A culpa coletiva deu um passo atrás e desapareceuYuri Shevshuk, cantor e compositor russo em música sobre guerra na Ucrânia
quarta-feira, 1 de março de 2023
Humanidade do atraso
Serviço alemão leva aos pobres comida que iria para o lixo
A inspiração para o banco de alimentos na Alemanha veio dos Estados Unidos. Um membro de um grupo de mulheres de Berlim leu um artigo sobre voluntários em Nova York que distribuíam mantimentos descartados para moradores de rua. "E então pensamos: 'OK, podemos fazer isso também'", disse Sabine Werth à DW. "Queríamos dar um lugar à mesa aos que não podem pagar."
Juntamente com outros membros de uma iniciativa de mulheres de Berlim, ela fundou o primeiro Tafel, como os bancos de alimentos são chamados na Alemanha, sendo o nome uma das palavras alemãs para "mesa".
Isso foi há 30 anos, em 22 de fevereiro de 1993. O banco de alimentos original continua sendo o maior do país e desde então se tornou uma associação sem fins lucrativos. E a ideia se espalhou rapidamente: hoje existem 936 bancos de alimentos Tafel em toda a Alemanha.
Dependendo da quantidade de público que atingem, seus organizadores vão a supermercados, varejistas locais de alimentos e padarias várias vezes por semana, ou mesmo diariamente, para reunir restos de alimentos ainda comestíveis, evitando desperdício e apoiando pessoas atingidas pela pobreza.
Às vezes, grandes redes de supermercados também entregam seus produtos excedentes aos bancos de alimentos à noite, uma ou duas vezes por semana.
Para poder usufruir dos bancos de alimentos, as pessoas precisam comprovar sua necessidade, por exemplo, com um documento da previdência social, antes de poderem retirar coisas como frutas, frios e pão.
"Seguimos o princípio clássico de Robin Hood. Tiramos de onde há muito e damos para onde é necessário. Mas fazemos isso legalmente", disse Werth, com um sorriso.
O banco de alimentos atende a uma variedade muito maior de pessoas do que apenas sem-tetos. Ele é um alívio bem-vindo a muitos pais e mães solteiros, aposentados com poucos recursos e refugiados. Para essas pessoas, é um alívio economizar em comida e poder, assim, pagar outras coisas necessárias, como material escolar ou roupas.
A organização que coordena os bancos de alimentos na Alemanha estima que 2 milhões de pessoas os visitaram no ano passado – um aumento acentuado, cerca de 50%, em comparação com o ano anterior. Apesar de a Alemanha ser um dos países mais ricos do mundo, 13,8 milhões de pessoas foram afetadas ou ameaçadas pela pobreza em 2022.
Em regra, a pobreza na Alemanha se refere à pobreza relativa e não absoluta. As pessoas não enfrentam fome imediata ou passam frio. Mas, mesmo assim, a pobreza na Alemanha ainda significa falta de participação na sociedade, crianças que ficam dias sem almoço, sem viagens nas férias e têm um nível mais baixo de educação.
Os bancos de alimentos começaram como forma de economizar em alimentos e aliviar dificuldades, mas agora se tornaram um medidor de pobreza − ou, como disse à DW o presidente da organização nacional, Jochen Brühl, "um sismógrafo para situações e desenvolvimentos sociais." Segundo ele, quando o primeiro Tafel foi inaugurado, em 1993, a pobreza ainda não era um tema amplamente discutido na sociedade alemã. Ele afirma que o entendimento geral na época era o de que a pobreza não existia no país: quem queria trabalhar, trabalhava.
"Felizmente, esse sentimento mudou drasticamente nos últimos 30 anos", disse Sabine Werth. "Não há partido político, nenhum grupo parlamentar, ninguém na cena política que diga que não há pobreza na Alemanha."
Brühl diz que isso se deve em parte à existência de bancos de alimentos em quase todas as cidades, tornando a pobreza muito tangível.
