sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

O desprezo pelo conhecimento

Diante de projetos absurdos apresentados por parlamentares no Congresso Nacional, Roberto Campos afirmou certa vez: “O mal do parlamento é que todos que vêm para cá querem fazer alguma coisa”. Em campanhas eleitorais no Brasil, é comum os candidatos à reeleição elogiarem a si mesmos em função da quantidade de projetos de lei por eles apresentados. Também é comum criticar os adversários que, durante o mandato, não tenham apresentado nem um projeto. Como ninguém é cobrado sobre a qualidade e a viabilidade das propostas, fica a impressão de que parlamentar bom é aquele que apresenta muitos projetos de lei.

Atualmente, há muitas propostas paradas nas gavetas do parlamento, as quais vão do absurdo ao ridículo, do inviável ao desnecessário, do jocoso ao trágico. Até aí, se não andarem nem forem aprovadas, não há maiores problemas, além de desperdício de tempo e dinheiro público para sustentar uma máquina de fabricar bobagens. O problema fica sério quando algum projeto de lei absurdo escapa do hospício propositório e vira lei.

11 desenhos angustiantes que retratam a vida no século XXI A televisão moldando pensamentos

Vale relembrar alguns projetos apresentados na Câmara dos Deputados, dignos de serem esquecidos. Heráclito Fortes (PSB-PI) propôs que os ventos sejam patrimônio da União, para esta cobrar royalties sobre a geração de energia eólica. Silvio Costa (PSC-PE) propõe que todo ciclista seja obrigado a emplacar sua bicicleta e pagar licenciamento. Pastor Franklin (PTdoB-MG) quer que mulher ou marido traído possam pedir indenização em caso de violação de deveres conjugais – uma espécie de bolsa-adultério.

O povo latino tem enorme disposição para emitir opinião e verdadeiro desprezo pelo conhecimento. Por aqui, há grande apreço por título, cargo, crachá, além da mania de opinar sobre tudo. É comum ver alguém opinando sobre o que não conhece, não estudou e não pesquisou, mesmo que o assunto seja complexo e fora de sua área de conhecimento. São pessoas que falam com a certeza e a convicção que a ignorância confere. É como dizia Will Rogers: “Todos somos ignorantes, apenas em assuntos diferentes”.

Lendo os debates e entrevistas sobre temas como a reforma tributária, reforma da Previdência, tratados internacionais de comércio e regulação do sistema bancário, é assustador o grau de desconhecimento que muitos parlamentares apresentam. Se fosse conversa de boteco, seria apenas perda de tempo sem consequências. O problema é que esses senhores vão tomar decisões e votar as matérias. O que salva o Brasil de aprovar leis ruins são as gavetas do Congresso, onde morre a maior parte das bobagens.

Um ex-presidente, em entrevista quando no exercício do mandato, disse: “Eu não consigo ler muitas páginas por dia, dá sono. Vejo televisão, e quanto mais bobagem, melhor”. Quem chega a presidente de uma nação de 208,5 milhões de habitantes deveria no mínimo se envergonhar de dizer que não lê e não gosta de ler. Mas não: isso é dito sem constrangimento, como se fosse um hábito exótico (ressalva: não importa a que partido pertença, qualquer presidente que diga isso merece reprovação).

Para alguém intelectualmente honesto, a ignorância sobre um assunto deveria levar a duas consequências: uma, a humildade para dizer “não sei” e abster-se de opinar; outra, dar-se ao trabalho de consultar, pesquisar e adquirir conhecimento, principalmente sobre matéria que tenha de votar e impor seus ônus sobre a sociedade. A leitura, a educação e a cultura não existem apenas para fins utilitários, como arrumar emprego ou ganhar dinheiro, mas como meio de o ser humano se elevar acima dos animais e fazer jus à linguagem, consciência e inteligência.

