terça-feira, 23 de junho de 2015

Brasil precisa de sangue novo

Algo está murchando no Brasil. Sem esperança? Tudo dependerá de se o gigante, hoje cansado e mal-humorado, terá um final melancólico como o dos dinossauros, que ninguém até hoje sabe por que desapareceram para sempre, ou se tem à espera o final encantador da mitológica Ave Fênix.

Essa ave da mitologia egípcia que há cinco mil anos morria sem morrer de fato, já que acabava renascendo de suas cinzas fecundadas pelo sol, transformada em símbolo de recuperação. Claro que estou me referindo não ao Brasil como país, que continua sendo um gigante por natureza e precioso por seu povo, um calidoscópio rico de etnias, culturas, criatividade e crenças religiosas, mas me refiro a sua grave situação política, econômica e ética.

“Há algo de podre no reino da Dinamarca”, se diz quando uma situação política começa a se deteriorar, parafraseando Shakespeare em Hamlet. E algo não funciona na política brasileira se o mais otimista de seus cidadãos, o carismático ex-presidente Lula da Silva, que criou o mantra hiperbólico “nunca antes na história desse país” para propagar suas maravilhas, confessa a um grupo de religiosos que ele, a presidenta Dilma Rousseff e seu partido, o PT, estão “no volume morto”.

Antes de completar os seis meses de seu segundo governo, Dilma aparece, de fato, com 65% de rejeição popular, que atinge todas as regiões do país e todas as classes sociais.

Lula, em seu discurso para líderes religiosos, que deveria ter permanecido secreto, confessou todo o pessimismo que o aflige. Pergunta-se a Lula qual notícia boa o governo deu ao país depois da última vitória que consagrou Dilma. Ele diz que perguntou à presidenta e “ela não se lembrava”. Também não se lembravam os senadores, nem os deputados, nem os sindicalistas do PT.

Um governo, disse Lula aos religiosos, que “só sabe dar más notícias” e onde, talvez por isso, existe um grande “mal-humor no país”, em que, diz ele, “nunca vi tanto ódio”.


Criticou Dilma por ter prometido na campanha eleitoral algo que ele considera sagrado: “Nunca vou mexer nos direitos do trabalhadores”. E Dilma, diz Lula, está mexendo. “Disse que não faria cortes e está fazendo”. E por isso, segundo ele, “a oposição a acusa sabiamente de ter mentido”.

O ex-sindicalista reclamou que no Palácio do Planalto agora só entra “gente fina”, enquanto que ele recebia até os “catadores de papel”. E os religiosos presentes ao encontro acusaram o PT de ter abandonado os pobres.

Horas depois de seu discurso, Lula tomou conhecimento da nova pesquisa Datafolha que registrou não apenas a queda na popularidade de Dilma, mas também na dele. Se as eleições fossem realizadas hoje, o oposicionista Aécio Neves, do PSDB, que disputou a Presidência com Dilma no ano passado, ganharia, por exemplo, de Lula por 10 pontos. E isso nunca havia sido visto no país, onde Lula aparecia como ganhador indiscutível em qualquer das disputas e com todos os adversários.

E se o governo e o PT estão no fundo do poço, segundo Lula, também não estão melhores os outros partidos, nos quais não aparece no horizonte uma possibilidade de renovação geracional, com candidatos alternativos à atual política velha, gasta e corrupta. Hoje a sociedade brasileira está mais viva e com vontade de mudança do que o mundo político.

Todos os países passam por crises e ciclos históricos, de decadência ou de glória. O Brasil vive atualmente momentos de forte desencanto, que se traduzem em um aumento visível da violência e da intolerância racial e religiosa, algo inédito até pouco tempo atrás nesse país que, mesmo em seus piores momento, soube ser fiel a sua vocação de “povo cordial e tolerante”.

Muitos me perguntam aqui e na Espanha como e quando vai acabar esse momento difícil de definir, mas que dói na carne para os brasileiros. Nenhum profeta tem a resposta. Talvez, no entanto, não sirvam mais os remendos, os arranjos das crises do passado, os velhos truques de mudar para que tudo continue igual.

