssima popularidade e com o esfarelamento econômico e político do país sob seu comando.

A queda de Lula, que, ressalte-se, nem de longe pode ser considerada definitiva, só favoreceria uma Dilma em momento de força, algo que não acontece desde os protestos de junho de 2013. Agora, mesmo com ambos estremecidos, restará um tentar apoiar-se no outro. Lula é mestre em ressurreições e tem a resiliência política mais conhecida do país, mas tal abraço poderá ser de afogados sob os jatos d´água de Curitiba.

Lula isolou-se da realidade em sua bolha petista

As pessoas ficam falando mal do Lula, mas, na verdade, ele só merece pena. É uma vida desgraçada a do ex-presidente petista. Está certo, dá dinheiro. Dá muito dinheiro. Dá dinheiro demais —R$ 30 milhões em palestras e doações ao Instituto Lula feitas por empreiteiras pilhadas assaltando a Petrobras, noves fora o salário e a aposentadoria do Estado. O excesso de liquidez é uma das misérias da ex-presidência petista.

Outros seres humanos vivem com rendimentos exagerados. Mas o ex-presidente do PT é dependente do exorbitante. É como aquelas pessoas doentes que, não podendo respirar oxigênio, são isoladas numa bolha. Lula sofre com a insensibilidade do Sérgio Moro com o seu vício pela anormalidade.

“[…] É forçoso reconhecer que se trata de valores altos para doações e palestras, o que, no contexto do esquema criminoso da Petrobras, gera dúvidas sobre a generosidade das empresas”, anotou o juiz da Lava Jato no despacho em que ordenou que Lula fosse retirado da bolha para ser interrogado no Brasil real.

No interior da bolha petista vigora uma monarquia absolutista. Ali, o ex-presidente Luís Inácio autoproclamou-se Dom Lula 1º (e único), o venturoso. Isolado do meio ambiente exterior, respira exorbitância, sua substância vital. Faz isso como se nada tivesse sido descoberto sobre o que ele fez nos verões passados.

Coisas estranhas sucedem com o ex-presidente no reino da bolha. Imóveis lhe caem no colo —um sítio do tamanho de 24 campos de futebol, um triplex à beira mar… Empreiteiras se oferecem para reformar as propriedades. Composta de gente incompreensiva, a força-tarefa da Lava Jato destila suspeição em documento oficial:

“A suspeita é que os valores com que o ex-presidente foi agraciado constituem propinas pagas a título de contraprestação pelos favores ilícitos obtidos no esquema Petrobras. A vantagem não precisa ser dinheiro, não precisar estar diretamente ligada ao ato. Nós podemos verificar que mesmo após o exercício da Presidência podem estar sendo pagos ainda vantagens ao ex-presidente.”

Arrancado “coercitivamente” do reino da bolha pela Política Federal, Dom Lula 1º (e único) se deparou nesta sexta-feira com a República, cuja proclamação ele passou a considerar um erro. Sobretudo depois que as instituições republicanas começaram a iluminar seus calcanhares de vidro, o sítio de vidro, o triplex de vidro, as palestras de vidro, o instituto de vidro, a biografia de vidro…

Depois de interrogado, o ex-presidente petista foi liberado para retornar ao mundo da bolha. Disse que, por algumas horas, se sentiu como um “prisioneiro”. Horas depois, declarou ter sido “sequestrado” pela Polícia Federal. O soberano estava de volta ao seu abiente (i) natural.

Uma claque de devotos realiza o trabalho humanitário, estimulando com urros e palavras de ordem um ex-presidente notoriamente despreparado para lidar com a realidade. A militância faz as vezes de qualquer mãe com seu filho problemático. Estimula-o a desfrutar de sua anormalidade.

Meio choroso, Lula acenou com a hipótese de trocar a bolha pelo Planalto em 2018, se o doutor Moro deixar. “Cutucaram o cão com vara curta. Eu quero oferecer a vocês esse jovem de 70 anos de idade, com tesão de 30, corpo de atleta de 20 anos. Não tenho preguiça de acordar às 6h e dormir as 22h. A partir de hoje a única resposta à insolência e ofensa que fizeram a mim é ir pra rua e dizer: ‘Eu tô vivo e sou mais honesto que vocês’.”