José Pio Martins

Sorteio do Supremo é caixa preta

Acionado diariamente para dar destino às ações que chegam à instância superior da Justiça brasileira, o sistema de sorteio do Supremo Tribunal Federal é tão polêmico, quanto obscuro. Para tentar entender seu funcionamento, a Agência Pública realizou uma análise inédita de mais de meio milhão de processos distribuídos entre os ministros do STF na última década (2007-2017). Com os dados, foi possível verificar que, aparentemente, há um relativo equilíbrio no resultado do sorteio. Mas isto não descarta possíveis manipulações, nem prova que o sistema é de fato aleatório, como explicam os especialistas consultados pela Pública.

A escolha do relator responsável por cada caso é crucial, já que provavelmente será ele o responsável pelo encaminhamento do julgamento. A fim de garantir a imparcialidade, esta escolha é – ou deveria ser – feita ao acaso, na maioria das vezes. Porém, apesar de sua importância, poucos conhecem exatamente os critérios de distribuição deste sorteio.

Pairam dúvidas inclusive dentro do próprio STF. Ao assumir o cargo, a presidente Cármen Lúcia prometeu uma auditoria externa no sistema, até hoje não realizada. E, na definição do relator da Lava Jato, acompanhou pessoalmente a inserção dos dados no sistema de sorteio, como se necessário ver para crer.

Já que o Supremo nega detalhes sobre como o sistema funciona por dentro, analisamos então como ele se parece “por fora”. Ou seja, quais foram os resultados desta distribuição em retrospectiva. A partir de 589.455 processos distribuídos entre 2007 e 2017, identificamos que, aparentemente, há uma distribuição equilibrada entre as 11 vagas do STF.

Extraímos automaticamente as Atas de Distribuição do site do Supremo Tribunal Federal, organizando os dados publicados em uma grande tabela com os detalhes de cada distribuição realizada. Abaixo, vemos o total acumulado de processos distribuídos para cada vaga do Supremo, representadas em linhas/cores distintas.

Ainda que existam diferenças no total, é possível observar que a evolução se dá de forma semelhante, exceto em períodos nos quais o ministro assume a presidência ou quando sua cadeira fica vaga, deixando-o fora do sorteio. É o caso, por exemplo, da vaga de Joaquim Barbosa e Edson Fachin no período entre final de 2012 e meados de 2015.

Cada processo que chega ao Supremo se enquadra em uma “classe”: por exemplo, Mandados de Segurança, Habeas Corpus, Ações Diretas de Inconstitucionalidade, etc. Checamos também se o padrão de distribuição entre os ministros se mantinha equilibrada em cada uma das 35 classes e, no geral, não encontramos grandes discrepâncias.

Com foco nas distribuições entre 2014 e 2017, o cientista de dados Marcelo Alves também analisou as informações coletadas pela Pública para tentar elucidar se há algum tipo de tendência na distribuição. “Após normalizar a quantidade de processos recebida em relação ao total de dias de atuação no STF, os testes sugerem concentrações muito parecidas entre os ministros, tanto no total, quanto para cada classe de processo. Há uma correlação muito forte entre o tempo de casa e a quantidade de processos recebidos. Isso pode ser um indício da aleatoriedade do mecanismo, porém, apenas com uma investigação transparente do código responsável pelo sorteio, poderíamos afirmar como ele de fato funciona”, explica.

Em meio à pesquisa para sua tese sobre o Supremo, o cientista político Júlio Canello fez uma análise similar sobre a distribuição de Ações Constitucionais entre 1988 e 2015. Ele também encontrou uma distribuição “homogênea”. “O resultado sugere que o volume de trabalho é equilibrado entre os ministros, mas isso não resolve a questão de saber se o sistema de sorteio funciona de maneira aleatória”, pontua.

O sorteio digital é o destino de quase todos processos que alcançam o degrau máximo da Justiça brasileira. Mas há exceções. Quando algum ministro já tomou alguma decisão anterior sobre o mesmo objeto da ação ou tema relacionado, a relatoria é atribuída diretamente para ele, por meio do mecanismo conhecido como “prevenção”. De acordo com os dados apurados pela Pública, a prevenção se aplica a apenas 8% dos processos do Supremo.

“O critério aleatório de distribuição é necessário para preservar os princípios constitucionais que garantem julgamentos imparciais. Ninguém pode escolher um juiz, nem o juiz pode escolher causas. Já a prevenção atende a outra necessidade, que é a de prestar a Justiça com coerência e o mínimo conflito entre as decisões”, comenta Silvana Battini, professora da Fundação Getúlio Vargas.

Vale ressaltar que a distribuição determinada pelo sorteio nem sempre é definitiva. É possível que o mesmo processo seja sorteado e depois distribuído por prevenção, alterando assim seu relator. Foi o caso de um dos habeas corpus do empresário Jacob Barata Filho, inicialmente enviado por sorteio para a ministra Rosa Weber. Uma semana depois, “redistribuído por prevenção” , o processo mudou para a mesa de Gilmar Mendes, relator da Operação Calicute, investigação que atingiu a cúpula do transporte carioca. No mesmo dia em que recebeu o caso, o ministro providenciou a liberdade do “Rei do Ônibus“. Devido à proximidade de Gilmar Mendes com o réu, o Ministério Público questionou a distribuição, mas o pedido de suspeição ainda não foi levado a julgamento pela presidência.

Ex-vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko explica que, em geral, cabe ao relator se declarar prevento ou não. A presidência intervem apenas nos raros casos onde há divergência entre os juízes. “De alguma forma, isso dá ao relator um certo poder de vulnerar a distribuição ou porque usa critério pessoal ou porque afirma sua competência e ninguém se opõe”, analisa.

A Lava Jato é outro exemplo que mescla prevenção e sorteio. Quando faleceu o ministro Teori Zavascki, o sistema de distribuição automática foi acionado e Edson Fachin foi sorteado como relator do “processo-mãe” da Operação. A partir de então, todos os outros casos relacionados a esta investigação são encaminhados a ele, por prevenção.

Há ainda os chamados “processos ocultos”, que sequer constam no sistema oficial e cujos mecanismos de distribuição são ainda mais opacos. Em 2016, o então presidente Lewandowski assinou resolução proibindo o sigilo, mas há quem duvide sobre o quão eficaz é a decisão. “A extinção é bem controversa. Certamente, há coisas tramitando às escondidas. Nunca deixou de existir”, afirma um ex-assessor, que trabalhou por mais de 15 anos no Supremo e hoje atua na iniciativa privada.

Paisagem brasileira

Paraíso Perdido 4 (São João Batista do Glória, Serra da Canastra, MG)
São João Batista do Glória (MG)

Escrúpulo de juiz

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Raimundo Correia era de um escrúpulo doentio ao lavrar as suas sentenças de juiz. Certa vez, foi ter-lhe às mãos um processo movido contra Medeiros e Albuquerque por um fornecedor que pretendia receber duas vezes uma conta de novecentos mil réis. Chamado à casa do poeta-magistrado, Medeiros encontrou-o abatido, desolado.


- Sabes - comunicou-lhe Raimundo, há nove noites não durmo por causa deste processo. Vou jurar suspeição.

- Mas, pelos autos, eu tenho ou não tenho razão?

- A conclusão que eu tiro, - informou o autor do "Mal Secreto", - é que a razão está contigo. E aí é que está o meu escrúpulo.

- ?...

- Há nove noites eu pergunto a mim mesmo: mas eu acho que o Medeiros tem razão porque tem mesmo, ou é porque o Medeiros é meu amigo?

