domingo, 13 de setembro de 2020
Alta dos alimentos deve agravar insegurança alimentar no Brasil
No começo da pandemia, Tamires Belineli de Souza, recepcionista de 32 anos, desempregada há um, conseguia incluir na cesta de compras mensal da família 12 litros de leite. Além dela, o leite servia para alimentar a filha de 10 anos e o marido, também sem trabalho. Uma opção de carne ou frango era frequente nas refeições. A família vive atualmente com os R$ 600 reais do auxílio emergencial, e gasta metade com alimentação.
Agora, Souza dá conta de comprar apenas cinco litros de leite por mês. Carne virou quase luxo, e é preciso revezar. "Às vezes, deixo de comer alguma coisa para dar para a minha filha", diz a moradora do Parque Santo Antônio, na Zona Sul da capital paulista, que passou a recorrer a doações para complementar a alimentação.
Para quem gasta tudo ou quase tudo que ganha com comida, não há escapatória diante da inflação dos alimentos: é preciso deixar de comer ou substituir comida nutricionalmente boa por ultraprocessados. Se o auxílio emergencial ajudou a evitar que muita gente caísse na pobreza e até mesmo tirou muitos da situação de vulnerabilidade, a perspectiva do fim do benefício associada à alta dos preços dos alimentos formam uma equação perigosa.
O benefício de R$ 600 reais, que chegou a R$ 1,2 mil para mães solteiras, começou a ser pago em abril para um período inicial de três meses. Em junho, foi alongado por mais dois meses, e no início de setembro, o governo prorrogou a transferência por mais quatro meses, reduzindo a parcela mensal a 300 reais. A última parcela será paga em dezembro.
A inflação dos alimentos no Brasil, na esteira de demanda maior e da forte desvalorização do real frente ao dólar, deve continuar pelos próximos meses, segundo economistas, e tende a agravar o quadro de insegurança alimentar no país, conforme representantes de entidades ligadas a segurança alimentar ouvidos pela DW Brasil.
"Mesmo com o auxílio emergencial, estamos prevendo que o Brasil esteja voltando para o Mapa da Fome", afirma a antropóloga Maria Emilia Pacheco, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e membro do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).
A fala de Pacheco ecoa a avaliação do economista Daniel Balaban, diretor do Centro de Excelência contra Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP) da Organização das Nações Unidas (ONU). "Isso [alta dos alimentos] é muito preocupante, porque a grande maioria desses 65 milhões de brasileiros que receberam o auxílio utilizam o recurso para comprar comida, o próprio IBGE mostra. Com o preço dos alimentos aumentando, eles têm que comprar menos. E têm um problema nutricional também."
Em 2014, o Brasil deixou o Mapa da Fome da ONU – que inclui países em que mais de 5% da população se encontra em pobreza extrema, ganhando menos que 1,90 dólar por dia –, e caminhava a passos largos para voltar a ele, quando foi "salvo" pelo auxílio emergencial. "Com certeza, acabando o auxílio emergencial, tem risco de voltarmos. A redução [do valor do auxílio] já vai ser um baque", diz Balaban.
Segundo Preto Zezé, representante global da Central Única das Favelas (Cufa), é perceptível um aumento na procura por doações de cestas básicas nos últimos meses, embora ainda não haja dados consolidados dessa alta. Desde o início da pandemia, as doações da entidade já alcançaram 1,175 milhão de famílias em 5 mil favelas. "Você tem o arroz aumentando, e o auxílio caindo. As pessoas estão sem perspectiva", diz.
"Quanto menos se ganha, mais da renda é comprometido com comida. Os mais pobres perceberam uma inflação gigantesca dos alimentos, porque a cesta deles é só de alimentos e foi o que mais subiu nos últimos meses. O brasileiro de classe média alta tem uma cesta muito diversificada, e muitas coisa ele deixou de consumir. Tudo o que a classe média economizou, ela pode gastar a mais em alimentos", diz o economista Andre Braz, do grupo que acompanha o Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) .
Conforme dados do Datafolha de agosto, a compra de alimentos é o principal destino do auxílio emergencial para 53% dos entrevistados. Entre os que têm renda menor, essa parcela sobe para 61%.
Segundo o IBGE, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de agosto foi de 0,24%, a maior alta para o mês em quatro anos, influenciada principalmente por alimentação e bebidas, que tiveram incremento de 0,78% no período e pelos transportes (0,82%). No acumulado do ano, os alimentos que mais encareceram foram cebola (50,40%), leite longa vida (22,99%), arroz (19,25%) e óleo de soja (18,63%) – este último, ficou 9% mais caro só no mês passado .
Na última semana, o Dieese divulgou que o preço da cesta básica aumentou em 13 de 17 capitais pesquisadas em agosto. Nos últimos 12 meses, todas as capitais nas quais é feita a pesquisa, com exceção de Brasília, tiveram aumento de dois dígitos no preço da cesta.
