Taipé (Taiwan) |
sábado, 20 de janeiro de 2018
Sobre culpas e omissões
As crises na segurança pública repetem-se periodicamente no Brasil. Ainda que os índices melhorem aqui e ali, em 2016, por exemplo, registraram-se quase 70 mil mortes por homicídio e latrocínio no País. Rebeliões em presídios são recorrentes. Greves de policiais também, assim como o pedido de participação das Forças Armadas na segurança dos Estados.
A sequência de eventos, que só pioram a cada ano, alimenta o debate sobre de quem seria a culpa por esta situação. União e Estados acusam-se mutuamente. Já especialistas dizem que ambos erram, ou seja, a responsabilidade seria de todos. É verdade. A culpa é de todos, e não só dos Estados e da União. A culpa também é, portanto, das elites brasileiras, que tratam o tema de forma episódica.
Quem pode contrata segurança privada e usa carro blindado. Quem não pode sofre. E o tema não chega às mesas de decisão por indiferença das elites e omissão da classe política. As próprias categorias profissionais envolvidas em geral só se mobilizam para tratar de interesses da corporação, pouco contribuindo para o aprimoramento das políticas de segurança no País. Só em Brasília, mais de dez delegados de polícia devem se candidatar a deputado distrital e federal neste ano. A agenda preferencial, porém, é equiparar salários com a Polícia Federal, e não melhorar a segurança pública.
Ao permitirem que o corporativismo prevaleça sobre as agendas do bem comum, nossas elites assumem culpa grotesca. Semelhante à culpa das elites venezuelanas, que fracassaram e deixaram o país chegar às mãos de Hugo Chávez. A Venezuela paga até hoje pela omissão das elites. Quando o Brasil flerta com Jair Bolsonaro, está trilhando um caminho semelhante ao percorrido pelo país vizinho.
Paradoxalmente, temos uma imensa responsabilidade e um cuidado extremo com o sistema financeiro. Nosso Banco Central é um dos melhores do mundo, assim como o sistema adotado é um dos mais lucrativos e seguros do planeta. Caso levássemos para a segurança pública 30% da competência aplicada às finanças, a situação no País seria muito melhor.
Nossas elites se omitem quando não percebem o dano que a insegurança pública causa à economia. Nosso turismo é ridículo perto de nossas potencialidades. Pessoas deixam de sair de casa por medo de assalto. Empresários dos ramos relacionados ao turismo deveriam ser os primeiros a se mobilizar para melhorar a segurança no Rio de Janeiro, por exemplo.
Existem ainda duas tradições gravíssimas: a apologia da cultura do crime e a criminalização da atividade policial. O policial, em princípio, é considerado um problema, até que se precise dele. Há um enorme preconceito, em especial em relação à Polícia Militar. É verdade que quase todos os dias se noticiam mortes acidentais de cidadãos por causa de confrontos com policiais, mas desqualificar a atividade é ser contra o Estado de Direito.
As autoridades tampouco cumprem o seu papel. A polícia prende, a Justiça solta. E milhares de presos aguardam julgamento há anos: em um terço das prisões 60% dos presos estão nessa situação. E não há a devida indignação a esse respeito. O debate é enviesado, como no recente episódio do indulto de Natal.
A distribuição de salários dentro do sistema é absolutamente desproporcional. Compare-se o salário médio de um policial militar com o de um promotor. O Ministério Público, como defensor da sociedade, deveria ser mais atuante no que diz respeito a essas distorções. Verbas postas à disposição pelo governo federal não são usadas pelos Estados por falta de planejamento e excesso de burocracia. Apenas 4% dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional foram utilizados em 2016. É incrível a omissão e incompetência dos Estados, que não sabem administrar seus respectivos sistemas prisionais nem sequer utilizar as verbas federais disponíveis para a segurança pública.
A Força Nacional, cuja concepção é muito boa para a nossa realidade, carece de recursos, de pessoal e de maior institucionalização. Iniciativa para melhorar esse quadro foi arquivada pelo Congresso. Tampouco há investimento significativo no sistema de inteligência, apesar de avanços recentes, com maior engajamento dos serviços de inteligência das Forças Armadas e da Polícia Federal no combate ao crime organizado.
O Congresso demora a dar a devida resposta à questão. Temos iniciativas que deveriam ser postas em votação, como a proposta de emenda constitucional que estabelece para a segurança pública competência comum da União, de Estados e municípios. Deveríamos refletir sobre a unificação das Polícias Militar e Civil. Outra iniciativa é a criação de um sistema único de segurança pública, nos moldes do SUS, que integraria políticas, recursos e ações sob a supervisão do Ministério da Justiça ou de um Ministério da Segurança Pública. Tais propostas tramitam lentamente.
Devemos ir além e envolver municípios e comunidades em iniciativas como as que se veem, por exemplo, no Chile. Destaco a Segurança Ciudadana da Municipalidad de las Condes, que recentemente começou a utilizar drones para ampliar a vigilância da região. O desperdício de recursos do Fundo Penitenciário Nacional é uma prova de que não falta dinheiro. O que falta é planejamento e vontade política. Mas falta, sobretudo, participação da sociedade civil no debate e na alocação das verbas tanto da segurança pública quanto das Forças Armadas.
Vivemos tempos de guerra civil. E não é de hoje. Na guerra civil da Síria morreram, em 2016, cerca de 60 mil pessoas, menos do que no Brasil no mesmo período. A imagem das balas traçantes nos morros do Rio na virada do ano nos remete à guerra que estamos vivendo. E combatê-la é responsabilidade de todos. A questão, sob todos os pontos de vista – cultural, econômico, social e político –, até hoje não foi tratada com a prioridade que a cidadania merece.
A sequência de eventos, que só pioram a cada ano, alimenta o debate sobre de quem seria a culpa por esta situação. União e Estados acusam-se mutuamente. Já especialistas dizem que ambos erram, ou seja, a responsabilidade seria de todos. É verdade. A culpa é de todos, e não só dos Estados e da União. A culpa também é, portanto, das elites brasileiras, que tratam o tema de forma episódica.
Ao permitirem que o corporativismo prevaleça sobre as agendas do bem comum, nossas elites assumem culpa grotesca. Semelhante à culpa das elites venezuelanas, que fracassaram e deixaram o país chegar às mãos de Hugo Chávez. A Venezuela paga até hoje pela omissão das elites. Quando o Brasil flerta com Jair Bolsonaro, está trilhando um caminho semelhante ao percorrido pelo país vizinho.
Paradoxalmente, temos uma imensa responsabilidade e um cuidado extremo com o sistema financeiro. Nosso Banco Central é um dos melhores do mundo, assim como o sistema adotado é um dos mais lucrativos e seguros do planeta. Caso levássemos para a segurança pública 30% da competência aplicada às finanças, a situação no País seria muito melhor.
Nossas elites se omitem quando não percebem o dano que a insegurança pública causa à economia. Nosso turismo é ridículo perto de nossas potencialidades. Pessoas deixam de sair de casa por medo de assalto. Empresários dos ramos relacionados ao turismo deveriam ser os primeiros a se mobilizar para melhorar a segurança no Rio de Janeiro, por exemplo.
Existem ainda duas tradições gravíssimas: a apologia da cultura do crime e a criminalização da atividade policial. O policial, em princípio, é considerado um problema, até que se precise dele. Há um enorme preconceito, em especial em relação à Polícia Militar. É verdade que quase todos os dias se noticiam mortes acidentais de cidadãos por causa de confrontos com policiais, mas desqualificar a atividade é ser contra o Estado de Direito.
