quarta-feira, 23 de agosto de 2017

É possível ser juiz e compadre?

Quando morava entre os nacirema, recebi dois conselhos inesquecíveis. O primeiro veio de meu tutor harvardiano, Richard Moneygrand, quando me disse que eu deveria frequentar reuniões sociais acompanhado. Diante da minha surpresa, explanou: “É que vocês, intelectuais brasileiros, ungidos por dom-juanismo, têm o costume de não levar as suas mulheres às festas. Mas aqui — completou rindo — ninguém pensa em comer a mulher dos outros.”

Soube depois que Loucile Shell — a primeira das 11 ou 12 esposas de Dick — havia sido “cantada” por professores brasileiros seduzidos por seus olhos da cor do céu. Houve, inclusive, um boato de um caso de Lou com Eduardo Gato, um dos nossos mais insinuantes e engajados intelectuais, mas eu não estou aqui para fofocar.

Já o segundo conselho eu ouvi quando convidei uma secretária para jantar na minha casa e ela, polidamente, recusou. “Aqui, eis o meu conselho, disse-me um sisudo colega, a vida se ordena profissionalmente. Uma secretária não frequenta a casa de um professor!”

“A amizade não vence o papel profissional, neutralizando diferenças?”, perguntei.

“Não! Como manda o credo igualitário, o papel público deve disciplinar os sentimentos. A consciência do cargo tem primazia. Vocês acham que costumes podem ser modificados por leis; nós, ao contrário, confiamos mais nos nossos costumes do que no governo. Sem consciência dos papéis, não há ordem igualitária. A igualdade não depende somente do Estado, mas do Estado com (e não contra) a sociedade.”

Simpatizante da KKK, o colega passou mas o conselho ficou.

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O ministro do STF Gilmar Mendes faz uma pergunta capital: “Você acha que ser padrinho de casamento impede alguém de julgar um caso?”

O uso e o abuso dos elos pessoais no campo formal são o nosso problema central. Como mostro na minha obra, há um dilema entre muitas leis e pouca reflexão sociológica sobre o peso de uma ética da casa que é levada para o mundo impessoal da rua. Não é minha intenção julgar ou denunciar um julgador, mas ampliar, nos limites de um texto jornalístico, um problema central da sociologia de países que, como o Brasil, têm tentado adotar a agenda ideológica da democracia liberal.

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A questão do ministro nos abre para as ambiguidades do “você sabe com quem está falando?” e do “jeitinho”. Se você responder com um “não”, você presume que o juiz vai englobar — subtraindo — o padrinho. Mas se você ouvir sua mulher, parentes e amigos e, mais do que isso, rememorar sua biografia, você vai verificar que o “não” é muito complicado.

Num sistema relacional — uma estrutura na qual as relações são mais importantes do que os atores — o juiz solta o indiciado que é muito mais afilhado do que um cidadão sujeito da lei. Não é fácil ficar com a lei numa terra onde a lei é para inimigos; num sistema no qual se resiste a tudo, menos ao pedido de um amigo; e amor com amor se paga!

Como indivíduos-cidadãos, somos todos sujeitos da lei, mas os laços com certas pessoas relativizam o estatuto político-legal, fazendo com que a lei universal — essa clave mestra da democracia — torne-se um estorvo e seja ignorada, reprimida ou arrogantemente aviltada.

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A pergunta revela o conflito entre as forças explícitas dos cargos públicos — os juízes têm tido um papel crítico no exercício da democracia brasileira — ao lado do poder silencioso dos protocolos costumeiros investidos nos papéis de padrinho, pai, tio ou marido. Num caso, há um juramento público, e a nossa leitura pende mais para o lado dos direitos (do chamado “poder”) do que dos deveres (as obrigações e reponsabilidades) contidos nestes papéis. No outro, há apenas a atuação irrefletida do papel cujas obrigações não são explícitas. Como, então, decidir se seremos juízes ou padrinhos quando ambos os papéis têm o mesmo poder mobilizador num sistema elitista no qual tem prevalecido o “você sabe com quem está falando?” de quem tem autoridade?