A alta dos preços dos alimentos é resultado de uma soma de fatores. Recentemente, uma demanda maior da China – principal parceiro comercial do Brasil –, que se recupera economicamente dos impactos da pandemia de covid-19, pressiona os preços internos. De janeiro a agosto, o valor exportado para os chineses cresceu 14% em comparação com o mesmo período do ano passado. Só no mês passado, a alta foi de 8%. Soja e carnes estão entre os líderes no aumento de vendas ao exterior, e é daí que vem a pressão maior sobre esses produtos.
A alta do dólar também contribui, e muito. De agosto de 2019 a agosto deste ano, o real perdeu 36% do seu valor em relação à moeda americana. "Isso aumenta o preço de commodities agrícolas, que passam a custar mais caro para a gente. Não importa que o Brasil seja um grande produtor, porque os preços são cotados internacionalmente", explica Braz.
Essa desvalorização do real, diz o economista, também contribui para que a China compre ainda mais do Brasil, que tem as exportações barateadas pelo câmbio. Se por um lado isso é bom para a balança comercial brasileira, acaba aumentando os preços internamente.
Para Balaban, da ONU, há outro ponto importante na equação: a falta de apoio à agricultura familiar, que deixa o consumidor mais refém dos preços internacionais das commodities. Desidratação de programas do governo federal, como o de Aquisição de Alimentos, acabaram por desincentivar os pequenos produtores, aponta.
"São eles que produzem o que comemos, e não o agronegócio. Não existe milagre: se você não apoia os agricultores familiares, você faz com que eles sejam expulsos de sua terra. Todos os países do mundo que se desenvolveram têm agricultura familiar forte", afirma Balaban.
Alguns produtos reagiram também a efeitos sazonais. É o caso do feijão, explica Braz, que teve uma primeira safra ruim, reduzindo a oferta do produto e aumentando o preço. Outro exemplo é o leite, cujo preço sobe no inverno porque há um desgaste das pastagens, que contribui para a perda de peso dos animais e uma consequente produção menor.
Soma-se a isso a demanda interna, que cresceu durante a pandemia à medida que a população passou a fazer mais compras para comer em casa em substituição a refeições fora do domicílio. O próprio auxílio emergencial, que injetou R$ 50 bilhões por mês na economia, contribuiu para a pressão do lado da demanda.
Como praticamente todos esses fatores continuam sobre a mesa, a perspectivava é que os preços dos alimentos continuem sob pressão nos próximos meses. "A inflação dos alimentos deve continuar incômoda, não a vejo cedendo para níveis em torno da meta de inflação", diz o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.
O presidente Jair Bolsonaro disse na última terça-feira (08/09) ter feito um apelo aos supermercadistas para que a margem de lucro sobre os produtos alimentares essenciais seja mantida próximo de zero. Isso depois de pedir, na semana passada, "patriotismo" por parte dos empresários e que evitassem repassar os aumentos ao consumidor, reavivando na memória dos brasileiros os chamados "fiscais do Sarney" – segundo o ex-presidente José Sarney, cada cidadão deveria ser um fiscal os preços. Bolsonaro negou, no entanto, que fosse recorrer a canetadas para segurar os preços.
Pacheco, ex-presidente do Consea, acusa o governo federal de culpabilizar supermercadistas ao mesmo tempo que enfraquece órgãos como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), responsável por estoques públicos, importantes para a manutenção de preços, e programas como o de Aquisição de Alimentos.
Para Gonçalves, não faz sentido debater margem de lucro. "O mais óbvio é tentar aumentar a importação rapidamente, para aumentar a oferta, não tem outro jeito, já que o Brasil não leva muito a sério a questão dos estoques reguladores", diz o economista.
A Câmara de Comércio Exterior (Camex), ligada ao Ministério da Economia, anunciou nesta quarta-feira que decidiu zerar a taxa de importação de arroz, cujo preço subiu de forma mais acentuada nas últimas semanas. A medida vale até 31 de dezembro. "Contribui para alguma desaceleração do arroz, mas é um produto só, e quantos temos na cesta básica? Não parece ser uma coisa séria a ponto de mitigar esse problema", avalia Braz, da FGV.
Após as declarações de Bolsonaro, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, enviou questionamentos, na quarta-feira, às principais empresas e associações ligadas à produção e distribuição de alimentos da cesta básica, que terão cinco dias para responder. A Secretaria também deve discutir junto aos Ministérios da Agricultura e da Economia medidas para mitigar o aumento dos preços.
O órgão também convidou os ministérios da Agricultura e da Economia para discutir medidas que mitiguem o "aumento exponencial nos preços de alimentos que compõem a base alimentar dos brasileiros".