Se a crise chegou ou está chegando ao “volume morto”, segundo Lula, a resposta precisa ser radical, talvez dolorosa, mas indispensável: o Brasil precisa mudar, começando pela busca urgente pelos que hoje são conhecidos como “cidadãos globais”, líderes novos, possivelmente jovens, não contaminados com as práticas corruptas da política, capazes de olhar o Brasil e fora dele com o olhar novo de uma sociedade que já não é a de ontem, que cresceu, que pensa e analisa melhor as coisas. E que deseja contar e participar.

O Brasil precisa de mais do que remendos de reformas, iniciar um novo ciclo que ofereça confiança para todos: trabalhadores e empresário, cultos e analfabetos. E, por isso, cortar nove bilhões de reais da Educação parece um crime.

Em sua confissão, Lula propõe como remédio a Dilma para sair de sua situação a antiga fórmula que ele usou para governar e criar consenso. Disse ele: “Política é olhar no olho da pessoa, passar a mão na cabeça, beijar”.

Li em um casamento da classe C, a nova classe média do Brasil, a dois trabalhadores, a frase de Lula, e me comentaram, mexendo a cabeça: “Não, não adianta mais só fazer carinho. Queremos que ofereçam a nossos filhos a possibilidade de serem mais do que nós fomos. E que roubem menos.”

O Brasil tem hoje líderes capazes de falar com linguagem nova à nova classe média oriunda da pobreza, para a qual já não basta mais os abraços e carinhos de Lula?

Juan Arias

Os dois tipos




Só existem dois tipos de ladrão: Os que roubam para viver uma experiência; ou os que roubam para se servir
Donald Sutherland, em Uma saída de mestre

Monólogo do comuna feliz

“Eu sou mais eu. A direita do latifúndio e do imperialismo norte-americano estão massacrando meus ideais, mas eu não ligo. Eu sou mais eu. Eu tenho a linha justa. Eu e meu partido sabemos que sempre houve esta divisão entre oprimidos e opressores, desde que um macaco mais forte explorou macaquinhos, roubando-lhes as bananas. Não me venham com enganações tipo sociedade global, nova era, direitos humanos, esse papo furado. A história é a história da luta de classes – ponto. Nós somos o bem. Nós defendemos os oprimidos, e eles, os opressores. Por isso somos assim: nós e eles.

Estou convencido de que sou superior a esta manada de babacas, burgueses, alienados, como, por exemplo, aquela marcha de 2013, inventada pela CIA e adotada pela ‘elite branca’ que não suporta que os pobres andem de avião.

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Eu sou superior, eu sou um agente da história que marchará com nossos militantes para um futuro cheio de delícias e harmonia, quando distribuiremos toda a produção como me disseram no cursinho do partido: ‘A cada um segundo suas habilidades, a cada um segundo suas necessidades.’ Nunca li Marx, mas sempre soube isso porque não precisei estudar – bastou-me o prefácio de um livro da Academia de Ciências da URRS. Os pobres são puros, e deles emana uma sabedoria que me basta. Por exemplo, pensei muito e digo: qual o problema de roubar, ou melhor, ‘desapropriar’ grana da Petrobras? Esse dinheiro todo servirá para financiar a marcha para o socialismo do século XXI, como batizou o grande Chavez.

Ah, que saudades da republica soviética, quando tudo marchava sob a batuta de Stalin com a produção industrial imensa. Claro que precisava mão de ferro para conseguir isso, e nosso guia o fez. É verdade que muitos reacionários resistiram, como os ‘kulaks’, os camponeses fascistas e sabotadores que queriam impedir a agricultura coletiva. Camponeses reacionários tinham de sumir. Teve de matar uns 20 milhões de ‘alienados’, mas era para o bem... E falam em massacre, violências e outras mumunhas, mas, como disse o traidor Trotsky: ‘Quem foi que disse que a vida humana é sagrada?’. Esta foi a sua única grande frase. O resto é lixo, que nosso Stalin raspou da terra, com a mão sagrada do vingador Ramon Mercader, no México onde Trotsky se gabava de comer a Frida Kahlo. Foi uma bela machadada naquele agente do fascismo.

Agora, vamos combinar que o grande culpado de toda essa provocação que vemos hoje é um nome só: Nikita Kruschev, canalha revisionista que denunciou o que ele chamou de ‘crimes de Stalin’. Foi ali que começou nossa desgraça, piorada pelo maior cão imperialista da CIA: o Gorbachov... Que ‘glasnost’ ou ‘perestroika’ porra nenhuma, aquilo foi uma missão da burguesia internacional. Ainda bem que o grande Putin da KGB está botando a Rússia nos eixos de sua antiga grandeza. Como me alegrei quando Mao Tse Tung proibiu Beethoven na ‘revolução cultural’, declarando: ‘Temos de raspar tudo que a burguesia inventou e começar de novo’.