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A intimidade e as simpatias dissolvem o formal e o legal num doce jeitinho, mas tal atitude tem consequências políticas. Aliás, um dos problemas mais complexos para uma sociedade tão elitista como a brasileira é que ela própria não tem consciência cabal das responsabilidades do seu elitismo. De fato, o nosso elitismo apenas sabe dos seus privilégios e só agora, às custas da Lava-Jato, de uma nova geração de agentes da Justiça e de uma crise bíblica, é que ela começa a se descobrir como tendo obrigações.

A pergunta do ministro é sintomática da ausência de uma ética pública. Valer dizer: de uma “ética política” porque é justo no mundo público que surgem os becos pelas quais escapolem legalmente compadres, parentes, correligionários e amigos.

Roberto DaMatta

2018 já chegou

Com fortes evidências de que o governo Temer não ata e nem mais desata, as atenções se deslocam para o campo eleitoral. As comunidades política e econômica só pensam no embate do ano que vem; para esses agentes, a eleição já começou; 2018 é hoje. Há muita ansiedade no ar, uma aflição em relação ao devir que, naturalmente, induz ao erro: busca-se, antes, o melhor candidato sem importar, porém, quem, afinal, seria melhor presidente. Há uma inversão de lógica: primeiro a imagem, depois a essência.

Abutres destroçam as vísceras de um país acorrentado à crise; é preciso criar consensos, reordenar forças e refazer o sistema. Mas, isto parece menos relevante ou urgente: mais importante é a agenda econômica, ainda que se despreze as dificuldades para implementá-la. Quem teria mais habilidade para lidar com o Congresso, enfrentar corporações; superar — sem destruir — a Lava Jato? Como promover transformações efetivas, na política e economia? Ninguém sabe porque ninguém pergunta.

Má conselheira, a ansiedade faz ouvidos de mercador aos apelos da razão: ''a pressa requer calma para não queimar etapas e pagar por erros que deixem tudo pior que no início''. A ponderação tem pouco charme; no baile do desassossego, ninguém tira a prudência para dançar. A precipitação é a guia dos amadores e a marreta, o chapéu do otário. O Brasil se repete a cada vinte e poucos anos — 1960, Jânio; 1989, Collor; 2018… Depois, não sabe onde tudo se perdeu.

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É nesse contexto que se busca o melhor candidato, o mais competitivo; seja ele Lula ou João Doria. São os preferidos de 9 em cada 10 operadores do curto prazo. O ex-presidente é a salvação do PT; o prefeito, do mercado. Possuem qualidades extraordinárias como candidatos: Doria está em campanha desde 2016; Lula, desde sempre. Comunicam-se bem para seus públicos e dividem opiniões tanto quanto o país está dividido. São nomes para o embate, não para a conciliação; farão grandes bancadas. Num país que namora o conflito, são música para ouvidos que buscam cantos de guerra.

Lula é conhecido, falemos do prefeito: extremamente sagaz, usa o figurino de ''não político''; desde cedo, percebeu o ambiente que despreza o velho e cultua o novo, mesmo que o desconheça. Encarna o justiceiro, capitaliza a crise, a ineficiência dos serviços públicos, a má fama dos políticos; brota do esgotamento do sistema. Empunha duas bandeiras: uma, econômica; outra, moral. Anti Lula, retira saldo das frustações, decepções e antipatias, dos excessos do PT. É habilidoso.

Alimentando a este anseio, João Doria mostra-se, com efeito, um candidato com gana. Seu cálculo é voltado à expansão objetiva do poder: quer mais e quer rápido; a cidade não lhe basta; como também não bastaria o estado. Predestinado ou não, seu foco é o país, onde fará prevalecer, de verdade, sua vontade. Chega ao paroxismo de uma força voluntariosa que não quer limites de compromissos e fidelidades.

Competitivo, o senso de oportunidade é seu soberano. Compreende que há constrangimentos, no PSDB: fossem adversários apenas José Serra ou Aécio Neves, não haveria meios pudores. Mas, Geraldo Alckmin, merece alguma cerimônia — tratamento de luxo que a etiqueta impõe ao afilhado. O prefeito prevê logo alcançar o segundo lugar nas pesquisas e tornar-se, assim, inevitável. Atropelando Jair Bolsonaro, será assimilado por toda a direita, ampliará então ao centro esmagando Alckmin, indo em direção a Lula.