As autoridades tampouco cumprem o seu papel. A polícia prende, a Justiça solta. E milhares de presos aguardam julgamento há anos: em um terço das prisões 60% dos presos estão nessa situação. E não há a devida indignação a esse respeito. O debate é enviesado, como no recente episódio do indulto de Natal.
A distribuição de salários dentro do sistema é absolutamente desproporcional. Compare-se o salário médio de um policial militar com o de um promotor. O Ministério Público, como defensor da sociedade, deveria ser mais atuante no que diz respeito a essas distorções. Verbas postas à disposição pelo governo federal não são usadas pelos Estados por falta de planejamento e excesso de burocracia. Apenas 4% dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional foram utilizados em 2016. É incrível a omissão e incompetência dos Estados, que não sabem administrar seus respectivos sistemas prisionais nem sequer utilizar as verbas federais disponíveis para a segurança pública.
A Força Nacional, cuja concepção é muito boa para a nossa realidade, carece de recursos, de pessoal e de maior institucionalização. Iniciativa para melhorar esse quadro foi arquivada pelo Congresso. Tampouco há investimento significativo no sistema de inteligência, apesar de avanços recentes, com maior engajamento dos serviços de inteligência das Forças Armadas e da Polícia Federal no combate ao crime organizado.
O Congresso demora a dar a devida resposta à questão. Temos iniciativas que deveriam ser postas em votação, como a proposta de emenda constitucional que estabelece para a segurança pública competência comum da União, de Estados e municípios. Deveríamos refletir sobre a unificação das Polícias Militar e Civil. Outra iniciativa é a criação de um sistema único de segurança pública, nos moldes do SUS, que integraria políticas, recursos e ações sob a supervisão do Ministério da Justiça ou de um Ministério da Segurança Pública. Tais propostas tramitam lentamente.
Devemos ir além e envolver municípios e comunidades em iniciativas como as que se veem, por exemplo, no Chile. Destaco a Segurança Ciudadana da Municipalidad de las Condes, que recentemente começou a utilizar drones para ampliar a vigilância da região. O desperdício de recursos do Fundo Penitenciário Nacional é uma prova de que não falta dinheiro. O que falta é planejamento e vontade política. Mas falta, sobretudo, participação da sociedade civil no debate e na alocação das verbas tanto da segurança pública quanto das Forças Armadas.
Vivemos tempos de guerra civil. E não é de hoje. Na guerra civil da Síria morreram, em 2016, cerca de 60 mil pessoas, menos do que no Brasil no mesmo período. A imagem das balas traçantes nos morros do Rio na virada do ano nos remete à guerra que estamos vivendo. E combatê-la é responsabilidade de todos. A questão, sob todos os pontos de vista – cultural, econômico, social e político –, até hoje não foi tratada com a prioridade que a cidadania merece.
Quem quer Lula
Está quase lá: mais uns poucos dias e vamos saber se a sentença que condenou o ex-presidente Lula a nove anos e tanto de cadeia por corrupção será confirmada, ou não, no tribunal superior para o qual ele apelou. Com isso vai se encerrar, enfim, o segundo ato desta comédia infeliz. Ela vai continuar, é claro, mas terá tudo para ir ficando cada vez mais rala, daqui para a frente, se a condenação for confirmada por unanimidade — e se, por conta disso, Lula não for candidato à Presidência da República em 2018. O público vai começar a sair da sala, pouca gente estará realmente prestando atenção no que os personagens falam no palco e, de mais a mais, o espetáculo que de fato interessa — quem será o próximo presidente — estará sendo apresentado em outro lugar. Se o ex-presidente sair do jogo, nos termos do que manda a lei, o Brasil terá uma excelente oportunidade para tornar-se um país melhor do que é. Ao mesmo tempo, será dado mais um passo no desmanche da maior obra de empulhação já montada até hoje na história política deste país.
Essa farsa, em exibição há anos, se deve à seguinte realidade: nada do que existe em relação a Lula é genuíno, verdadeiro ou sincero. Lula se apresenta como um operário, mas já passou dos 70 anos de idade e não trabalha desde os 29. Representa o papel de maior líder de massas da história do Brasil, mas não pode sair à rua há anos, com medo de ser escorraçado a vaias, ou coisa pior. O “irmão” do brasileiro pobre é um milionário — e, como diz a líder de um partido rival de extrema esquerda, ninguém pode ser metalúrgico e milionário ao mesmo tempo. Vive denunciando as diferenças entre ricos e pobres, mas nenhum presidente brasileiro enriqueceu tanto os ricos quanto Lula — e justo aqueles que tiram suas fortunas diretamente do Tesouro Nacional. Os pobres ficaram com o Bolsa Família. A Odebrecht ficou com as refinarias, os “complexos” petroquímicos, os estádios da Copa do Mundo, os portos em Cuba.
Chegaram, neste fim de feira, a chamá-lo de “Nelson Mandela” — imaginem só, Nelson Mandela, que ficou 27 anos preso por ser negro e pedir a igualdade racial em seu país, e não por ter sido condenado como ladrão num processo absolutamente legal. Mandela não teve advogados milionários, nem recursos no TRF4, nem a paciência do juiz Sergio Moro, nem liberdade para ameaçar, pressionar e insultar a Justiça. Não teve acenos de prisão domiciliar e “regime semiaberto”. Mais do que tudo, talvez, Lula foi santificado como o homem mais importante do Brasil nos últimos 500 anos. Criou-se a fábula de que tudo depende dele, a começar pelo futuro de cada brasileiro. Nada se pode fazer sem Lula. Lula vale mais que todos e que tudo. O Brasil não pode existir sem Lula.
Tudo isso é uma completa falsificação — e é por isso, justamente, que as atuais desgraças de Lula na Justiça não estão provocando nenhum terremoto na vida nacional, e sim um final de história barateado pela decadência, rancor e mesquinharia. A verdade, em português claro, é que o Brasil não precisa de Lula. Se cair fora da vida política mais próxima, não fará falta nenhuma. Não há no Brasil de hoje um único problema concreto que Lula possa ajudar a resolver — você seria capaz de citar algum? É verdade que sábios de primeiríssima linha, cientistas políticos, “formadores de opinião” etc. têm se mostrado aflitos com a possível “ausência” de Lula da lista de candidatos — nas suas angústias, acham que isso seria desagradável para a imagem de pureza que caracteriza nossas eleições através do mundo. Mas é uma alucinação: se Lula ficar fora, será porque a lei assim determinou, e ponto-final. Isso apenas mostra a imensa dificuldade que a melhor elite brasileira, até ela, tem para aceitar a ideia de que a sociedade deste país só valerá alguma coisa quando viver sob o império da lei.
Quem precisa de Lula não é a lisura das eleições nem o povo brasileiro. São as empreiteiras de obras públicas. São os que esperam por novas refinarias Abreu e Lima. São os vendedores de sondas ou plataformas para a Petrobras. São os operadores de fundos de pensão das estatais. São os marqueteiros milionários. São os Renan Calheiros, e os Jarbas Barbalhos, e os Sarneys. É a diretorzada velha da Petrobras — gente que não vacilou em meter a mão no bolso e devolver 80 milhões de dólares em dinheiro roubado da empresa. São os Odebrechts, os Joesleys, os Eikes.
Quem precisa mais de Lula — o homem que no dia seguinte ao do julgamento estará às 4 da manhã na fila do ônibus? Ou essa gente aí?
