sexta-feira, 8 de abril de 2016


Carbonos 14

Dilma vai cair? É a pergunta mais frequente nas ruas. A resposta a ela virá no meio de abril. É a pergunta certa para o momento. Tudo converge para votação do impeachment. Minha sugestão? Alinhem à torrente dados que estão surgindo e avaliem sempre sobre este ângulo: isto ajuda ou não a queda de Dilma?

Claro que é um roteiro esquemático para seguir a crise. Há outras formas de abordá-la. É tão ampla e, ironicamente, tão generosa em novos temas que mal posso abordá-los na amplitude.

Por exemplo, esta semana o presídio onde estão os presos da Lava Jato viveu uma polêmica que passou ao largo. Uma podóloga entrou na cadeia e fez os pés de oito presos. Foi paga pela Andrade Gutierrez.


Li que os empreiteiros recebem comida e agasalhos e distribuem uma pequena parte entre os presos comuns. Esse encontro de empreiteiros com presos comuns num presídio brasileiro é inédito. Lembro-me de que, quando preso no Distrito de Ricardo de Albuquerque, no tempo da ditadura, eram os bicheiros a aristocracia do pedaço; os policiais lavavam seus carros, estacionados na porta da prisão.

O encontro dos empreiteiros com a cadeia pode abrir um caminho para que se disponham a construir os presídios que nos faltam, como parte de sua pena. Isso já foi pensado uma vez, mas numa articulação que visava a abafar a Lava Jato. Ela é irreversível, portanto vivemos numa outra fase. Além disso, antes de serem presos, os empreiteiros não construiriam boas cadeias como agora que as conhecem por dentro. A construção de presídios dignos no Brasil atenuará muito a tensão no sistema e talvez contribua para reduzir alguns crimes de rua.

Mas quem se vai importar com isso agora? O fluxo de dados da Lava Jato e também dos Panama Papers. Uma investigação dessa envergadura em 11,5 milhões de documentos da Mossack Fonseca é uma bomba mundial com estilhaços no Brasil. A Mossack, especialista em esconder os verdadeiros donos de contas offshore, é a mesma empresa envolvida naquele prédio Solaris, do Guarujá, onde Lula não tem o tríplex ao lado de apartamentos de seus amigos do PT.

A Lava Jato lançou a Operação Carbono 14, num esforço arqueológico de entender o rumo do PT de 2002 até hoje, unindo num só todo a morte de Celso Daniel, o mensalão e o petrolão.

A morte de Celso Daniel teve vários elementos cinematográficos: morte de oito pessoas de alguma forma ligadas ao crime, sequestro de um helicóptero para resgatar na prisão um dos comandantes da ação, muitas versões. A prisão do empresário Ronan Maria Pinto pode trazer novidades, uma vez que recebeu um cala-boca de R$ 6 milhões do petrolão para, segundo os depoimentos de Marcos Valério e José Carlos Bumlai, não denunciar Lula, José Dirceu e Gilberto Carvalho. Isso é com a Lava Jato.

O que se sabe é que em Santo André houve um forte esquema de propina para financiar campanhas. Isso foi dito pela deputada Mara Gabrilli, cujo pai, dono de empresas de ônibus, era constantemente forçado a contribuir. E é confirmado pela família de Celso Daniel, que soube do esquema por Gilberto Carvalho, na missa de sétimo dia do prefeito assassinado.

São, pois, dois caminhos, dois carbonos 14: o que está na ossada de Celso Daniel e o que está nas primeiras propinas como forma de financiar campanhas. Uma espécie de pacto com o diabo que se prolongou pelos anos.

Não afirmo nada sobre o assassinato, uma vez que as diferentes versões não me satisfazem. Mas os primeiros passos para o PT se tornar o que é hoje foram dados em Santo André. Era preciso dinheiro para a campanha. As empreiteiras estavam na esfera do adversário. O caminho era buscar recursos em prestadores de serviço como empresas de lixo e transporte. Lula estava cansado de perder e queria disputar com chance. Era preciso um programa de TV de alto nível, mesmo que fosse muito caro.

A arqueologia dos desvios de dinheiro público será feita pela Operação Lava Jato. Mas na arqueologia do caminho torto, os faraônicos programa de TV são um marco decisivo.

O PT fazia duas escolhas que iriam marcar sua trajetória. A primeira, usar dinheiro sujo em campanha, mesmo método que atribuía aos adversários. A segunda foi deixar de apresentar um programa real de transformações, optar pela emoção, as luzes e cores, mulheres grávidas descendo a colina vestidas de branco. O PT saía da História para entrar no marketing. Não importava tanto o debate de ideias sobre o Brasil real, mas uma projeção idílica do futuro.

Esse mergulho carbono 14 não é um exercício nostálgico porque encerra duas lições. A primeira é que não surgirá nada de novo no universo político se escolhermos usar os mesmos instrumentos que condenamos no adversário. A segunda, muito importante, é que não há mais espaço para fantasias de luzes e cores, mas a urgência de um debate franco sobre os problemas do País. Ou fazemos os ajustes na economia ou os estragos caem sobre a nossa cabeça, como caíram sobre a dos gregos.

Não há tempo a perder quando se tem quase 10 milhões de desempregados. Será preciso negociar, suprimir concessões, para evitar a falência do Estado.

Quando digo suprimir concessões não me refiro à Bolsa Família, mas à bolsa Louis Vuitton, dos amigos do governo. Nem sequer são inovadores, mas consumiram, em financiamentos subsidiados, dez vezes mais recursos públicos do que as famílias pobres. E devolveram uma fração disso nas campanhas do PT.