Em comunicado, a Senacon disse não ser possível falar em abuso de preços sem antes avaliar toda a cadeia de produção. Mas, caso seja comprovado que há abusos, podem ser aplicadas multas que ultrapassam R$ 10 milhões.
O Procon também pretende atuar. "Os preços dos alimentos explodiram. Um saco de arroz, por exemplo, chegou a R$ 40. Apesar de sabermos que se trata de uma questão macroeconômica, alta do dólar e facilitação da exportação, o consumidor não pode ser prejudicado. Atuaremos para combater a alta dos preços", afirmou o diretor-executivo do Procon-SP, Fernando Capez, em comunicado à imprensa.
Agora, Souza dá conta de comprar apenas cinco litros de leite por mês. Carne virou quase luxo, e é preciso revezar. "Às vezes, deixo de comer alguma coisa para dar para a minha filha", diz a moradora do Parque Santo Antônio, na Zona Sul da capital paulista, que passou a recorrer a doações para complementar a alimentação.
Para quem gasta tudo ou quase tudo que ganha com comida, não há escapatória diante da inflação dos alimentos: é preciso deixar de comer ou substituir comida nutricionalmente boa por ultraprocessados. Se o auxílio emergencial ajudou a evitar que muita gente caísse na pobreza e até mesmo tirou muitos da situação de vulnerabilidade, a perspectiva do fim do benefício associada à alta dos preços dos alimentos formam uma equação perigosa.
O benefício de R$ 600 reais, que chegou a R$ 1,2 mil para mães solteiras, começou a ser pago em abril para um período inicial de três meses. Em junho, foi alongado por mais dois meses, e no início de setembro, o governo prorrogou a transferência por mais quatro meses, reduzindo a parcela mensal a 300 reais. A última parcela será paga em dezembro.
A inflação dos alimentos no Brasil, na esteira de demanda maior e da forte desvalorização do real frente ao dólar, deve continuar pelos próximos meses, segundo economistas, e tende a agravar o quadro de insegurança alimentar no país, conforme representantes de entidades ligadas a segurança alimentar ouvidos pela DW Brasil.
"Mesmo com o auxílio emergencial, estamos prevendo que o Brasil esteja voltando para o Mapa da Fome", afirma a antropóloga Maria Emilia Pacheco, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e membro do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).
A fala de Pacheco ecoa a avaliação do economista Daniel Balaban, diretor do Centro de Excelência contra Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP) da Organização das Nações Unidas (ONU). "Isso [alta dos alimentos] é muito preocupante, porque a grande maioria desses 65 milhões de brasileiros que receberam o auxílio utilizam o recurso para comprar comida, o próprio IBGE mostra. Com o preço dos alimentos aumentando, eles têm que comprar menos. E têm um problema nutricional também."
Em 2014, o Brasil deixou o Mapa da Fome da ONU – que inclui países em que mais de 5% da população se encontra em pobreza extrema, ganhando menos que 1,90 dólar por dia –, e caminhava a passos largos para voltar a ele, quando foi "salvo" pelo auxílio emergencial. "Com certeza, acabando o auxílio emergencial, tem risco de voltarmos. A redução [do valor do auxílio] já vai ser um baque", diz Balaban.
Segundo Preto Zezé, representante global da Central Única das Favelas (Cufa), é perceptível um aumento na procura por doações de cestas básicas nos últimos meses, embora ainda não haja dados consolidados dessa alta. Desde o início da pandemia, as doações da entidade já alcançaram 1,175 milhão de famílias em 5 mil favelas. "Você tem o arroz aumentando, e o auxílio caindo. As pessoas estão sem perspectiva", diz.
"Quanto menos se ganha, mais da renda é comprometido com comida. Os mais pobres perceberam uma inflação gigantesca dos alimentos, porque a cesta deles é só de alimentos e foi o que mais subiu nos últimos meses. O brasileiro de classe média alta tem uma cesta muito diversificada, e muitas coisa ele deixou de consumir. Tudo o que a classe média economizou, ela pode gastar a mais em alimentos", diz o economista Andre Braz, do grupo que acompanha o Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) .
Conforme dados do Datafolha de agosto, a compra de alimentos é o principal destino do auxílio emergencial para 53% dos entrevistados. Entre os que têm renda menor, essa parcela sobe para 61%.
Segundo o IBGE, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de agosto foi de 0,24%, a maior alta para o mês em quatro anos, influenciada principalmente por alimentação e bebidas, que tiveram incremento de 0,78% no período e pelos transportes (0,82%). No acumulado do ano, os alimentos que mais encareceram foram cebola (50,40%), leite longa vida (22,99%), arroz (19,25%) e óleo de soja (18,63%) – este último, ficou 9% mais caro só no mês passado .