E passou adiante a papelada.
Medeiros e Albuquerque

Incompetenciofobia

Vivemos uma nova ordem no planeta.
Mulheres, unidas, ganham força enfrentando o assédio como pode ser visto na entrega do Globes Award e no inspirador discurso da Oprah.
Questões como diversidade, luta contra o racismo e homofobia mostram que estamos evoluindo.
É chegada a hora de encararmos mais um luta: o preconceito contra os incompetentes.
Sim.
Você sabe do que estou falando.
Quem não conhece ou tem algum parente que já sofreu por ser incompetente?
Até quando?
O Brasil tem a chance de liderar esse movimento.
Porque nossa História mostra que, apesar de ocorrências pontuais, sempre empoderamos nossos incompetentes.
Os exemplos são muitos.
Presidentes, ministros, senadores, ou mesmo nos escalões inferiores.
Um caso recente é o do delegado de Minas Gerais que foi designado para dirigir o Detran local com 120 pontos na carteira de motorista.
Em qualquer país este homem sofreria enorme preconceito.
Talvez até se tornaria um pária, afastado de seu cargo atual.
Jamais assumiria a função para a qual foi designado.
Aqui não.
No Brasil a incompetência é celebrada.
Sabemos que o respeito às leis não pode definir a honestidade de cada um.
E assim o sujeito segue lá.
Altivo, com a carteira suspensa, coordenando o trânsito mineiro.
Em Brasília, o governo federal decidiu dar um exemplo de como deve agir o Estado moderno e deu posse a uma ministra do Trabalho envolvida em causas trabalhistas.
A ministra teve lá uns processos, já deixou de assinar a carteira de alguns funcionários, fez um ou outro acordo na justiça, quem nunca, né?
Bastou sair a notícia para que os Incompetenciofóbicos saíssem de suas cavernas.
Mas o governo foi forte e lutou até o fim para que a tal senhora assumisse seu cargo.
Sabem o que isso prova?
Que o Brasil é um país democrático.
Qualquer um pode ter cargos de primeiro escalão, independente de cor, raça, credo ou situação judicial.
Em outros países, imagine, basta o nominho sujo na praça para sofrer terríveis consequências.
Mas o perigo está sempre rondando.
Temos que estar atentos porque o preconceito aos incompetentes, as vezes, se manifesta de outras formas.
Por exemplo, tem gente — acredite se quiser — que acha que um político deve ser inteligente e preparado.
Me escapa como ainda podem pensar isso em pleno Século XXI.


Será que os dois mandatos do presidente Lula não demonstraram a essa gente que o preparo de um indivíduo não tem nada a ver com o que ele pode fazer pelo país?
O mundo lá fora não é assim, não.
No Japão, para escapar do bulling, políticos flagrados em alguma safadeza chegam ao extremo de se suicidar.
É isso que o preconceito traz.
Traz sofrimento e saldo bancário vazio.
Mas aqui não.
Aqui temos um Jair Bolsonaro.
Em recente entrevista disse que não é necessário entender de Economia para ser presidente. Nem de Saúde. Nem de Educação.
Na verdade, Bolsonaro esfregou na cara da sociedade mundial o fato de que qualquer um pode chegar ao topo da pirâmide política no Brasil sem saber patavina sobre nada.
Bolsonaro é um Martin Luther King, um Nelson Mandela na luta contra a Incompetenciofobia.
Que prazer viver num país onde a gente sabe que não importa a falcatrua, nunca seremos tratados com desprezo.
Um país onde incompetentes podem andar livres pelas ruas.
Onde incompetentes podem educar seus filhos garantindo uma sociedade ainda mais igualitária, onde competentes e incompetentes vivam em harmonia.
E mais.
No improvável caso de ser preso, o brasileiro sabe que com menos de um terço da pena já estará na rua.
Um país que preza a liberdade é assim.
Aqui procê, mundo.

Sindicato dos ladrões assaltou o país e roubou até a esperança do povo brasileiro

Lendo com atenção crítica a excelente reportagem de Marta Beck, Cristina Jungblut, Letícia Fernandes e Karla Gamba, O Globo desta quinta-feira, reforça-se a conclusão de que um verdadeiro sindicato de ladrões assaltou o Brasil e roubou uma fortuna em dinheiro e também apoderou-se da esperança do povo brasileiro no desenvolvimento econômico e social do país. Tal processo foi desencadeado de forma avassaladora a partir de 2003 e, apesar da operação Lava Jato e do terremoto da JBS, ainda não cessou.

A reportagem focaliza a resistência do Ministério da Fazenda e do Tribunal de Contas da União à transferência de 15 bilhões de reais do FGTS à Caixa Econômica Federal. Mas torna evidente o transcorrer de um processo de ladroagem organizado.