Essa farsa, em exibição há anos, se deve à seguinte realidade: nada do que existe em relação a Lula é genuíno, verdadeiro ou sincero. Lula se apresenta como um operário, mas já passou dos 70 anos de idade e não trabalha desde os 29. Representa o papel de maior líder de massas da história do Brasil, mas não pode sair à rua há anos, com medo de ser escorraçado a vaias, ou coisa pior. O “irmão” do brasileiro pobre é um milionário — e, como diz a líder de um partido rival de extrema esquerda, ninguém pode ser metalúrgico e milionário ao mesmo tempo. Vive denunciando as diferenças entre ricos e pobres, mas nenhum presidente brasileiro enriqueceu tanto os ricos quanto Lula — e justo aqueles que tiram suas fortunas diretamente do Tesouro Nacional. Os pobres ficaram com o Bolsa Família. A Odebrecht ficou com as refinarias, os “complexos” petroquímicos, os estádios da Copa do Mundo, os portos em Cuba.
Chegaram, neste fim de feira, a chamá-lo de “Nelson Mandela” — imaginem só, Nelson Mandela, que ficou 27 anos preso por ser negro e pedir a igualdade racial em seu país, e não por ter sido condenado como ladrão num processo absolutamente legal. Mandela não teve advogados milionários, nem recursos no TRF4, nem a paciência do juiz Sergio Moro, nem liberdade para ameaçar, pressionar e insultar a Justiça. Não teve acenos de prisão domiciliar e “regime semiaberto”. Mais do que tudo, talvez, Lula foi santificado como o homem mais importante do Brasil nos últimos 500 anos. Criou-se a fábula de que tudo depende dele, a começar pelo futuro de cada brasileiro. Nada se pode fazer sem Lula. Lula vale mais que todos e que tudo. O Brasil não pode existir sem Lula.
Tudo isso é uma completa falsificação — e é por isso, justamente, que as atuais desgraças de Lula na Justiça não estão provocando nenhum terremoto na vida nacional, e sim um final de história barateado pela decadência, rancor e mesquinharia. A verdade, em português claro, é que o Brasil não precisa de Lula. Se cair fora da vida política mais próxima, não fará falta nenhuma. Não há no Brasil de hoje um único problema concreto que Lula possa ajudar a resolver — você seria capaz de citar algum? É verdade que sábios de primeiríssima linha, cientistas políticos, “formadores de opinião” etc. têm se mostrado aflitos com a possível “ausência” de Lula da lista de candidatos — nas suas angústias, acham que isso seria desagradável para a imagem de pureza que caracteriza nossas eleições através do mundo. Mas é uma alucinação: se Lula ficar fora, será porque a lei assim determinou, e ponto-final. Isso apenas mostra a imensa dificuldade que a melhor elite brasileira, até ela, tem para aceitar a ideia de que a sociedade deste país só valerá alguma coisa quando viver sob o império da lei.
Quem precisa de Lula não é a lisura das eleições nem o povo brasileiro. São as empreiteiras de obras públicas. São os que esperam por novas refinarias Abreu e Lima. São os vendedores de sondas ou plataformas para a Petrobras. São os operadores de fundos de pensão das estatais. São os marqueteiros milionários. São os Renan Calheiros, e os Jarbas Barbalhos, e os Sarneys. É a diretorzada velha da Petrobras — gente que não vacilou em meter a mão no bolso e devolver 80 milhões de dólares em dinheiro roubado da empresa. São os Odebrechts, os Joesleys, os Eikes.
Quem precisa mais de Lula — o homem que no dia seguinte ao do julgamento estará às 4 da manhã na fila do ônibus? Ou essa gente aí?
Primeiro, estranha-se; depois, estranha-se
A Suécia não tem graça. Coisa modorrenta assolada por paisagens de quebra-cabeças com castelos e lagos; mesmice iluminada por Ingrid, dirigida pelo grande Ingmar e musicada pelo ABBA (com uma das dicções mais perfeitas do inglês); sem-gracice de um país sem sol onde o sol nasce para todos; aquele tédio de nações sem corrupção, sem selvageria urbana, sem balas perdidas encontradas em corpos de inocentes, sem analfabetos nem desdentados. Acabo de ler “Um País Sem Excelências e Mordomias” (Geração Editorial, 336 páginas, 2014), da jornalista brasileira Claudia Wallin, que mora lá há um tempão. O livro é consistente e, para analisar a robustez da democracia e da cidadania na belíssima Suécia, faz uma retrospectiva sobre a passagem do poder da monarquia para a sociedade na figura do parlamento. Há pouco mais de 100 anos, o país era tão animado quanto o Brasil, sem sol nascendo para todos e nem cantava “The Winner Takes it All”, mas compensava tudo com a corrupção generalizada, baixa educação da população e alta criminalidade, o que a tornava um dos países mais atrasados da Europa.
Os suecos são gente como a gente; mas, sem a desgraça de contar com um salvador Lula da Silva para tirar da miséria sua população e ainda transformá-la quase inteiramente “nazelite” de olho azul abrigada numa das democracias mais aborrecidamente sólidas do mundo, tiveram de apelar. Assim, a soteriologia sueca apostou em educação e pesquisa, em princípios econômicos liberais, na aplicação das leis segundo elas mesmas, no aperfeiçoamento de suas instituições com uma cultura que desestimula privilégios de tal forma que políticos e magistrados usam transporte público ou os próprios carros sem auxílio-gasolina. O Estado concede imóveis funcionais, mas apenas para o ocupante do cargo público; se ele trouxer o cônjuge, este tem de pagar a metade correspondente ao valor de mercado do aluguel.
Mas quem pensa que o Brasil não tem jeito não sabe que isso aqui está assim “ó” de brasileiros, gente que não desiste nunca: o salvador Lula não deu certo? Pois há viveiros de heróis no Judiciário, no Ministério Público, no showbiss e até na política sob medida para nosso puerilismo patológico. Agora mesmo, depois de quieto enquanto o Brasil padecia sob vexames como Aloizio Mercadante que, no Ministério da Educação, ensinava que museu nada tem a ver com educação, o Judiciário descobre que pessoas “sem currículo compatível com a tarefa” não podem ser ministros. Piadas cansadas simulando análises sobre Temer insistir na prerrogativa de errar, ainda que erre em favor do bem maior que é a reforma da previdência, não enxergam e/ou omitem a marcha insana do Judiciário em decidir que Temer não governará enquanto a reforma da previdência estiver no horizonte. Ela também motiva a liminar contra a privatização da Eletrobras, concedida para desgastar o governo. A pátria dos nacionalistas-corporativistas não é o Brasil, mas a privilegiatura camuflada num discurso mofado de nacionalismo politiqueiro. Críticos a isso são promovidos a defensores-de-bandido, anticristos legalistas. Estes, os argumentos mais maduros. Os demais, arremessados por seguidores das igrejinhas erguidas por radicaloides à direita e à esquerda para serem glorificados, xingam e tentam intimidar.
Ah, se os companheiros Deltan Dallagnol e Carlos Fernando conhecessem o Twitter naquela época em que deixavam Lula e Dilma desgovernarem! Mas salvadores estão na hora e no lugar certo que eles escolhem, assim o impeachment de Dilma levou os procuradores foratemeristas a matar o empregão para nos atualizar, via redessociolândia, sobre os crimes de toda essa gente que sucedeu a súcia-salvadora e que tenta destruir a Lava Jato, ao passo que a própria, estranhamente, não incomoda a mãe de Pasadena e mantém solto o criador do petrolão que, em troca, atacam a Justiça. Enquanto os procuradores silenciam sobre a escalada dos ataques ao juiz Moro e aos desembargadores do TRF-4, o procurador-tuiteiro Helio Telho adicionou ao berreiro contra a reforma da previdência o vídeo em que Gilmar Mendes é hostilizado em Portugal. Porque uma coisa é atacar Moro e outra completamente idêntica é atacar Mendes: o silêncio e o barulho estranhos dos procuradores e os ataques aos dois magistrados aviltam o estado de direito democrático. Em países estranhos, muita gente acha que ele só serve para proteger bandidos, quando, na verdade, estes são protegidos se ele for extinto.
