As imagens dos yanomamis em condições subumanas, com as costelas da fome, doentes, agonizantes ou mortos remeteram o mundo às vítimas dos campos de concentração nazistas da Segunda Guerra. Desde o começo da guerra sabia-se da existência desses campos e que eles deviam ser palco de maus-tratos e de mortes de judeus, mas não se tinha a dimensão da tragédia. Foi preciso que, com a rendição da Alemanha, os Aliados penetrassem neles para que fosse conhecido o tamanho do horror.
Da mesma forma, por mais que se soubesse que Bolsonaro e os militares que ele corrompeu tinham aberto a Amazônia a um vasto catálogo de bandidos —invasores de terras, garimpeiros ilegais, desmatadores, assassinos de aluguel, estupradores e traficantes de drogas, armas e pessoas—, o Brasil não tinha consciência de até que ponto isso estava atingindo os yanomamis.
É possível que o povo alemão ou parte dele desconhecesse a realidade dos campos de extermínio ou não quisesse acreditar neles. Mas, assim como a burocracia nazista sabia o que se passava, vários ministros de Bolsonaro —pelo menos os do Meio Ambiente, da Saúde, da Defesa, da Justiça, da Agricultura e da Mulher, Família e Direitos Humanos, além dos três comandantes e demais militares que atuaram na Amazônia— também sabiam da situação dos yanomamis. Se mais não fosse, há dezenas de provas de que eles foram alertados. Mas a boiada precisava passar.
O genocídio dos yanomamis está agora escancarado. Isso não trará os seus mortos de volta, mas, se se fizer justiça, Ricardo Salles, Damares Alves, Braga Netto, Eduardo Pazuello, Marcelo Queiroga, Tereza Cristina, Hamilton Mourão e muitos outros terão de se sentar ao lado de Bolsonaro no banco dos réus.
Um banco, de preferência, importado de uma loja de móveis de Nuremberg.
Um professor meu da Universidade de Chicago, Brasilianista, uma vez me disse como caricatura ao se referir ao peso e tamanho do Estado em nosso país, que “A revolução capitalista no Brasil é mais difícil do que a socialista. Não que a socialista seja possível”. Rimos bastante, mas verdadeiro.
Nunca me preocupei com a possibilidade de socialismo no Brasil, por saber com convicção que deste mal nunca padeceremos. Com relação à revolução capitalista, também não. Todas as tentativas de se instalar no Brasil uma economia de mercado, inclusive recentemente como anunciado na campanha de Bolsonaro em 2018, fracassaram. O Brasil, há dois séculos, é um Estado Patrimonialista, onde o Estado se apodera das relações econômicas e sociais, conforme descrito por Max Weber, com um mercado econômico concedido e auxiliar, gerador dos lucros dos quais o próprio Estado se apropria.
Mas me preocupo muito com o fascismo no Brasil, por ver ele possível.
O fascismo, conforme descrito nos trabalhos de Hannah Arendt, De Felice e George Mosse, tem por origem as classes médias iliteratas sem perspectivas sociais e ansiosas em ter poder na sociedade, despertadas que são por um Líder, em alemão, Das Fuhrer, demagogos oportunistas sem ideologia, aliados a parcela de empresários, certamente não a sua maioria, na busca da reserva de mercado pela força. Este quadro de possibilidades se forma devido a dois fatores. Primeiro, quando o país passa por forte recessão econômica, como na Alemanha com a hiperinflação em 1922 e no Brasil com a queda do PIB de US$ 2,6 trilhões em 2011 para US$ 1,8 trilhões em 2015.
Segundo, na decepção para com os partidos tradicionais, como na Alemanha na República de Weimar e no Brasil com o PT e o PSDB e imagem dos políticos devido à Lava Jato. Em todos os países onde o fascismo se instalou, o Líder, ou Das Fuhrer, usa da mentira como arma social. Na Alemanha, o inimigo externo era o comunismo e a Rússia, e o inimigo interno os Judeus que tanto ajudaram a Alemanha a se desenvolver. No Brasil de Bolsonaro, o inimigo externo eram a Venezuela e a China, na esdrúxula tentativa no início de seu governo da invasão da Venezuela sob o manto da “ajuda humanitária”, e o inimigo interno o comunismo, este ente abstrato que paira na mente dos incautos da mais impossível implantação. “Deutschland Uber Alles”, “o Brasil acima de tudo”. Não é por nada que a utilização dos símbolos Nazistas tanto cresceu no Brasil. O Observatório Judaico dos Direitos Humanos apontou recentemente que o número de ataques neonazistas de 2019 a 2020 quase que dobrou no país, de 12 para 21, 49 em 2021, 32 somente no primeiro semestre de 2022.
Bolsonaro perde as eleições, tenta o Golpe de Estado, e continua na expectativa. O único antídoto para o fascismo é o desenvolvimento econômico e dura legislação, para satisfazer e controlar a horda das violências, como ocorreu na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial.