sábado, 17 de janeiro de 2015

O melhor é duvidar sempre, mas não se surpreender com nada

Depois de três semanas de ausência, tento compor estas linhas com o firme propósito de continuar a ser sincero e, agora, com o firmíssimo propósito de não permitir que nelas transpareça, neste início de 2015, a superdose de amargura que me coube (e coube a você também, leitor), em razão, sobretudo, do que de desastroso acontece em nosso país hoje. A tarefa, sei bem, não será fácil, mas há compensação: não somos exceção no planeta, incluímo-nos na regra geral. Só que essa constatação não nos vale para nada… Reinventemo-nos, pois!

Você merece, antes de tudo, os votos (atrasados) de muita paz no Ano-Novo. Mesmo assim, e ciente de que a esperança está em franca queda livre, convido-o a integrar o grupo dos guerreiros que vivem e morrem em nome dessa miragem sempre à mão: “Sem ela, não vivemos, murchamos”, disse Lia Luft, em sua primeira crônica deste ano. A tarefa é desumana, mas a esperança nunca morre, não é mesmo?

Sugiro-lhe, porém, acondicionar, em seu novo alforje, não só durante a difícil viagem que se iniciou há poucos dias, mas “ad aeternum”, o dever do exercício diário da dúvida. Repitamos, então, à exaustão, este mantra: “Duvido de tudo, mas nada me surpreende”. Com certeza, com essa precaução, daqui pra frente, como diz a canção, tudo será diferente, embora sejamos, nesse grande circo, o triste palhaço.

Por outro lado, não insistamos, por favor, no equívoco de achar, como disse o filósofo Luiz Felipe Pondé, que “crer na evolução moral do homem é ignorância ou simples vaidade”; nem alimentemos a ilusão de considerar, como dizem os santos e espiritualistas, que o homem, por ser criatura de Deus, só pode ser bom. Sejamos prudentes.

Ou será que Pondé está mesmo certo ao afirmar que, “em termos morais e políticos, podemos voltar a qualquer instante à Idade da Pedra, ou pior? Dentro de cada um de nós – conclui ele – vive um neandertal (sem querer ofender seus descendentes, claro)”.

Nossa conversa pode se prolongar até o fim deste ano ou, talvez, até o fim de mais outro, de mais outro, de mais outro… Se isso o angustia, a mim angustia muito mais. Comecemos o ano, então, com esta simples pergunta: será que a presidente Dilma se sente tão apreensiva quanto nós? Ou o poder lhe ofuscou a visão de tal sorte que já não é mais capaz de enxergar um milímetro além do seu umbigo?

Não era intento meu falar sobre nossa presidente, mas sua figura, tanto no primeiro quanto agora, no segundo mandato, ainda que vista de longe, é a mesma: desperta não só em mim, mas em milhões de brasileiros, muitas dúvidas e aflições. Como, pois, distanciar-me de um assunto do qual depende, para o bem ou para o mal, o destino de mais de 200 milhões de humanos? Você conseguiria?

A Petrobras, de cujo Conselho Dilma foi presidente (após ter sido ministra de Minas e Energia), criou empresas de papel, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União, para construir um gasoduto na Bahia. Lula e Dilma, em 2010, inauguraram a obra às vésperas da eleição que a elegeu. Mas não é só isso: a auditoria do TCU identificou, na execução da obra, um superfaturamento de 1.800%!

Nada melhor, para definir o momento por que passa o país, do que relembrar alguns versos de um poema de Pablo Neruda, em seu “Canto Geral”: “Por fim, levaram ao Congresso a Lei suprema, a famosa, a respeitada, a intocável Lei da Trapaça. Foi aprovada”.

É disso que se trata: da política que virou trapaça.

Acílio Lara Resende

As adversativas



Não vejo equivalência possível entre uma piada, ainda que ruim, e uma bala na cabeça
Tenho uma fantasia que se manifesta como se fosse um esquete do Porta dos Fundos. Estádio lotado, jogo decisivo, minutos finais. O camisa 10 mata no peito na entrada da área. Dá um chapéu no primeiro beque. Mete por baixo das pernas do beque na cobertura. Toca no contrapé do goleiro, que cai sentado, pateticamente. Golaço.