Na última semana, o Dieese divulgou que o preço da cesta básica aumentou em 13 de 17 capitais pesquisadas em agosto. Nos últimos 12 meses, todas as capitais nas quais é feita a pesquisa, com exceção de Brasília, tiveram aumento de dois dígitos no preço da cesta.
A alta dos preços dos alimentos é resultado de uma soma de fatores. Recentemente, uma demanda maior da China – principal parceiro comercial do Brasil –, que se recupera economicamente dos impactos da pandemia de covid-19, pressiona os preços internos. De janeiro a agosto, o valor exportado para os chineses cresceu 14% em comparação com o mesmo período do ano passado. Só no mês passado, a alta foi de 8%. Soja e carnes estão entre os líderes no aumento de vendas ao exterior, e é daí que vem a pressão maior sobre esses produtos.
A alta do dólar também contribui, e muito. De agosto de 2019 a agosto deste ano, o real perdeu 36% do seu valor em relação à moeda americana. "Isso aumenta o preço de commodities agrícolas, que passam a custar mais caro para a gente. Não importa que o Brasil seja um grande produtor, porque os preços são cotados internacionalmente", explica Braz.
Essa desvalorização do real, diz o economista, também contribui para que a China compre ainda mais do Brasil, que tem as exportações barateadas pelo câmbio. Se por um lado isso é bom para a balança comercial brasileira, acaba aumentando os preços internamente.
Para Balaban, da ONU, há outro ponto importante na equação: a falta de apoio à agricultura familiar, que deixa o consumidor mais refém dos preços internacionais das commodities. Desidratação de programas do governo federal, como o de Aquisição de Alimentos, acabaram por desincentivar os pequenos produtores, aponta.
"São eles que produzem o que comemos, e não o agronegócio. Não existe milagre: se você não apoia os agricultores familiares, você faz com que eles sejam expulsos de sua terra. Todos os países do mundo que se desenvolveram têm agricultura familiar forte", afirma Balaban.
Alguns produtos reagiram também a efeitos sazonais. É o caso do feijão, explica Braz, que teve uma primeira safra ruim, reduzindo a oferta do produto e aumentando o preço. Outro exemplo é o leite, cujo preço sobe no inverno porque há um desgaste das pastagens, que contribui para a perda de peso dos animais e uma consequente produção menor.
Soma-se a isso a demanda interna, que cresceu durante a pandemia à medida que a população passou a fazer mais compras para comer em casa em substituição a refeições fora do domicílio. O próprio auxílio emergencial, que injetou R$ 50 bilhões por mês na economia, contribuiu para a pressão do lado da demanda.
Como praticamente todos esses fatores continuam sobre a mesa, a perspectivava é que os preços dos alimentos continuem sob pressão nos próximos meses. "A inflação dos alimentos deve continuar incômoda, não a vejo cedendo para níveis em torno da meta de inflação", diz o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.
O presidente Jair Bolsonaro disse na última terça-feira (08/09) ter feito um apelo aos supermercadistas para que a margem de lucro sobre os produtos alimentares essenciais seja mantida próximo de zero. Isso depois de pedir, na semana passada, "patriotismo" por parte dos empresários e que evitassem repassar os aumentos ao consumidor, reavivando na memória dos brasileiros os chamados "fiscais do Sarney" – segundo o ex-presidente José Sarney, cada cidadão deveria ser um fiscal os preços. Bolsonaro negou, no entanto, que fosse recorrer a canetadas para segurar os preços.
Pacheco, ex-presidente do Consea, acusa o governo federal de culpabilizar supermercadistas ao mesmo tempo que enfraquece órgãos como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), responsável por estoques públicos, importantes para a manutenção de preços, e programas como o de Aquisição de Alimentos.
Para Gonçalves, não faz sentido debater margem de lucro. "O mais óbvio é tentar aumentar a importação rapidamente, para aumentar a oferta, não tem outro jeito, já que o Brasil não leva muito a sério a questão dos estoques reguladores", diz o economista.
A Câmara de Comércio Exterior (Camex), ligada ao Ministério da Economia, anunciou nesta quarta-feira que decidiu zerar a taxa de importação de arroz, cujo preço subiu de forma mais acentuada nas últimas semanas. A medida vale até 31 de dezembro. "Contribui para alguma desaceleração do arroz, mas é um produto só, e quantos temos na cesta básica? Não parece ser uma coisa séria a ponto de mitigar esse problema", avalia Braz, da FGV.
Após as declarações de Bolsonaro, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, enviou questionamentos, na quarta-feira, às principais empresas e associações ligadas à produção e distribuição de alimentos da cesta básica, que terão cinco dias para responder. A Secretaria também deve discutir junto aos Ministérios da Agricultura e da Economia medidas para mitigar o aumento dos preços.
O órgão também convidou os ministérios da Agricultura e da Economia para discutir medidas que mitiguem o "aumento exponencial nos preços de alimentos que compõem a base alimentar dos brasileiros".