No embalo da Lava Jato, a lei vale para todos; será preciso afirmar também, em principio, que os impostos e juros valem para todos os designados a pagá-los.

Foi por esse mecanismo que o PT manteve o apoio dos empresários. Essa asa de bondades com o dinheiro público se estendeu a inúmeros setores, inclusive alguns movimentos sociais.

Deixo outro carbono 14, para tempos serenos: como foi possível o Brasil conviver tantos anos com uma proposta tão cínica como a do PT, que se esconde no marketing das denúncias concretas de corrupção? Respondê-la, é vital para que não a tragédia não se repita.

Democracia ou clandestinidade

Não é o PT que justifica a existência da democracia; é a democracia que justifica a existência do PT. E, por isso, o partido tem de parar de tentar solapá-la. Ou migrar, então, para a clandestinidade
Reinaldo Azevedo

Santa ignorância

Alguém comparou a presidente Dilma Rousseff a Josef K., personagem do romance "O Processo", de Franz Kafka. Disse que, a exemplo de Josef K., ela também não sabe do que está sendo acusada. A comparação não procede. O infeliz K. vaga pelas instâncias e antecâmaras da burocracia sem que lhe digam o que têm contra ele. Mas Dilma, se folhear os relatórios do Tribunal de Contas da União e o da comissão especial da Câmara que propõe o seu impeachment, ambos tomando hoje dezenas de volumes, será informada das irregularidades que cometeu.

Se ainda assim Dilma continuar não sabendo, é caso de voltar imediatamente à cartilha. Aliás, por seu peculiar uso das palavras ao expressar-se, isso já deveria ter sido providenciado.

Enquanto muitos de nós levamos a vida tentando acumular conhecimentos que nos permitam entender o mundo, a especialidade de Dilma é não saber. Enquanto ministra das Minas e Energia, presidente do Conselho de Administração da Petrobras e ministra-chefe da Casa Civil, os desvios de bilhões de reais nos órgãos pelos quais era responsável não lhe provocaram um simples arqueio de suas sobrancelhas artificiais. E talvez esteja aí a explicação: se Dilma não sabia o que os aliados faziam, como saberá o que fazem os adversários?

Ou talvez o mundo exterior só lhe provoque tédio e irritação. É o que ela aparenta enquanto o país desmorona ao seu redor, com o número recorde de falências, investimentos que minguaram ou nunca serão feitos e a inflação e o desemprego galopando para os dois dígitos -tudo isso enquanto se apura a quantidade de dinheiro queimado pela corrupção de seus correligionários ou por sua simples incompetência.

Dilma gosta de falar de seu histórico na luta armada. Faria bem em pular essa parte. Com ela como militante, a luta armada não podia dar certo.

Cenário, roteiro e elenco

Que pacificação pode ser feita, que governabilidade será possível, que confiança pode ser restaurada, se a presidente ganhar raspando na Comissão de Impeachment da Câmara, ou, mesmo fazendo o diabo, perder na Câmara, mas escapar por um focinho no Senado? Com minoria mínima no Congresso, terá o governo ocupado por pepistas e nanicos, numa situação que lembra a “antropofagia de anões” prevista por João Santana, “com Dilma pairando sobranceira e ganhando no primeiro turno.”



No sonho de Dilma não tem golpe, nem impeachment, nem renúncia, nem novas eleições. Tudo continua como está, pior do que nunca. Com Lula na Casa Civil como presidente executivo, mas com seu poder e credibilidade abalados, como poderá ajudá-la a formar uma base de apoio sólida no Congresso e compor um “ministério de notáveis" acima dos partidos? Que “notável” aceitaria uma roubada dessas em um governo, ainda legal e legítimo, mas moribundo? Quem quer ser sócio em falência ?

Então com quem ela vai governar? Nem um gênio político poderia fazer algo de bom com esse Ministério bagaceiro e com postos-chave da administração e de estatais entregues a pepistas e nanicos como bolsa anti-impeachment.

A pergunta não é o que pode salvar Dilma, mas o que pode salvar o país. Sim, milagres acontecem, mas além dos que esperam uma segunda volta de Jesus, ninguém consegue imaginar algum que nos dê um pouco de ordem e progresso.

Acredito que a grande maioria de petistas e tucanos é de cidadãos de bem, de boa fé, que creem, alguns cegamente, em ideias diferentes para melhorar a vida de todos. Lideranças podres, quadros incompetentes, farsantes e corruptos profissionais estão em todos os partidos e corporações. São eles os grandes inimigos da democracia e do Estado de Direito.

Para tentar acalmar os ânimos nestes dias de ira, e talvez melhorar a discussão política, aderi a um grande pacto nacional voluntário: nunca rebater acusações acusando o acusador de crimes iguais ou piores.

Em vez de perder tempo na briga sem fim por quem é mais maligno, quem sabe uma ou outra ideia construtiva poderia surgir, enquanto a Justiça faz o seu trabalho.

Nelson Motta

Lula ainda tem certeza de que evitará impeachment

Lula, no exercício daquilo que sabe fazer muito bem – comprar políticos disponíveis no estoque dos “300 picaretas”, experiência adquirida no Mensalão, no Petrolão e muitos mais – estabeleceu sua banca de compra em hotel em Brasília, pertinho do Palácio do Planalto, onde está esbanjando dinheiro do povo, otimismo e absoluta certeza de impunidade.