Foi necessário o afastamento de quatro vice-presidentes da CEF para dar mais cores à presença de esquemas políticos de corrupção na administração pública. Dividiram a Caixa, seguindo o exemplo do que aconteceu na Petrobrás, numa espécie de Capitanias Hereditárias. Partidos sustentavam a nomeação e permanência de dirigentes, recebendo em troca comissões ilegais e colossais, que saiam de forma direta e indireta do Tesouro Nacional.



Os fatos estão aí. Um deles reflete-se na diminuição dos empréstimos imobiliários da Caixa Econômica. A instituição deu tanto favoritismo a grupos financeiros que passou a enfrentar a escassez de recursos para habitação, inclusive àquela faixa mais ligada às classes de menor renda.

O deputado Artur Lira, do PP, afirmou que “apesar de não ver nada de errado nos vice-presidentes terem ligação com os partidos, nenhum deles é vinculado à legenda que tem a palavra progressista no nome”.

Em nota divulgada da prisão, Eduardo Cunha sustenta não ter mantido vinculação com nomeações feitas na Caixa. Disse que as nomeações foram praticadas por influência de Michel Temer, quando em 2015 era vice-presidente da República e representava o PMDB no governo.

O ministro Henrique Meirelles recorreu à Lei das Empresas Estatais no sentido de que os dirigentes devem passar por um critério de avaliação técnica e terem suas indicações confirmadas pelos conselhos administrativos dos diversos órgãos federais.


Meirelles antecipou-se a Michel Temer no episódio da CEF, pois anunciou o afastamento definitivo dos quatro vice-presidentes e o exame, também técnico, dos demais oito titulares. O ministro Meirelles antecipou-se também ao divulgar os nomes de 4 substitutos escolhidos pela Fazenda. A posição do Presidente da instituição, Gilberto Ochi, será avaliada também. Ele foi uma indicação do PP.

Se estendermos os casos de influência política nas demais estatais, está claro que inúmeras situações vão chegar a superfície da comunicação pública. Foi o caso emblemático Do Mensalão, a partir de 2005, quando as denúncias vieram à tona e culminaram com a operação Lava Jato.


Em número expressivo de situações constata-se a predominância do modelo em cujo espelho reflete a imagem das piores vinculações entre políticos, empresários e administradores. Surgem até casos absurdos através dos quais transcorrem os fatos. O caso, inclusive, do PTB de Roberto Jefferson. A nomeação da deputada Cristiane Brasil foi impedida pela Justiça.

De 2003 para cá uma montanha de recursos públicos foi subtraída. Em conseqüência, a credibilidade dos governos e dos políticos desabou. Roubaram até a esperança do povo brasileiro.

O desafio agora volta-se para as urnas de outubro. Faltam poucos meses.

Nino Rota in Concert

Do pedalinho ao viaduto

O Viaduto Dona Marisa Letícia leva ao paraíso. Não o bairro paulistano, mas o Nirvana mesmo. O lugar onde não há culpa, só prazer. Exemplo: o contribuinte brasileiro (você) está pagando US$ 3 bilhões aos americanos pelo assalto de Lula à Petrobras. Enquanto isso, o próprio Lula é convidado para uma animada partida de futebol com Chico Buarque – uma espécie de celebração à delinquência, provando de uma vez por todas que o crime compensa, se tiver a embalagem certa. A única injustiça é você pagar e não ser convidado para jogar também.

Aí a maior cidade da América Latina inaugura uma obra viária com o nome da recém-falecida esposa do maior assaltante da história nacional. Criminoso este já condenado e, agora, em vias de ser preso. Detalhe: a própria homenageada, antes de falecer, estava sendo investigada como cúmplice do marido em seus crimes de corrupção passiva – sendo os mais visíveis deles o do tríplex em Guarujá e o do sítio em Atibaia, aquele que tinha os pedalinhos personalizados “Lula & Marisa”. Os autores da homenagem devem ter imaginado que quem já batizou pedalinho pode batizar viaduto sem problema nenhum.
Nenhum texto alternativo automático disponível.

