sábado, 12 de maio de 2018

Ou o Brasil acaba com as saúvas...

Mesmo com um quadro eleitoral bastante indefinido, uma coisa é certa nesta eleição: a discussão de propostas será mais profunda e o risco de um novo estelionato eleitoral, reduzido.

Muito mais que direita e esquerda, há uma divisão mais acentuada entre intervencionismo e liberalismo. O fracasso da experiência petista como representante da esquerda e a falência do Estado abriram caminho para que uma agenda liberal saísse do armário. A tarefa do eleitor é agora entender as nuances das propostas. O enfoque até agora tem sido na economia, o que deixa as divergências sobre política social e direitos civis em segundo plano. Há candidatos que batem no peito falando em “privatizar tudo”, mas que são extremamente conservadores nos costumes e não apresentam proposta para reduzir pobreza e desigualdade ou de equidade no acesso a serviços públicos.



As diferenças deverão ficar mais claras com o avanço do debate, mas há sempre o risco, ainda que menor que no passado, de valer a velha máxima “candidato que falar o que pensa não ganha eleição”. Quase todos pré-candidatos já apresentaram seus gurus econômicos. O diagnóstico parece não ser o maior problema, até os mais à esquerda reconhecem a gravidade da crise fiscal e a necessidade de gerar empregos com crescimento sustentado. Mas, como diz o ditado, “o diabo mora nos detalhes”.

Uma pauta liberal progressista é a mais correta para nosso momento. O país precisa reduzir a segmentação da sociedade entre regiões, entre gêneros, entre raças, entre emprego público e privado, entre serviços públicos e privados, entre sistemas previdenciários, aumentar a produtividade e se abrir para o mundo, acompanhando a revolução tecnológica na área ambiental e trabalhista. A agenda é desafiadora: privatização ampla, sem vacas sagradas; reforma administrativa para valer como racionalização dos ministérios e revisão da estabilidade do funcionalismo público; abertura comercial e fim das desonerações e reserva de mercado; prestação de serviços públicos com parceiros privados, ampliando o uso de vouchers; fim da gratuidade incondicional de universidades públicas; ampliação do acesso a clínicas populares de saúde e oferta de creches; atração de investimento privado com regras claras e estáveis para infraestrutura, em especial, para o saneamento; reforma da Previdência mais ampla possível, reintroduzindo temas como igualdade de idade mínima para homens e mulheres; avanço das reformas microeconômicas que ajudem a reduzir a concentração na economia, em especial, no setor financeiro; e, por fim, educação, educação, educação e mais educação.

Os desafios são imensos, em especial, para uma sociedade viciada em Estado e com fortes e poderosas corporações, nossas saúvas. Por isso, a mãe de todas as reformas parece ser a reforma política. Sem ela, podemos convergir em diagnósticos e soluções durante a campanha, mas como implementar?

Elena Landau

Eleição para Legislativo desperta perigosa apatia

Muitos imaginaram que a roubalheira revelada pela Lava Jato produziria um eleitor mais ligado. A menos de seis meses da eleição, o que se vê é o contrário. Disseminam-se entre os brasileiros o desinteresse e o desencanto. Na disputa presidencial 28% não têm candidato, indica o Datafolha. Na disputa pelas cadeiras do Congresso a alienação é ainda maior. Não há uma pesquisa pública. Mas, excluindo-se os pais e os filhos dos candidatos, 100% dos eleitores não devem ter a mais remota ideia do que fazer com os seus votos para o Legislativo.

Historicamente, o eleitor dá pouca importância à escolha de deputados e senadores. Esse desinteresse resultou no Congresso que aí está –meio balcão de negócios, meio templo de corporações, meio bordel. Não é fácil a vida do eleitor, é preciso reconhecer. Numa disputa para o Poder Legislativo, as caras são tantas que acabam não sendo nenhuma. É difícil escolher. Mas quem disse que a vida em democracia é fácil?

A democracia é o regime em que as pessoas têm ampla e irrestrita liberdade para exercitar a sua capacidade de fazer besteiras por conta própria. Mas é preciso fazer um mínimo esforço para que o voto não seja apenas um equívoco renovado de quatro em quatro anos. Tão importante quanto eleger um presidente é escolher os parlamentares que têm o poder de chantagear e até de derrubar o presidente. Se você acha que tem direito a um Estado moralmente sustentável, convém trocar a apatia pela raiva. A conjuntura cobra uma atitude. E já não basta a cara de nojo.

Gente fora do mapa


O elevador social

Pode-se sonhar com o dia em que os homens do futuro vencerão a gravidade e serão capazes de voar sem equipamentos. Mas, até lá, devemos respeitar as regras da gravidade, tirando proveito delas. Isso vale para as forças do capitalismo. Um dia, os seres humanos construirão sistemas socioeconômicos sem as consequências negativas da propriedade privada do capital; onde os sem-capital não fiquem desempregados e os com-capital não sofram as dificuldades da concorrência; um sistema onde a natureza não seja destruída na busca de lucro. Mas enquanto isso não for possível, aqueles que desejam um mundo mais justo e sustentável deverão conviver tirando proveito do capitalismo.

