domingo, 12 de junho de 2022

O avesso do avesso

A participação de militares no governo Bolsonaro começou com a presunção de muitos de que eles conseguiriam controlar seus ímpetos autoritários, enquanto a escolha de Paulo Guedes para o superministério da Economia indicaria um governo liberal. A escolha de Sergio Moro, também para um Ministério da Justiça fortalecido na sua estrutura com órgãos de fiscalização como o Coaf, indicaria o combate à corrupção de maneira organizada.

Bolsonaro, o político bronco, teria sido manipulado por grupos políticos e militares para abrir caminho à tomada do poder de um projeto político liberalizante. Seria uma espécie de marionete para a volta dos militares ao poder pela porta da frente, já que o último general ditador, João Figueiredo, saíra do Palácio do Planalto pela porta dos fundos, negando-se a transmitir a faixa presidencial a José Sarney, vice de Tancredo Neves.

No último dos quatro anos de governo Bolsonaro, já não resta nada do projeto liberal do Paulo Guedes, nem do combate à corrupção planejado por Moro, nem a suposta resistência dos militares. Ao contrário, dominam o cenário atual militares que foram cooptados pelo presidente para uma ação que a cada momento ganha mais força, enquanto o jogo político se desenvolve sem que o mandatário demonstre fôlego para se reeleger democraticamente.


O abuso do poder político e econômico do governo é cada vez mais explícito, levando por terra a fama dos militares de serem a elite do funcionalismo público, enquanto não sobra pedra sobre pedra do processo liberal na economia, a ponto de o ministro Paulo Guedes ter defendido nos últimos dias um congelamento de preços para controlar a inflação que já chega a 12% ao ano.

Não chegamos ainda à tentativa governamental de controlar os preços diretamente, como já aconteceu anteriormente, mas o sonho de consumo de estancar num estalo a corrida dos preços contra o bolso do cidadão está explícito no sonho iliberal de congelamento por “três, quatro meses” na palavra de Guedes, num ato falho que indica o sonho de chegar a 2 de outubro nas eleições sem os preços subirem.

A mirabolante fórmula para conter a alta dos combustíveis, torrando uma Eletrobras inteira nessa aventura, neutraliza a privatização, um dos pontos capitais do superado projeto liberal na economia. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio, chegou ao posto de comandante do Exército, aparentemente, contra a vontade de Bolsonaro, que ficara irritado com um artigo que publicou defendendo a prevenção da Covid-19. Então chefe do Departamento Geral de Pessoal do Exército, anunciava números que indicavam que a Força tinha menos incidência de Covid devido a um política que em tudo era contra o que Bolsonaro defendia em público.

Se existiam mesmo diferenças de posição com o presidente, essas foram sendo gradativamente superadas à medida que a convivência no centro do poder foi aproximando os dois. Foi promovido depois a Ministro da Defesa. Hoje, a Defesa é uma aliada incondicional da campanha do presidente Bolsonaro para desacreditar as urnas eletrônicas, auxiliando na confrontação com os tribunais superiores, especialmente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A insistência com que os técnicos militares, passados todos os prazos e limites legais, continuam a apontar supostos problemas no sistema eleitoral, aponta para um apoio à pregação de Bolsonaro de que está sendo armada uma manobra para roubar-lhe a vitória nas urnas. Sem, no entanto, um resquício de prova para sustentar a desconfiança.

A mais recente cartada está sendo organizada mais uma vez para o dia 7 de Setembro, em que se comemorará o Bicentenário da Independência do país. A utilização de data tão simbólica para confrontar as instituições, a menos de um mês das eleições, prenuncia a intenção de impedir que elas se realizem. Bolsonaro afronta o STF e o TSE dia sim, outro também. Agora mesmo, em Orlando, encontrou-se com o foragido bolsonarista Allan dos Santos, e voltou a ameaçar não respeitar decisões dos tribunais superiores.

Seu parceiro Donald Trump, com quem pretende se encontrar perto das eleições, está às voltas com a Justiça nos Estados Unidos, acusado formalmente de ter tentado um golpe de Estado ao não aceitar a vitória de Joe Biden para a Presidência. Bolsonaro vai pelo mesmo caminho, e o TSE e o STF já deram mostras de que não estão brincando ao confirmarem a cassação dos mandatos de dois deputados bolsonaristas por divulgarem fake news pela internet. Muitos começam a achar que ele está querendo ser cassado, para escapar de uma derrota que parece inevitável e poder alegar que está sendo perseguido pelo “sistema”.

