quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Pensamento do Dia

 


O Khmer verde e amarelo na segurança pública

O Brasil vive um período, na segurança pública que, a título de ilustração, lembra o governo do Khmer Vermelho, quando nos anos 1970 levou o Camboja a um desmantelamento geral que devolveu o país à Idade Média.

A ideia era recomeçar, de uma fase agrária pré-capitalista. O ditador Pol Pot negou a ciência e a medicina, baniu professores e artistas, queimou livros, armou milícias civis, espalhou preconceito e discórdia, enquanto ‘fechava os olhos’ ao tráfico de madeira, minerais preciosos e drogas.


As propostas dos(a) candidatos(a) de oposição a Presidente do Brasil, para a segurança pública, divulgadas recentemente, revelam um quadro preocupante (o principal programa das candidaturas é a reativação do Sistema Único de Segurança Pública).

Considerando que o SUSP já havia sido criado em 2018, a proposição consensual da oposição de recolocá-lo em funcionamento significa que o País engavetou a estratégia nacional de segurança pública.

A rigor, não há exagero na afirmação, levando em conta a política de vale tudo, que promove a liberação das armas de fogo, a cultura de agressividade, a tolerância com a violência policial, com o desmatamento, com o garimpo ilegal e com a grilagem.

O quadro preocupa ainda mais ao se constatar que a proposta do candidato à reeleição não passa de um aprofundamento dessa antipolítica de segurança (ou seria uma política de insegurança?).

Ao sair do poder no Camboja, apenas quatro anos depois de assumir, Pol Pot deixou mais de um milhão de mortos por assassinato, epidemias e pobreza, sem falar no desemprego, atraso, devastação ambiental e descrédito internacional.

No Brasil, quando se soma o abandono da política de segurança pública (SUSP) com o desmonte dos instrumentos de regulação e fiscalização na Amazônia, o resultado é uma explosão dos índices de violência da região que espantaria até os cambojanos.

“Praticamente todos os 10 municípios com taxas superiores a 100 homicídios/ 100 mil hab. estão […] próximos a Terras Indígenas e fronteiras”. (fonte: Anuário Brasileiro da Segurança Pública 2022 – Amazônia como síntese da violência extrema).

Nesse cenário, é importante que o Brasil tenha consciência de que, no Camboja, houve ajuda externa. A China ajudou o Khmer Vermelho, assim como o Ocidente e seus aliados ajudaram os governos seguintes.

No caso do Brasil, ao contrário, os retrocessos contaram apenas com o patrocínio e a concordância de brasileiros. Da mesma forma, a recuperação vai exigir vontade e esforço tão somente da sociedade brasileira, das suas instituições e dos seus representantes.

'A floresta produz mais riqueza do que o gado'

Em uma pequena vala no meio do pasto, Claudia dos Santos para o carro. Na beira do caminho, há uma grande cruz de madeira e, ao lado, os restos de uma placa de pedra destruída. "Eles atiraram nela", conta Santos. "O nome do meu tio e da minha tia estavam gravados na pedra. Até hoje somos ameaçados porque protegemos a floresta."

A jovem de 20 anos é sobrinha de José Cláudio Ribeiro, que junto com sua mulher, Maria do Espírito Santo, foi alvejado por dois pistoleiros neste local. O casal liderava uma comunidade extrativista no sudeste do Pará. Os extrativistas coletam e processam frutos da Amazônia, são os agricultores da floresta. Mas o Pará vem sendo desmatado a um ritmo raramente visto em outros lugares do Brasil. José Cláudio e Maria resistiam à destruição e denunciavam madeireiros e pecuaristas ilegais. Até esse contra-ataque brutal.

Um dos pistoleiros foi condenado, assim como dois dos mandantes. Porém, o assassino conseguiu fugir da prisão, e um dos mandantes – um pecuarista que estava de olho em terras da reserva – escapou da polícia. "Vivemos com medo", afirma Claudia dos Santos.

