sábado, 31 de agosto de 2024

Como supostos laços do X com oligarcas russos impactam Musk

Documentos judiciais divulgados na semana passada pelo Tribunal de Distrito dos EUA para o Distrito Norte da Califórnia lançaram luz sobre acionistas e investidores envolvidos com a X Holdings Corp de Elon Musk, revelando quem ajudou a financiar em 2022 a aquisição de 44 bilhões de dólares (R$ 247 bilhões) da plataforma, conhecida na época como Twitter.

A revelação ocorre justamente quando o bilionário sul-africano se encontra em uma disputa com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

A lista, obtida pelo jornal Washington Post, elenca cerca de 100 entidades e indivíduos, incluindo empresários proeminentes do Vale do Silício, mas também indivíduos que supostamente têm ligações com oligarcas russos.

Os advogados da organização sem fins lucrativos Reporters Committee for Freedom of the Press (Comitê de Repórteres para a Liberdade de Imprensa) entraram com uma moção em julho pedindo que o tribunal liberasse os registros, em nome do jornalista independente de tecnologia Jacob Silverman.

Em seu site, Silverman escreveu: "Acredito que as pessoas têm o direito de saber quem é o proprietário de uma empresa com um papel tão proeminente na formação do discurso público, tanto nos Estados Unidos quanto ao redor do mundo".


Uma das empresas listadas é a 8VC, uma companhia de capital de risco cofundada por Joe Lonsdale, também cofundador da plataforma de análise de dados Palantir.

A 8VC investiu em projetos de defesa dos EUA, com Lonsdale argumentando que a crescente influência da China está por trás da iniciativa de sua empresa de apoiar startups militares.

Ao falar durante um evento em março, Lonsdale afirmou que a China está "construindo coisas realmente avançadas que estão começando a competir com os EUA".

"Isso se tornou uma constatação muito assustadora para nós há cerca de 10 anos, de modo que passamos a nos dedicar com afinco à defesa", disse ele.

No site do fundo, Denis Aven e Jack Moshkovich – filhos dos oligarcas russos sancionados Petr Aven e Vadim Moshkovich – aparecem na seção de funcionários. O primeiro é cofundador do Alfa-Bank, o maior banco privado da Rússia, e da empresa de investimentos LetterOne Holdings. Ele foi sancionado como parte das medidas impostas a indivíduos russos em reação à guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Moshkovich, por sua vez, fez fortuna no setor agroindustrial com sua empresa Rusagro Group. Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, ele foi sancionado pelos países ocidentais devido a seus supostos laços com o presidente russo,Vladimir Putin.

Não há nada que sugira que os pais sancionados tenham algum vínculo financeiro com a 8VC. No entanto, é provável que as funções de seus filhos sejam submetidas a um exame mais minucioso, já que o governo dos EUA está se tornando cada vez mais cauteloso com os vínculos de personagens estrangeiros com o setor de tecnologia.

Recentemente, o National Counterintelligence and Security Center, do gabinete de Inteligência Nacional dos Estados Unidos, divulgou um boletim alertando as startups do Vale do Silício sobre a possibilidade de agentes estrangeiros usarem acordos de investimento para explorar dados confidenciais.

Conhecer a propriedade de um canal de mídia que exerce uma influência considerável, com alcance internacional, proporciona transparência, não apenas para os usuários, como também para as partes financeiras interessadas. Então, o que essas revelações de propriedade significam para Elon Musk e sua plataforma de mídia social X?

"Os proprietários tradicionais, como fundos de investimento, podem esperar um retorno financeiro convencional. Em comparação com outras mídias, o oeste selvagem dos canais de mídia social pode atrair outros investidores que imaginam que seus retornos possam vir de uma combinação diferente de maneiras", diz Gordon Fletcher, especialista em pesquisa e inovação da Salford Business School do Reino Unido.

"Endossos, acesso a dados, amplificação algorítmica de mensagens ou filtragem aprimorada podem ser possibilidades", disse à DW.

A divulgação pode ser incômoda para alguns dos investidores de alto nível, que incluem o príncipe Alwaleed bin Talal, da família real da Arábia Saudita, e empresas de investimento como o Baron Opportunity Fund e a Andreessen Horowitz.

"Embora os investidores em tecnologia sediados nos EUA tenham sido revelados logo no início, o grupo mais amplo de investidores não foi. Uma promessa de não divulgação incomodaria alguns que agora estão sob os holofotes. Isso pode ser útil como alavanca para negociar uma posição diferente em relação à empresa", disse Fletcher.

No entanto, não está claro, neste momento, se isso provocará um êxodo de investidores da X.

"Pode não ser simples para eles venderem suas participações para Musk ou algum outro comprador. A capacidade de vender pode depender de acordos de investimento específicos que não conhecemos", diz Paul M. Barrett, vice-diretor do NYU Stern Center for Business and Human Rights.