Para isto, rasga os céus, cruza o Brasil, vocaliza um novo e os planos do setor privado, mas articula-se com o atraso que sempre colheu as sinecuras do Estado, como o DEM e o PMDB. Já foi adotado por esses setores de rara sensibilidade para o poder e mora nas apostas como alternativa para quem precisa sobreviver à crise do sistema como também aos fantasmas da Lava Jato. Michel Temer e Romero Jucá o recebem de braços abertos. O Brasil tem dessas coisas de ser o avesso do avesso do avesso.

Na sociedade líquida, Doria é realmente um fenômeno de adaptação às mudanças do século XXI, multimídia e alucinante. Marketing 24 horas por dia, é som, imagem e fúria. O vídeo em que envolveu Geraldo Alckmin — paralisado em seu sorriso amarelo — é coisa de mestre. Dos algoritmos de suas redes, explode para o mundo de verdade e hoje é realidade na política nacional. Nesse aspecto, é realmente moderno.

(Do outro lado da sala, Ciro Gomes espreita a tudo; espreita a Doria e a Lula. Está para o ex-presidente como prefeito está para Alckmin: na inviabilização de um, reside a viabilidade do outro. Tateia a conjuntura à procura de brechas; proativo e se expande também pelas redes de outros algoritmos. Vocaliza o anti status quo de Temer, tucanos e Doria; mas, não queima as mãos por Dilma, Lula ou pelo PT. Numa eleição de desaforados, haverá espaço para seu estilo desbocado. Ao seu tempo, será assunto para outro artigo.

Carlos Melo

O poder é do eleitor, e não do eleito

Em questões de relevância política, temos o absurdo hábito de aceitar como fatos consumados as situações criadas pelos interessados, sem considerar a sua conformidade com as regras que permitem tais iniciativas.

É o caso da repugnante reforma política ora em votação no Congresso Nacional. A respeito, ninguém se lembrou de questionar se tem o nosso Parlamento poder constitucional para promover autonomamente uma tal reforma constitucional.

O Estado Democrático de Direito funda-se no princípio da soberania do povo, inscrito no artigo 1.º da Constituição, que por isso deve, no caso de reforma constitucional, decidir sobre o seu mérito, mediante plebiscito, na forma do artigo 14 da mesma Carta.

O sistema democrático não se confunde com o sistema autocrático. Na democracia, somente o povo tem poder constituinte derivado, na forma de plebiscito, como no caso de alterar as regras constitucionais de sua representação no Congresso.

Os mandantes, ou seja, os eleitores, é que decidem sobre alterações no regime de representação dos seus mandatários, os deputados.

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No sistema autocrático dá-se o contrário. O Parlamento é soberano, não o povo, e é permitido aos deputados decidirem como os eleitores devem votar. Na autocracia o povo apenas deve, mediante voto obrigatório, eleger os donos do poder, ao sabor dos critérios de “representação” que estes inventam e impõem, de tempos em tempos, conforme suas conveniências circunstanciais de dominação permanente. É o estilo stalinista ou bolivariano de poder.

Pois agora, além de todos os relevantíssimos serviços que vêm prestando com ética e alto espírito público a esta nação em frangalhos, os parlamentares querem nos impor, goela abaixo, uma reforma política sórdida que eles mesmos inventaram. Sem levar em conta a soberania do povo para decidir sobre a matéria fundacional de representação política de sua vontade, tal como ora inscrito na Constituição de 1988.

Pois não é que os nossos parlamentares, da noite para o dia, transformaram o nosso ínclito Congresso numa Assembleia Constituinte. A impostura é a seguinte: vocês, eleitores, doravante, vão votar em nós, seus “representantes”, conforme achamos mais conveniente e mais fácil para garantir a nossa recondução.

Em todo o mundo civilizado se impõe a convocação do plebiscito para decidir sobre reforma das regras fundamentais da democracia representativa, como é o caso que ora se discute em nosso venerando Parlamento. No plebiscito deverão ser colocadas as questões: voto proporcional, “distritão”, distrital puro ou misto? Também deve ser decidido no mesmo plebiscito a aceitação ou não do financiamento público de campanha. E aí também todas as demais propostas de reforma política que os parlamentares venham a apresentar.

Reforma política é reforma constitucional, na medida em que altera os próprios fundamentos da Carta constitucional. Não pode ser confundida com emenda constitucional, voltada para matérias pontuais que não afetem o próprio cerne da democracia representativa.