Enquanto o capitalismo não for superado, é preciso tirar proveito de suas vantagens, dominando seus defeitos para fazer o mundo funcionar melhor, sob o controle da ética e da política. A tarefa dos homens de consciência social é usarmos o capitalismo para construirmos um mundo que evolua na eficiência, na justiça e na sustentabilidade, graças a uma estrutura social onde a produtividade do trabalho seja crescente; a natureza seja respeitada; a produção e a renda sejam bem distribuídas, conforme o talento e a persistência de cada pessoa. Um mundo onde haja plena liberdade e a desigualdade no acesso aos bens de consumo esteja limitada entre um Piso Social — que assegure o atendimento dos bens e serviços essenciais mesmo àqueles com baixa renda — e um Teto Ecológico — que impeça a destruição da natureza pela voracidade do consumo das pessoas com alta renda.


A história recente mostrou que a tentativa de realizar um mundo melhor, ignorando as leis da ecologia e do capitalismo, foi como saltar de um edifício sem levar em conta as leis da gravidade. O salto do térreo ao sexto andar é impossível; do sexto ao térreo é suicídio. A humanidade e cada sociedade nacional não devem cometer a estupidez de querer saltar para cima, sem respeitar etapas, como foi tentado pelo socialismo, pelo desenvolvimentismo apressado e pelo populismo; ou o suicídio civilizatório de ignorar a necessidade de políticas de proteção ambiental e social.

Enquanto o capitalismo durar, o elevador será a escola com a máxima qualidade e acesso igual para todos. Com isso, será possível construir uma sociedade com alta produtividade; distribuição de renda; consumo austero em relação aos limites da natureza; garantia de um mínimo de sobrevivência, inclusive para aqueles sem emprego e renda; baixa criminalidade e reduzido grau de corrupção.

Embora esteja longe de ser um sistema ideal, o capitalismo não impede a realização desses propósitos, se a sociedade contar com valores éticos que definam normas morais para a economia eficiente — sem escravidão, com respeito à natureza — e se por meio da política forem definidas prioridades capazes de orientar o uso justo dos recursos criados pela eficiência econômica, especialmente na garantia da igualdade no acesso à saúde e à educação. O capitalismo não é voo, mas pode ser o elevador.

Cristovam Buarque

O racha social

A desigualdade aumentou em todos os nossos países e erodiu a coesão populacional.

Os que conseguem se adaptar aderem ao modelo econômico liberal que orienta a ação em benefício próprio; entre os que se encontram em situação precária, espalham-se os medos regressivos e as reações de ira irracionais e autodestrutivas
Jürgen Habermas

Esquivel, Esquivel, vai arrumar algo decente para fazer!

“Em Cuba se pratica a coerência entre o dizer e o fazer, e ao ser coerente, segue uma linha em que se praticam e sustentam os direitos humanos com uma dimensão integral na qual o povo é o eixo central”. (Adolfo Pérez Esquivel, em maio de 2016, falando a sindicalistas argentinos numa comemoração aos 90 anos de Fidel Castro)

Não acompanho a vida e obra de Esquivel, Nobel da Paz, mas conheço o arquétipo. Ele integra aquele grupo de militantes comunistas preservados dentro do armário para não desacreditarem suas performances quando convocados a socorrer companheiros em dificuldade mundo afora. Por isso, a rumorosa presença de Esquivel, juntando-se aos que querem transformar a carceragem da Polícia Federal de Curitiba em sala de visita e Comitê Operativo de Emergência do petismo, me fez dar uma olhada em suas atuações. O homem se presta para todas! Procure por ele aqui e aqui, por exemplo. Essa frase que coloquei em epígrafe, bem como o inteiro teor da referida palestra, é quase tão descabida quanto a indicação que fez de Lula para se juntar a ele entre os agraciados com o Nobel da Paz. Ou, sua vinda ao Brasil, em 2016, sempre com a mão esquerda erguida, para se opor ao “golpe”.

As duas características que mais me surpreendem nesse tipo humano e em suas atitudes é a pressuposição que faz de nossa ingenuidade e a sua infatigabilidade. Não cansam de desempenhar o seu papel diante de nossos olhos incrédulos. Como pode alguém correr mundo como reverenciado atleta dos direitos humanos e ser assíduo bajulador da sexagenária ditadura castrista? Ou declarar, como declarou em 17 de fevereiro de 2014 que "há uma intenção (dos EUA) de desestabilizar não apenas a economia como também a ação social e política" na Venezuela? E mais: quando Macri, recém-eleito, quis usar a cláusula democrática do acordo do Mercosul para expulsar a Venezuela do bloco, Esquivel saltou em defesa daquele regime assassino onde “não só há habitação digna, mas há educação, saúde e médicos nos bairros”.


