sexta-feira, 16 de novembro de 2018

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Andenes (Noruega)

O deus Trump

A decisão de escolher um diplomata de carreira para comandar o Itamaraty parecia ser uma sensatez do novo governo Bolsonaro, indicativo de que entendia, afinal, que as relações internacionais do Brasil têm mais importância do que revelavam seus comentários apressados sobre questões delicadas, como a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém ou as críticas à China, que estaria “comprando o Brasil”.

Mas a escolha do ministro das Relações Exteriores do futuro governo Bolsonaro não poderia ter sido mais desastrada, a começar de como ele chegou a oposto máximo da carreira depois de nomeado embaixador há pouquíssimo tempo, sem nunca ter chefiado uma embaixada.

O concorrente mais visível, Luis Fernando de Andrade Serpa, já era considerado uma extravagância perigosa. Pela carreira sem grandes voos, e pelo fato de que era talvez o único embaixador que Bolsonaro conhecia, por ter viajado recentemente para a Coreia do Sul.

Mas Ernesto Araújo, diretor do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos, é uma surpresa desagradável, que indica, pela primeira vez na montagem do Ministério, uma decisão de fazer na política externa exatamente o que criticava nos governos petistas, com sinal trocado.

O secretário-geral do Itamaraty no começo da gestão de Celso Amorim, considerado o ideólogo da política petista de relações internacionais, Sebastião Pinheiro Guimarães, considerava que o futuro da diplomacia brasileira estava na África, e taxava os Estados Unidos de desimportante como posto de carreira. Ernesto Araújo coloca Trump acima de tudo e Deus acima de todos.

É preocupante sua visão mística e religiosa do papel do Ocidente no mundo, em artigo que publicou recentemente na revista “Cadernos de Política Exterior”, da Fundação Alexandre de Gusmão, do Itamaraty. No seu blog, ele, discípulo de Olavo de Carvalho, assumiu um apoio aberto a Bolsonaro, e foi através de André Marinho, filho de Paulo Marinho, suplente do senador Flávio Bolsonaro, que chegou ao núcleo duro do bolsonarismo. Sabatinado pelos filhos de Bolsonaro, não passou no teste, prevalecendo a opinião do filho de Paulo Marinho.

André, que tem o dom da imitação e diverte quem o vê mimetizando Trump e Bolsonaro, foi quem fez a tradução do telefonema que Bolsonaro recebeu de Trump depois da vitória. Ernesto Araújo se equipara ao Bolsonaro dos velhos tempos quando fala do PT, que chama de “Partido Terrorista”.

Mistura alhos com bugalhos quando diz que um novo governo petista seria “novo regime, um império do crime, apoiado no conluio entre as oligarquias nacionais e num novo eixo socialista latino-americano, sob os auspícios da China maoísta que dominará o mundo”. O eixo socialista apoiado por uma China maoísta que vai dominar o mundo épura teoria da conspiração, mas mostra de onde Bolsonaro tirou a ideia de que a China está comprando o Brasil.

Que o eixo socialista ganharia força coma vitória do PT, não há duvida. Que a China será a maior potência econômica do mundo dentro em pouco, não se discute. Mas que a China ainda seja maoísta, acho que nem o presidente Xi Jinping tem muita certeza disso, embora tenha ressuscitado há dias o objetivo da autossuficiência, desta vez para a tecnologia e inovação. Esse conceito maoísta surpreendeu os próprios chineses, e foi retirado da versão oficial de seu discurso.

Mas nosso futuro chanceler vê Trump como nada menos que um Deus, que vai salvar o Ocidente. Segundo ele, a visão do Ocidente proposta por Trump não é baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais. Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na História.

Segundo nosso futuro chanceler, o Brasil necessita refletir e definir se faz parte desse Ocidente, como resume a apresentação de seu artigo, que diz que é necessário recuperar aspectos históricos da simbologia nacionalista e da identidade ocidental. Nesse contexto, a exemplo de Trump,o futuro chanceler achaque o espírito ocidental estaria sendo mitigado por um apolítica globalista, eé preciso reforçara herança histórica, cristã, cultural, bem como o papel da família e do estado de direito a partir da tradição do liberalismo dos EUA e de seu destino manifesto.

No seu blog ele defende que deixemos “de louvar ditaduras assassinas e desprezar ou mesmo atacar democracias importantes como EUA, Israel e Itália. Não mais faremos acordos comerciais espúrios ou entregaremos o patrimônio do Povo brasileiro para ditadores internacionais.”

Ele crê que “as forças antiocidentais”, externas ou internas, “minarão nossa coragem, solaparão nosso espírito e enfraquecerão nossa vontade de defendera nós mesmos e nossas sociedades”. Para ele, o problema não está no terrorismo, nem muito menos na diminuição da competitividade, mas no desaparecimento da vontade de ser quem se é, como coletividades identificadas com um destino histórico e uma cultura viva.

'Lula Livre' logo, logo será trocado por 'PT Livre'

Lula descobriu há sete meses que a empáfia não tem elevador. Fez a descoberta ao despencar das alturas para o xadrez. Poderia ter aproveitado a câmara de descompressão de Curitiba para fazer a transição entre o que ele acha que é e aquilo que passou a ser. Mas o depoimento de Lula no caso do sítio de Atibaia revelou que a ficha não lhe caiu nem depois de o antipetismo ter virado escada para Jair Bolsonaro.