A castanha-do-pará não pode ser cultivada em plantações, ela dá apenas na floresta

O Pará abriga a segunda maior porção da Amazônia brasileira. Mas madeireiros, pecuaristas, sojeiros e garimpeiros ilegais avançam há anos sobre a floresta, invadindo áreas protegidas, reservas indígenas e territórios de extrativistas. Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, em 2019, eles ficaram mais agressivos. O número de conflitos por terras no Pará é extremamente alto – ambientalistas, indígenas e comunidades tradicionais vivem perigosamente.

O termo extrativismo descreve a coleta de frutos que a natureza oferece. A prática é uma resposta importante para a pergunta sobre como é possível viver na região da Floresta Amazônica sem destruir o meio ambiente. "Meu tio e minha tia provaram que o extrativismo funciona", afirma Santos. "Por isso, eles precisaram morrer. Eles mostraram que uma floresta intacta produz mais riqueza do que o gado."

A jovem cresceu numa família de quatro integrantes na comunidade Praia Alta-Piranheira, famosa por suas castanhas-do-pará e que, em 1997, foi declarada reserva agroextrativista pelo Estado. José Cláudio Ribeiro e sua esposa desempenharam um importante papel para que isso ocorresse. Contudo, a demarcação não impediu madeireiros e pecuaristas de continuar invadindo os 22 mil hectares de área protegida. O Estado está em grande parte ausente na Amazônia e, em várias regiões, o que vale é a lei do mais forte.

Há também uma guerra cultural no Pará. Em muitas partes do Brasil, a natureza ainda é considerada algo atrasado e importuno, que deve ser domado e de preferência eliminado para abrir espaço para o desenvolvimento econômico. Bolsonaro encarna esse ponto de vista por excelência, ele fala de "árvores de merda" e defende garimpeiros e madeireiros ilegais. Para ele, aqueles que defendem a floresta são baderneiros. Os recordes de desmatamento na Amazônia sob o governo Bolsonaro não são uma coincidência.

Depois dos assassinatos de José Cláudio e Maria, Santos e sua mãe, que também recebeu ameaças de morte, se mudaram para Marabá, que fica a duas horas e meia de carro da reserva. Lá Santos estuda e trabalha no instituto Zé Cláudio e Maria – uma ONG fundada por sua mãe para ajudar a manter de pé a luta por Justiça e a memória dos mártires socioambientais.

Nesta tarde, ela vai à reserva para visitar a tia, Claudecir dos Santos, que deu continuidade à tradição do extrativismo. Depois de um longo trajeto numa estrada de terra e ao longo de pastagens, ela chega à área protegida, fácil de reconhecer devido à mata fechada. Para recebê-la, Claudecir matou uma galinha que prepara num fogão à lenha numa cozinha aberta. "Estou satisfeita com a minha vida", diz a viúva de 57 anos.

Na manhã seguinte, a mulher pequena e musculosa entra na floresta com um facão e uma cesta nas costas – cerca de 30 hectares de mata pertencem ao seu quintal. Ela conta que há quatro ou cinco frutos que a ajudam a ganhar a vida.

Em primeiro lugar, está a castanha-do-pará. Elas crescem em castanheiras e, em ouriços que parecem balas de canhão, as castanhas amadurecem envoltas cada uma em uma casca dura. A castanha-do-pará não pode ser cultivada em plantações, ela dá apenas na floresta. Essa é uma das razões para o alto preço de venda desse produto no mercado. Nutritivas, as castanhas possuem um elevado teor de proteína e gordura, além de muitos minerais.

Cada uma das dezenas de castanheiras na floresta produz por safra castanhas no valor de cerca de R$ 500, segundo Claudecir. Ela acrescenta que, ao longo dos anos, isso rende muito mais do que se derrubassem a árvore e vendessem sua valiosa madeira. Apesar de o corte da espécie ser proibido pela legislação brasileira, madeireiros continuam derrubando castanheiras. Eles simplesmente declararam a madeira como de outro tipo.

Igualmente importante para a renda de Claudecir é a andiroba, de cujas sementes é extraído um valioso óleo, que tem efeitos antissépticos e é usado na fabricação de sabonetes. Em sua oficina, Claudecir mostra como funciona o processo de extração do óleo. Ela se uniu com outras mulheres da reserva numa cooperativa para comercializarem juntas o óleo.