Em comunicado, a Senacon disse não ser possível falar em abuso de preços sem antes avaliar toda a cadeia de produção. Mas, caso seja comprovado que há abusos, podem ser aplicadas multas que ultrapassam R$ 10 milhões.
O Procon também pretende atuar. "Os preços dos alimentos explodiram. Um saco de arroz, por exemplo, chegou a R$ 40. Apesar de sabermos que se trata de uma questão macroeconômica, alta do dólar e facilitação da exportação, o consumidor não pode ser prejudicado. Atuaremos para combater a alta dos preços", afirmou o diretor-executivo do Procon-SP, Fernando Capez, em comunicado à imprensa.
É bom sempre lembrar
Vista dos confins mais distantes do espaço, a Terra não é maior do que uma partícula de poeira. Lembre-se disso a próxima vez que escrever a palavra "humanidade"
Paul Auster, "Viagens no scrptorium"
Pode piorar
Não é preciso entender de economia para saber que o Brasil está empobrecendo. Não importa se espantosos 1,1% foram acrescentados ao PIB; qualquer pessoa de bom senso e com o mínimo de sensibilidade já entendeu que a miséria voltou ao Brasil e que os festejados 1,1% talvez represente apenas outro pequeno aumento do poder aquisitivo dos mais ricos. Na outra ponta da desigualdade crescente, observamos que desde 2019 o número de famílias morando nas ruas subiu muito mais do que o PIB. Não sei se essas famílias entram nas estatísticas que medem o desenvolvimento econômico. Mas a constatação é empírica. Quem passa por essas pessoas a pé, percebe logo que são recém-chegados à vida de sem teto: além do velho colchão e do cobertor surrado, os novos mendigos ainda se apegam a outros objetos domésticos resgatados do despejo, a arremedar uma espécie de lar ao ar livre. Um fogãozinho de quatro bocas, sem botijão de gás ou acompanhado do botijão vazio. Uma pequena estante com livros escolares das crianças que talvez, na nova vida sem teto, não possam mais ir à escola. A tigela de comida dos cachorros, pois todos os moradores de rua possuem ao menos um, muito bem tratado por sinal. Não são pets. São os melhores amigos pulguentos de seus pobres proprietários.
Estes, com frequência pedem ao passante que comprem uma marmita de comida. Tentei, na primeira vez, dar em dinheiro o preço da marmita, mas o rapaz não aceitou: “dona, não adianta eu ter dinheiro. Estou muito sujo, ninguém vai me deixar entrar pra comprar a comida. Compra uma refeição pra mim?”. Demanda irrecusável. A partir desse dia, sempre que alguém se diz com fome – e cada vez mais pessoas passam fome pelas ruas – prefiro comprar uma marmita do que dar uns trocados. Quando me pedem compro um saco de ração também. Me fazem lembrar o lambe-lambe que vi colado num poste perto de casa: “o estômago roncava, mas dividiu a marmita de ovo e arroz com aquele cão sarnento que era a desgraça de sua vida”.
No metrô é proibido dar esmolas – ou seja, é proibida a entrada de pessoas que incomodem os usuários, a pedir dinheiro. A questão, para o metrô, é proteger os pagantes de eventuais constrangimentos durante a viagem. Mesmo assim, pessoas entram em um vagão, contam um pedaço da triste história que as levou àquela condição e pedem ajuda. Na estação seguinte descem correndo e vão tentar outro vagão. Eu, apesar de ter sido educada na teologia da libertação durante a adolescência – “não dê um peixe ao homem, ensine-o a pescar” – guardo todas as notas de 2 e 5 reais para não deixar nenhum pedinte de mãos abanando. Para evitar constrangimento, os pagantes que viajam no metrô evitam olhar nos olhos dos pedintes, o que só piora as coisas para eles. Não se trata apenas do dinheiro: o mais doloroso é observar, ou imaginar, a humilhação a que a pessoa se expõe a apresentar sua carência ao respeitável público e se deparar com a indiferença geral. Meu pai, que não seguia nenhuma religião, costumava nos dizer, diante de pedintes: “ele precisa mais que você”. E não acredito que seja preciso abandonar as pessoas ao estado de maior desamparo à espera de que elas se rebelem e “façam a revolução”. Desde Marx já sabemos que o lumpesinato não faz revolução nenhuma. Gastam seu tempo, energia e imaginação na difícil tarefa de sobreviver.