Logo no início da audiência de quarta-feira na 13ª Vara Federal de Curitiba, a juíza Gabriela Hardt apresentou suas credenciais a Lula. Processado por ser beneficiário de confortos pagos com verba roubada do Estado, o interrogado tentou interrogar a magistrada sobre a propriedade do imóvel. E a juíza: “Se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema.” Foi assim, de forma curta e didática, que Lula aprendeu a ter saudades de Sergio Moro.

Além do processo referente ao sítio, que se encaminha para a sentença, está sobre a mesa da substituta de Moro o caso sobre o terreno que a Odebrecht presenteou ao Instituto Lula. Até os mais fervorosos devotos de Lula dão de barato que a Lava Jato vai pendurar novas condenações no pescoço da divindade petista.

A médio prazo, a consequência mais provável da deteterioração penal do presidiário será uma substituição do slogan “Lula Livre” por “PT Livre”. Uma banda do partido já discute o pós-Lula. Nada a ver com ingratidão ou abandono. Preso ou livre, Lula terá a solidariedade do partido. Mas um pedaço do petismo flerta a sério com a ideia de entregar uma autocritica que liberte o partido da agenda criminal. No momento, o único entrave é Lula, que demora a expedir um habeas-PT.

Confissão

Nunca foi tão fácil ser ladrão nesse País
Lula, ex-presidente, em depoimento à juíza Gabriela Hardt

Mais médicos sem cubanos

O governo de Cuba anunciou o rompimento unilateral da cooperação do país no programa Mais Médicos. A atitude intempestiva é consequência natural do caráter eminentemente ideológico da participação de Cuba no programa desde o seu início, durante o governo da petista Dilma Rousseff. Parece destinada exclusivamente a causar problemas na área de saúde pública para o próximo presidente, Jair Bolsonaro – que diversas vezes se declarou adversário do regime cubano e ameaçou encerrar a participação de Cuba no Mais Médicos.


A disposição da ditadura cubana de criar contratempos para Bolsonaro ficou patente na nota oficial em que anunciou o fim da colaboração no Mais Médicos. No texto, depois de denunciar “o golpe de Estado legislativo-judicial contra a presidenta (sic) Dilma Rousseff”, Havana afirma que “o povo brasileiro (...) poderá compreender sobre quem cai a responsabilidade de que nossos médicos não possam continuar oferecendo sua ajuda solidária nesse país”.

Ou seja, sem que qualquer decisão tenha sido tomada pelo futuro governo a respeito do programa nem sobre a participação cubana – pois, afinal, o presidente eleito só tomará posse no dia 1.º de janeiro –, a ditadura de Cuba mandou retirar os cerca de 10 mil médicos cubanos hoje em atividade no País. Pode-se imaginar as dificuldades que a saída repentina de tantos profissionais vai causar aos cidadãos atendidos no Mais Médicos, especialmente em áreas remotas do País, com previsíveis efeitos danosos para a imagem do futuro governo – para deleite dos petistas, cuja relação fraternal com a ditadura cubana é de todos suficientemente conhecida.

Como se sabe, o programa Mais Médicos foi criado em 2013 pela presidente Dilma Rousseff como resposta às grandes manifestações daquele ano por melhores serviços públicos. Do modo atabalhoado como foi concebido, o programa não atraiu o interesse dos médicos brasileiros, e então o governo petista, docemente constrangido, recorreu aos companheiros cubanos para obter a necessária mão de obra.

A exportação de médicos tornou-se há tempos uma das principais atividades comerciais de Cuba. Os profissionais enviados a vários países não recebem o salário integral que lhes é devido, já que uma das imposições da ditadura cubana é que a maior parte desses vencimentos vá para os cofres do regime. Ademais, os médicos cubanos não têm o direito de ir para onde quiserem nem podem se exprimir livremente, submetidos que estão à vigilância de agentes castristas.

Mesmo diante desse flagrante desrespeito a direitos que os petistas alardeiam defender, o governo de Dilma não perdia a oportunidade de agradecer pela “solidariedade” de Cuba, inclusive durante sua campanha à reeleição, em 2014.

A despeito da propaganda petista, contudo, a “solidariedade” cubana sempre foi mera fachada para edulcorar a tirania que vigora na ilha dos Castros. Assim que os primeiros médicos cubanos conseguiram na Justiça brasileira o direito de aqui permanecer, o regime, em represália, suspendeu o envio de centenas de profissionais de saúde. Considerou inadmissível que esses médicos buscassem seus direitos – tanto trabalhistas como humanos.

Depois do impeachment de Dilma, o governo tratou de mudar o perfil do Mais Médicos, promovendo a troca paulatina dos médicos cubanos por brasileiros, medida que amenizava o viés ideológico que tanto marcou o programa. A súbita decisão de Cuba de retirar todos os seus médicos de uma vez mostra o tamanho da irresponsabilidade do governo petista quando submeteu um programa social aos humores e interesses estratégicos de um regime ditatorial estrangeiro.

Tudo isso serve para relembrar que o Mais Médicos – remendo emergencial feito por um governo em apuros – só existe e se tornou essencial porque o Estado brasileiro falhou e continua a falhar miseravelmente em oferecer saúde pública com um mínimo de qualidade para boa parte dos cidadãos. A manutenção dessa situação deveria envergonhar brasileiros de qualquer ideologia.