Uma visita a um dos muitos bancos de alimentos na Alemanha dá uma rápida ideia disso. Em Eitorf, um vilarejo perto de Bonn, no oeste da Alemanha, Paul Hüsson faz um giro pelo banco de alimentos que administra com 56 voluntários. Com um toque de evidente orgulho, conduz ao pátio onde os produtos são distribuídos às segundas e terças-feiras.
Ele abre um pequeno depósito onde se empilham sacos de massas, pacotes de farinha e latas de vegetais. Não demora muito e Hüsson se torna político. Ele sustenta que a ajuda social é muito baixa e que o bilhete único mensal de transporte público de 9 euros (cerca de R$ 50), um projeto piloto em toda a Alemanha de junho a agosto de 2022, foi uma bênção para quem tem pouco dinheiro.
Os bancos de alimentos frequentemente intervêm em debates sociopolíticos – e isso é intencional. "Se estamos genuinamente envolvidos com essas questões, isso automaticamente nos torna políticos", disse Brühl. "Não no sentido de ser filiado a algum partido em particular. Mas temos influência no nível sociopolítico porque erguemos um espelho para a sociedade e mostramos o que obviamente não está funcionando em alguns lugares." Ou, como Sabine Werth colocou sucintamente na porta do Tafel em Berlim: "'Comida é política".
Hüsson explicou que ele próprio tem muito a aprender sobre a complexidade da pobreza. Atualmente, metade dos clientes de seu banco de alimentos são crianças. "Isso corta fundo", disse ele, apontando para o coração.
Desde que foram criados, os bancos de alimentos são alvos de críticas, com alguns dizendo que eles facilitam demais as coisas para o Estado e as pessoas necessitadas. O que fica claro nas conversas com voluntários e líderes do banco de alimentos, no entanto, é que os usuários expressamente não querem fazer parte do sistema de bem-estar social do governo.
Eles enfatizam que é errado os serviços de assistência social enviarem pessoas para bancos de alimentos quando elas dizem que seus rendimentos não são suficientes. "Estamos caindo cada vez mais em uma situação em que alguns estão nos cobrando nosso sistema de bem-estar. Mas não queremos isso e nos opomos veementemente a isso", disse Brühl. Em Berlim, Sabine Werth diz que o banco de alimentos não aceita nenhum apoio financeiro do Estado por esse motivo, a fim de manter sua independência.
Os últimos três anos foram extremamente desafiadores para os bancos de alimentos na Alemanha. A inflação, a guerra na Ucrânia e a pandemia de covid-19 causaram uma tensão considerável, com um aumento de 50% nos beneficiários do serviço. "Muitas das instituições estão no limite", observa Brühl. "Mesmo assim, elas continuam o trabalho."
Desde sua criação, há 30 anos, os bancos de alimentos refletem sobre seu desenvolvimento – daquele primeiro local em Berlim para agora centenas espalhadas por toda a Alemanha, assim como seu papel no ativismo sociopolítico.
Sabine Werth prefere não fazer previsões para as próximas três décadas. "Nunca pensei nessas dimensões", disse ela. "Trinta anos atrás, eu nunca pensei que estaríamos onde estamos agora. O trabalho do banco de alimentos está cheio de novas surpresas a cada dia."
Jochen Brühl acredita que o futuro dos bancos de alimentos está garantido. "Acho que eles vão se reinventando conforme a necessidade", diz, porque eles sempre reagem ao que está acontecendo na sociedade, e não o contrário.
Paul Hüsson foca em questões práticas: Ele está tentando encontrar novas dependências, já que as atuais estão lentamente se tornando muito pequenas. Isso mostra que os bancos de alimentos poderão ainda ser necessários daqui a 30 anos, mesmo na rica Alemanha.
Juntamente com outros membros de uma iniciativa de mulheres de Berlim, ela fundou o primeiro Tafel, como os bancos de alimentos são chamados na Alemanha, sendo o nome uma das palavras alemãs para "mesa".
