Bolsonaro desencadeou crises profundas nas igrejas cristãs nascidas das reformas protestantes. Crises que estimularam abandono das igrejas, especialmente pelos jovens e pelos membros mais conscientes da gravidade da situação social e dos riscos representados por um governo que ameaça a frágil democracia brasileira.
A notícia de que o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil desistiu de “vetar cristão de esquerda” trata de uma ocorrência da maior importância política. A igreja reagiu a uma proposta que seria levada ao seu Supremo Concílio por um de seus pastores, que já havia se pronunciado no templo pelo apoio à candidatura de Bolsonaro.
No Brasil, o Estado é legalmente separado da religião. Um conjunto de irregularidades, no entanto, vem sendo praticado por várias igrejas e denominações na violação desse preceito.
Aliás, foi um presbiteriano de origem que levantou o tema pela primeira vez, na chamada “Questão do Cristo no Júri”, em 1891, com base no fato de que a Constituição republicana estabelecera a separação entre Igreja e Estado. Tratava-se do Dr. Miguel Vieira Ferreira (1827-1895), que se desligara da Igreja Presbiteriana e fundara a Igreja Evangélica Fluminense.
Ele era militar, matemático, fora abolicionista e era republicano. Chamado a participar do júri no Rio de Janeiro, em nome da Constituição solicitou que fossem retirados os crucifixos dos recintos públicos em que cidadãos, de qualquer religião, tivessem que atuar. Isso lhe criou um enorme problema, acabou preso.
Dele até hoje, os presbiterianos da igreja que agora se manifesta passaram por grande recuo. Sobretudo no governo Bolsonaro, envolveram-se em várias funções do Estado não em nome da cidadania, mas de uma convocação religiosa, a do “terrivelmente cristão” das pregações do presidente. O caso do da educação foi a gota d’água da negação de valores republicanos da tradição calvinista.
No voto alternativo que superou a proposta do pastor que definia um quadro de limitações a membros identificados com orientações filosóficas diversas das oficiais, prevaleceu o temor de um cisma. Como o já ocorrido nos anos 1970, quando a Igreja, alinhada com o regime militar, perdeu um grupo de pastores que se constituiu na Igreja Presbiteriana Unida. O golpe de 1964 contara com o apoio da Igreja Presbiteriana dominante. Vários presbiterianos, na sequência, se tornaram governadores de estado.
Houve, na ditadura, episódios graves envolvendo evangélicos na violação de direitos humanos, o que sugere uma identificação doutrinária com o regime autoritário e com a repressão que o garantiu.
Na votação de agora, os pastores lembraram de uma decisão anticomunista do Supremo Concílio, de 1954. Foi quando a Igreja justificou-se ao invocar a “incompatibilidade entre o comunismo ateu e materialista e a doutrina bíblica”. Negação do envolvimento nas questões sociais. Em linha oposta à de uma declaração da Confederação Evangélica do Brasil sobre “A Responsabilidade Social das Igrejas”.
Ia-se definindo uma cisão entre as igrejas evangélicas identificadas com o Concílio Mundial de Igrejas, protestante, de Genebra, e as identificadas com as igrejas americanas anticomunistas e as de inspiração fundamentalista.
A referência de 1954 está muito longe da realidade social e política de agora. Os presbiterianos estão se referindo, provavelmente, ao regime totalitário de Stalin, cuja violência e cuja intolerância foram denunciados por Nikita Kruschev, em 1956.
Foi a Guerra Fria desencadeada pelas potências capitalistas já no final da Segunda Guerra que deu extensa sobrevida a uma versão não marxista do socialismo e congelou a esquerda naquilo que não era. Gente repressiva e ignorante reinventou a esquerda para persegui-la. Criou a base ideológica dos regimes totalitários na América Latina.
Não deixa de ser engraçado e contraditório que o combate ao marxismo, por essas igrejas, desconhece que Karl Marx e seu companheiro de trabalho intelectual, Friedrich Engels, eram batizados pela Igreja Luterana. Engels destinara-se à vida de pastor, o que não ocorreu porque teve que assumir a administração da fábrica de sua família na Inglaterra.
Nunca renunciaram ao batismo, o que não quer dizer, como explicou o Padre Gustavo Gutierrez, um dos pais da Teologia da Libertação, que fossem cristãos. No entanto, isso não quer dizer que não haja em suas obras concepções interpretativas e valores próprios do cristianismo. Penso que isso é estrutural no famoso ensaio sobre a alienação, nos “Manuscritos econômicos e filosóficos”, de Marx. Aliás, o cardeal Ratzinger, depois Bento XVI, o cita em seu estudo sobre a vida de Jesus.
A União Europeia irá votar uma legislação que, se aprovada, poderá afetar significativamente as exportações brasileiras. Trata-se da Lei Antidesmatamento, que prevê punições às empresas compradoras de produtos que provoquem devastação florestal. Segundo previsão de diplomatas brasileiros, o projeto deve entrar na pauta do Parlamento Europeu a partir do mês que vem.