É disso que o Brasil está brincando nos dias de hoje: passar a mão na cabeça de bandido simpático para ver se salva a lenda populista. Está dando certo. Existe por exemplo uma horda de indignados com o desabafo comovente do mesmo Chico Buarque, dando conta de que não consegue mais andar nas ruas do Leblon sem ouvir o bordão “vai pra Cuba, viado”. É mesmo uma grosseria. Resta saber onde estariam os grossos se o cantor não tivesse virado marqueteiro de bandido. Possivelmente estivessem remoendo em silêncio a sua grossa insignificância.

É um enigma insondável essa compulsão de alguns grandes artistas por causas vagabundas. Em Hollywood há uma penca de estrelas, também de inegável talento, comprometidas com a ditadura sanguinária da Venezuela – todos fingindo que o chavismo é a redenção dos pobres do Terceiro Mundo. Assim como os falsos heróis brasileiros, são personalidades que não precisariam dessas lendas fajutas, por já serem, eles mesmos, figuras lendárias (graças à sua própria obra). Ou seja: renunciam à grandeza para besuntar a reputação de verniz falso. Poderia ser altamente pedagógico se, entre um e outro “vai pra Cuba, viado”, surgisse um “se olha no espelho, querido”.

Enquanto houver gente para propor e para tolerar um viaduto homenageando a primeira-dama do petrolão, esse espelho vai sempre refletir um líder revolucionário em lugar do oportunista melancólico. E esse oportunismo faz escola. Entre os candidatos a reabilitar o PT do maior assalto da história estão também procuradores, juízes e outros fascinados com os ganhos fáceis proporcionados pelo tal verniz de esquerda – cuja falsidade se constata num simples olhar para Lula ou Maduro: picaretagem não tem lado, muito menos ideologia.

Rodrigo Janot, de triste memória, está sendo convocado pela Polícia Federal para depor sobre a farsa da delação de Joesley – na verdade uma conspiração tosca para tentar devolver o poder aos companheiros. Entre os cúmplices da malandragem malsucedida estão ministros do STF como Edson Fachin, hoje também conhecido como Edson Facinho, dada a celeridade sem precedentes com que homologou o truque mambembe – contando com a altiva cobertura da companheira presidenta da Corte. Aí você fica sabendo que as provas de Mônica Moura (alguém se lembra dela?) contra Lula e Dilma ficaram sete meses paradas no Supremo – e constata até que ponto pode chegar o altruísmo para com os protagonistas da lenda.

Personagens soltinhos da silva como Dirceu, Dilma e agora até o lendário mensaleiro Pizzolato (obrigado, companheiro Barroso) estão conspirando à vontade e falando pelos cotovelos, com o caixa cheio para promover suas micaretas revolucionárias. Enquanto isso, os outrora diligentes investigadores da Lava Jato – destaque cheio de purpurina para o mosqueteiro Dartagnol Foratemer – estão fazendo comício no Twitter e cuidando, também eles, de se besuntar da lenda salvacionista à prova de espelho.

Ou o Brasil sobe o viaduto das panelas acelerando para ver se chega ao paraíso ou mostra com todas as letras que futebol de bandido é no presídio.

Há fome no vizinho

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Os países intervêm nos assuntos uns dos outros porque existe uma obrigação moral. Quando se escrever a história deste período que estamos vivendo, os brasileiros não terão como dizer que não puderam fazer nada enquanto os venezuelanos morriam
Ricardo Hausmann, professor venezuelano em Harvard

A próxima fronteira

Em dezembro de 2017, mais de 11 milhões de brasileiros, entre 15 e 29 anos, não estavam estudando nem trabalhando. Essas pessoas representam um peso para suas famílias e para um país arcaico que, fora o fato de oferecer um sistema educacional de terceira categoria, reluta em enfrentar o desafio da Reforma Previdenciária.

Soma-se a esse quadro o desafio da eclosão da inteligência artificial, que, segundo o professor israelense de História Yuval Noah Harari, autor do best-seller “Sapiens”, vai desempregar e tornar não empregáveis milhões de trabalhadores.