Isso foi há 30 anos, em 22 de fevereiro de 1993. O banco de alimentos original continua sendo o maior do país e desde então se tornou uma associação sem fins lucrativos. E a ideia se espalhou rapidamente: hoje existem 936 bancos de alimentos Tafel em toda a Alemanha.
Bancos de alimentos exibem na porta adesivos de "Comida é política" |
Dependendo da quantidade de público que atingem, seus organizadores vão a supermercados, varejistas locais de alimentos e padarias várias vezes por semana, ou mesmo diariamente, para reunir restos de alimentos ainda comestíveis, evitando desperdício e apoiando pessoas atingidas pela pobreza.
Às vezes, grandes redes de supermercados também entregam seus produtos excedentes aos bancos de alimentos à noite, uma ou duas vezes por semana.
Para poder usufruir dos bancos de alimentos, as pessoas precisam comprovar sua necessidade, por exemplo, com um documento da previdência social, antes de poderem retirar coisas como frutas, frios e pão.
"Seguimos o princípio clássico de Robin Hood. Tiramos de onde há muito e damos para onde é necessário. Mas fazemos isso legalmente", disse Werth, com um sorriso.
O banco de alimentos atende a uma variedade muito maior de pessoas do que apenas sem-tetos. Ele é um alívio bem-vindo a muitos pais e mães solteiros, aposentados com poucos recursos e refugiados. Para essas pessoas, é um alívio economizar em comida e poder, assim, pagar outras coisas necessárias, como material escolar ou roupas.
A organização que coordena os bancos de alimentos na Alemanha estima que 2 milhões de pessoas os visitaram no ano passado – um aumento acentuado, cerca de 50%, em comparação com o ano anterior. Apesar de a Alemanha ser um dos países mais ricos do mundo, 13,8 milhões de pessoas foram afetadas ou ameaçadas pela pobreza em 2022.
Em regra, a pobreza na Alemanha se refere à pobreza relativa e não absoluta. As pessoas não enfrentam fome imediata ou passam frio. Mas, mesmo assim, a pobreza na Alemanha ainda significa falta de participação na sociedade, crianças que ficam dias sem almoço, sem viagens nas férias e têm um nível mais baixo de educação.
Os bancos de alimentos começaram como forma de economizar em alimentos e aliviar dificuldades, mas agora se tornaram um medidor de pobreza − ou, como disse à DW o presidente da organização nacional, Jochen Brühl, "um sismógrafo para situações e desenvolvimentos sociais." Segundo ele, quando o primeiro Tafel foi inaugurado, em 1993, a pobreza ainda não era um tema amplamente discutido na sociedade alemã. Ele afirma que o entendimento geral na época era o de que a pobreza não existia no país: quem queria trabalhar, trabalhava.
"Felizmente, esse sentimento mudou drasticamente nos últimos 30 anos", disse Sabine Werth. "Não há partido político, nenhum grupo parlamentar, ninguém na cena política que diga que não há pobreza na Alemanha."
Brühl diz que isso se deve em parte à existência de bancos de alimentos em quase todas as cidades, tornando a pobreza muito tangível.
Uma visita a um dos muitos bancos de alimentos na Alemanha dá uma rápida ideia disso. Em Eitorf, um vilarejo perto de Bonn, no oeste da Alemanha, Paul Hüsson faz um giro pelo banco de alimentos que administra com 56 voluntários. Com um toque de evidente orgulho, conduz ao pátio onde os produtos são distribuídos às segundas e terças-feiras.
Ele abre um pequeno depósito onde se empilham sacos de massas, pacotes de farinha e latas de vegetais. Não demora muito e Hüsson se torna político. Ele sustenta que a ajuda social é muito baixa e que o bilhete único mensal de transporte público de 9 euros (cerca de R$ 50), um projeto piloto em toda a Alemanha de junho a agosto de 2022, foi uma bênção para quem tem pouco dinheiro.