Já acha que está no papo a vitória contra o impeachment de sua pupila Dilma, pois avalia que comprou votos e ausências suficientes de políticos “picaretas” fieis à instituição que considera a mais poderosa do país: a corrupção.

Nos seus cálculos de mercador, acredita que não haverá 342 votos na Câmara a favor do impedimento da presidente Dilma Rousseff. Porém, cauteloso como deve ser todo “doutor honoris causa”, também já tomou providências para que o impeachment não passe no Senado, caso os deputados “picaretas” que comprou tenham um “desvio” de caráter e façam uma falseta. Por isso, o varejão de pastas e a liquidação de cargos prosseguem a todo vapor para Dilma conseguir votos e ausências contra o impeachment.


Na realidade, Lula acha que fraudes, mentiras, superfaturamentos, desvios da verba pública, operações ilegais de crédito e assaltos ao dinheiro público representam direito adquirido de todo governante petista e político da base aliada. E ele é mestre nesses assuntos. Faz até palestras.

Prova indiscutível dessa exótica e reservada “normalidade comportamental” é representada pela gravação na qual Dilma diz para Lula, de modo claríssimo, que ia lhe mandar, por um salvador de nome Messias (coincidência bíblica), o “termo de posse” como ministro, para ser usado “em caso de necessidade”. Trapaça patente e explícita que toda a nação tomou conhecimento.

A gravação prova, ainda, que Lula e Dilma não tiveram o mínimo pudor em ocultar que estava sendo feita uma trapaça, ao simular que a nomeação tinha alguma coisa a ver com o interesse do Brasil.

Como complemento à hipocrisia foi elaborada uma “edição extra” do Diário Oficial da União na véspera da posse de Lula, com o claríssimo objetivo de construir, em volta dele e o mais rápido possível, uma muralha de proteção que o colocasse a salvo das investigações da monumental corrupção levada a efeito pela Operação Lava Jato.

Apesar de a grande maioria da população brasileira repudiar Dilma, Lula está confiante em seu poder de compra e certo que não haverá impeachment. Tem a certeza que a experiência que adquiriu na política brasileira, como franciscano do pântano na contumaz utilização do “é dando que se recebe”, além da certeza de impunidade, constitui sua inabalável coluna de sustentação.

Dentro de poucos dias saberemos se Lula tem razão. Se tiver, ainda teremos que aturar Dilma e seus insuperáveis discursos de improviso, por muito tempo.

'Só use em caso de necessidade'

Ontem à tarde, voltando do médico, quando meu filho perguntou sobre os exames que foram pedidos, eu lhe entreguei as receitas e expliquei: “esse que pede o holter, é para ser usado só em caso de necessidade”.

Para nossa surpresa, o taxista que nos conduzia riu e disse: “esse é igual ao termo de posse do Lula, não é isso? Só se precisar!”.

Estávamos, meu filho e eu, tensos e preocupados, por isso a intervenção do motorista foi acolhida com prazer. Ele desanuviou o ambiente.

Mas mais do que isso, a mim serviu como prova inconteste que o povo está, como nunca esteve, inteiramente por dentro do que se passa em Brasília e que, desta vez, não vai ser fácil o Governo Federal nos colocar para escanteio.

O Brasil é nosso e isso precisa ficar bem claro.

Dona Dilma e sua entourage agem como donos do campo e da bola. Não são. São somente as pessoas que estão onde estão para administrar o país, desde que respeitem o que for decidido pelo Legislativo e pelo Judiciário. Desde que honrem a Constituição.
Estamos quebrados, falidos, arrebentados. Falo do Rio porque aqui vivo desde 1940 e nunca vi esta cidade tão triste, tão revoltada, tão sofrida.

Trinta e três categorias entraram em greve. O Estado do Rio está em colapso nos hospitais, nas escolas, nos serviços de atendimento e gerenciamento dos órgãos que deveriam servir à população. O governo estadual confessa que está sem dinheiro em caixa. Não pode pagar os salários, por isso desde novembro de 2015 acena com o parcelamento de salários, o que é uma afronta ao cidadão que não pode alegar o mesmo ao pagar suas contas.

O Brasil já está no fundo do poço. Dizem que esse poço tem um porão. Acredito, porque falta dinheiro para tudo, menos para os gastos do Governo Federal. Por exemplo, quem banca os gastos de Lula, o ex-presidente que hoje é, talvez, quem sabe, futuro ministro-chefe da Casa Civil de dona Dilma, que vai e volta, para lá e para cá, de jatinho particular e, para não desobedecer tão frontalmente o STF, montou seu gabinete num hotel de luxo em Brasília? Não acredito que seja de seu bolso, ele não tem esse costume...

Dona Dilma usa a sede do Governo, o belo Palácio do Planalto, como palanque para se defender do impeachment, que é o tema mais candente de seu Governo. Aliás, mais candente e único, tudo o mais foi deixado de lado.

Noutro dia fiquei chocada com o discurso, dentro do Palácio, na presença de dona Dilma e em frente à parede que traz o logo Brasil Pátria Educadora, do secretário de administração e finanças da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), Aristides Santos, que convocou seus companheiros a invadir terras de parlamentares ruralistas, como forma de evitar o impeachment: “Vamos ocupar os gabinetes deles e as fazendas deles contra o golpe", afirmou, alterado.

O que fez dona Dilma? Levantou-se e deu voz de prisão a esse destemperado? Ora, não sejamos inocentes. Ela o aplaudiu e mais, deu-lhe um fraternal abraço!