Shows de parasitas

Há um fio de continuidade entre determinados episódios sob o regime militar e os atuais shows de cantores ditos sertanejos, financiados por prefeituras que dilapidam os seus orçamentos precários, desviando verbas da saúde e da educação.

Esse fio são os pagamentos astronômicos para algo que se apregoa publicitariamente como "cultura". Na época, o "espetáculo" não era musical, mas a reprodução em revistas coloridas das benesses auferidas por remotos municípios nordestinos como consequência dos supostos avanços promovidos pelo regime.

Não eram atividades mediadas por um publicitário ou um jornalista qualquer: o produtor detinha excepcionais condições de pressão, a exemplo de contatos com figuras poderosas, senão a intimidação por meio de documentos especiais, para coagir os ordenadores de despesas de pequenas localidades.


Os resultados eram edições especiais a cores destinadas a fixar a imagem festiva da transformação das condições de vida locais. Chantagem desse peso poderia arruinar por anos um pequeno orçamento municipal. Mas a mediocrização autocrática justificava-se com o nome da cultura, entendida como divulgação e entretenimento.

Um primeiro problema é que "cultura" é noção ao mesmo tempo vital e ambígua. Classicamente, impôs-se como o vínculo existencial que os homens mantêm entre si, articulado como uma totalidade que desenha o espaço-tempo de uma sociedade, logo, as funções institucionais que orientam comportamentos e atitudes.

Por complexa que pareça, essa noção espelhou-se sempre na literatura e nas artes, ajudando a formar cívica e espiritualmente a consciência do homem moderno. Os atos de perceber, sentir, pensar, conhecer e fazer convergem para um "comum", que é o centro aglutinador das instituições e o lugar de produção do sentido social. É isso precisamente o que a modernidade tem chamado de cultura.

Essa aglutinação implica evidentemente hegemonia, ou seja, o poder por consenso. Foi essa a porta de entrada da mídia eletrônica para a conquista de mentes por meio da demagogia e da lógica dos grandes números. Nessa vasta operação batizada de "soft power", as formas culturais mais rebaixadas passaram a disputar o jogo da hegemonia. Simplificadoras, anestesiantes, quase sempre se confundem com a propaganda do poder em exercício.

Daí a importância de políticas culturais contra-hegemônicas articuladas com a educação e a criatividade, como no excepcional período dos "pontos de cultura" de Gilberto Gil e Juca Ferreira. Mas daí também, por efeitos perversos, o fio de continuidade protofascista entre a exploração das prefeituras no passado e a de agora: a cultura como forma parasitária de existência.

Pensamento do Dia

 


Réquiem por Phillips e Bruno

Alessandra Sampaio tinha a angústia do não saber estampada no rosto e na voz quando surgiu pela primeira vez no telão da GloboNews,em entrevista a André Trigueiro. Seu marido, Dom Phillips, jornalista britânico radicado no Brasil, desaparecera havia dias na Amazônia, junto ao indigenista Bruno Pereira, e tudo eram incógnitas. Havia um blackout total de notícias, nenhum vestígio ou pista de ambos, e as primeiras buscas oficiais se arrastavam anêmicas. Apesar do desamparo, Alessandra conseguiu retratar de forma indelével o companheiro de vida:

—Eu sou espiritualizada, [o Dom], mais reservado, me dizia: “Alê, para mim Deus é a natureza” — contou, tomando fôlego.

Quem a ouviu murmurar frase tão absoluta entendeu tudo. Entendeu sobretudo o motivo oculto de a frase seguinte começar no condicional e prosseguir com o verbo no pretérito:

—Se ele partiu ali [naquela imensidão amazônica], foi no meio do Deus no qual acreditava.

Foi quase um réquiem — belo, profundo, (e)terno. Vale para dois seres humanos raros. Ao contrário das outras criaturas que habitam a Terra, desaprendemos a andar por ela com a leveza e o cuidado de um Dom Phillips e um Bruno Pereira.


Phillips, como o mundo inteiro agora sabe, fez do compromisso com a selva brasileira e da proteção aos povos indígenas uma razão de vida. Anos a fio, de caneta na mão e caderno de repórter sobre os joelhos, ouvia e escrevia, ouvia e fazia amigos, ouvia e anotava. Conquistou respeito e admiração por seu jornalismo rigoroso em região coalhada de predadores humanos. Bruno Araújo Pereira, por seu lado, tido como o maior indigenista em atividade no Brasil e há décadas referência internacional sobre nossos povos indígenas, deveria ser motivo de orgulho irrestrito por parte da Fundação Nacional do Índio, certo? Errado. Não para a Funai desossada com fúria pelo desmatador em chefe Jair Bolsonaro. Apesar de Pereira ser o servidor público de maior prestígio da Funai, a primeiríssima manifestação sobre o desaparecimento do indigenista por parte do presidente da entidade, delegado da PM Marcelo Xavier, foi frisar que Pereira estava afastado do órgão. Sim, estava de licença não remunerada, trabalhando com a paixão de sempre para a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) —havia sido ejetado de importante função na Funai na esteira da “porteira aberta” ao ilícito, implantada como política no Ministério do Meio Ambiente de Ricardo Salles.