Mendes é execrado por juízes/MPF em razão do anticorporativismo que reafirmou numa entrevista ao site CONJUR explicando a inconstitucionalidade da liminar de 2014 do ministro Fux que concedeu auxílio-moradia a juízes e procuradores mesmo que tenham residência própria e trabalhem onde residem. Nessa nova hemorragia, o orvalho sangrante da privilegiatura já drenou quase R$ 5 bilhões que o Brasil não tem. Se as decisões de Moro e Mendes fossem explicadas por jornalistas e demais formadores de opinião, os ataques talvez se diluíssem, dando uma chance à racionalidade; perigo afastado cotidianamente. De todo modo, o senso de justiça ─ com toda sua carga de subjetividade ─ não se satisfaz com esclarecimentos técnicos, isso é natural, e é um direito de todo cidadão não gostar de decisões jurídicas e pressionar juízes (que devem cumprir sua obrigação de não ceder); bom seria fazê-lo com civilidade, mas nem o que houve com Mendes em Lisboa nem o que os petistas fazem contra Moro é positivo.
Lula permaneceu livre pelas “medidas menos gravosas” do juiz Moro que, quando o condenou, admitiu ser cabível a prisão preventiva; entretanto, para “evitar traumas decorrentes da prisão de um ex-presidente”, preferiu deixá-lo solto. “Certos traumas” é figura jurídica inexistente que adensou a aura de intocável de Lula e nutriu a insânia de sua grei fanática. Falo com todo o respeito a Moro, que já fez um trabalho admirável pelo bem do Brasil, mas falo também com a frustração de uma brasileira que sonha com o sol e a lei nascendo para todos neste país que a gente primeiro estranha e, depois, estranha: quem, no lugar de Lula, ainda estaria solto? Não reduzo Moro a herói, eu o vejo como um homem íntegro passível de erros como qualquer pessoa. E acho que ele errou nesse estranho xadrez que poupa o rei. Também Mendes erra quando, por exemplo, não se declara impedido em determinados casos, mas acerta quando não cede à ideia absurda de que juiz tem de ser um fofo que ouve as ruas. Tem nada! Não por soberba, mas porque Thomas Hobbes merece uma chance mesmo num país estranho.
“Currículo incompatível com a tarefa” não está na lei, mas a isso se dá um jeito no país do jeitinho. A nação do futuro roubado por Lula que continuará solto não perde tempo com leis e isolou o mal: a fábrica de habeas corpus cujos críticos não conseguem demonstrar quais dispositivos legais viola. Desnecessário: se não foi o Ministro Barroso quem soltou ─ né, Pizzolato? ─, está errado. Ademais, aonde chegaremos com essa frescura de leis? Em 100 anos, talvez à Escandinávia, aquela sem-gracice. Nada disso, a ideia é limpar o Brasil, a Suécia levou tanto tempo porque não tem Twitter nem o jeitinho brasileiro.
Não compreendo o Brasil que, ansiando pelo novo e por limpeza, atrela-se a duas versões do atraso sujas de primitivismo e que repelem reformas; uma é o pai do petrolão; a outra, um mito radicaloide só visível em tempos desoladores. Antes de chegarmos a outubro, todos os oráculos juram que nossos salvadores dão expediente no TRF-4. Com salários de até R$270 mil, segundo dados oficiais, não querem nem ouvir falar em reformar a previdência. Tem salvação um país que sustenta salvadores a esse preço?
Os suecos são gente como a gente; mas, sem a desgraça de contar com um salvador Lula da Silva para tirar da miséria sua população e ainda transformá-la quase inteiramente “nazelite” de olho azul abrigada numa das democracias mais aborrecidamente sólidas do mundo, tiveram de apelar. Assim, a soteriologia sueca apostou em educação e pesquisa, em princípios econômicos liberais, na aplicação das leis segundo elas mesmas, no aperfeiçoamento de suas instituições com uma cultura que desestimula privilégios de tal forma que políticos e magistrados usam transporte público ou os próprios carros sem auxílio-gasolina. O Estado concede imóveis funcionais, mas apenas para o ocupante do cargo público; se ele trouxer o cônjuge, este tem de pagar a metade correspondente ao valor de mercado do aluguel.
Mas quem pensa que o Brasil não tem jeito não sabe que isso aqui está assim “ó” de brasileiros, gente que não desiste nunca: o salvador Lula não deu certo? Pois há viveiros de heróis no Judiciário, no Ministério Público, no showbiss e até na política sob medida para nosso puerilismo patológico. Agora mesmo, depois de quieto enquanto o Brasil padecia sob vexames como Aloizio Mercadante que, no Ministério da Educação, ensinava que museu nada tem a ver com educação, o Judiciário descobre que pessoas “sem currículo compatível com a tarefa” não podem ser ministros. Piadas cansadas simulando análises sobre Temer insistir na prerrogativa de errar, ainda que erre em favor do bem maior que é a reforma da previdência, não enxergam e/ou omitem a marcha insana do Judiciário em decidir que Temer não governará enquanto a reforma da previdência estiver no horizonte. Ela também motiva a liminar contra a privatização da Eletrobras, concedida para desgastar o governo. A pátria dos nacionalistas-corporativistas não é o Brasil, mas a privilegiatura camuflada num discurso mofado de nacionalismo politiqueiro. Críticos a isso são promovidos a defensores-de-bandido, anticristos legalistas. Estes, os argumentos mais maduros. Os demais, arremessados por seguidores das igrejinhas erguidas por radicaloides à direita e à esquerda para serem glorificados, xingam e tentam intimidar.
Ah, se os companheiros Deltan Dallagnol e Carlos Fernando conhecessem o Twitter naquela época em que deixavam Lula e Dilma desgovernarem! Mas salvadores estão na hora e no lugar certo que eles escolhem, assim o impeachment de Dilma levou os procuradores foratemeristas a matar o empregão para nos atualizar, via redessociolândia, sobre os crimes de toda essa gente que sucedeu a súcia-salvadora e que tenta destruir a Lava Jato, ao passo que a própria, estranhamente, não incomoda a mãe de Pasadena e mantém solto o criador do petrolão que, em troca, atacam a Justiça. Enquanto os procuradores silenciam sobre a escalada dos ataques ao juiz Moro e aos desembargadores do TRF-4, o procurador-tuiteiro Helio Telho adicionou ao berreiro contra a reforma da previdência o vídeo em que Gilmar Mendes é hostilizado em Portugal. Porque uma coisa é atacar Moro e outra completamente idêntica é atacar Mendes: o silêncio e o barulho estranhos dos procuradores e os ataques aos dois magistrados aviltam o estado de direito democrático. Em países estranhos, muita gente acha que ele só serve para proteger bandidos, quando, na verdade, estes são protegidos se ele for extinto.