Os bancos de alimentos frequentemente intervêm em debates sociopolíticos – e isso é intencional. "Se estamos genuinamente envolvidos com essas questões, isso automaticamente nos torna políticos", disse Brühl. "Não no sentido de ser filiado a algum partido em particular. Mas temos influência no nível sociopolítico porque erguemos um espelho para a sociedade e mostramos o que obviamente não está funcionando em alguns lugares." Ou, como Sabine Werth colocou sucintamente na porta do Tafel em Berlim: "'Comida é política".
Hüsson explicou que ele próprio tem muito a aprender sobre a complexidade da pobreza. Atualmente, metade dos clientes de seu banco de alimentos são crianças. "Isso corta fundo", disse ele, apontando para o coração.
Desde que foram criados, os bancos de alimentos são alvos de críticas, com alguns dizendo que eles facilitam demais as coisas para o Estado e as pessoas necessitadas. O que fica claro nas conversas com voluntários e líderes do banco de alimentos, no entanto, é que os usuários expressamente não querem fazer parte do sistema de bem-estar social do governo.
Eles enfatizam que é errado os serviços de assistência social enviarem pessoas para bancos de alimentos quando elas dizem que seus rendimentos não são suficientes. "Estamos caindo cada vez mais em uma situação em que alguns estão nos cobrando nosso sistema de bem-estar. Mas não queremos isso e nos opomos veementemente a isso", disse Brühl. Em Berlim, Sabine Werth diz que o banco de alimentos não aceita nenhum apoio financeiro do Estado por esse motivo, a fim de manter sua independência.
Os últimos três anos foram extremamente desafiadores para os bancos de alimentos na Alemanha. A inflação, a guerra na Ucrânia e a pandemia de covid-19 causaram uma tensão considerável, com um aumento de 50% nos beneficiários do serviço. "Muitas das instituições estão no limite", observa Brühl. "Mesmo assim, elas continuam o trabalho."
Desde sua criação, há 30 anos, os bancos de alimentos refletem sobre seu desenvolvimento – daquele primeiro local em Berlim para agora centenas espalhadas por toda a Alemanha, assim como seu papel no ativismo sociopolítico.
Sabine Werth prefere não fazer previsões para as próximas três décadas. "Nunca pensei nessas dimensões", disse ela. "Trinta anos atrás, eu nunca pensei que estaríamos onde estamos agora. O trabalho do banco de alimentos está cheio de novas surpresas a cada dia."
Jochen Brühl acredita que o futuro dos bancos de alimentos está garantido. "Acho que eles vão se reinventando conforme a necessidade", diz, porque eles sempre reagem ao que está acontecendo na sociedade, e não o contrário.
Paul Hüsson foca em questões práticas: Ele está tentando encontrar novas dependências, já que as atuais estão lentamente se tornando muito pequenas. Isso mostra que os bancos de alimentos poderão ainda ser necessários daqui a 30 anos, mesmo na rica Alemanha.
Deslizamentos de terra e enxurradas são os terremotos brasileiros
Em 2008, a prefeitura de Londres preparava a capital para o inevitável - os impactos climáticos. Em 2080 imaginava-se que o volume de água do Tâmisa poderia ter picos de água 40% maiores. Os planejadores mapearam estações de metrô, hospitais, aeroportos, mercados e escolas e estudaram o que aconteceria em cenários de enxurradas. A cidade tem uma barreira contra as enchentes do rio, mas que não é a prova de chuvas torrenciais repentinas, e o sistema de drenagem vitoriano também não dá conta se o volume de água for violento. Alguns estudos recentes indicam que 17% da cidade enfrenta risco médio ou alto de inundação.