Não consigo atinar com os motivos que podem levar dona Dilma a se aferrar com tanto empenho ao Poder, a ponto de serem visíveis os danos que isso está fazendo à sua saúde, notáveis na palidez e abatimento de seu rosto.

Como não é amor à sua Saúde, nem muito menos amor ao Brasil, quais serão esses motivos?

No páis das maravilhas de Dilma...

Há o mundo real da política e o mundo da fantasia. No real, a delação da Andrade Gutierrez atingiu frontalmente a presidente Dilma Rousseff e reforçou as chances de aceitação do processo de impeachment pela Câmara dos Deputados.

No mundo da fantasia, compartilhado por Dilma e políticos de todos os partidos interessados em cargos, favores e sinecuras, aconteceu o contrário: a delação reforçou as chances de o governo enterrar na Câmara o processo de impeachment.

De baixo para cima: é fato que a delação atingiu Dilma ao mostrar que dinheiro de propina financiou a eleição dela em 2010 e a reeleição em 2014. Mas está na delação que o PMDB do vice-presidente Michel Temer recebeu também dinheiro sujo. E então?

Então nada. O raciocínio de gente do governo é lógico, mas imprestável. Nada mais inorgânico como o PMDB. Não existe um PMDB como existe um PT. Existem muitos. E, desta vez, foi o do senador Edson Lobão (MA) que embolsou a grana da Andrade.

A verdade: o míssil disparado pela Andrade passou perto de Temer e alcançou Dilma. De resto, quem comanda a arrecadação de recursos em uma campanha presidencial é gente ligada ao candidato a presidente. Vice não faz campanha. É figura decorativa.

O calendário do impeachment na Câmara está pronto e não será mudado a essa altura. Não por mais uma denúncia de corrupção contra Dilma. Neste fim de semana, a Comissão Especial do Impeachment discutirá o voto do relator, Jovair Arantes (PTB-GO).

Na próxima segunda-feira, à tarde, começará a votá-lo. Na sexta-feira, dia 15, será a vez do plenário da Câmara começar a votar o relatório. A votação poderá se estender pelo sábado, terminando no domingo. Ou ser suspensa e retomada na segunda.

A esperança de Dilma de salvar-se do impeachment tende a diminuir à medida que se aproxima o dia do juízo final. Há novas delações. E cresce a pressão da sociedade para que o mundo irreal dos políticos se concilie com o mundo real dos brasileiros.

O mundo real cobra a aprovação do impeachment. O irreal sabe disso, mas hesita. Tenta extrair vantagens de um governo fraco, que para evitar uma eventual derrota na Comissão do Impeachment suplica a deputados para que não votem. Para que fiquem em casa.

A derrota na Comissão é certa. Ali, bastam 33 votos de um total de 65 para que o relatório de Arantes seja aprovado. Pelo menos 32 deputados, até ontem, já anunciaram que votarão pela saída de Dilma, segundo O Globo.

A aprovação do impeachment no plenário da Câmara exige o apoio de 342 deputados. Com os votos ou a ausência de 171, o governo barraria o impeachment.

Para que a nação sobreviva, o governo que foge da cova tem de ser enterrado agora

Num Palácio do Planalto rebaixado a palanque, a presidente combate o impeachment inevitável com falatórios sem pé nem cabeça, endossados por seus comparsas liberticidas que ameaçam reagir a bala ao encerramento da Era da Canalhice. Se restar algum juízo aos generais das tropas incapazes de derrotar o Tiro de Guerra de Taquaritinga, a bravata morrerá aquartelada na garganta. Caso os stediles e boulos paguem para ver, as Forças Armadas saberão cumprir suas atribuições constitucionais: preservar a ordem pública e impedir surtos beligerantes dos inimigos do Estado de Direito.


Numa suíte de hotel transformada em gabinete presidencial e armazém de safadezas, Lula se vale da experiência acumulada pelo camelô de empreiteira para aperfeiçoar o setor de compra e venda de partidos políticos, bancadas ou parlamentares avulsos. Nas sombras, os reincidentes sem remédio planejam, entre outras bandalheiras e delinquências, a volta da manipulação política dos preços dos combustíveis. Tudo somado, está claro que o governo lulopetista é um criminoso irrecuperável ─ e também um defunto que, embora em avançado estado de decomposição, insiste em fugir da cova.

Para que a nação sobreviva, é preciso apressar o impeachment e enterrar ainda neste outono o cadáver insepulto.

Conivência com os incendiários

“A forma de enfrentar a bancada da bala contra o golpe é ocupar as propriedades deles ainda lá nas bases, lá no campo. E é a Contag, são os movimentos sociais do campo que vão fazer isso. Ontem dizíamos na passeata: vamos ocupar os gabinetes, mas também as fazendas deles. Porque se eles são capazes de incomodar um ministro do Supremo Tribunal Federal, nós vamos incomodar também as casas, as fazendas e as propriedades deles.” Foi com essas palavras nada ambíguas que Aristides Santos, secretário da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), anunciou seu modo de resistir ao impeachment da presidente Dilma Rousseff no dia 1.º. E pregou esse recurso à violência diante da própria Dilma.

Nada diferente daquilo que o presidente da CUT, Vágner Freitas, afirmou, também em evento no Planalto, com a presença de Dilma, em agosto de 2015: “Somos defensores da unidade nacional, da construção de um projeto de desenvolvimento para todos e para todas. E isso implica, neste momento, ir para as ruas entrincheirados, com armas nas mãos, se tentarem derrubar a presidenta”. Disse ainda que “nós seremos um exército” se houver “qualquer tentativa de atentado à democracia, à senhora ou ao presidente Lula”.