Mendes é execrado por juízes/MPF em razão do anticorporativismo que reafirmou numa entrevista ao site CONJUR explicando a inconstitucionalidade da liminar de 2014 do ministro Fux que concedeu auxílio-moradia a juízes e procuradores mesmo que tenham residência própria e trabalhem onde residem. Nessa nova hemorragia, o orvalho sangrante da privilegiatura já drenou quase R$ 5 bilhões que o Brasil não tem. Se as decisões de Moro e Mendes fossem explicadas por jornalistas e demais formadores de opinião, os ataques talvez se diluíssem, dando uma chance à racionalidade; perigo afastado cotidianamente. De todo modo, o senso de justiça ─ com toda sua carga de subjetividade ─ não se satisfaz com esclarecimentos técnicos, isso é natural, e é um direito de todo cidadão não gostar de decisões jurídicas e pressionar juízes (que devem cumprir sua obrigação de não ceder); bom seria fazê-lo com civilidade, mas nem o que houve com Mendes em Lisboa nem o que os petistas fazem contra Moro é positivo.
Lula permaneceu livre pelas “medidas menos gravosas” do juiz Moro que, quando o condenou, admitiu ser cabível a prisão preventiva; entretanto, para “evitar traumas decorrentes da prisão de um ex-presidente”, preferiu deixá-lo solto. “Certos traumas” é figura jurídica inexistente que adensou a aura de intocável de Lula e nutriu a insânia de sua grei fanática. Falo com todo o respeito a Moro, que já fez um trabalho admirável pelo bem do Brasil, mas falo também com a frustração de uma brasileira que sonha com o sol e a lei nascendo para todos neste país que a gente primeiro estranha e, depois, estranha: quem, no lugar de Lula, ainda estaria solto? Não reduzo Moro a herói, eu o vejo como um homem íntegro passível de erros como qualquer pessoa. E acho que ele errou nesse estranho xadrez que poupa o rei. Também Mendes erra quando, por exemplo, não se declara impedido em determinados casos, mas acerta quando não cede à ideia absurda de que juiz tem de ser um fofo que ouve as ruas. Tem nada! Não por soberba, mas porque Thomas Hobbes merece uma chance mesmo num país estranho.
“Currículo incompatível com a tarefa” não está na lei, mas a isso se dá um jeito no país do jeitinho. A nação do futuro roubado por Lula que continuará solto não perde tempo com leis e isolou o mal: a fábrica de habeas corpus cujos críticos não conseguem demonstrar quais dispositivos legais viola. Desnecessário: se não foi o Ministro Barroso quem soltou ─ né, Pizzolato? ─, está errado. Ademais, aonde chegaremos com essa frescura de leis? Em 100 anos, talvez à Escandinávia, aquela sem-gracice. Nada disso, a ideia é limpar o Brasil, a Suécia levou tanto tempo porque não tem Twitter nem o jeitinho brasileiro.
Não compreendo o Brasil que, ansiando pelo novo e por limpeza, atrela-se a duas versões do atraso sujas de primitivismo e que repelem reformas; uma é o pai do petrolão; a outra, um mito radicaloide só visível em tempos desoladores. Antes de chegarmos a outubro, todos os oráculos juram que nossos salvadores dão expediente no TRF-4. Com salários de até R$270 mil, segundo dados oficiais, não querem nem ouvir falar em reformar a previdência. Tem salvação um país que sustenta salvadores a esse preço?
Muito barulho por nada
O desespero bateu nas hostes petistas. Os sequazes do lulopestimo querem partir para a briga de rua pura e simples, na base do chute na canela e murro abaixo da cintura. Apelação é o nome da tática. Pouco interessa o veredicto da Justiça, salvo um claro pronunciamento de inocência cabal de seu líder honorável – aquele para quem a lei não importa e juízes merecem ser xingados com epítetos de “mentiroso”, “surdo”, “ilegítimo” e muito mais, tal qual costuma fazer quando trata das acusações. Lula extrapola a paciência de qualquer cidadão honesto que paga imposto e zela pela decência. Turvou o conceito de certo e errado nas mentes e corações dos seguidores. Um desvio de caráter social que só a lei pode restaurar. Do contrário, será o salve-se quem puder institucional. A lenha da fogueira já está posta e acesa pelos arautos da agremiação. Tome-se o que disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em tom de ameaça, diante da possibilidade de prisão de Lula: “Vai ter que matar gente”.
E o seu comparsa de agitação, o senador Lindbergh Farias, foi na mesma linha: “Não é hora de uma esquerda frouxa, ela tem que estar preparada para o enfrentamento, para as lutas de rua”. Se isso não é incitação à violência – crime previsto na Constituição – nada mais será. O juiz federal Marcelo Bretas reclamou do congressista acusando-o de “conclamar grupos para atos de violência”. Mas seria preciso muito mais. Os dois, Gleisi e Lindbergh, já deveriam ter ido parar atrás das grades por esse e por uma penca de outros delitos. Não foram. O Brasil vive dias de libertinagem explícita e indulgência demasiada. Os magistrados, em boa parte, estão sendo condescendentes com os malfeitores de colarinho branco. O julgamento da próxima quarta, 24, pode representar um divisor de águas, colocando ordem onde reina o azougue. A questão que ainda segue em aberto é por que cargas d’água os tribunais hesitam tanto em mandar para a cadeia alguns notórios personagens denunciados por delinquir? No caso de Lula, por exemplo, o réu é tratado quase como entidade. Requer cuidados especiais na abordagem.
Politizaram até o limite do impensável um julgamento que é meramente técnico. Ficou evidente que etapas foram puladas. Muitos discutem agora o “direito” a candidatura ou não do acusado, postulante a ocupar a presidência do País de novo, quando a questão essencial é o crime praticado de corrupção e a sentença decorrente. Esses aspectos ficaram em segundo plano. Já condenado em primeira instância por uma das inúmeras práticas ilegais de sua extensa folha corrida, Lula trata o assunto como fraude eleitoral e tentativa de excluí-lo da disputa. O mais bizarro é que muitos concordam. Inclusive adversários. O tecido moral de uma Nação precisa estar bastante amarrotado para se alcançar tamanha tolerância com o ilícito. Não se pode atravessar a fronteira do legal impunemente e cabe aos tribunais mostrar isso de maneira indiscutível. Crime não é mero detalhe. Que virada na ordem das coisas é essa? O que difere Lula de qualquer um que tenha de ir às barras de uma Corte para responder por seus erros? Petistas encaram o evento de Porto Alegre como carnaval fora de hora. Querem fazer uma algazarra com direito a caravana de ônibus, palanque e discursos inflamados. Algo completamente sem propósito. Se desenha na mobilização um rotundo fracasso. O partido e as organizações ditas sociais não conseguem mais arregimentar senão um punhado de militantes engajados em troca de alguns trocados, pão e mortadela. Rareiam dia a dia os apoiadores naturais.
De todo modo, será barulho por nada, inútil para barrar os desígnios do TRF-4. Beirando a insanidade, alguns mais extremistas chegaram a ameaçar os juízes, como relatou o presidente do tribunal, Thompson Flores. Eis o que o bandidismo legou ao Partido dos Trabalhadores. Choca notar que a agremiação virou antro de sabotadores. Advogando apenas em causa própria, a despeito do interesse geral, o PT achou correta a absolvição do tesoureiro petista Vacari, concedida pelo mesmo Tribunal que julgará Lula. Se na próxima quarta o entendimento da Corte for diferente, terá havido golpe. Ao menos na ótica muito peculiar de lisura que move as interpretações petistas. Dois pesos, duas medidas: só se faz justiça quando os correligionários da sigla são inocentados, mesmo que cometam infrações penais. O leitor (leitora) acha crível que assuma o posto de mandatário alguém acusado de formação de quadrilha, malversação de dinheiro público e tráfico de influência para esquemas de propina? Certamente, se isso ocorrer, será melhor desistir de tudo e refundar a República. Algo, aliás, que não está fora dos planos de Lula. Diz ele que, caso assuma, fará uma constituinte. Historicamente, em qualquer lugar do mundo, constituintes só são convocadas com o rompimento da ordem. Do contrário, a Carta Magna vira instrumento de tiranos totalitários, como aconteceu na Venezuela. Que o Brasil não tenha o mesmo destino.