Nesta fase, também é muito cedo para dizer se o envolvimento da 8VC e, especificamente, a dos filhos de oligarcas russos sancionados, poderá dissuadir outros fundos de capital de risco de investirem na X.

"Há um grupo cada vez maior de grandes investidores institucionais que estão cada vez mais apresentando seu portfólio como sendo baseado em compromissos éticos. Muitos deles se baseiam em preocupações ambientais e não políticas. Mas a visibilidade desses investidores específicos e sua ligação com a Rússia deixarão alguns investidores institucionais nervosos", disse Fletcher.

Dito isso, Fletcher acredita que outros players internacionais ainda podem estar dispostos a investir. "Já houve interesse de diferentes fundos soberanos em fazer investimentos em mídia de todos os tipos, impressa e digital. Se o retorno for adequado (seja qual for a forma prometida), sempre será possível encontrar um investidor."

Embora Fletcher afirme que os investidores e anunciantes estarão "considerando suas opções cuidadosamente", Barrett não está convencido de que as possíveis consequências das revelações sobre a propriedade possam deter os anunciantes.

"Não está claro para mim se um anunciante que tenha tolerado o deslizamento do Twitter de volta ao pântano do extremismo e da propagação do ódio ficaria de repente tão desiludido com essa revelação que corte os laços com a empresa", disse.

A DW não conseguiu entrar em contato com o departamento de comunicação da X para obter um comentário sobre o assunto.

O que acontece nas redes sociais fica nas redes?

Quando há dias Pavel Durov, o fundador da rede social Telegram, foi detido em França, gerou-se um coro burlesco liderado por Elon Musk – estaria em curso um ataque à liberdade de expressão. Por essa altura, pouco se sabia sobre os motivos da detenção e até havia razões para algum ceticismo. Afinal, a detenção ocorria em França, um país que tem tido posições bastante restritivas em matéria de liberdade de expressão e de reserva da privacidade, designadamente em relação à proteção de fontes de jornalistas.


O tema é sério. Acima de tudo, porque as redes sociais têm sido instrumentais para a mobilização social de quem se bate pela liberdade em regimes autoritários ou em democracias musculadas, mas, não menos relevante, porque há de facto uma pulsão controladora nas nossas sociedades que acabará por se transformar numa rampa deslizante. Para já, são apenas casos excêntricos – como as diretrizes da administração do Hospital de Santa Maria, que se propõe instaurar processos judiciais a pessoas que ofendam os seus profissionais nas redes sociais–, mas convém estar alerta: em dois tempos, em nome dos limites à liberdade de expressão, estaremos a censurar as opiniões daqueles de quem discordamos.

Mas, ao contrário do que por vezes nos quer fazer crer esta geração de libertários tecnológicos, a liberdade de expressão não pode ser encarada como um valor absoluto. Da mesma forma que o Estado de Natureza exigiu um Leviatã e o faroeste um xerife, um juiz e, já agora, um cangalheiro, também o mundo novo das plataformas digitais obriga a algum tipo de (auto)regulação. Sob pena de, no fim das interações intensas que decorrem no espaço digital, que, entretanto, criaram um ambiente nauseabundo, não sobrar ninguém para contar a história efémera das sociedades abertas no mundo real.

E sobre a regulação, há movimentos de sentido contrário. Enquanto no contexto europeu se coloca em causa, por bons motivos, o princípio da neutralidade das plataformas, criando obrigações equilibradas de reporte decorrentes de novos regulamentos europeus, designadamente o dos Serviços Digitais – o que tem sido respondido positivamente por uma parte das plataformas (por exemplo, Google, Meta e TikTok). Mas, outros há, como o X, desde que foi adquirido por Musk, e o Telegram de Durov, que têm persistido na não-colaboração e, no caso do X, no recuo das políticas de moderação de conteúdos, na manipulação do algoritmo (com resultados evidentes na degradação do ambiente nesta rede) e numa maior opacidade sobre o funcionamento da plataforma.

Só que, como recorda o caso Durov, a liberdade de expressão é, também, um cavalo de Tróia para ataques ao Estado de direito. Se em relação ao insulto gratuito e às campanhas contra o bom-nome das pessoas, que encontraram terreno fértil nas redes sociais, não há alternativa à tolerância infinita, o mesmo não deve acontecer perante crimes sofisticados e hediondos, que têm nas plataformas veículos privilegiados. Musk e Durov, duas personalidades entre o demiúrgico e o narcisista, com exércitos globais de minions libertários, bem podem rasgar as vestes, mas Durov foi indiciado por cumplicidade com burlas, tráfico de droga e pornografia infantil, designadamente após o Telegram se ter recusado a responder a um pedido das autoridades francesas para identificar um utilizador envolvido na promoção destes conteúdos. Há mesmo limites para o que se pode passar nas redes sociais. Limites previstos na lei.