Ainda bem que o companheiro Osama usou armas dos capitalistas contra eles mesmos... Ah, a beleza das torres caindo em Nova York! Inesquecível.
A única coisa que importa é o controle da sociedade. Temos de tutelá-la. O povo deve ser educado com o mesmo cuidado com que um jardineiro cultiva um pé de alface. Por isso, sabem os militantes como eu, que o Estado tem de ser o centro do amor ao povo que de nada sabe, por isso é belo ver como infiltramos nossos homens no Estado brasileiro. Dizem que são aparelhados, pois são, sim, deles depende nossa marcha para a vitória que almejamos. Muita vezes somos duros, sim, cruéis até, mas não ligamos, porque, como disse nosso grande líder: ‘Compaixão é um sentimento de enfermeiras, assim como a gratidão é uma doença de cachorros’. Aliás, este lero-lero de defender a democracia é só enganação. Democracia é o cacete! Usamos muito essa palavra para disfarçar e atingir nossos planos de, por exemplo, controlar essa mídia reacionária, encanar opositores, assim como nos ensina o grande sucessor de Chavez, dando uma porrada nos senadores de direita que outro dia quiseram invadir a Venezuela, vanguardeira da América Latina. E falam em direitos humanos... Idiotas. Não sabem que o homem novo que estamos forjando não sente falta da individualidade perdida. Eu conheço a beleza, o encanto infinito da servidão, a alegria de pertencer a um partido infalível. Dá um imenso alívio não ter que pensar, só obedecer.

O comunismo, camarada, é o substituto do sonho de ‘imortalidade’ dos cristãos. Comunista não morre; vira um conceito. O homem é um ser social, não é? Pois é – o ser social nunca morre. O indivíduo é uma ilusão que criou essa dor melodramática. Quem morre é pequeno-burguês. Aliás, esses sentimentos burgueses: angústia, medo, fobias, solidão, amor, paixão são bobagens psicológicas de direita que nada explicam dos homens. A verdade revolucionária está nos termos: sectarismo, alienação, aventureirismo, traição, massa atrasada e massa adiantada, revisionismo. Os operários não têm pátria. A nossa revolução é a locomotiva da história. Vamos beijar os seios nus da liberdade e tingir de sangue os lençóis dos traidores neoliberais.

Já antevejo nosso paraíso brasileiro no socialismo do século XXI:

Os grandes festivais de balalaikas russas e de pachangas cubanas, os lindos cantos de hinos sertanejos do MST, todos uniformizados em terninhos vermelhos e enxadas erguidas contra os fascistas da agro-indústria, a paz da ignorância, a visita ao campo dos refugiados burgueses obrigados a cantar a ‘Internacional’ na colheita da soja.

E há o grande, imponente monumento do Homem Novo, uma cópia do ‘David’ de Michelangelo com grande bandeira vermelha, hasteada em seu pênis revolucionário.

E finalmente a visita ao Museu Lula, onde está seu corpo embalsamado para toda a eternidade.”

Marcha a ré para 2022

Por que se preocupar com educação se temos o maior número de celulares por pessoa?

Será que é realmente ao Brasil que a presidente Dilma se refere quando fala em “Pátria educadora”? Vivo pensando nisso, nas noites em que desperto de um sonho que teima em se repetir e no qual, orgulhosos, ultrapassávamos a Finlândia em educação! Acordar entristece, porque a realidade me faz perceber que esse sonho é quase utopia: continuamos entre os últimos dentre os 68 países classificados pela OCDE, entidade que coordena a prova internacional trienal (Pisa), que visa a produzir dados para a melhoria do ensino básico no mundo. O que se busca é verificar até que ponto os países participantes estão preparando seus jovens para o exercício da cidadania.