O que isso quer dizer? Que Dilma Rousseff não se contenta com promover a negociação do desespero no Congresso Nacional, entregando ministérios importantes para pessoas desqualificadas em troca dos votos para se livrar do impeachment. A conivência da presidente diante de promessas inequívocas de recurso à violência significa que Dilma também quer poder contar com as ameaças dos “movimentos sociais” contra a população que deseja apenas ver a lei ser cumprida. É por essas e outras que não se viu reprimenda quando Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, afirmou, no fim de março, que “não haverá um dia de paz do Brasil. Podem querer derrubar o governo, podem prender arbitrariamente o Lula ou quem quer que seja, podem querer criminalizar os movimentos populares, mas achar que vão fazer isso e depois vai reinar o silêncio e a paz de cemitério é uma ilusão de quem não conhece a história de movimento popular neste país (...) Este país vai ser incendiado por greves, por ocupações, mobilizações, travamentos. Se forem até as últimas consequências nisso não vai haver um dia de paz no Brasil”.

O que está em jogo aqui não é a capacidade real destes movimentos de cumprir as promessas que fazem – ainda que se trate de bravata, as meras ameaças já são graves o suficiente e merecem a devida contestação legal. Mas o maior escândalo nisso tudo é ver que Dilma e o petismo não mexem um dedo para conter os ânimos paramilitares dos tais “movimentos sociais”. Manter esse tipo de dúvida sobre a população e os parlamentares – “Haverá conflitos nas ruas?” “Minha propriedade corre risco?” – é apenas uma estratégia a mais para Dilma se manter agarrada à cadeira presidencial, assim como comprar votos entregando cargos, assim como repetir infinitamente que há um “golpe” em curso no país. O recurso à violência foi trivializado pelo petismo.

O discurso de Dilma logo após a fala incendiária de Aristides Santos parece uma tentativa de esfriar os ânimos. Mas só parece. “Nós não defendemos qualquer processo de perseguição de qualquer autoridade porque pensa assim ou assado. Não defendemos a violência, eles exercem a violência, nós não.” “Eles”, no caso, são a oposição, apesar de ainda estar para aparecer um equivalente oposicionista de Boulos, Santos ou Freitas, alguém prometendo colocar fogo no país como fazem os três líderes defensores de Dilma. E anos e anos de petismo no poder já deixaram claro que, para o petismo, invasões de terra ou de prédios não são mesmo violência, não são atentado à lei: são apenas “justiça social”.

O golpe sem o impeachment

É inevitável a sombria perspectiva de um governo ainda pior que o desgoverno de hoje, na hipótese de que o impeachment de Dilma seja barrado na Câmara dos Deputados, que se tornou necessário considerar porque o Planalto está assumindo “compromissos com o rebotalho do Congresso, abrindo-lhe espaços nobres no Ministério e aviltando de forma inédita o exercício da Presidência”, conforme destacado em editorial publicado no domingo neste espaço. E, pelas notícias que vêm do submundo brasiliense, não são cargos apenas que são mercadejados. Também o dinheiro vivo compra ausências (por R$ 400 mil) ou votos (por R$ 1 milhão) que favoreçam Dilma. São importâncias calculadas, bem a propósito, para caber em cuecas ou peças semelhantes, como disso bem sabem notórios próceres do governo petista. Menos insultaria o político corrupto; mais tornaria o negócio arriscado.


A agravar essa perspectiva negativa, em especial no que diz respeito ao aviltamento do exercício da Presidência da República, está o fato de que uma reviravolta que garanta o mandato de Dilma implicará inevitavelmente o fortalecimento político de Luiz Inácio Lula da Silva e a provável confirmação de sua nomeação para o Ministério, que ele próprio acredita que acontecerá em breve.

Diante dessa possibilidade, a questão que se coloca é a seguinte: quem será efetivamente o chefe do governo? Dilma ou Lula? Não que faça muita diferença para o País, porque, do ponto de vista econômico, a ingovernabilidade tem raízes profundas no voluntarismo estatista do PT e isso não mudará. E, do ponto de vista político, este governo impopular continuará refém do fisiologismo escancarado no qual o baixo clero parlamentar foi acostumado a se esbaldar pela falta de escrúpulos do lulopetismo. Uma coisa é obter 172 votos e/ou ausências suficientes para barrar o impeachment. Outra coisa é garantir maioria de votos, mesmo que simples, para aprovar as iniciativas do Executivo. Trocando em miúdos, com o PT no poder, a economia não será saneada e a política continuará a esbórnia que tem sido. Ou seja, a moralidade não se restaurará.

Lula é visto pelo PT como a salvação da lavoura. E, se o impeachment não for aprovado, a influência do chefão no aliciamento de votos terá sido decisiva. Com esse crédito, ele será uma espécie de primeiro-ministro, detentor efetivo do poder, até porque é mais fácil acreditar em Papai Noel do que na hipótese de que Dilma, apesar de toda sua soberba e arrogância, tente com sucesso subordinar Lula a seu comando. E o próprio ex-presidente não faz segredo disso. Na visita que fez a Fortaleza no fim de semana, cansou-se de proclamar que vai virar ministro para “tomar as rédeas” do governo. É exatamente isso o que desejam, e não disfarçam, o PT e todas as entidades sindicais e sociais que são extensões do lulopetismo.