Não precisou chegar 2080. Em julho de 2021 a cidade sucumbiu a dois dias de eventos climáticos extremos. Dois hospitais inundaram e recusaram pacientes que não estivessem em estado grave. Moradores foram resgatados em botes. Bombeiros receberam mais de mil chamadas em poucas horas e evacuaram cem casas de um bairro mais atingido. Carros ficaram debaixo d’água. Uma das cidades mais ricas do mundo viveu o caos comum a metrópoles de terceiro mundo e ficou evidente que, mesmo ali, não há preparo suficiente para os impactos das mudanças climáticas. Não houve registros de mortes.
No Brasil, morre gente todos os anos por deslizamentos de terra e enxurradas, o desastre natural que mais mata no país. Mais de 25% das mortes por chuvas nos últimos dez anos ocorreram no primeiro semestre de 2022, mostram artigos de pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, o Cemaden. Foram 494 pessoas a perderem a vida em Petrópolis e na Grande Recife. Na tarde de 15 de fevereiro de 2022, Petrópolis registrou as chuvas mais fortes desde 1932. Morreram 234 pessoas. Em 25 de maio de 2022, 130 pessoas perderam a vida com a tempestade que caiu sobre a Grande Recife. “É preciso monitorar as condições que levam a desastres e emitir alertas para salvar vidas”, diz o climatologista José Marengo, que trabalha há 20 anos com adaptação climática e esteve a frente de capítulos de relatórios do Painel Intergovernamental de Mudança Climática, o IPCC, nessa temática.
O Brasil avançou muito em termos tecnológicos. Não só na criação do Cemaden, em 2011, mas em avisos de chuvas intensas por celular, mensagens de texto, redes sociais. “Tudo isso tem que ser usado, mas é preciso emitir alertas de desastres para proteger a população, diz ele. Podem ser sirenes ou carros de som ou o que for mais eficaz para tirar as pessoas de casa. Isso não basta, contudo.
“Toda tecnologia que temos não serve se a pessoa não acredita na ciência e em sistemas de prevenção de chuva. Se é retirada de casa em uma ameaça de desastre, mas volta escondida para pegar roupas e morre. Ou se não quer sair de casa porque teme que a geladeira, que poupou anos para comprar, possa ser roubada”, continua Marengo, um dos fundadores do Cemaden e coordenador-geral de pesquisa e desenvolvimento. “Se esses eventos serão mais frequentes e fortes no futuro, a população tem que ser treinada para respeitar o alerta, ser preparada para isso, sair de casa e ir a um lugar seguro, e não voltar”, continua. “Tem que se criar a percepção cultural no Brasil de que o alerta de desastre existe para ser respeitado. Se o clima está mudando, não há outra forma. Não temos como combater isso. Temos que nos adaptar.”
Nos Estados Unidos, quando há alerta de furacão, as pessoas sabem o que têm que fazer. Protegem portas e janelas, tentam evitar que seu patrimônio seja destruído, mas saem de casa. Vão para abrigos seguros. No caso de tornados, que são muito mais rápidos, costumam buscar refúgio em espaços no subsolo até que o fenômeno vá embora. São treinados para agir assim. As sirenes disparam no Chile e no Japão quando tem um terremoto e há risco de tsunami. Em Lima, no Peru, todos têm uma pequena mochila na sala com cópia de documentos, uma água, alguma comida enlatada. “Quando há terremoto, saem todos com sua mochila, que tem o básico”, conta Marengo, que é peruano, vive há muitos anos no Brasil, mas vê as mochilas sempre que visita os familiares. No Brasil, acredita, “há que haver uma melhor governança do sistema. Porque a cada ano vêm extremos de chuva e morre gente”. Ele completa: “É coisa de horas. É melhor sair de casa e ter um alerta falso, do que ficar e viver um alerta verdadeiro”.
Mais de 8 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco de deslizamentos e inundações. É uma face da desigualdade, como bem lembrou Edu Lyra, o fundador e CEO da Gerando Falcões, analisando a tragédia do litoral norte de São Paulo. “Temos que tornar as cidades, sobretudo as favelas, resilientes às mudanças climáticas. Caso contrário o Brasil irá enterrar, ano a ano, milhares e milhares de pessoas pobres que vivem em locais de risco e beira de encostas”, disse ao Valor.