O Brasil, que participa desde a primeira edição, em 2000, vem registrando resultados desoladores nas áreas avaliadas. Estamos lamentavelmente “entre os piores” em Leitura, Matemática e Ciências! Frente ao quadro, me atormento pensando se sou apenas eu que acha estranho a “Pátria educadora” colocar como meta alcançar a média mínima estabelecida pelo OCDE (6,0) em 2022! Essa média é o parâmetro para que um país figure entre as nações desenvolvidas em termos educacionais. Já foi alcançada pela Finlândia, Coreia, Israel e Alemanha, por exemplo. Mas aqui, na “Pátria educadora”, não temos pressa: 2022! Por quê? Simples. É quando completaremos 200 anos de independência! E, se temos uma data tão linda, ainda que distante, para que correr e tentar superar o passado de derrotas?

A impressão que fica é que as autoridades ou não sabem como fazer, ou não estão realmente interessadas em propiciar cidadania de fato. Para que — se figuramos entre os países cuja população se considera das mais felizes do mundo? Se ficamos em 58º lugar entre 68 países em termos de educação, qual o problema? Afinal, somos campeões em coisas mais importantes: o país com o maior número de celulares por habitante e também um dos mais alegres do mundo! Então, para que bem equipar escolas e qualificar docentes?

Em todo caso, temos oito anos para chegar à meta, o que constitui quase todo o tempo de que uma criança necessita para concluir o ensino fundamental. Estaremos condenando ao fracasso mais uma geração de alunos? Temos a meta, mas e o plano para concretizá-la, onde estará? Deprimente constatar que a “Pátria educadora” se proponha a uma meta tão tímida, e ainda assim demonstre não saber como atingi-la! E, se afinal, lá chegarmos em 2022, onde estarão as nações que hoje estão nesse mítico patamar? Muito além. Esse 6,0 significa que o país terá atingido, até lá, um nível médio de proficiência e rendimento. Ainda que atrasados, teríamos progredido, porém.

No entanto, pelo andar da carruagem, indefinidos ainda em relação ao “que fazer” para sair do buraco em que a Educação está, é bem provável que nem lá cheguemos. Essa afirmativa nada tem de derrotismo. É fato: em 2012, o desempenho do Brasil em Leitura piorou! Fizemos 410 pontos, dois a menos que em 2009 — o que significa, pasmem, ficar 86 pontos abaixo da média dos países da OCDE. Resta saber em que direção estamos caminhando realmente...
Tania Zagury 

O grande sinal

(Num Estado corrupto) o sinal mais visível da corrupção é o medo àqueles a quem persegue e o ódio que lhes devotam
Bernard Mallamud

Terra entrou em novo período de extinção em massa


A Terra entrou em um novo período de extinção em massa, de acordo com um estudo feito por três universidades americanas. E os humanos podem estar entre as primeiras vítimas.

A pesquisa, feita por cientistas das universidade de Stanford, Princeton e Berkeley, diz que os vertebrados estão desaparecendo a uma taxa 114 vezes mais rápida que o normal.

A descoberta confirma os resultados de um estudo publicado pela Universidade de Duke no ano passado.

"Estamos entrando agora no sexto grande período de extinção em massa", disse um dos autores do novo estudo.

O último desses períodos ocorreu há 65 milhões de anos, quando os dinossauros foram extintos, provavelmente devido a um grande meteoro que atingiu a Terra.
"Se for permitido que isso continue, a vida vai levar milhões de anos para se recuperar e nossa própria espécie provavelmente desapareceria logo no início", disse o autor principal, Gerardo Cabellos.

Os pesquisadores analisaram, historicamente, as taxas de extinção de vertebrados - animais com espinha dorsal - por meio de dados de fósseis.

Eles descobriram que a taxa de extinção atual era mais que 100 vezes mais alta que em períodos em que a Terra não estava passando por um evento de extinção em massa.

Desde 1900, segundo o relatório, mais de 400 vertebrados desapareceram.

Uma perda desta magnitude normalmente seria vista em um período de até 10 mil anos, segundo os cientistas.

Lições de 50 anos atrás

“Chegamos à estranha situação de que, no governo, os que decidem não são votados, e os que são votados não decidem”.

Tome-se a presidente Dilma, reeleita em outubro passado. Entregou a economia a um banqueiro cujas iniciativas jamais foram referidas nos palanques onde Madame garantiu seu segundo mandato.

“O governo demonstra renitente e impenitente incapacidade para compreender os problemas políticos revelados pelos que se supõem capazes de resolvê-los”.

Nada se ajusta mais a essa sentença do que a aceitação, pela presidente Dilma, da redução de direitos trabalhistas adotada faz pouco, decisão rejeitada por todas as centrais sindicais e mais a torcida do Flamengo.