Então, o camisa 10 parte para a comemoração. Aponta para baixo, bota a língua para fora, faz o sinal do demo com os indicadores e os mindinhos. Por fim, sacode o escudo com o pentagrama antes de ser soterrado pelos colegas. O técnico beija a cruz invertida que oculta sob o agasalho. Os reservas encapuzados brincam de ciranda em torno do mascote do time, um sujeito vestido de bode preto com olhos vermelhos.

Talvez mais alguém ache graça nisso, lembrando dos jogadores que intercalam “toda glória a Deus” a cada declaração banal. Talvez alguém ache de mau gosto. Talvez alguém queira meter uma bala na minha cabeça. Talvez ninguém estranhe nada. Afinal, quando as pessoas perguntam se acredito em Deus, e respondo que sou ateu, sinto que se dissesse “eu acredito em Satã, Senhor de Todos os Infernos” elas ficariam menos decepcionadas. Nesse caso, como a maioria, eu ao menos acreditaria num outro mundo.

Não acredito. Não vejo equivalência possível entre uma piada, ainda que ruim, e uma bala na cabeça. Se os jornalistas foram quase unânimes na condenação do atentado ao “Charlie Hebdo”, e nas implicações dele para a liberdade de expressão, base de todas as outras, inclusive a religiosa, também choveram adversativas relativistas. Sinal de que, pensando nos próprios credos, muitos estão dispostos a perdoar os terroristas.

“Atentados como os de Paris são condenáveis, mas uma coisa é a liberdade de expressão, outra é a mera provocação, e não se pode ridicularizar a fé alheia.” Esta frase é um pequeno frankenstein, que costurei a partir das coisas que li. Claro que também li observações argutas, como a de uma leitora deste jornal, chocada justo pela presença de “conjunções adversativas — mas, porém, contudo, entretanto, todavia etc. — antes de (...) ‘argumentos’ que, invariavelmente, pedem limites à liberdade de expressão.”

Pergunto-me se a turma do “mas” seria tão compreensiva se a redação de um jornal esportivo fosse massacrada por membros de uma torcida organizada furiosa com as gozações feitas ao seu time, algo simples assim, chão, terreno. Acho que não. Porque as adversativas indicam que, na cabeça dessa gente, é o discurso religioso que está a salvo de reparo, crítica ou sátira. Ele e o discurso do culto à personalidade. Porque, como escreveu George Orwell, “um Estado totalitário é na realidade uma teocracia”.

Leia mais o artigo de Arthur Dapieve 

Somos Atlas


Até tu, papa?

PODE
Francisco pisou na bola como qualquer perna de pau do San Lorenzo de Almagro. Preparou uma jogada de placa, mas deu um chutão para a galera.

Chico foi de uma santa infelicidade quando sugeriu que liberdade de expressão tivesse limites. Não foi capaz de lembrar a lição cristã de oferecer a outra face. Mas não que a ofensa, que é também uma forma de liberdade de expressão, tenha como resposta uma agressão física como o soco, ou uma AK-47.

Para agradar gregos e troianos, ou judeus e islâmicos, condenou o que seria um excesso dos chargistas ou humoristas, que deveriam ter medidas de até onde ir, respeitando a liberdade religiosa, que nada mais é o que outra liberdade de expressão.

O papa, nas entrelinhas, estaria censurando o riso, a brincadeira, a crítica, quiçá condenando o que é próprio do homem, portanto, vinda de Deus. Ou não somos imagem e semelhança como asseguram as Escrituras? Deus não sorriria de nossas brincadeiras? Ou seria um Carrancudo, com maiúscula? (Esqueceram da alegria e da brincadeira que tanto espalhou São Francisco de Assis, o menino alegre da Igreja dizendo verdades?)

Chico lembrou que tem que se respeitar a religião como se essa criação humana fosse sagrada acima mesmo da criação. Não são sagrados os vermes, as bactérias, os vírus, os animais, a natureza, o homem? São bem mais do que qualquer religião, expressões máximas de Deus, e, no entanto, não merecem o tratamento digno nem são condenadas com tanta veemência as agressões a elas.