Ele propõe que a reconstrução se inicie por “um grande pacto” que junte poder público e sociedade civil, “com uma agenda de 20 anos a frente para que a gente não carregue o peso moral de não ter feito a coisa certa, no tempo certo”.
Encontrar um lugar seguro para a moradia desses 8 milhões não é nada fácil, custará muito e levará tempo. Por isso os climatologistas dizem que é preciso criar um sistema imediato de alerta de desastres que salve vidas. É preciso incorporar o conceito de adaptação no planejamento da infraestrutura, no desenho das cidades, na produção de alimentos, na saúde. É isso que o governo Lula pretende fazer, segundo adiantou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ao divulgar que é preciso atualizar e implementar o plano nacional de adaptação que o Brasil tem desde 2016 e foi esquecido em alguma gaveta no governo Bolsonaro.
Estratégias de adaptação não necessariamente precisam ser apenas obras caras e desafiadoras, como construir barreiras cada vez mais altas e fortes para conter o avanço do mar. Tem que se planejar pela lente do clima. O avanço do mar sobre a costa irá empurrar esgotos hoje lançados no oceano de volta para as cidades. Se as inundações são inevitáveis, as centrais de energia dos hospitais não podem ficar no subsolo - lição aprendida nos Estados Unidos com a passagem do devastador furacão Katrina em 2005. No Nordeste, adaptação à seca tem a construção de cisternas como política que deu resultado. A Embrapa desenvolve variedades resistentes a temperaturas altas e condições de estresse hídrico. “O Brasil é muito solidário no pós-desastre. Mas é preciso pensar na prevenção. Estamos atrasados nisso”, diz Marengo.
Não precisou chegar 2080. Em julho de 2021 a cidade sucumbiu a dois dias de eventos climáticos extremos. Dois hospitais inundaram e recusaram pacientes que não estivessem em estado grave. Moradores foram resgatados em botes. Bombeiros receberam mais de mil chamadas em poucas horas e evacuaram cem casas de um bairro mais atingido. Carros ficaram debaixo d’água. Uma das cidades mais ricas do mundo viveu o caos comum a metrópoles de terceiro mundo e ficou evidente que, mesmo ali, não há preparo suficiente para os impactos das mudanças climáticas. Não houve registros de mortes.
No Brasil, morre gente todos os anos por deslizamentos de terra e enxurradas, o desastre natural que mais mata no país. Mais de 25% das mortes por chuvas nos últimos dez anos ocorreram no primeiro semestre de 2022, mostram artigos de pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, o Cemaden. Foram 494 pessoas a perderem a vida em Petrópolis e na Grande Recife. Na tarde de 15 de fevereiro de 2022, Petrópolis registrou as chuvas mais fortes desde 1932. Morreram 234 pessoas. Em 25 de maio de 2022, 130 pessoas perderam a vida com a tempestade que caiu sobre a Grande Recife. “É preciso monitorar as condições que levam a desastres e emitir alertas para salvar vidas”, diz o climatologista José Marengo, que trabalha há 20 anos com adaptação climática e esteve a frente de capítulos de relatórios do Painel Intergovernamental de Mudança Climática, o IPCC, nessa temática.
O Brasil avançou muito em termos tecnológicos. Não só na criação do Cemaden, em 2011, mas em avisos de chuvas intensas por celular, mensagens de texto, redes sociais. “Tudo isso tem que ser usado, mas é preciso emitir alertas de desastres para proteger a população, diz ele. Podem ser sirenes ou carros de som ou o que for mais eficaz para tirar as pessoas de casa. Isso não basta, contudo.