Açaí, cacau e cupuaçu também são coletados e vendidos. Já mamão, manga e limão são para consumo próprio. Além disso, Claudecir planta mandioca, feijão, cana-de-açúcar e ervilha. O quintal dela parece um paraíso autossuficiente. Mas é claro que não cresce tudo que é necessário para viver na floresta.

Claudecir, que recebe ajuda de um irmão mais novo para cuidar da plantação, compra açúcar, sal, arroz, café e óleo na cidade. "Mas eu não gosto da cidade", diz. "A floresta me dá tudo que eu preciso. Ver como ela é viva me dá coragem. Apesar de tudo."

Faz dois anos que a mãe de Claudecir, que vive em Marabá, recebeu uma carta na qual estava escrito com letras recortadas: "Vamos acabar com o resto da família". E essa não foi a única ameaça.

Ao anoitecer, vestindo jeans e chinelos de dedo, Claudia dos Santos atravessa um riacho do qual vem a água usada por sua tia. As cigarras já começaram com sua cantoria ensurdecedora, e longe um grupo de bugios grita. Santos senta embaixo de uma castanheira imponente, que emerge para o céu de uma clareira. A idade da poderosa árvore é estimada entre 350 e 400 anos, ela conta. Sua família a batizou com o nome de Majestade. "Eu venho aqui para encontrar minha paz. Essa clareira é minha catedral."

Santos conta que há dois anos, na volta de uma visita à reserva com uma amiga, elas foram seguidas por uma pick-up com luz alta que chegava cada vez mais perto. "Entramos em pânico e aceleramos até que nosso carro quase capotou numa curva." A jovem acredita que um pecuarista que tem uma fazenda na divisa com a reserva esteja por trás do episódio.

O extrativismo, como o praticado por Claudecir e sua família, é uma provocação. A economia predominante na região é a pecuária, que também se espalhou pela reserva extrativista. De 400 famílias que moram no local, apenas 20 ainda praticam a silvicultura. As outras possuem gado, o que contradiz o objetivo da reserva, mas é a realidade.

"Querem lucro rápido. Pensam que só os que têm gado contam", afirma Suena Nascimento, de 28 anos, que é professora numa escola rural e presidente do coletivo de extrativistas do qual 15 mulheres fazem parte.

"Nós, mulheres, pensamos a longo prazo", afirma a professora. "Algumas famílias que começaram a criar gado já se arrependeram", diz, apontando que elas não calcularam os custos de fertilizantes para as pastagens, ração, vacinas e outros. "As primeiras a mudar de ideia são as mulheres. Os homens precisam de mais tempo. Mas o mais tardar quando a água se torna escassa e o solo esgotado, eles percebem que algo não vai bem. É preciso se aliar à natureza para sobreviver na Amazônia", ressalta.

Quem pagará parte da conta do 7 de setembro bolsonarista

Do bolso dele, naturalmente, não sairá um tostão – raramente sai, só entra. Desta vez, o cartão corporativo que financia todos os seus gastos lícitos e outros menos não pagará nenhuma despesa. Para o desfile militar, há verbas previstas no Orçamento da União.

Para despesas paralelas que possam transformar o desfile num comício bolsonarista em Brasília e no Rio, ele conta com a ajuda dos seus fiéis devotos. Todos esperam ser ressarcidos no futuro pelos favores prestados à luta do bem contra o mal do comunismo.

Ruralistas, segundo a Folha de São Paulo, deverão enviar 28 tratores para participar do 7 de setembro em Brasília, além de um carro de som. Os tratores desfilarão junto com os militares para mostrar a pujança do agronegócio que apoia a reeleição dele.

O carro de som ficará do lado oposto ao desfile. Se bolsonaristas comparecerem em grande quantidade, e é o que se espera, de cima do carro o presidente lhes falará, sobre o quê talvez só ele saiba. Um discurso, certamente, repleto de “forças de expressão”.

Caberá aos pastores e denominações evangélicas (você leu denominações, não demonizações) arcar com os custos da motociata no Rio, transporte das ovelhas, bandeirinhas do Brasil em profusão e talvez um carro de som, se necessário.
Ricardo Noblat