Nas crises do capitalismo, percebemos que milhões de pessoas perdem não só seus empregos, mas sua dignidade. Mesmo que conservem carteira de trabalho, RG e títulos de eleitores, são tratados como restos. Mesmo que eventualmente ainda não vivam nas ruas, já estão sem lugar. A sociedade não precisa deles; o país não precisa deles. Nada valem. A não ser…
…É aí que entra Deus. Nada valem a não ser para Deus. E quanto mais sofredores (isto é o cristianismo católico), mas amados pelo Pai. Ou então: quanto mais dinheiro cederem à igreja para a glória de sua fé (esta é a face empreendedora do calvinismo) mais premiados pelo Pai. Ou ainda, na versão moderna do mesmo calvinismo: quanto mais gigantesca for o templo que o pastor construir com a tua ajuda, mais importante hás de ser aos olhos D’ele. O templo gigantesco e horrendo dos seguidores de Edir Macedo atesta o empenho dos pobres fiéis. Quem sabe o leitor, ou algum companheiro colaborador da Carta Maior, me ajude a acreditar que haja uma saída a vista para essa monstruosa combinação de fanatismo religioso com apologia da violência. Pois foi o governador evangélico do Rio que apregoou o método infalível de se combater a criminalidade: a PM deve atirar, de cima dos helicópteros, “na cabecinha” de supostos bandidos. Para os ladrões, pena de morte. Fora da lei. Os inocentes atingidos serão computados como danos colaterais, inevitáveis em toda luta do bem contra o mal.
Estes, com frequência pedem ao passante que comprem uma marmita de comida. Tentei, na primeira vez, dar em dinheiro o preço da marmita, mas o rapaz não aceitou: “dona, não adianta eu ter dinheiro. Estou muito sujo, ninguém vai me deixar entrar pra comprar a comida. Compra uma refeição pra mim?”. Demanda irrecusável. A partir desse dia, sempre que alguém se diz com fome – e cada vez mais pessoas passam fome pelas ruas – prefiro comprar uma marmita do que dar uns trocados. Quando me pedem compro um saco de ração também. Me fazem lembrar o lambe-lambe que vi colado num poste perto de casa: “o estômago roncava, mas dividiu a marmita de ovo e arroz com aquele cão sarnento que era a desgraça de sua vida”.
No metrô é proibido dar esmolas – ou seja, é proibida a entrada de pessoas que incomodem os usuários, a pedir dinheiro. A questão, para o metrô, é proteger os pagantes de eventuais constrangimentos durante a viagem. Mesmo assim, pessoas entram em um vagão, contam um pedaço da triste história que as levou àquela condição e pedem ajuda. Na estação seguinte descem correndo e vão tentar outro vagão. Eu, apesar de ter sido educada na teologia da libertação durante a adolescência – “não dê um peixe ao homem, ensine-o a pescar” – guardo todas as notas de 2 e 5 reais para não deixar nenhum pedinte de mãos abanando. Para evitar constrangimento, os pagantes que viajam no metrô evitam olhar nos olhos dos pedintes, o que só piora as coisas para eles. Não se trata apenas do dinheiro: o mais doloroso é observar, ou imaginar, a humilhação a que a pessoa se expõe a apresentar sua carência ao respeitável público e se deparar com a indiferença geral. Meu pai, que não seguia nenhuma religião, costumava nos dizer, diante de pedintes: “ele precisa mais que você”. E não acredito que seja preciso abandonar as pessoas ao estado de maior desamparo à espera de que elas se rebelem e “façam a revolução”. Desde Marx já sabemos que o lumpesinato não faz revolução nenhuma. Gastam seu tempo, energia e imaginação na difícil tarefa de sobreviver.
Nas crises do capitalismo, percebemos que milhões de pessoas perdem não só seus empregos, mas sua dignidade. Mesmo que conservem carteira de trabalho, RG e títulos de eleitores, são tratados como restos. Mesmo que eventualmente ainda não vivam nas ruas, já estão sem lugar. A sociedade não precisa deles; o país não precisa deles. Nada valem. A não ser…
…É aí que entra Deus. Nada valem a não ser para Deus. E quanto mais sofredores (isto é o cristianismo católico), mas amados pelo Pai. Ou então: quanto mais dinheiro cederem à igreja para a glória de sua fé (esta é a face empreendedora do calvinismo) mais premiados pelo Pai. Ou ainda, na versão moderna do mesmo calvinismo: quanto mais gigantesca for o templo que o pastor construir com a tua ajuda, mais importante hás de ser aos olhos D’ele. O templo gigantesco e horrendo dos seguidores de Edir Macedo atesta o empenho dos pobres fiéis. Quem sabe o leitor, ou algum companheiro colaborador da Carta Maior, me ajude a acreditar que haja uma saída a vista para essa monstruosa combinação de fanatismo religioso com apologia da violência. Pois foi o governador evangélico do Rio que apregoou o método infalível de se combater a criminalidade: a PM deve atirar, de cima dos helicópteros, “na cabecinha” de supostos bandidos. Para os ladrões, pena de morte. Fora da lei. Os inocentes atingidos serão computados como danos colaterais, inevitáveis em toda luta do bem contra o mal.