“Toda tecnologia que temos não serve se a pessoa não acredita na ciência e em sistemas de prevenção de chuva. Se é retirada de casa em uma ameaça de desastre, mas volta escondida para pegar roupas e morre. Ou se não quer sair de casa porque teme que a geladeira, que poupou anos para comprar, possa ser roubada”, continua Marengo, um dos fundadores do Cemaden e coordenador-geral de pesquisa e desenvolvimento. “Se esses eventos serão mais frequentes e fortes no futuro, a população tem que ser treinada para respeitar o alerta, ser preparada para isso, sair de casa e ir a um lugar seguro, e não voltar”, continua. “Tem que se criar a percepção cultural no Brasil de que o alerta de desastre existe para ser respeitado. Se o clima está mudando, não há outra forma. Não temos como combater isso. Temos que nos adaptar.”
Nos Estados Unidos, quando há alerta de furacão, as pessoas sabem o que têm que fazer. Protegem portas e janelas, tentam evitar que seu patrimônio seja destruído, mas saem de casa. Vão para abrigos seguros. No caso de tornados, que são muito mais rápidos, costumam buscar refúgio em espaços no subsolo até que o fenômeno vá embora. São treinados para agir assim. As sirenes disparam no Chile e no Japão quando tem um terremoto e há risco de tsunami. Em Lima, no Peru, todos têm uma pequena mochila na sala com cópia de documentos, uma água, alguma comida enlatada. “Quando há terremoto, saem todos com sua mochila, que tem o básico”, conta Marengo, que é peruano, vive há muitos anos no Brasil, mas vê as mochilas sempre que visita os familiares. No Brasil, acredita, “há que haver uma melhor governança do sistema. Porque a cada ano vêm extremos de chuva e morre gente”. Ele completa: “É coisa de horas. É melhor sair de casa e ter um alerta falso, do que ficar e viver um alerta verdadeiro”.
Mais de 8 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco de deslizamentos e inundações. É uma face da desigualdade, como bem lembrou Edu Lyra, o fundador e CEO da Gerando Falcões, analisando a tragédia do litoral norte de São Paulo. “Temos que tornar as cidades, sobretudo as favelas, resilientes às mudanças climáticas. Caso contrário o Brasil irá enterrar, ano a ano, milhares e milhares de pessoas pobres que vivem em locais de risco e beira de encostas”, disse ao Valor.
Ele propõe que a reconstrução se inicie por “um grande pacto” que junte poder público e sociedade civil, “com uma agenda de 20 anos a frente para que a gente não carregue o peso moral de não ter feito a coisa certa, no tempo certo”.
Encontrar um lugar seguro para a moradia desses 8 milhões não é nada fácil, custará muito e levará tempo. Por isso os climatologistas dizem que é preciso criar um sistema imediato de alerta de desastres que salve vidas. É preciso incorporar o conceito de adaptação no planejamento da infraestrutura, no desenho das cidades, na produção de alimentos, na saúde. É isso que o governo Lula pretende fazer, segundo adiantou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ao divulgar que é preciso atualizar e implementar o plano nacional de adaptação que o Brasil tem desde 2016 e foi esquecido em alguma gaveta no governo Bolsonaro.
Estratégias de adaptação não necessariamente precisam ser apenas obras caras e desafiadoras, como construir barreiras cada vez mais altas e fortes para conter o avanço do mar. Tem que se planejar pela lente do clima. O avanço do mar sobre a costa irá empurrar esgotos hoje lançados no oceano de volta para as cidades. Se as inundações são inevitáveis, as centrais de energia dos hospitais não podem ficar no subsolo - lição aprendida nos Estados Unidos com a passagem do devastador furacão Katrina em 2005. No Nordeste, adaptação à seca tem a construção de cisternas como política que deu resultado. A Embrapa desenvolve variedades resistentes a temperaturas altas e condições de estresse hídrico. “O Brasil é muito solidário no pós-desastre. Mas é preciso pensar na prevenção. Estamos atrasados nisso”, diz Marengo.
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