As punições atingirão empresas que comprarem café, carne, soja, madeira, óleo de palma ou cacau cultivados em regiões de desmatamento. Os três primeiros produtos, entre os seis incluídos na primeira versão da lei, estão no topo da lista de exportações brasileiras para a Europa. Será igualmente punido quem negociar com regiões ou países que desrespeitam os direitos de populações tradicionais.
Para Giovanna Kuele e Andreia Bonzo, do Instituto Igarapé, o propósito da União Europeia é impedir que empresas do continente colaborem com a destruição das florestas – mas outros ecossistemas, como o Cerrado, poderão entrar na nova lei. Elas discorrem sobre o assunto no minipodcast da semana.
O Brasil tem duas atitudes possíveis diante da iniciativa europeia. A primeira é o esperneio.
Nossos negociadores podem alegar que a lista inicial de produtos atinge especialmente as exportações de países em desenvolvimento – o que é verdade.
Poderão dizer também que a lei contraria alguns princípios da Organização Mundial do Comércio, o que é igualmente correto.
A resposta inteligente, no entanto, é olhar para o próprio quintal. Nos últimos anos, o Brasil vem batendo recordes de desmatamento. Como ter credibilidade em mesas de negociação com tal histórico?
Uma possível crise, assim, pode ser vista como oportunidade. Se nos comprometermos com metas de desmatamento zero – metas que, diga-se, são mais ambiciosas do que as previstas em nosso Código Florestal –, voltaremos a ser respeitados mundialmente e poderemos negociar em melhores condições. Somos vistos hoje, merecidamente, como párias ambientais. Está em nossas mãos reverter a má imagem.
Temos o maior pedaço de floresta tropical do mundo e um enorme potencial de produção de energia limpa. A única chance de o Brasil ganhar alguma relevância internacional é ter voz nas discussões sobre a economia de baixo carbono. Que será, inevitavelmente, a economia deste milênio.
Nós, que já fomos considerados o país do futuro, hoje somos vistos como uma nação em marcha à ré. Se não cuidarmos obsessivamente de nossa maior riqueza – o meio ambiente –, um novo e triste rótulo nos aguarda: o de país do passado. Ou, pior, o de país sem futuro.
Abra o olho, porque as coisas vão esquentar. Bolsonaro está a ponto de perpetrar um grande absurdo, maior do que tudo que cometeu até hoje --algo que porá contra ele até setores que ainda o apoiam no Congresso e nas Forças Armadas. Fará isto de caso pensado. A intenção é provocar uma medida, vinda não se sabe de onde, que o impeça de concorrer às eleições. Isso insuflará o seu discurso de que só assim conseguem derrotá-lo e convocará para a briga seus seguidores, que detêm hoje um poder de fogo maior que o dos quartéis.
Ao contrário do presidente dos EUA Donald Trump, que se achava em condições de enfrentar Joe Biden nas eleições americanas de 2020, Bolsonaro sabe que já perdeu. Se de há muito os números não lhe estão a favor, a campanha os tornará piores ainda quando, descabelado, aos gritos e palavrões, seu descontrole ficar claro até para os papalvos que ainda acreditam nele. Temendo uma derrota no primeiro turno, Bolsonaro não pode esperar por um 6 de Janeiro, como ficou conhecida a invasão do Capitólio pelas hordas de Trump. Precisa de um 6 de Janeiro antes de 2 de outubro. Talvez a 7 de setembro. Talvez antes.
É difícil imaginar algo ainda mais absurdo do que os crimes que ele já cometeu, contra a vida humana, as instituições, a floresta, o decoro, o dinheiro público. Mas Bolsonaro, ou algum gênio da estratégia por trás dele, é inesgotável. A ideia de botar os canhões, urutus e esteiras de lagartas para rodar pela orla de Copacabana já parecia descalabro suficiente, mas não é ---pode melar com uma simples canetada do prefeito do Rio. Bolsonaro terá de vir com algo muito mais bombástico. E virá.
Alguns verão nisso um exagero. Mas, há um ano, também se achava exagero dizer que Bolsonaro estava se preparando para um golpe.
Desta vez, será mais do que um golpe ou tentativa de. Será a senha para uma guerra civil. Bolsonaro não tem mais nada a perder.
Os países nada mais são do que arranjos sociais, em certo ponto de suas histórias, segundo valores, proposições, erros e acertos. Daí, a mudança contínua de suas fronteiras, na luta e na guerra, na inexistência de fronteiras naturais. Precisam de exércitos para manter aquilo que acham que, por natureza, lhes foram atribuídos. Interessante observar que Max Weber, em sua obra Economia e Sociedade, não utiliza o termo sociedade em nenhuma parte de seu livro, somente na capa. Weber se refere à interação social como a amalgama do meio social.
Sabemos que as democracias são pactos, com o estabelecimento consensual de leis entre as partes. Fora do contrato social, conforme Rousseau, somente a barbárie. Mas a democracia é um princípio, e os países mudam, levando a transformações sociais.
Hoje, nas Ciências Sociais há a tendência de se utilizar as teorias existentes no que elas têm de mais significativo. As teorias no século XIX foram escritas como teorias gerais. Hoje, observamos o que há de adequado em cada teoria, como teorias de médio alcance.