Acomodados
É difícil e pode causar indisposição, mas, se for possível ignorar aspectos morais quando se registra o perdão de dívidas concedido pelos deputados a igrejas, percebe-se que o ocorrido nada tem de anormal. Ao contrário: é o jeitão característico da nossa sociedade, acostumada a acomodar interesses setoriais pendurando a conta nos cofres públicos, quer dizer, em quem paga impostos.
As igrejas compõem um desses “interesses setoriais” e constituíram-se nas últimas quatro décadas num lucrativo negócio graças a uma profunda transformação cultural (associada à perda de valores tradicionais e ao recuo da Igreja Católica, mas este não é o objeto deste texto). Desenvolveram-se também como importantes fatores da política, não apenas pela capilaridade (base de seu poder econômico), mas, principalmente, por terem se tornado muito relevantes na “guerra cultural”, que é uma luta política.
É bastante óbvio que o poder político e econômico explica a maior ou menor capacidade de “interesses setoriais” de obter a acomodação que pretendem. Excelente exemplo está no debate sobre a reforma tributária, um verdadeiro tratado antropológico sobre a realidade brasileira, na qual o privado tem predominância sobre o público.
Existe uma espécie de consenso social segundo o qual esse estado de coisas, do ponto de vista moral inclusive, surge como perfeitamente adequado.
A essência desse debate, em meio ao enorme sufoco fiscal, é estabelecer quais interesses setoriais terão de renunciar ao que consideram seus direitos adquiridos.
A desoneração de folhas de pagamento, por exemplo, abrange pelo menos 17 setores ou segmentos da economia, que já consideram essa renúncia como uma espécie de “direito”. O mesmo ocorre com incentivos, proteções, subsídios a juros, manutenção de programas especiais de fomento.
A força política de cada setor interessado criou um equilíbrio na estagnação, pois o resultado geral (entendido como capacidade de expansão da economia do País) acaba sendo medíocre, mas cada um se defende bem no seu pedaço.
Pode-se seguir adiante nesse raciocínio e ampliá-lo para a questão da reforma do Estado via reorganização do funcionalismo público, cujo peso nas contas públicas é célebre. Os “interesses setoriais” nesse caso estão na elite dos servidores do Estado, naquilo que os sociólogos da velha escola chamariam de “estamentos burocráticos” com inigualável peso nas instituições e formidável capacidade de defender o que consideram “seu”.
Não há lideranças capazes no momento de compor todos os interesses ou de fazê-los convergir para qualquer coisa que se possa chamar de “bem comum”.
Não deixa de ser curioso notar que a defesa do perdão das dívidas das igrejas com a União alega que a Receita Federal teria se colocado acima da Constituição e desprezado a imunidade que essas entidades desfrutam quanto ao pagamento de impostos (mas não de contribuições como a previdenciária). Implícita está a noção de que os agentes do Estado brasileiro se comportam de forma autônoma, isto é, eles fazem as leis. Tenham ou não razão em seu pleito (é evidente quem, neste caso, não tem), os representantes das igrejas apenas engrossam um coro muito amplo.
Há mais um paralelo irônico com a mais recente fase da Operação Lava Jato, voltada contra escritórios de advocacia que, segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público, recebiam dinheiro do Sistema S (sustentado por dinheiro público) para “azeitar” decisões em várias instâncias de órgãos de controle e do Judiciário relativas a interesses setoriais. Quando se fala em corrupção sistêmica no Brasil, na verdade está se falando de uma forma de acomodação.
À qual, é triste ter de dizer isso, estamos acostumados.
As igrejas compõem um desses “interesses setoriais” e constituíram-se nas últimas quatro décadas num lucrativo negócio graças a uma profunda transformação cultural (associada à perda de valores tradicionais e ao recuo da Igreja Católica, mas este não é o objeto deste texto). Desenvolveram-se também como importantes fatores da política, não apenas pela capilaridade (base de seu poder econômico), mas, principalmente, por terem se tornado muito relevantes na “guerra cultural”, que é uma luta política.
É bastante óbvio que o poder político e econômico explica a maior ou menor capacidade de “interesses setoriais” de obter a acomodação que pretendem. Excelente exemplo está no debate sobre a reforma tributária, um verdadeiro tratado antropológico sobre a realidade brasileira, na qual o privado tem predominância sobre o público.
Existe uma espécie de consenso social segundo o qual esse estado de coisas, do ponto de vista moral inclusive, surge como perfeitamente adequado.
A essência desse debate, em meio ao enorme sufoco fiscal, é estabelecer quais interesses setoriais terão de renunciar ao que consideram seus direitos adquiridos.
A desoneração de folhas de pagamento, por exemplo, abrange pelo menos 17 setores ou segmentos da economia, que já consideram essa renúncia como uma espécie de “direito”. O mesmo ocorre com incentivos, proteções, subsídios a juros, manutenção de programas especiais de fomento.