Ora, se em países como os Estados Unidos, o Japão e a Coreia do Sul a questão preocupa, imagine no Brasil. Nosso país é pouco internacionalizado, mas altamente globalizado. E qual a importância disso para essa questão? Absorveremos o impacto das mudanças tecnológicas, como já fazemos com as redes sociais, a telefonia celular e o uso da internet, no entanto, essa absorção não resultará de imediato em inserção internacional no novo mundo.

Usamos as novas tecnologias, contudo nossa capacidade de inovar e de nos inserirmos na cadeia produtiva do setor é baixíssima. Como o futuro que se desenha é o de elevada utilização dessas novas tecnologias, o nível de empregabilidade de nossa mal preparada mão de obra poderá se agravar.

Não estamos absorvendo os jovens no mercado de trabalho e não estamos nos preparando para a quarta Revolução Industrial, a da inteligência artificial. Seremos, então, no futuro próximo, um imenso exército de inúteis?

Harari acredita que a manutenção dos não empregáveis poderia ser feita por meio de um programa universal de renda mínima. Tipo um Bolsa-Família mundial. Programas de assistência social evidentemente serão adotados, mas não serão suficientes. O Brasil deve olhar para a frente e tentar minimizar os riscos que se apresentam, já que o futuro reservado para nós poderá abrir um abismo ainda maior entre nós e as economias avançadas.

O que deve nos salvar é que o mundo continuará a precisar das commodities brasileiras, só que dependermos apenas disso é medíocre.

Outro aspecto que deve aliviar o peso do nosso fracasso é o tamanho do mercado, que sempre será importante pelo desejo de consumir de nossa população. O problema é que ter uma economia que produz commodities e consome sem produzir nem inovar não é o melhor dos caminhos. Devemos retomar algumas políticas que fizeram o país avançar.

Por exemplo, o que a Embrapa e a Embraer fizeram, respectivamente, para os setores agrícola e aéreo, deve ser observado e aplicado, com as devidas atualizações, em outros segmentos. Ambas as empresas resultaram de decisões políticas e de políticas industriais importantes e não expressaram somente o desejo de ampliar a intervenção na economia.

O caminho que considero essencial é o de tornar o Brasil um paraíso para empreendedores, facilitando tanto a burocracia quanto o intercâmbio com polos internacionais de inovação. Além, naturalmente, de endereçar a questão educacional, recapturar a universidade pública do Estado Corporativista (EC) e ampliar o acesso a linhas de crédito.

Pior para os fatos, pior para a política

Fatos não pensam. Logo, não podem ser tomados como critério definitivo da verdade. Na conduta humana, ao lado do juízo de fato (da constatação empírica e racional dos dados verificados na realidade), há de ter lugar também o juízo de valor (que envolve interpretações e escolhas inspiradas por noções éticas), seja na vida prática de todo dia, seja na política.

Nada mais óbvio, certo? Sim, nada mais óbvio. Não obstante, para que fique mais nítida a adversidade presente, o óbvio vai cumprir aqui uma função de esclarecimento. Sigamos, então, um pouco mais com o nosso óbvio.

Os que proclamam pautar suas decisões nos fatos, apenas nos fatos, fazendo parecer que suas conclusões são decorrências matemáticas, necessárias e inevitáveis de uma leitura objetiva dos eventos da natureza e da vida social, flertam com uma forma rebuscada de fraude, mesmo que não tenham a intenção de trair a confiança do interlocutor. As decisões que podemos tomar no plano da consciência – por mais frágil e instável que seja a membrana da consciência a revestir as deliberações de que somos capazes – implicam obrigatoriamente aspirações, desejos, identificações inconscientes, crenças e princípios morais dos quais mal nos damos conta. Em suma, os caminhos que cada um elege para si e para a comunidade encerram compromissos que, além da constatação dos fatos, guardam em si a pretensão de interferir na sucessão desses mesmos fatos. O óbvio, nada mais que o óbvio: a ambição (ou direito legítimo) de alterar a ordem dos fatos (ou de mudar o mundo) tem, portanto, parte com o imponderável, com a incerteza, de tal forma que quem escolhe aposta. Se os fatos não pensam, precisam do sujeito que pense para sobre eles agir.