O ataque ao Charlie Hebdo deixou mesmo muita cabeça tonta, porque a liberdade realmente tonteia. Tem que se condenar com rigor o terrorismo, a bandidagem, ainda mais feita em nome da religião, não se pode é ter a mesma medida condenatória à liberdade seja ela qual for, quando aí sim estaremos dando grande passo para satisfazer os falsos sérios, os falsos religiosos, os falsos de qualquer tipo.
NÃO PODE

Nossa dívida


Depois de tudo que logramos fazer, estamos deixando uma civilização do medo para nossos jovens, nossas crianças e aqueles que ainda não nasceram: o medo do aquecimento global e de todas as consequências de um clima enlouquecido; o medo do desemprego em uma economia capaz de usar tecnologias milagrosas que descartam trabalhadores, em vez de criar tempo livre para ser usado livremente; o medo da droga que corrói o cotidiano de cada dependente e sua família; o medo da crescente desigualdade mundial, revelada pelo fato de que as 85 pessoas mais ricas do mundo detêm patrimônio superior a US$ 1,7 trilhões (US$ 20 bilhões per capita) equivalente à riqueza da metade da população mais pobre (3,5 bilhões de pessoas, resultando em US$ 685 per capita); a desigualdade que atinge a mais imoral de suas manifestações ao desigualar a esperança de vida conforme a renda de que a pessoa dispõe para pagar por serviços médicos; uma civilização que superou as desigualdades nobiliárquicas e construiu a desigualdade no direito de viver mais ou menos conforme a renda; sobretudo o mais visível medo, o da violência urbana crescente e do terrorismo impossível de ser controlado se não barrarmos as causas que o fabricam.
Cristovam Buarque em "Nós somos Charlie, nós estamos indignados, nós temos esperança"

Nível do mar subiu mais do que se esperava

Intervenção do Greenpeace na cúpula do clima de Cancún, em 2010

Em seu documentário “Uma Verdade Inconveniente”, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore alertava que o aquecimento global provocaria uma elevação do nível do mar de mais de 6 metros num futuro próximo, sepultando cidades à beira-mar. Foi um dos exageros mais criticados do filme do Prêmio Nobel da Paz de 2007.

Na realidade, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), das Nações Unidas, que compartilhou o Nobel com Gore, calcula que o nível do mar se elevou a um ritmo de 1,7 milímetro por ano durante o século XX. Durante o século XXI, estimam, o oceano subirá, em média, entre 0,22 e 0,44 metro em relação aos níveis de 1990.

Um novo estudo argumenta agora que as cifras do IPCC para o século XX também estão “superestimadas” e é necessário “revisar” as projeções para o futuro. Seus autores, da Universidade Harvard (EUA), reajustaram os modelos matemáticos com as últimas técnicas disponíveis e calculam que o nível do mar subiu apenas 1,2 milímetro ao ano entre 1901 e 1990.

O trabalho, publicado nesta quarta-feira na revista Nature, está longe de minimizar o problema. Os pesquisadores, liderados pela física Carling Hay, alertam que a aceleração da subida do nível do mar nas últimas duas décadas é maior do que se pensava, alcançando 3 milímetros ao ano entre 1993 e 2010.

O nível do mar sobe porque a água se expande à medida que se aquece e pelo derretimento do gelo terrestre. No entanto, a elevação não é uniforme, mas depende de uma multiplicidade de padrões geográficos analisados agora em detalhe pela equipe de Harvard, que também leva em conta os registros históricos das marés e os dados de satélite. Para o climatologista Jonathan Gregory, coautor dos informes do IPCC, a nova pesquisa é “um passo útil adiante”.

Carling Hay lembra que algumas projeções para o futuro “se embasam nas reconstituições do nível do mar no passado, por isso será importante ajustar esses modelos com os novos dados”.

O IPCC calcula que o nível do mar subiu 120 metros depois do último período glaciar vivido pela Terra, há uns 21.000 anos, até estabilizar-se há uns dois milênios. Depois disso, o mar ficou calmo, até que a Revolução Industrial fez dispararem as emissões de CO2, e o nível do mar voltou a subir. Um estudo recente financiado pelo Governo espanhol concluiu que o nível do oceano no litoral espanhol aumentará entre 0,6 e 0,8 metro ao longo do século XXI se nada for feito para reduzir as emissões.

Transcrito de El Pais