Marx, no Volume III do Capital, esboçou o que seria a teoria da alienação. Nem todos podem ser empresários ou trabalhadores ao mesmo tempo. Portanto, existem limites estruturais. Mas, para a convivência mais harmoniosa, a classe dominante difunde a ideologia da igualdade das oportunidades. O problema, para a classe dominante, é quando ela começa a acreditar na ideologia que difunde, gerando a alienação do poder. Na Teoria Funcionalista, de Parsons e Merton, se alguém se esquece das variáveis que o levaram ao poder, achando que se validam por outros valores, entram em disfuncionalidade, com tendência à queda.
Um país, para existir, depende de um equilíbrio entre as partes, por consenso ou opressão. Todo modelo a longo prazo, entretanto, tende a ficar instável. As sociedades mudam, em suas condições econômicas, políticas e populacionais. A alienação das elites leva à disfuncionalidade em suas funções, tendo chegado ao poder devido a certas variáveis, mas atuando segundo variáveis distintas daquelas que os levaram ao poder.
Bolsonaro foi eleito com discurso contra as esquerdas, a “velha política”, e para implementar uma economia liberal. A economia liberal não foi implementada. À “velha política”, ele se aliou. Bolsonaro acha hoje que representa uma cruzada do conceito que ele tem de “liberdade”, se esquecendo daquilo que o levou ao poder. Hoje, Bolsonaro representa a derrocada da economia e a ameaça à democracia; Lula o recall do desenvolvimento e a estabilidade democrática. Bolsonaro é vítima da alienação do poder, limitado que é em suas percepções. Como Dom Quixote combatendo os Moinhos de Vento, na obra de Cervantes. Bolsonaro encontra-se em completa disfuncionalidade. Tende para a força, sem base social para isto. A força não vai se sobrepor ao consenso formado contra o que ele representa. Dificilmente será reeleito.
Houve vaias em atos do candidato Lula da Silva em sua terra natal, Pernambuco. Não foram direcionadas ao ex-presidente, mas aos candidatos do PSB que subiram com ele no palco. Para a militância petista, políticos como Danilo Cabral, pré-candidato do PSB ao governo pernambucano, são traidores, pois votaram a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016.
"Eu sou da terra, eu sou da época que a gente fazia acordo no meio do bigode", comentou Lula no ato político em Olinda, no fim de julho. A organização do evento já esperava tal aversão aos aliados – segundo relatos da mídia, uma gravação com aplausos estava preparada para abafar as vaias.
A viagem a Pernambuco colocou Lula no meio de uma disputa entre duas famílias que dominam o estado há décadas: Arraes e Campos, que na verdade são quase uma família só. São donas do PSB, atualmente da base aliada de Lula. Mas, como em todas as famílias (e partidos), há brigas internas.
Marília Arraes, promessa política da família Arraes, deixou o PSB em 2016 e se filiou ao PT, sendo uma das figuras emblemáticas na luta contra o impeachment de Dilma. Mas no começo deste ano, ela deixou também o PT. Marília descobriu que existem conflitos internos também no partido de Lula. Agora ela é candidata do Solidariedade ao governo pernambucano. E, assim, adversária de Danilo Cabral, aquele que subiu ao palco lulista em Olinda.
Parece estranho Lula apoiar um candidato que votou para tirar o PT do poder em 2016, em vez de uma candidata que fez história em seu próprio partido?
"A política é a arte do possível", diz um velho ditado alemão do século 19. Lula sempre soube disso, e agiu conforme essa regra. Em seus primeiros dois mandatos, entre 2003 e 2010, o petista se aproximou da velha política para obter o apoio necessário para realizar suas políticas. Ele tem jogo de cintura, e sabe que a política é um jogo sujo.
Lula não é um radical xiita – eis a fórmula de seu sucesso. E isso o diferencia de grande parte da militância petista. Segundo André Singer, podemos dizer que essa á a diferença entre o petismo e o lulismo.
O petismo é mais radical, no sentido anticapitalista, enquanto o lulismo abraça o capitalismo para financiar os programas de combate à pobreza. Mas o lulismo também não tem a mesma crítica ao sistema político como o petismo. O lulismo não tem discurso antissistema, mas aceita os inimigos políticos como aliados.
Quando o ex-presidente Michel Temer apareceu, uns dias atrás, dizendo que "Dilma é honestíssima", a ex-presidente reagiu mal a mea culpa de seu ex-vice. Dilma respondeu friamente: "A história não perdoa traição". Ela já não queria conversa com a "velha política" quando esta fazia parte da base do próprio governo. Imagina agora.
Difícil imaginar uma frase como "a história não perdoa traição" vindo de Lula. Mesmo após ter passado 580 dias na prisão, ele não demonstra mágoas (que deve ter). Ele não confunde apoio político com amor. Lula é político, sabe perder e ganhar. E vencer em outubro significará o triunfo do lulismo.
Mas sempre resta a pergunta se poderia haver lulismo sem seu protagonista. Saberemos em anos futuros, quando não haverá mais um candidato Lula.