Ponto. Fim das obviedades. Prossigamos agora com a adversidade.

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Como os observadores mais atentos vêm apontando, vivemos um agravamento agudo da desvinculação entre o discurso político (incluído aí o agir) e o domínio dos fatos. Paixões como o ódio, a inveja, o ressentimento (e suas manifestações mais superficiais, como a xenofobia, o sexismo, o preconceito de classe, o racismo) subiram um ou dois degraus na hierarquia das configurações partidárias e no ordenamento do poder. A idolatria e a fúria tomam espaços que até outro dia contavam com a presença de alguma forma de discernimento crítico, ainda que rudimentar, de tal forma que comportamentos políticos assumem o aspecto de fervor religioso.

É a era do “pós-fato”, caracterizada pelo recrudescimento dos chamados “populismos”. Há exemplos profusos à esquerda e à direita: chavismos, trumpismos, bolsomitos, etc. Não é na coloração ideológica que essas novas e múltiplas formas de populismo se distinguem. O que as distingue é o abandono deliberado da modestíssima verdade factual como lastro da retórica. O populismo contemporâneo constrói-se em ataque permanente contra o domínio dos fatos: não se trata apenas de substituir o juízo de fato pelas crenças abiloladas, mas de substituir a lógica interna da política pela lógica interna das seitas fanáticas, mantendo mais ou menos intacto o invólucro de aparência política.

Não é por acaso que os papéis de igrejas e partidos se embaralham em tantos níveis no Brasil. Não é por acaso que o princípio democrático da separação entre Igreja e Estado se tenha perdido numa esquina da nossa História recente. Temos hoje no País líderes religiosos que encabeçam projetos explícitos de poder, assim como temos líderes políticos que se acreditam predestinados e ungidos por forças divinas. Durante muito tempo os analistas tratavam de encontrar explicações políticas para fenômenos religiosos. Agora, os mesmos analistas recorrem à anatomia das religiões – que não têm base nos fatos, mas na fé – em busca de analogias para o modo de proceder de siglas partidárias.

Quando uma dirigente partidária afirma que “para prender Lula (a Justiça) vai ter que matar muita gente”, deixa ver as fibras do fanatismo. De outro lado, a diferença de tratamento judicial que mereceram Dilma Rousseff e Michel Temer desvela um aparente descompromisso da política e da Justiça com o domínio dos fatos: Dilma foi destituída em função de uma acusação que transitava do barroquismo jurídico às abstrações mais intangíveis, condenada por um crime de responsabilidade que era difícil de entender e mais difícil ainda de explicar; quanto a Temer, flagrado numa gravação para lá de comprometedora, com ex-ministros e ministros que fazem fila para se sentar no banco dos réus, voa, incólume como um anjo, acima do alcance do Judiciário, sem que ninguém se preocupe em entender e muito menos em explicar o que quer que seja. A sensação de que os tribunais se permitem golfadas de partidarismo se adensa, enquanto o cenário político se inflama.

Há outros sinais de cisão entre a política e os fatos. O furor com que os seguidores fiéis do ex-presidente Lula se apressam a dizer que não há provas cabais contra ele no caso do triplex – e, em se tratando de um processo ainda não transitado em julgado, não está descartada a hipótese de que tenham razão – obscurece o fato (outra vez o fato) de que as evidências políticas e práticas de que ele usufruiu favores de empreiteiras para custear seu conforto pessoal (no famigerado sítio de Atibaia, por exemplo) constituem um embaraço ético de todo tamanho. Por que ninguém entre os seguidores fiéis se incomoda com isso? Por que seguem seguidores fiéis mesmo depois de tantos e tão graves sinais expostos de conflitos de interesse? Será que, para os seguidores, ainda que venha a se provar juridicamente inocente, Lula ainda é politicamente impoluto?

Enquanto uns e outros, de um lado e de outro, dissolvem o nexo entre política e fato, a regra do jogo democrático perde consistência, os extremismos se aprofundam e o debate público perde fertilidade.
Eugênio Bucci