E o seu comparsa de agitação, o senador Lindbergh Farias, foi na mesma linha: “Não é hora de uma esquerda frouxa, ela tem que estar preparada para o enfrentamento, para as lutas de rua”. Se isso não é incitação à violência – crime previsto na Constituição – nada mais será. O juiz federal Marcelo Bretas reclamou do congressista acusando-o de “conclamar grupos para atos de violência”. Mas seria preciso muito mais. Os dois, Gleisi e Lindbergh, já deveriam ter ido parar atrás das grades por esse e por uma penca de outros delitos. Não foram. O Brasil vive dias de libertinagem explícita e indulgência demasiada. Os magistrados, em boa parte, estão sendo condescendentes com os malfeitores de colarinho branco. O julgamento da próxima quarta, 24, pode representar um divisor de águas, colocando ordem onde reina o azougue. A questão que ainda segue em aberto é por que cargas d’água os tribunais hesitam tanto em mandar para a cadeia alguns notórios personagens denunciados por delinquir? No caso de Lula, por exemplo, o réu é tratado quase como entidade. Requer cuidados especiais na abordagem.
Politizaram até o limite do impensável um julgamento que é meramente técnico. Ficou evidente que etapas foram puladas. Muitos discutem agora o “direito” a candidatura ou não do acusado, postulante a ocupar a presidência do País de novo, quando a questão essencial é o crime praticado de corrupção e a sentença decorrente. Esses aspectos ficaram em segundo plano. Já condenado em primeira instância por uma das inúmeras práticas ilegais de sua extensa folha corrida, Lula trata o assunto como fraude eleitoral e tentativa de excluí-lo da disputa. O mais bizarro é que muitos concordam. Inclusive adversários. O tecido moral de uma Nação precisa estar bastante amarrotado para se alcançar tamanha tolerância com o ilícito. Não se pode atravessar a fronteira do legal impunemente e cabe aos tribunais mostrar isso de maneira indiscutível. Crime não é mero detalhe. Que virada na ordem das coisas é essa? O que difere Lula de qualquer um que tenha de ir às barras de uma Corte para responder por seus erros? Petistas encaram o evento de Porto Alegre como carnaval fora de hora. Querem fazer uma algazarra com direito a caravana de ônibus, palanque e discursos inflamados. Algo completamente sem propósito. Se desenha na mobilização um rotundo fracasso. O partido e as organizações ditas sociais não conseguem mais arregimentar senão um punhado de militantes engajados em troca de alguns trocados, pão e mortadela. Rareiam dia a dia os apoiadores naturais.
De todo modo, será barulho por nada, inútil para barrar os desígnios do TRF-4. Beirando a insanidade, alguns mais extremistas chegaram a ameaçar os juízes, como relatou o presidente do tribunal, Thompson Flores. Eis o que o bandidismo legou ao Partido dos Trabalhadores. Choca notar que a agremiação virou antro de sabotadores. Advogando apenas em causa própria, a despeito do interesse geral, o PT achou correta a absolvição do tesoureiro petista Vacari, concedida pelo mesmo Tribunal que julgará Lula. Se na próxima quarta o entendimento da Corte for diferente, terá havido golpe. Ao menos na ótica muito peculiar de lisura que move as interpretações petistas. Dois pesos, duas medidas: só se faz justiça quando os correligionários da sigla são inocentados, mesmo que cometam infrações penais. O leitor (leitora) acha crível que assuma o posto de mandatário alguém acusado de formação de quadrilha, malversação de dinheiro público e tráfico de influência para esquemas de propina? Certamente, se isso ocorrer, será melhor desistir de tudo e refundar a República. Algo, aliás, que não está fora dos planos de Lula. Diz ele que, caso assuma, fará uma constituinte. Historicamente, em qualquer lugar do mundo, constituintes só são convocadas com o rompimento da ordem. Do contrário, a Carta Magna vira instrumento de tiranos totalitários, como aconteceu na Venezuela. Que o Brasil não tenha o mesmo destino.
A ousadia construtora
Apesar de todos os medos, escolho a ousadia. Apesar dos ferros, construo a dura liberdadeLya Luft
Sem vergonha
Até pouco tempo atrás, as indicações políticas para a Caixa Econômica Federal eram negadas pelos padrinhos parlamentares. O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha costumava zombar quando questionado se o ex-vice-presidente Fábio Cleto (Fundos e Loterias) era o nome dele no banco estatal. “Você acha que tenho mais poder do que realmente tenho”, dizia.
Cleto virou delator e contou que atuava no fundo que usa dinheiro do FGTS para aplicar em infraestrutura a pedido de Cunha e dividia com o ex-todo poderoso da República as propinas das empresas interessadas no crédito mais barato.
Agora, as indicações políticas na Caixa são confirmadas à luz do dia, a começar pelo presidente da instituição, Gilberto Occhi. Embora funcionário de carreira do banco, ele só ascendeu à presidência com as bênçãos do PP, que faz questão de confirmar o apadrinhamento. Occhi, que foi ministro de Dilma Rousseff, também não nega e tem dito que não se pode “demonizar” as indicações políticas.
O loteamento político deixou de vez de ser envergonhado no governo Michel Temer. É tudo às claras mesmo. O ápice dessa nova realidade foi a declaração do ministro Carlos Marun, responsável pela articulação política entre o Palácio do Planalto e o Congresso, admitindo que os governadores que dessem apoio à reforma da Previdência teriam empréstimo aprovado pela Caixa.
A oposição também assiste a tudo num silêncio quase cúmplice. Sabe-se que, nessa seara de bancos públicos, todos os governos anteriores tiraram proveito.
Não é por menos que a Caixa disparou nos últimos meses a conceder empréstimos a Estados e municípios, a maior parte sem garantias do Tesouro. E a briga entre os aliados do presidente passou a ser não só garantir o seu, mas impedir que os adversários sejam também beneficiados.
É por isso (e muito mais) que a intervenção que a equipe econômica e o Banco Central, órgão regulador do Sistema Financeiro Nacional (SFN), fizeram na Caixa não pode ter volta. É um marco e uma oportunidade de ouro que não pode ser desperdiçada. Não será fácil resistir à pressão. Os aliados já dizem que, mesmo com o novo estatuto, as indicações políticas continuarão.
A mudança no estatuto passou a fórceps e só aconteceu depois que o Ministério Público Federal pediu o afastamento dos vice-presidentes envolvidos em irregularidades. O BC depois saiu da toca e recomendou que a Caixa afastasse os dirigentes.
A atitude do BC é inédita. Chama atenção o argumento usado pela fiscalização do BC para justificar a sua ação (ou inação até agora).
No ofício encaminhado à presidente do Conselho de Administração da Caixa, Ana Paula Vescovi, o diretor de Fiscalização do BC, Paulo Sérgio de Souza, diz que a Lei 4.595, de 1964, atribui ao Conselho Monetário Nacional a fixação de um regulamento para a posse e o exercício de cargos de administração de instituições financeiras privadas. Mas as regras não seriam aplicáveis aos bancos públicos federais.
Para agir no caso da Caixa, o BC passou a interpretar que o regulamento contém “diversos preceitos que merecem ser considerados” para as escolhas dos dirigentes das instituições financeiras públicas federais. Fica a pergunta: essa lei histórica, da época da ditadura e que criou o CMN, tem facilitado as indicações políticas e impedido o órgão regulador de ser mais duro?