Alguma coisa subiu à cabeça do soberano petista. E não é nada que se pareça com sensatez. “Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo, porque a jararaca está viva.''

A jararaca é capaz de tudo, menos de dar explicações. Elitizada, declara-se perseguida pela “elite”. Quem não é devoto não consegue entender os efeitos que a prosperidade exerce sobre uma cobra criada no reino da bolha, respirando exorbitância.

Lula e o chamado ao confronto


As chicanas da alma mais honesta do país não adiantaram, e na manhã de sexta-feira o ex-presidente Lula acabou forçado a prestar depoimento à Polícia Federal. O mandado de condução coercitiva contra Lula foi o mais relevante entre os 44 expedidos pela Aletheia, a 24.ª fase da Operação Lava Jato. Ainda que o ex-presidente não tenha sido preso, apenas conduzido para prestar esclarecimentos, a reação da cúpula do Partido dos Trabalhadores e de parte da sua militância passou dos limites, merecendo repúdio e atenção da sociedade.

A conta do PT no Twitter, por exemplo, lançou a hashtag #LulaPresoPolítico – uma falsidade dupla, não apenas porque Lula não foi preso, mas porque a própria expressão “preso político” deixa implícita a noção de que o país vive um estado de exceção, em que as liberdades democráticas não vigoram. O próprio partido se encarregou de dissipar a dúvida sobre o que realmente pensa ao divulgar nota, assinada pelo presidente da legenda, Rui Falcão, segundo a qual “a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva representa um ataque à democracia e à Constituição” e “a nação está sendo sangrada pela construção de um regime de exceção e arbítrio”. O vice-líder do partido na Câmara, Wadih Damous, chegou ao ponto de dizer que “isso não foi condução coercitiva, foi um sequestro perpetrado pela Polícia Federal a mando do juiz da Lava Jato” – declaração cuja irresponsabilidade é ainda maior por vir de um ex-presidente da seccional fluminense da OAB.

Mas antes se tratasse apenas de palavras. Parte da militância partidária e entidades-satélites do petismo foram às ruas, protagonizando cenas de confronto com cidadãos contrários ao PT e a Lula. Equipes de filmagem também foram hostilizadas em São Paulo. Não foi exatamente uma surpresa: o discurso de ódio que divide o país, especialmente entre pobres e ricos, sempre foi uma tônica de Lula e das lideranças petistas, mas desde o início do ano passado essa retórica adotou um tom belicista, com a menção de Lula ao “exército de Stédile” e o presidente da CUT falando em “armas na mão” em evento com a participação da presidente Dilma Rousseff. Na manhã de sexta-feira, Falcão afirmou, na nota, que “os petistas estão chamados a defender, ao lado de nossos aliados, nas ruas e nas instituições, as regras constitucionais e a inocência do ex-presidente Lula”. O mesmo tuíte que chamou Lula de preso político afirmava que “não podemos deixar barato. Precisamos todos reagir. Agora!” Parlamentares petistas ouvidos pelo jornal O Globo em Brasília foram ainda mais explícitos: “Se querem transformar o Brasil na Venezuela, vão conseguir. Se preparem”, afirmou um deles. “Estamos com ódio, uma indignação muito grande, faca nos dentes, sangue nos olhos. Não temos mais nada a perder, agora mexeram com o Lula”, disse outro.

Incitar o confronto desta forma é apenas agravar a polarização que as lideranças petistas alimentaram nos últimos anos, é arrastar para a violência político-partidária um país que já sofre com uma grave crise econômica, com inflação e desemprego, consequências das escolhas erradas do governo petista na condução da economia. É preciso parar para pensar: se uma condução coercitiva já é suficiente para provocar tal reação, o que não aconteceria em caso de prisão, ainda que embasada em sólidas evidências? A vigilância da sociedade é fundamental para evitar um esgarçamento ainda maior do tecido social e novas agressões às instituições democráticas.