A realidade amazônica sempre foi crua — pelo isolamento, pela geografia inóspita, pelas riquezas cobiçadas e pela bandidagem à solta. Segundo dados do coletivo jornalístico Tierra de Resistentes, 139 ativistas dedicados à defesa ambiental da região foram assassinados entre 2009 e 2020 —pequena parte visível na imensidão submersa de criminalidade, ausência deliberada do Estado, falência gritante das Forças Armadas, abandono do território nacional e de sua gente à própria sorte.

É possível que a ruidosa pressão internacional — uma das maiores sofridas por um governo brasileiro desde os tempos da ditadura militar —, somada à repentinamente intensa cobrança das instituições nacionais, traga respostas confiáveis ao clamor geral. Se assim for, a crônica do que terá acontecido na manhã do domingo dia 5 — quando Bruno e Dom navegavam pelo Rio Itaquaí sem nunca chegar ao destino — pode servir de retrato deste triste Brasil à deriva em 2022. Tudo cheira horrendamente mal nesta causa que entrementes se tornou célebre. Para a escritora Ursula K. Le Guin, uma das grandes dádivas da vida é conhecer o abismo da escuridão para deixar de temê-la. Pode ser. Também não são poucos os que proclamam ser a noite mais verdadeira que o dia. A esperança mais urgente é haver claridade e verdade — até porque, se isso ocorrer, não é de descartar a escavação em série da podridão política atual.

Se nossas origens estão na terra, na terra também está nossa humanidade.

Crime moral

Nenhum código, nenhuma instituição humana pode prevenir o crime moral que mata com uma palavra. Nisso consta a falha das justiças sociais; aí está a diferença que há entre os costumes da sociedade e os do povo; um é franco, outro é hipócrita; a um, a faca, à outra, o veneno da linguagem ou das ideias; a um a morte, à outra a impunidade
Honoré de Balzac

Fome, inflação e caça aos votos

Fartura e fome foram destaques do noticiário, de novo, neste país conhecido como terra de contrastes. Em novo recorde, a safra de grãos deve chegar a 271 milhões de toneladas, segundo o Ministério da Agricultura. Não devem faltar, nos armazéns, feijão, arroz e outros alimentos essenciais para os brasileiros. Pode faltar, e tem faltado, dinheiro para quem precisa pagar pela comida. Divulgada no mesmo dia, uma pesquisa apontou 33 milhões de pessoas sujeitas à fome, 15,5% da população, e 125 milhões em condição de insegurança alimentar. O Brasil proporciona alimentos a 1 bilhão de pessoas, disse o presidente Jair Bolsonaro, em Los Angeles, na Cúpula das Américas. Não ficou claro se esse bilhão inclui aqueles subnutridos, se o desconto foi feito ou mesmo se Bolsonaro tinha ouvido a notícia.

Mas comida no prato depende do poder de compra. Como este depende dos preços, Bolsonaro foi alertado sobre os efeitos eleitorais da inflação. Na quinta-feira o presidente e o ministro da Economia, Paulo Guedes, participaram virtualmente de uma reunião do setor de supermercados e pediram ajuda aos empresários. Bolsonaro sugeriu redução do lucro sobre os produtos da cesta básica. O ministro apelou por uma trégua nos aumentos de preços. Transferiram às empresas, portanto, uma responsabilidade pública, a ação anti-inflacionária, confessando implicitamente sua impotência e menosprezando fatores como a incerteza fiscal e a instabilidade do câmbio.

Transferir responsabilidades e culpas é uma das especialidades do presidente Bolsonaro. Nesse jogo, ele demitiu três presidentes da Petrobras e um ministro de Minas e Energia. Conseguiu retardar alguns aumentos de preços, mas sem eliminar um ponto essencial da política da empresa, a observância das cotações internacionais.


Também governadores e prefeitos foram envolvidos nesse jogo. Bolsonaro responsabilizou-os pelas perdas econômicas na pior fase da pandemia, quando impuseram restrições à circulação e à aglomeração de pessoas. Nunca reconheceu a dianteira das administrações estaduais nas campanhas de imunização, enquanto o Executivo federal atrasava a distribuição de vacinas e ele espalhava desinformação sobre o assunto. Vencida a pior fase, o presidente agora gasta dinheiro em campanha publicitária para se atribuir mérito pela vacinação e por sucessos econômicos em grande parte imaginários.