A criativa desonestidade intelectual desses verdadeiros charlatões do circo político não tem limites. Vejamos, por exemplo, o cenário do tal “golpismo”. Lula assumiu a presidência em 2003 e já em 2005, constrangido, revirando os olhos para cima, dizendo-se apunhalado pelas costas, dava pinotes para afastar de seu colo o escândalo do mensalão. Anos mais tarde, o companheiro Joaquim Barbosa – relator daquela ação penal – fez um esforço imenso, mas cumpriu seu papel. Livrou a cara de Lula e jogou a culpa no Dirceu. E os “golpistas”, diante do mensalão, pediram impeachment de Lula? Não. Um ano mais tarde, Lula foi reeleito, a irresponsabilidade ganhou novo fôlego; e os “golpistas”? Quietos. Mais quatro anos, o “poste” foi eleito. E os “golpistas” continuaram vendo a banda passar, com cara de paisagem. Veio a Lava Jato, e os “golpistas”, nada. Dilma foi reeleita. E os “golpistas” continuaram como se não fosse com eles. O Congresso Nacional, aliás, durante bom tempo, persistiu como mero observador dos fatos, cada um cuidando da própria retaguarda. Foi perante a opinião pública e o mundo jurídico que a situação do governo ficou insustentável. E o Congresso veio atrás. E o Esquivel chegou correndo, com o punho erguido.

Estou fazendo esse relato porque o PT vem, há anos, seguindo o mesmo protocolo: fatos inconvenientes exigem versões impostas por repetição. Assim como o “extraordinário desenvolvimento social do Brasil” foi uma versão imposta por repetição, embora desmentida por 14 milhões de desempregados, era imperioso afirmar o “golpismo” do impeachment, apesar de todo o rigor com que foi conduzido no Congresso, sob severa vigilância do STF, ao longo de mais de um ano.

Agora, a mesma lengalenga se renova diante da carceragem da Polícia Federal com inspeções humanitárias sobre a privilegiadíssima condição prisional que Moro proporcionou ao condenado Lula e que a juíza de execuções criminais tem mantido. E o falsário defensor de direitos humanos está aí, de punho erguido. É com gente desse perfil que o PT conta para seu proselitismo.

Percival Puggina

Medicina cidadã

Nossa medicina encontra-se numa situação insustentável, principalmente para aqueles menos aquinhoados, justamente os que têm mais necessidade de atendimentos. A medicina é uma atividade de cunho eminentemente social e humanístico, e vemos que ela não está conseguindo atingir esses objetivos.

Hospitais e outros serviços médicos se deteriorando e mesmo muitos deles fechando unidades ou integralmente as suas portas. Nos que restam, as filas intermináveis proliferam. Lembro sempre que, quando me formei em medicina, os melhores hospitais de nossa cidade eram os públicos: Souza Aguiar, Miguel Couto, Lagoa, Ipanema, Andaraí, entre outros, e principalmente o Hospital dos Servidores do Estado, para onde vinham os presidentes da República.


O descaso ou a incompetência dos responsáveis pelos serviços são o principal motivo desta situação. Além disso, dois outros fatores que chamaria de dolosos contribuem para essa profunda distorção social: o desvio de recursos que deveriam ser destinados à saúde e são despejados em outros setores que, por vezes, nada têm de benefício público e o conluio de alguns desses responsáveis com áreas que cercam esses atendimentos, como planos de saúde e indústria de medicamentos.

O Sistema Único de Saúde, criado pela Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã, hoje é visto não como uma necessidade, mas como algo que não funciona. Aceitamos as distorções sem cobrarmos as medidas de nossos governantes e seus prepostos. As reações têm sido consideradas muito mais importantes do que as ações para resolver essa situação. Há até ministros da Saúde que preconizam planos de saúde para os menos afortunados com cobertura restrita; ou seja, descumprindo o que diz o artigo 196 da Constituição: “A saúde é direito de todos e dever do Estado”.

O uso da saúde suplementar deveria ser uma opção, e nunca uma necessidade. Quem quiser mais conforto ou acesso a médicos e serviços ambulatoriais e hospitalares específicos faria, por esse motivo, uso dos planos. Mas a saúde como um todo, sendo uma atividade de cunho social e humanitário, não é uma área que privilegie os mais bem dotados. Serviços públicos e, ao seu lado, os serviços beneficentes são o centro desejável para esse atendimento.

A busca de lucro em detrimento da saúde do paciente traz um grande risco para a sociedade. Como dizia Edmund Pellegrino, o grande filósofo da medicina: “Os cânones financeiros costumam ser incompatíveis com os cânones éticos”. E o benefício de poucos, numa área como a medicina, não pode ser à custa do benefício da sociedade em seu todo.

É muito importante que a população tome conhecimento desses princípios, pois terá uma voz mais forte na cobrança das medidas a serem tomadas pelos servidores públicos que são os responsáveis pelas diversas áreas da saúde.