A se confirmar esse drible em Dilma – honi soit qui mal y pense – estará consumado o golpe que há meses ela teme e denuncia pois, em última análise, estará sendo deposta de facto, por meio, digamos, de um “arranjo doméstico”. E ninguém no PT e arredores moverá uma palha para protestar contra o golpe da usurpação do poder de quem foi consagrada nas urnas com mais de 54 milhões de votos populares. Lula e o PT, triunfantes mercadores de ilusões, estarão dando uma debochada banana para os dois terços de brasileiros que querem ver pelas costas Dilma Rousseff e tudo o que ela significa.

Com Lula no comando do governo e Dilma se dividindo entre o saudável pedalar matinal nas cercanias do Palácio da Alvorada e uma intensa agenda de inaugurações festivamente desimportantes Brasil afora, o País estará condenado a piorar – mas acreditando que melhora.

Populista irredimível, Lula acredita ter salvado com as próprias mãos o Brasil da crise mundial de 2008, sem se dar conta de que a “nova matriz econômica” em que embarcou crente de que estava abrindo as portas do Paraíso era a súmula do desastre. Anos de voluntarismo intervencionista paralisaram o País e surrupiaram a confiança dos brasileiros, interrompendo a produção de riquezas, única base sustentável para o verdadeiro desenvolvimento econômico e social. A Nação não aguenta mais do mesmo.
Editorial Estadão,

Um país posto em frangalhos com ou sem impeachment

Jamais se viu vexame maior como o oferecido pelo palácio do Planalto – leia-se dona Dilma e o chamado núcleo duro do ministério – nessa novela de horror do impeachment da presidente da República. Esforçar-se por salvar o seu mandato é dever fundamental de Madame, mas constituiu uma vergonha anunciar a reforma do ministério como chamariz para, quinze minutos depois, garantir que só nomeia novos ministros depois deles terem votado contra o seu afastamento.

Trata-se de chantagem explícita feita contra pequenos partidos e até contra o PMDB. Porque parece digno de Al Capone um deputado encontrar razões para livrar-se da presidente, mas logo depois mudar de lado, garantindo a permanência dela na chefia do governo.


Ignora-se quem fica pior nessa operação de compra e venda, se Dilma ou o deputado que vendeu seu voto. É a prova de que ninguém confia em ninguém. Mais ainda, de que nem a presidente nem sua base parlamentar ligam a mínima para a administração federal. Ministérios vendidos como filés dão bem a tônica de ser o impeachment uma necessidade. Caso não precisasse de votos para manter seu lugar, ela não estaria loteando seu governo de forma tão vergonhosa.

A situação fica pior quando se percebe a sombra da traição como mola mestra dessa operação ainda pairando sobre a Praça dos Três Poderes: Dilma, ganhando o voto essencial para continuar presidente, e, depois, esquecendo a nomeação; ou, o deputado, sendo nomeado ministro e, em seguida, votando pelo afastamento da presidente.

Como fica o país, diante dessa barganha que faria a alegria de Hitler e Mussolini? Trair compromissos é peculiar à prática política, mas deixar o país exposto à vergonha de não poder acreditar em nada, mais grave ainda.

O PMDB trocou de dirigente máximo, mandando Michel Temer para o banco e recrutando Romero Jucá. A estratégia é poupar o vice-presidente de maiores choques com a presidente, dando-lhe tempo para cuidar da composição de seu futuro governo. Isso na hipótese de se considerar o impeachment como coisa certa. O diabo é que certeza não se tem de nada. Pode ser que os partidários do afastamento venham a precisar de mais um ou dois votos, não na Câmara, ao menos no Senado.

De qualquer forma, ficando Dilma ou entrando Temer, nenhum dos dois terá condições de levar o Brasil até 2018. Serão governos postos em frangalhos, junto com o país. Só que a solução alternativa é pior: rasgar a Constituição para convocação de novas eleições gerais fora do prazo. Em nome do quê ou de quem? Se impopularidade não é penhor do afastamento de quem foi eleito, como aceitar que a solução seja um governo de união nacional?

Falou e disse

A gestão temerária das finanças públicas gerou uma crise de solução dolorosa, sem precedentes no país. A denunciada não pode se eximir de sua responsabilidade, como condutora maior da política econômica e fiscal do País. A profunda crise brasileira não é só econômica e financeira, mas também política e, principalmente, moral. O governo perdeu sua credibilidade aos olhos de nossa sociedade e perante a comunidade internacional
Jovair Arantes, relator da Comissão Especial do impeachment

TCU paralisa reforma agrária por rombo de R$ 2,5 bi

O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a paralisação imediata do programa de reforma agrária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em todo o país. A medida cautelar emitida pelo tribunal decorre de uma auditoria que identificou mais de 578.000 beneficiários irregulares do programa do governo federal. Nas contas da corte, o rombo potencial é de aproximadamente 2,5 bilhões de reais, por causa dos créditos e benefícios atrelados à previsão de 120.000 assentados entre 2016 e 2019.

São dezenas de problemas de extrema gravidade identificados pela corte de contas, entre eles a relação de 1.017 políticos que, criminosamente, receberam lotes do programa. A relação inclui 847 vereadores, 96 deputados estaduais, 69 vice-prefeitos, quatro prefeitos e até um senador. O TCU não divulgou a lista desses políticos beneficiados. A auditoria revela centenas de outros casos, como a concessão de lotes para pessoas de alto poder aquisitivo, como donos de veículos de luxo como Porsche, Land Rover ou Volvo, apesar de a regra do programa definir o benefício somente a família com até três salários mínimos. De acordo com o TCU, 26.818 beneficiários ganham bem mais do que isso, sendo que em 202 casos apresentaram renda superior a 20 salários mínimos. Há 37.000 pessoas falecidas cadastradas como beneficiárias do programa.