A força política de cada setor interessado criou um equilíbrio na estagnação, pois o resultado geral (entendido como capacidade de expansão da economia do País) acaba sendo medíocre, mas cada um se defende bem no seu pedaço.
Pode-se seguir adiante nesse raciocínio e ampliá-lo para a questão da reforma do Estado via reorganização do funcionalismo público, cujo peso nas contas públicas é célebre. Os “interesses setoriais” nesse caso estão na elite dos servidores do Estado, naquilo que os sociólogos da velha escola chamariam de “estamentos burocráticos” com inigualável peso nas instituições e formidável capacidade de defender o que consideram “seu”.
Não há lideranças capazes no momento de compor todos os interesses ou de fazê-los convergir para qualquer coisa que se possa chamar de “bem comum”.
Não deixa de ser curioso notar que a defesa do perdão das dívidas das igrejas com a União alega que a Receita Federal teria se colocado acima da Constituição e desprezado a imunidade que essas entidades desfrutam quanto ao pagamento de impostos (mas não de contribuições como a previdenciária). Implícita está a noção de que os agentes do Estado brasileiro se comportam de forma autônoma, isto é, eles fazem as leis. Tenham ou não razão em seu pleito (é evidente quem, neste caso, não tem), os representantes das igrejas apenas engrossam um coro muito amplo.
Há mais um paralelo irônico com a mais recente fase da Operação Lava Jato, voltada contra escritórios de advocacia que, segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público, recebiam dinheiro do Sistema S (sustentado por dinheiro público) para “azeitar” decisões em várias instâncias de órgãos de controle e do Judiciário relativas a interesses setoriais. Quando se fala em corrupção sistêmica no Brasil, na verdade está se falando de uma forma de acomodação.
À qual, é triste ter de dizer isso, estamos acostumados.
O fim do mundo era um incêndio
A Hora Final era um filme australiano de ficção científica de 1959, lançado em plena Guerra Fria quando a possibilidade de um conflito atômico entre as grandes potências que afundaria o mundo no inverno nuclear estava bem longe de ser uma fantasia. O filme relata a história de um grupo de sobreviventes abandonados em uma praia após a destruição do planeta pela nuvem radioativa e foi muito citado no ano passado, quando uma onda de incêndios devastadora queimou 11 milhões de hectares na Austrália e matou 33 pessoas. Como em A Hora Final, 4.000 habitantes da cidade costeira de Mallacoota, no Estado de Victoria, acabaram passando o Ano Novo em uma praia, encurralados entre o mar e o fogo.
Os incêndios da Oceania no ano passado e os atuais da Califórnia e do Oregon têm muitos pontos em comum. Aparecem os mesmos céus vermelhos e o odor de fumaça, a penumbra apocalíptica ao meio-dia em cidades como San Francisco e Sidney. Alguns incêndios, além disso, são muito grandes e poderosos para ser apagados não importa a quantidade de bombeiros e meios aéreos mobilizados. As altas temperaturas também foram determinantes nos dois casos: Los Angeles ficou uma semana rondando os 50 graus, enquanto em 17 de agosto o Vale da Morte, entre Califórnia e Nevada, chegou à que certamente é a temperatura mais alta já registrada na Terra: 54,4 graus.
Fast-food na cidade de Monrovia, na Califórnia,
O jornalista norte-americano David Wallace-Wells descreveu esse tipo de incêndio em seu recente livro "A terra inabitável: Uma história do futuro". Sua tese é que os desastres provocados pelo aquecimento global não pertencem ao futuro, já estão acontecendo. A Califórnia, o Oregon e a Austrália demonstram que tem razão. “Os incêndios estão entre os melhores e mais horríveis propagandistas da mudança climática: apavorantes e imediatos, não importa o quão distante você viva de uma região, causam cicatrizes que são lidas como presságios de futuros pesadelos, ainda que documentem os horrores atuais”, escreveu na revista New York Magazine quando começaram os incêndios na Califórnia.
Naquele Ano Novo, quando milhares de pessoas estavam refugiadas em uma praia, se multiplicavam os casos de pneumonia de origem desconhecida em Wuhan. E se trata de uma trágica coincidência porque todos os cientistas alertam que a pandemia está relacionada ao aumento da pressão humana sobre a natureza, que causa o salto de patógenos entre espécies. O mesmo acontece com os incêndios no Oeste americano e na Austrália: são regiões em que o fogo faz parte da natureza, como regulação estacional da floresta. A pressão demográfica, entretanto, faz com que os seres humanos estejam onde não deveriam e fiquem presos pelo fogo. Os céus avermelhados de San Francisco nos falam de um futuro aterrorizante, mas também de um presente cada vez mais ameaçador.
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