Se a resposta for sim, está mais do que na hora de uma lei para os dirigentes do bancos públicos. O BC, por enquanto, tem preferido o silêncio quando o assunto é a Caixa. A sua resposta aos questionamentos é que não pode se manifestar publicamente sobre as instituições financeiras e que a sua supervisão está o tempo todo “olhando a eficiência, o capital e a gestão”.
Cleto virou delator e contou que atuava no fundo que usa dinheiro do FGTS para aplicar em infraestrutura a pedido de Cunha e dividia com o ex-todo poderoso da República as propinas das empresas interessadas no crédito mais barato.
Agora, as indicações políticas na Caixa são confirmadas à luz do dia, a começar pelo presidente da instituição, Gilberto Occhi. Embora funcionário de carreira do banco, ele só ascendeu à presidência com as bênçãos do PP, que faz questão de confirmar o apadrinhamento. Occhi, que foi ministro de Dilma Rousseff, também não nega e tem dito que não se pode “demonizar” as indicações políticas.
“Quem é que não tem relação política?”, perguntou ele ao Estado assim que assumiu o cargo, em junho de 2016. Das 12 vice-presidências, apenas uma não é ocupada por indicação dos aliados. O único membro técnico ocupa a vice-presidência de Administração e Gestão de Ativos de Terceiros, posto que exige certificações específicas para o exercício da função.
A oposição também assiste a tudo num silêncio quase cúmplice. Sabe-se que, nessa seara de bancos públicos, todos os governos anteriores tiraram proveito.
Não é por menos que a Caixa disparou nos últimos meses a conceder empréstimos a Estados e municípios, a maior parte sem garantias do Tesouro. E a briga entre os aliados do presidente passou a ser não só garantir o seu, mas impedir que os adversários sejam também beneficiados.
É por isso (e muito mais) que a intervenção que a equipe econômica e o Banco Central, órgão regulador do Sistema Financeiro Nacional (SFN), fizeram na Caixa não pode ter volta. É um marco e uma oportunidade de ouro que não pode ser desperdiçada. Não será fácil resistir à pressão. Os aliados já dizem que, mesmo com o novo estatuto, as indicações políticas continuarão.
A mudança no estatuto passou a fórceps e só aconteceu depois que o Ministério Público Federal pediu o afastamento dos vice-presidentes envolvidos em irregularidades. O BC depois saiu da toca e recomendou que a Caixa afastasse os dirigentes.
A atitude do BC é inédita. Chama atenção o argumento usado pela fiscalização do BC para justificar a sua ação (ou inação até agora).
No ofício encaminhado à presidente do Conselho de Administração da Caixa, Ana Paula Vescovi, o diretor de Fiscalização do BC, Paulo Sérgio de Souza, diz que a Lei 4.595, de 1964, atribui ao Conselho Monetário Nacional a fixação de um regulamento para a posse e o exercício de cargos de administração de instituições financeiras privadas. Mas as regras não seriam aplicáveis aos bancos públicos federais.
Para agir no caso da Caixa, o BC passou a interpretar que o regulamento contém “diversos preceitos que merecem ser considerados” para as escolhas dos dirigentes das instituições financeiras públicas federais. Fica a pergunta: essa lei histórica, da época da ditadura e que criou o CMN, tem facilitado as indicações políticas e impedido o órgão regulador de ser mais duro?
Se a resposta for sim, está mais do que na hora de uma lei para os dirigentes do bancos públicos. O BC, por enquanto, tem preferido o silêncio quando o assunto é a Caixa. A sua resposta aos questionamentos é que não pode se manifestar publicamente sobre as instituições financeiras e que a sua supervisão está o tempo todo “olhando a eficiência, o capital e a gestão”.
Lula, o leitor
Ler Os Sertões não é para qualquer um, já sabemos. Saber que Lula se dedicou à leitura dessa obra até entusiasma, não é não? Como é natural, ele, neófito em literatura, sobretudo na leitura de livros de alta erudição como o livro do grande Euclydes da Cunha, ficou meio atrapalhado. Eu, por exemplo, gostaria de saber quem sugeriu essa leitura ao Lula. Não sei se vou ser injusta, mas penso que quem o fez quis dar uma rasteira no Lula, fazê-lo sentir-se como um dos sertanejos de Canudos. Distraído, o coitadinho do Lula confundiu a história e fez do Antonio Conselheiro uma vítima do oficial Flores da Cunha. Lula atrapalhou-se: Flores da Cunha morreu três meses antes do Conselheiro…
O fato concreto, como gosta de dizer o ex-presidente, é que fiquei feliz ao ver que o Lula se rendeu às delícias da leitura, ao prazer de pegar um bom livro e ler para aprender! Não é por torcer para que ele nunca mais chegue nem perto do Planalto que vou desejar que o pobre coitado tenha uma velhice infeliz. Pelo contrário, além de lhe desejar uma velhice saudável e tranquila, desejo-lhe uma temporada na prisão menos dolorosa e nada como bons livros para que isso possa acontecer.
Aproveito o ensejo para pedir ao Lula que insista com sua correligionária Gleisi Hoffmann para que ela se dedique também às artes da leitura. Desse modo, ela também terá uma vida mais agradável quando for condenada à prisão, de fato, ou domiciliar. Afinal, não vejo como uma senhora que declarou que para cumprir um eventual pedido de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva muitas pessoas teriam que ser presas e outras mortas possa escapar de ser condenada e detida. Ela tentou consertar dizendo que isso foi força de expressão, de tanto que ela e os petistas amam o Lula. Falta leitura à dona Gleisi…
Vem aí o dia 24. As fake news e seus adeptos se agitam espalhando notícias de todo tipo. As redes sociais dizem de tudo um pouco. Pena, fazem mais mal que bem ao país. Sugiro que esperemos calmamente a solução que nossa Justiça trará. As provas falarão. E nós, cidadãos que queremos fortalecer cada vez mais a Justiça, receberemos a sentença com tranquilidade já que tudo que nos importa é um Brasil cada vez mais justo e sólido.
Maria Helena RR de Sousa
O fato concreto, como gosta de dizer o ex-presidente, é que fiquei feliz ao ver que o Lula se rendeu às delícias da leitura, ao prazer de pegar um bom livro e ler para aprender! Não é por torcer para que ele nunca mais chegue nem perto do Planalto que vou desejar que o pobre coitado tenha uma velhice infeliz. Pelo contrário, além de lhe desejar uma velhice saudável e tranquila, desejo-lhe uma temporada na prisão menos dolorosa e nada como bons livros para que isso possa acontecer.
Aproveito o ensejo para pedir ao Lula que insista com sua correligionária Gleisi Hoffmann para que ela se dedique também às artes da leitura. Desse modo, ela também terá uma vida mais agradável quando for condenada à prisão, de fato, ou domiciliar. Afinal, não vejo como uma senhora que declarou que para cumprir um eventual pedido de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva muitas pessoas teriam que ser presas e outras mortas possa escapar de ser condenada e detida. Ela tentou consertar dizendo que isso foi força de expressão, de tanto que ela e os petistas amam o Lula. Falta leitura à dona Gleisi…
Vem aí o dia 24. As fake news e seus adeptos se agitam espalhando notícias de todo tipo. As redes sociais dizem de tudo um pouco. Pena, fazem mais mal que bem ao país. Sugiro que esperemos calmamente a solução que nossa Justiça trará. As provas falarão. E nós, cidadãos que queremos fortalecer cada vez mais a Justiça, receberemos a sentença com tranquilidade já que tudo que nos importa é um Brasil cada vez mais justo e sólido.