As irregularidades atingem praticamente 30% de toda a base de beneficiários do programa, que é da ordem de 1,5 milhão de famílias. Em 11.000 casos, o cônjuge de uma pessoa que já foi contemplada com um imóvel pelo programa é novamente atendido com uma segunda moradia. A precariedade do programa é tanta que há pessoas com idade de um ou dois anos de idade que também receberam imóveis. Milhares de beneficiários pelo programa possuem diversos cargos públicos, o que é proibido por lei. Foram encontrados ainda 61.000 empresários beneficiados pelo Incra. Outros 213 processos aprovados beneficiam estrangeiros.

Para medir a quantidade de concessão de lotes para pessoas de alto poder aquisitivo, o TCU adotou como critério a oferta de lotes para pessoas que tenham carros com valor superior a 70.000 reais. Foram identificados 4.293 proprietários nessa condição, todos eles donos de carros de luxo.

Os achados de auditoria já levam em conta explicações dadas pelo próprio órgão federal aos auditores da corte de contas. O ministro relator do processo Augusto Shermann criticou duramente o programa e relembrou que o Incra tem descumprido há anos determinações já feitas pelo TCU em relação à concessão dos benefícios. “É um processo que está sendo feito totalmente à margem da lei”, disse o ministro.

O colegiado do TCU foi unânime nas críticas ao programa e na necessidade de completa reestruturação do Incra e de seu trabalho. Em janeiro, a Controladoria-Geral da União (CGU) já havia demonstrado problemas graves do programa. O tribunal determinou ao Incra que apresente medidas para resolver cada um dos problemas identificados e que submeta essas ações para, após análise do TCU, seguir com as ações de assentamento de famílias e desapropriação de áreas.

Pescando tucunaré

Ministérios como moeda de troca numa hora que nem esta chama a atenção dos pouquíssimos fiscais da ética que ainda restam no plantão, todos muito confiantes nas ofertas que supõem melhores na próxima feira.

A zoada do discurso, como sempre, não tem nada a ver com as ações, como sempre, direcionadas aos que, a estas alturas, ainda se fingem de bestas.

O governo agora manda dizer que escapando do impeachment se reinventará em nova formatação e aí então retomará a negociação dos cargos. Só conversa para entreter novilhos intrépidos. Boi velho não cai nessa.

No aquário do Congresso Nacional centenas de peixinhos ornamentais ainda se mexem. Algumas dezenas esqueceram seus nomes próprios na certidão do cartório. Atendem por apelidos.


Quando a politica teimava em ser tão somente um instrumento da sociedade para fazer funcionar o Estado no serviço do bem comum, os políticos formavam plêiades. Hoje são classificados por apelidos e preferencias no mercado. Todos gostariam de ter uma estação de rádio ou uma televisão. Votam o que nem sabem, desde que lhe garantam um cargo federal para um amigo do peito na base eleitoral.

O poeta Gonçalves Dias tem um verso na sua Canção do Exilio de fazer muito pensar – “Em cismar sozinho à noite...” Então, cismando, pergunto – todos os políticos com mandato no Congresso Nacional são tão bem qualificados ao ponto de estarem prontos para assumirem qualquer Ministério? Aleatoriamente?

Não há logica de politica pública, não há sincronia nenhuma entre os atores da esplanada e a Presidente que balança a batuta como uma maestrina maluca de algum filme dentre os que Federico Fellini ficou a nos dever.

Como se estivesse ainda aprendendo a admirável arte de ser mineiro, quero dizer sobre a pessoa nascida e criada entre as alterosas de Minas, a maestrina manda espalhar que está suspensa a temporada de distribuição de ministérios e autarquias entre os partidos.

A conversa agora, essa de que depois que terminar novela do impeachment cuidará da redistribuição das alegrias do poder entre os que se comportarem como fies aliados me faz lembrar uma eleição municipal em Santa Inês, no Maranhão.

Na tarde dos últimos comícios, os ânimos muito acirrados, o Nagib, um carcamano esperto e de bom coração, mandou espalhar pelos carros de som do candidato dele, seu Otavio, que durante o comício haveria uma farta distribuição de japonesas.

Já anoitecendo, o comício do candidato do Alexandre, Senador Alexandre Costa, seguindo animado a todo vapor, eis que inusitadamente pede a palavra um candidato a Vereador e o animador então lhe passa o microfone. Denuncia o estelionato do adversário. A japonesa era sandália. Sandália pela metade. O outro pé só depois da eleição.

Tudo a ver com o governo agora. Ao mesmo tempo em que faz cortina de fumaça com os Ministérios e as grandes empresas estatais, se dana a querer pescar tucunaré, um peixe que prefere nadar em ambientes sombrios entre troncos, barrancos e pedrais.

É fato que na lagoa do jaburu tem muito tucunaré.

Edson Vidigal 

Inveja da Islândia

“Nada em biologia faz sentido senão à luz da evolução”, ensinava o grande geneticista ucraniano Theodosius Dobzhansky (1900-1975). E não é só a biologia. Pelo menos nos aspectos mais gerais, a observação de Dobzhansky vale também para a política.

A exemplo de tecidos e organelas, estruturas políticas evoluem recorrendo a adaptações. Quando os norte-americanos inventaram a Presidência da República utilizaram o que tinham à disposição, que era a monarquia. O resultado foi a criação de um Executivo cujo titular pode ser descrito como rei por prazo fixo.