“Todos reconhecem em V. Excia uma liderança de qualidades excepcionais, que exerce extraordinária influência nas bases do partido, mas os processos dialéticos destrutivos que costuma empregar contra seus adversários não podem ser aplicados contra seus próprios companheiros”.

Essa análise serve, sem tirar nem pôr aos comentários do Lula em recente reunião com religiosos, quando demoliu a sucessora de forma inapelável. O ex-presidente utiliza sua óbvia liderança para destruir o governo atual.

“Jamais se viu tamanho libelo infamatório contra a representação do próprio partido”.

De novo o comentário aplica-se ao Lula, e também a Dilma, quando sufocaram a indignação dos companheiros frente à política econômica, na recente reunião do V congresso nacional do PT.

“O governo tornou-se impopular este ano. Será popular quando vierem as eleições?”

A indagação atinge a presidente e seu antecessor por conta das recentes pesquisas que só indicam queda vertiginosa em seus índices de aprovação.

Poderemos acrescentar a esse elenco de frases aspeadas muitas outras de igual atualidade, como : “Candidato invencível para uma eleição que não vai haver…”; “a ovelha negra não faz parte do rebanho”; “assistimos a um romance de amor e de ódio”; “o bom senso, que lhe falta, e a inteligência, que lhe sobra”; “entrega um passaporte para o desconhecido”; “vendo antes, dou a impressão errônea de ver demais”…

Fomos encontrar a autoria de todos esses vaticínios e críticas entre aspas, formulados há exatamente 50 anos, em 1965, na correspondência enviada por Carlos Lacerda ao presidente Castello Branco, quando o então governador da Guanabara tentava salvar sua candidatura presidencial, logo depois atropelada inexoravelmente pelo golpe militar. Aqui para nós, nada como o passado para nos orientar, porque se ele não nos diz o que fazer, aponta com rara precisão o que evitar…

Estamos bombando

Jornalismo amestrado

Sou do tempo em que pet era bicho de estimação e treinador pessoal de ginástica não era identificado pelo inculto neologismo “personal”, com acento incorreto na última sílaba. As duas designações são úteis para ilustrar a atividade que ainda atende pelo nome de jornalismo no Brasil. 

Um jornalista nova-iorquino decidiu passar este ano auscultando sua profissão. O resultado é uma série de três longos artigos na New York Review of Books, o último a ser publicado no segundo semestre. Li os dois primeiros como os frequentadores de igrejas de gospel afro-americano, que interrompem o sermão com interjeições. Para quem lê em inglês, recomendo enfaticamente a leitura.

Como aperitivo, ofereço algumas considerações feitas pelo excelente Michael Massing em sua série sobre jornalismo digital. É frequente, nos debates coalhados de clichês como “ruptura” e “viral”, discutir-se modelos de negócio, soluções técnicas mas, enquanto vemos o florescimento de uma segunda geração de publicações digitais, pouco se discute sobre o impacto real da tecnologia na forma de fazer jornalismo. Além disso, o jornalismo online, cada vez mais influente, não enfrenta avaliação de qualidade como a impropriamente chamada mídia tradicional. Até o termo inglês para designar organizações como o New York Times – legacy media – mídia de legado, sugere descompromisso dos novos concorrentes com a continuidade.


Depois de passar meses imerso nos websites do jornalismo americano, Massing saiu com uma conclusão que endosso: reina a caretice e a falta de imaginação. A tal da ruptura se reflete em publicações extintas, desemprego, redução gradual do papel mas não em ousadia para reinventar o jornalismo num novo ecossistema. Os exemplos apresentados são expressivos: O Huffington Post, que acaba de completar dez anos, já passou por várias encarnações, desde que decolou surrupiando conteúdo dos outros e empregando blogueiros não remunerados. Mesmo depois da venda para a AOL por inexplicáveis US$ 315 milhões em 2011, a publicação hoje multinacional batizada com o nome do ex-marido de Arianna Stassinopoulos, continua oscilando entre a boa reportagem tradicional e o besteirol de celebridades. 

O cenário muda de tom mas a falta de criatividade é a mesma em contemporâneos que resistem, como Slate, Salon e The Daily Beast, praticantes, como bem lembra Massing, de um jornalismo opinativo e do contra, do tipo “Saiba como o ajuste fiscal vai gerar empregos.” 