Com o mesmo tipo de manobra, Bolsonaro e seus aliados do Centrão tentam envolver os Tesouros estaduais na redução de preços dos combustíveis. Num espetáculo patético, na segunda-feira à noite, o presidente da República defendeu a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado sobre gasolina, diesel, gás de cozinha, eletricidade, telecomunicações e transporte público. A proposta inclui até a adoção de alíquota zero. O poder federal, segundo se prometeu, compensará as perdas de arrecadação.

O ministro da Fazenda mencionou um custo provável entre R$ 25 bilhões e R$ 50 bilhões, sem esconder a improvisação. Não houve como disfarçar o caráter eleitoreiro da jogada, tão óbvio quanto o erro de avaliação econômica e política. Bolsonaro e sua turma trataram o custo dos combustíveis como se fosse muito mais importante que o desemprego, a perda de remuneração e o encarecimento de itens como comida, gás e transporte público. Além disso, tratar o imposto indireto como causa de aumento de preços dependentes do mercado é tolice evidente. Esse imposto apenas incide sobre o preço básico e entra, portanto, na composição do valor final.

Divulgada na quinta-feira, a inflação de maio motivou novos comentários do presidente e do ministro Guedes. A taxa mensal diminuiu de 1,06% para 0,47%, mas a alta de preços acumulada em 12 meses, de 11,73%, ainda foi muito grande. Grande também foi a alta acumulada de itens essenciais, como alimentação (13,51%), transporte público (17,43%) e combustíveis domésticos (29,56%), incluído o gás.

Não se ganharia muita coisa, eleitoralmente, alardeando a redução da taxa mensal de inflação ou o barateamento de produtos como tomate, cenoura e batata inglesa. Mas presidente e ministro tentaram mostrar empenho pedindo a colaboração dos empresários e dos governadores.

Cidadãos de enorme boa vontade podem ter celebrado o recuo da taxa mensal de inflação. Mas parece irrealista apostar em arroubos de alegria, quando há tantos sinais de dificuldades. As dimensões da fome e da subnutrição ficaram mais claras com os dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) e do Instituto Vox Populi. O quadro piorou a partir de 2013. Em 2018 os famintos eram 5,8% dos brasileiros. Em 2019 eram 9% e em 2022 o contingente chegou a 15,5%. Esses números compõem parte importante do balanço do atual presidente, juntamente com uma das maiores taxas de desemprego do mundo, 10,5% no trimestre móvel encerrado em abril. Bolsonaro conseguirá debitar tudo isso nas contas de empresários e governadores?

Improvisos bilionários

A notícia estampada no portal do Estadão parecia inacreditável. Para conter os riscos de apagões, o governo federal contratou às pressas – sem licitação e por R$ 3 bilhões ao ano -, quatro navios-usina turcos geradores de energia a gás, que até agora, meses depois do pico da crise, não entraram em operação. Mais: as linhas de transmissão previstas para interligá-los ao sistema nacional de energia simplesmente inexistem. Mais ainda: depois das intensas chuvas, os navios são dispensáveis. Ainda assim, por contrato, os brasileiros vão continuar pagando a conta até 2025.


Esse é o desgoverno Bolsonaro. Um amontoado de improvisos levianos, como a fórmula mágica para reduzir o preço dos combustíveis, que, se aprovada, vai se comprovar tão ineficaz quanto os elefantes brancos da Turquia – com prejuízo bilionário para o país. Nesse caso, com um agravante adicional: a quebra do princípio federativo, com a absurda intromissão nas prerrogativas exclusivas dos estados.

Irresponsabilidade e gambiarras eleitoreiras no trato de problemas complexos, a exemplo do apelo patético do presidente e de seu ministro da Fazenda, Paulo Guedes, para os supermercados segurarem os preços até depois do pleito, compõem o estranho rol de marcas do período Bolsonaro. Nele, vale o inverso das promessas feitas. Inflação e miséria ocuparam o lugar da ordem e progresso. Sua família figura acima de tudo e todos, e até o enunciado de João 8:23 -“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” -, que ele jurava prezar, foi corrompido.

Bolsonaro mente com tanta naturalidade e insiste tanto na mentira, que corre o risco de até ele crer na falácia dita.

Na sexta-feira, ao falar na Cúpula das Américas, mais uma vez falseou dados sobre a Amazônia, cuja devastação se acelerou drasticamente nos três últimos anos. Disse ainda que o Brasil é responsável por garantir a segurança alimentar de 1 bilhão de pessoas no planeta – uma afronta aos 33% dos brasileiros que passam fome. E mentiu de novo ao elogiar o empenho de seu governo para encontrar o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira, desaparecidos desde o dia 5, no Vale do Javari.

Na verdade, o Comando Militar da Amazônia demorou mais de 30 horas para se lançar em campo, justificando, em nota oficial, que não havia recebido autorização dos superiores para iniciar as buscas. E até o momento em que ele mentia descaradamente no palco da Cúpula, a Força Nacional também não tinha sido enviada à região.

A mentira reverbera entre seus seguidores nas redes sociais, auxiliando-o na campanha eleitoral, e se presta também para cumprir sua maior obstinação: a de desconstruir o Brasil. Isso inclui dinamitar as instituições e semear a criminosa desconfiança no processo eleitoral – portanto, na democracia.

Com arroubos contra uns e outros e ditos descabidos, o presidente até consegue desviar a atenção das marcas nefastas, deixando-as menos evidentes. Mas não tem conseguido o êxito pretendido. Com rejeição acima de 50%, parece ter firmado a sólida posição de péssimo governante, o pior da história republicana, agora reforçada com o rótulo de preguiçoso. De alguém que se diverte muito e trabalha pouco ou nada; que saracoteia de jet ski, cuja importação foi beneficiada com isenção total, e promove motociatas – no sábado, teve uma em Orlando, nos Estados Unidos -, e não quer saber do batente.

O desgoverno Bolsonaro arruína o presente e compromete o futuro. Não só nas contas a pagar de navios turcos que de nada servirão ou nos subsídios disfarçados para gasolina e diesel. Mas na crença do brasileiro no Brasil. Recuperá-la será um trabalho hercúleo.

Comida é insuficiente para 24% dos brasileiros

Uma pesquisa do Instituto Datafolha realizada na semana passada aponta que quase um em cada quatro brasileiros não teve o suficiente para comer nos últimos meses. Para 24% da população, a quantidade de comida disponível em casa para alimentar a família foi inferior à que seria necessária.

Dos entrevistados, 63% apontaram que a alimentação foi suficiente, e 13% declararam que a quantidade de comida ficou acima do necessário.

O Instituto Datafolha ouviu 2.556 pessoas em 181 municípios brasileiros entre a terça (22/03) e a quarta-feira (23/03), em levantamento que tem margem de erro de dois pontos percentuais para cima ou para baixo.

A chamada insegurança alimentar é mais evidente entre os mais pobres, ou seja, para quem tem até dois salários mínimos (R$ 2.424) de renda familiar mensal. Desses, 35% responderam que a quantia de comida é insuficiente.

No entanto, dos entrevistados com renda mensal de dois a cinco salários mínimos (R$ 6.060), 13% também disseram que faltou comida, a mesma constatação para 6% dos que recebem entre cinco e dez salários mínimos (R$ 12.120).

Entre as regiões, o Nordeste é a que mais sofre com a insegurança alimentar: 32% das famílias. A região é seguida por Sudeste, Centro-Oeste e Norte, que empatam com 23%, e pelo Sul, com 18%.

A crise econômica, a inflação, o desemprego e a pandemia podem ser considerados fatores que aumentaram ainda mais a insegurança alimentar no Brasil. Em 2020, por exemplo, um levantamento feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) apontou que a pandemia de coronavírus aumentou o problema da fome no país.

Em 2018, dois anos antes do início da situação pandêmica, assim conceituada em março de 2020, a pesquisa da Rede Penssan indicou que 37% dos domicílios brasileiros estavam em situação de insegurança alimentar. Esse número subiu para 55% ao fim do primeiro ano da crise sanitária.

Entre os que perderam o emprego durante a pandemia, o número de quem considera a comida na mesa insuficiente chega a 38%. Os desocupados – que não estão em busca de trabalho – somam 28%. Entre os trabalhadores autônomos são 26%, e os assalariados sem registro formal, 20%.

Junto com a pandemia, o desemprego e a estagnação econômica, a inflação piorou ainda mais a situação de muitas famílias nos últimos meses.

Em números oficiais, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) concluiu que a inflação encerrou 2021 com uma variação acumulada de 10,06% em 12 meses no Brasil, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 11 de janeiro último.

O ano passado registrou, portanto, a maior inflação desde 2015, quando o índice fechou o ano a 10,67%, bem acima dos 4,52% que haviam sido registrados em 2020.