Faço tal consideração devido a uma crítica recorrente. Sempre que defendo a legalidade do impeachment, leitores escrevem dizendo que no presidencialismo não cabe o voto de desconfiança típico do parlamentarismo e que não pode haver impedimento por incompetência. Será?

Se o voto de desconfiança é um mecanismo útil para resolver crises e se a incompetência tende a ser uma razão muito mais relevante para remover dirigentes do que vários dos crimes de responsabilidade listados na legislação, por que não utilizá-los? Vale lembrar que, embora a lei nº 1.079 não mencione especificamente essas situações, ela, com seus tipos abertos, oferece, dentro da legalidade, amplo espaço para adaptações.

O próprio impeachment vem evoluindo. Surgiu na Inglaterra medieval como procedimento penal que permitia condenar autoridades amigas do rei, ao fazer com que fossem julgadas no Parlamento e não nas cortes controladas pela Coroa. Tornou-se, nos EUA, um mecanismo de controle do Executivo, que passava a não poder tudo.

Não vejo mal em que se converta na versão presidencialista do voto de desconfiança. Se crises ocorrem e o impeachment se apresenta como meio eficaz, não violento e democrático de superá-las, não há motivo para deixar de usá-lo. Vejam a rapidez com que a Islândia resolveu sua crise e morram de inveja.

Por que os ricos da América Latina estão entre os que menos pagam impostos no mundo

O escândalo dos Panama Papers - o vazamento de mais de 11 milhões de documentos da firma panamenha Mossack Fonseca - fez mais do que tirar do anonimato atividades, legais e ilegais, de pessoas e empresas que mantêm contas em paraísos fiscais.

A exposição das manobras dos ricos e poderosos de todo o mundo para ocultar seu dinheiro e, em muitos casos, evadir impostos reacende o debate sobre a proporção entre as contribuições fiscais de pessoas em situação econômica mais privilegiada e o tamanho de sua fortuna.

Organizações internacionais apontam para um grande desequilíbrio na América Latina - na região, os 10% mais ricos concentram 71% da riqueza, mas pagam apenas 5,4% de seus rendimentos em impostos, em média, segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).


De acordo com a Cepal, entre os principais países do continente, apenas o México tem os mais ricos pagando mais de 10% de imposto - o Brasil aparece com um percentual em torno de 6% - e em muitas nações alíquota pode ser tão baixa como 1%.

Em países desenvolvidos, o percentual é bem mais significativo - 14,2% nos EUA, 25% no Reino Unido e 30% na Suécia, por exemplo.

"Na época do boom econômico da América Latina, este tema poderia ser menos urgente, mas com a crise atual e a dificuldade de gerar recursos, a questão requer uma solução muito mais clara", diz Ricardo Martner, diretor da Unidade de Assuntos Fiscais da Cepal.

Há três grandes razões para esse desequilíbrio fiscal na América Latina:

1. Estrutura fiscal regressiva

A estrutura de impostos que financia os gastos públicos se baseia em impostos diretos (sobre rendimentos e imóveis) e indiretos (consumo). Os primeiros favorecem a equidade, sob o princípio de quem mais tem mais paga mais, ao passo que o imposto sobre o consumo baseia-se no princípio exatamente oposto: ricos e pobres pagam o mesmo valor sobre o preço de um produto ou serviço, como é o caso do ICMS no Brasil.


Apesar de a arrecadação fiscal ter crescido mais de 42% nos últimos anos na América Latina e atingido a marca histórica de 21% do PIB da região, apenas um terço dessa carga de impostos é de taxação sobre a renda. A maioria da arrecadação vem dos impostos sobre o consumo.

"O aumento da arrecadação tem seguido esse esquema. Há maior pressão tributária, mas a maior parte vem de aumentos no imposto sobre valor agregado", explica Martner.

2. Evasão fiscal

A evasão fiscal é um problema crônico na estrutura fiscal da América Latina. Com um exército de contadores e advogados à disposição, bem como uma rede internacional de paraísos fiscais, empresas e milionários conseguem "fugir do Leão".

E os Panama Papers são um claro exemplo desse labirinto financeiro e legal. Segundo a Cepal, a evasão de impostos sobre a renda pessoal, corporativa e consumo custa à América Latina mais de US$ 320 bilhões por ano - ou 6,3% do PIB regional.

A ONG Global Financial Integrity, com sede em Washington, publicou no ano passado um estudo em que três países latino-americanos - México, Brasil e Venezuela - estão citados entre as nações com mais fluxos ilícitos de capital do mundo.

Dessas transações irregulares participam não apenas milionários buscando ocultar sua fortuna para pagar menos impostos, mas também empresas multinacionais. Segundo a Global Financial Integrity, corporações são as principais fontes desses fluxos, em especial por meio do subfaturamento de suas exportações.

3. Incentivos fiscais

Um dos mecanismos favoritos das elites político-econômicas são as exceções fiscais. Há uma diferença entre o valor teórico que deveria ser pago e o valor realmente pago - a contribuição efetiva após deduções, exceções e isenções. Para os ricos e corporações, esse regime foi justificado durante muito tempo como um estímulo para investimentos, que em teoria beneficiaria o resto da sociedade.

"Mas incentivos tributários não são suficientes para criar um clima (favorável) para investimentos. Isso depende de outros fatores que têm a ver com o investimento em bens públicos essenciais, que requerem mais arrecadação", explica Martner.