Maria Helena RR de Sousa
Por que segurança deveria ser o principal tema das eleições
Nem saúde e nem educação. O que tem de estar no centro do debate das eleições deste ano do Brasil deve ser o tema da segurança pública. É o que diz a ONG internacional Human Rights Watch (HRW), durante a apresentação do relatório mundial dos direitos humanos nesta quinta-feira. "O assunto da segurança pública tem que ser o tema principal da campanha eleitoral", afirmou César Muñoz, pesquisador da ONG. "E o debate precisa se aprofundar. Soluções simplistas não funcionarão". Ele coloca a violência policial e o sistema prisional como pontos principais neste debate, além da revisão sobre a política de drogas.
O documento apresentado analisou práticas de direitos humanos em 90 países. No Brasil, além da segurança, a violência de gênero foi um dos principais pontos de preocupação da ONG. Em comparação com o cenário internacional, o Brasil lidera as mortes causadas pela polícia. Em 2016, ao menos 4.224 pessoas foram executadas por policiais, cerca de 26% a mais que em 2015, segundo os últimos dados disponíveis. Ao mesmo tempo, 437 policiais foram mortos em 2016 no Brasil, a grande maioria enquanto estava fora do serviço.
Neste cenário, o Rio de Janeiro apresenta os dados mais preocupantes. Em 2007, o número de mortes causadas por policiais foi de 1.330 no Estado. Essa taxa chegou em 416 em 2013, três anos após a implementação das UPPs nas comunidades. Mas voltou a subir no ano seguinte, chegando a 1.035 até novembro do ano passado. De acordo com Muñoz, os abusos policiais nas comunidades foram um ponto fundamental na crise das UPPs. "Os abusos de alguns policiais coloca o resto da corporação em uma situação muito difícil", diz. "O Brasil precisa abrir um debate amplo sobre segurança pública e a polícia tem que participar".
Enquanto as organizações internacionais debatem a redução da maioridade penal, política de regulamentação das drogas e uma reforma no sistema prisional, a população brasileira tem posições consideradas conservadoras sobre o tema. Pesquisa recente do instituto Datafolha revelou que 66% dos brasileiros acham que a maconha deve continuar proibida no país. Quase seis entre dez brasileiros acreditam que o país deveria adotar a pena de morte e oito de cada dez declaram que a maioridade penal deveria ser rebaixada para 16 anos. Ainda, 42% concordam que a posse de armas e fogo deveria ser legalizada.
A violência de gênero também figurou entre os pontos de preocupação da HRW no relatório. "Ao menos metade dos homicídios de mulheres são fruto de violência doméstica", disse Maria Laura Canineu, diretora da ONG no Brasil. A taxa de homicídio de mulheres aqui é maior do que em todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), composta por 35 nações. Em 2016, 4.657 mulheres foram mortas no Brasil. "A morte de tantas mulheres é uma derrota para o Brasil. Grande parte dessas mortes poderiam ter sido evitadas", ressalta Maria Laura. O levantamento do Datafolha também mostrou que os direitos das mulheres também estão em cheque neste contexto: para 57% dos brasileiros, uma mulher que pratica aborto deveria ir para a cadeia.
Outra questão preocupante no âmbito dos direitos humanos é a crise na Venezuela. "2017 o pior ano para os direitos humanos na Venezuela", disse Tamara Broner, pesquisadora da HRW. De acordo com ela, os dados mais recentes mostram que, em 2016, a mortalidade materna aumento 65%, a mortalidade infantil, 30% e os casos de malária subiram 75% no país de Nicolás Maduro. Mais de 100.000 venezuelanos pediram refúgio entre 2014 e 2017, metade só no ano passado.
Muitos dos pedidos de refúgio foram ao Brasil, país que, apesar disso, segue em silêncio diante da crise no vizinho. Até outubro do ano passado, foram 13.600 pedidos de refúgio. Em 2010, este número não passou de quatro. "E ainda há muitos que deixam o país sem pedir refúgio", alerta Tamara. "Mas a boa notícia é que, depois de um longo e vergonhoso silêncio, países da região começaram a falar sobre esta crise", diz ela, sem mencionar o Brasil.
O documento apresentado analisou práticas de direitos humanos em 90 países. No Brasil, além da segurança, a violência de gênero foi um dos principais pontos de preocupação da ONG. Em comparação com o cenário internacional, o Brasil lidera as mortes causadas pela polícia. Em 2016, ao menos 4.224 pessoas foram executadas por policiais, cerca de 26% a mais que em 2015, segundo os últimos dados disponíveis. Ao mesmo tempo, 437 policiais foram mortos em 2016 no Brasil, a grande maioria enquanto estava fora do serviço.
Neste cenário, o Rio de Janeiro apresenta os dados mais preocupantes. Em 2007, o número de mortes causadas por policiais foi de 1.330 no Estado. Essa taxa chegou em 416 em 2013, três anos após a implementação das UPPs nas comunidades. Mas voltou a subir no ano seguinte, chegando a 1.035 até novembro do ano passado. De acordo com Muñoz, os abusos policiais nas comunidades foram um ponto fundamental na crise das UPPs. "Os abusos de alguns policiais coloca o resto da corporação em uma situação muito difícil", diz. "O Brasil precisa abrir um debate amplo sobre segurança pública e a polícia tem que participar".
Enquanto as organizações internacionais debatem a redução da maioridade penal, política de regulamentação das drogas e uma reforma no sistema prisional, a população brasileira tem posições consideradas conservadoras sobre o tema. Pesquisa recente do instituto Datafolha revelou que 66% dos brasileiros acham que a maconha deve continuar proibida no país. Quase seis entre dez brasileiros acreditam que o país deveria adotar a pena de morte e oito de cada dez declaram que a maioridade penal deveria ser rebaixada para 16 anos. Ainda, 42% concordam que a posse de armas e fogo deveria ser legalizada.
A violência de gênero também figurou entre os pontos de preocupação da HRW no relatório. "Ao menos metade dos homicídios de mulheres são fruto de violência doméstica", disse Maria Laura Canineu, diretora da ONG no Brasil. A taxa de homicídio de mulheres aqui é maior do que em todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), composta por 35 nações. Em 2016, 4.657 mulheres foram mortas no Brasil. "A morte de tantas mulheres é uma derrota para o Brasil. Grande parte dessas mortes poderiam ter sido evitadas", ressalta Maria Laura. O levantamento do Datafolha também mostrou que os direitos das mulheres também estão em cheque neste contexto: para 57% dos brasileiros, uma mulher que pratica aborto deveria ir para a cadeia.
Outra questão preocupante no âmbito dos direitos humanos é a crise na Venezuela. "2017 o pior ano para os direitos humanos na Venezuela", disse Tamara Broner, pesquisadora da HRW. De acordo com ela, os dados mais recentes mostram que, em 2016, a mortalidade materna aumento 65%, a mortalidade infantil, 30% e os casos de malária subiram 75% no país de Nicolás Maduro. Mais de 100.000 venezuelanos pediram refúgio entre 2014 e 2017, metade só no ano passado.
Muitos dos pedidos de refúgio foram ao Brasil, país que, apesar disso, segue em silêncio diante da crise no vizinho. Até outubro do ano passado, foram 13.600 pedidos de refúgio. Em 2010, este número não passou de quatro. "E ainda há muitos que deixam o país sem pedir refúgio", alerta Tamara. "Mas a boa notícia é que, depois de um longo e vergonhoso silêncio, países da região começaram a falar sobre esta crise", diz ela, sem mencionar o Brasil.
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