E a garotada da segunda geração digital? Igualmente careta. O queridinho das estatísticas, o jornalista Nate Silver, saiu do New York Times para criar seu próprio site FiveThirtyEight, o mais conhecido entre os que usam números para compor narrativas. Sua contribuição recente para resolver as mazelas da Fifa foi resumida pelo economista de uma universidade nova-iorquina como “uma peça que ilustra como boas estatísticas e desconhecimento da história produzem resultados inúteis.”


O campeão em viralidade Buzzfeed, responsável, em fevereiro, pelo desperdício planetário de tempo com o debate da cor do vestido, emprega cada vez mais jornalistas. Mas, para ler uma cobertura exclusiva sobre a guerra na Ucrânia, o leitor tem que atravessar um monte de lixo como “21 celebridades que confirmam que os canhotos são muito mais sensuais.” O Buzzfeed tem um “editor de animais”, sim, um curador de focas amestradas.

O que mais têm em comum a primeira e a segunda geração do jornalismo digital? Raramente dão furos, influenciam debates ou iniciam um novo diálogo sobre um tema.

Já o New York Times nos brindou no fim de semana com uma reportagem assinada por múltiplos jornalistas que é um primor de renovação de linguagem e uso de multimídia. O jornal contou a evolução e o impacto do Seal Team 6, a unidade secreta de elite celebrizada por matar Osama bin Laden. O provectoWashington Post, vitaminado pelo novo dono Jeff Bezos, hoje dá banho na turma da ruptura, incorporando nova mídia com criatividade e pregando sustos no establishment político em Washington.

Não se trata de saudosismo. Michael Massing argumenta que a mídia digital é território fértil para conteúdo investigativo e de profundidade, com seu poder de atualizar informação e interligar fontes. Mas mesmo novos sites de chamado jornalismo long form, de textos longos, não se firmam. É o Guardian britânico que muda a história ao revelar Edward Snowden para o mundo.
Nos anos 70, o Brasil tinha uma taxa de analfabetismo de 33% e era rapidamente unificado por uma televisão com padrões visuais norte-americanos. Gilberto Braga certa vez comentou comigo que, por causa da novela das 8, as domésticas brasileiras passaram a ter “uma relação” em vez de namorado. Sem que tenhamos nos tornado a pátria educadora de fato, o brasileiro hoje é o maior consumidor mundial de “notícias” via Facebook. Se o jornalismo americano pegou uma gripe, o brasileiro pegou pneumonia.

O preço do diabo

 No "Primeiro Livro de Leitura", que era adotado nos cursos fundamentais de antigamente, havia um texto em que o Diabo compraria a alma de um homem, desde que o cara fizesse uma das três opções que ofereceu: matar a mãe, violentar a irmã ou tornar-se bêbado permanente. Em troca, teria tudo o que desejasse. O cara aceitou a última opção: embriagou-se, matou a mãe, estuprou a irmã e foi parar no inferno.

Nos dias de hoje, a proposta do diabo seria atualizada: ele daria tudo a quem entrasse na política partidária. O sujeito perguntaria: "Serve o PT?". O Pai das Trevas rejubilou-se: "É o melhor". O sujeito fez todas as misérias pretendidas e o demônio levou a alma do desgraçado.


Evidente que a história foi inventada por alguém que queria acabar com as misérias do mundo e dos homens. Daí que continua atual. A vida política equivale a um vício que faz qualquer um fazer todas as misérias possíveis, desde que obtenha algum lucro político ou pessoal.

Bem verdade que qualquer partido serviria para negociar sua alma. No entanto, no panorama atual, e se o demônio estiver por dentro da realidade brasileira, qualquer partido, uns mais que os outros, serviria para a troca pretendida. Ao contrário de Fausto, que desejava a juventude eterna, e de quebra o amor de alguma Margarida disponível ou não, o profissional que se entrega incondicionalmente a um partido despreza a juventude eterna mas não despreza as Margaridas que lhe são oferecidas.

Na perturbadora realidade do nosso tempo, a solução que mais agradaria ao diabo seria o PT. Por várias e ostensivas razões, principalmente os últimos escândalos que envergonham o Brasil e cada um de nós. Material de troca não falta. Todos temos mães e irmãs, umas pelas outras, expostas a qualquer sacrifício pelo bem da pátria, ou ao menos, para o bem da família.