O Congresso não tem poderes constituintes permanentes. O poder constituinte do Congresso cessou quando da promulgação da atual Carta Magna, em 5 de outubro de 1988. Não tem, ademais, o Parlamento nenhum poder constituinte derivado. Nada em nossa Lei Maior outorga aos deputados e senadores o poder de alterar o regime de representação constitucional, que é o principal fundamento da própria democracia, sem a realização de um plebiscito a propósito. O artigo 14 da Constituição é expresso: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular”.

Pergunta-se novamente: desde quando e com que fundamento pode o Congresso alterar o regime constitucional de representação proporcional e, ainda, introduzir o financiamento público de campanha sem que haja plebiscito a respeito?

Nos Estados Unidos, berço da democracia moderna, todas e quaisquer alterações políticas e administrativas que afetem a soberania popular são submetidas a plebiscito. São feitas, a cada dois anos, dezenas de consultas plebiscitárias nos planos municipais, dos condados, dos Estados e da União. O número de questões levadas à decisão direta do eleitorado é tão grande a cada eleição que os eleitores podem votar antecipadamente à data do pleito, para evitar a demora no preenchimento das respostas submetidas ao escrutínio popular. Na Europa é a mesma coisa. Ainda no ano passado houve plebiscito na Itália para a reforma constitucional proposta pelo Parlamento. A mesma coisa na Inglaterra, com o Brexit; e nos países do leste europeu sobre as recentes reformas em suas Constituições.

Não podemos aceitar esta usurpação olímpica que suas “excelências” estão fazendo da soberania popular, que é o principio fundamental do Estado Democrático de Direito, proclamado em nossa Magna Carta.

A autorreforma política proposta fere o cerne dos princípios da Constituição brasileira. E nem se diga que não se trata de uma reforma. É reforma constitucional, sim, na medida em que altera o próprio regime de representação numa democracia representativa, com alterações na própria estrutura do voto e na questão crucial do financiamento público de campanhas políticas.

Ao povo brasileiro, por suas instituições civis, cabe urgentemente estancar esta quebra relevante do nosso sistema político-constitucional, seja perante o Supremo Tribunal Federal, requerendo a nulidade desse monstrengo autoproclamado, seja pelos movimentos nas ruas e nas redes sociais. Devemos exigir que seja respeitada a regra suprema de que cabe aos eleitores, e não aos eleitos, decidir sobre as alternativas de manutenção ou mudança do regime de representação política e sobre a momentosa questão do financiamento público de campanha, com sua aceitação ou rejeição.

Imagem do Dia

Ischia, the road less traveled
Ischia (Itália)

Onipotência e desfaçatez, e o guizo no gato

Que medo do que vem por aí. A reforma política em vias de aprovação pelo Congresso Nacional é uma ofensa à democracia. E o fundo eleitoral proposto de R$ 3,6 bilhões, um insulto a milhões de brasileiros desempregados, famintos, miseráveis.

O dinheiro, que falta para a saúde e educação, para não citar segurança, contas públicas, etc, servirá para eleger mais políticos descomprometidos com o Brasil. E tem mais: vem aí o “distritão”, monstrengo em construção por deputados e senadores para garantir a eleição dos mesmos, aqueles que já conhecemos pela (má) fama.

Como confiar numa proposta de um parlamento tão desmoralizado? Criativo também. Em benefício próprio, claro. O presidente da Câmara fala em distritão de transição. Ou distritão ligth. Nem assim, sem gordura e adição de açúcar, dá para engolir o projeto. Rodrigo Maia fala ainda de um “fundo de transição”.

Dá medo. Se está ruim, pode piorar.

Charge O Tempo 23/08/2017

Há quem considere pouco esse montante desviado para eleições. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, disse nessa segunda-feira, em São Paulo, que é insuficiente. Se a desfaçatez da maioria do Congresso é um soco no estomago, a onipotência do ministro Gilmar Mendes é assustadora.

Gilmar critica decisões do Supremo Tribunal Federal, do qual faz parte. Diz que foi um erro vetar o financiamento privado das campanhas. “Vamos querer que o narcotráfico e a milícia financiem as campanhas?”, provoca, sempre ele, Gilmar Mendes.

Gilmar, aliás, pode tudo. Faz e desfaz. E consegue uma proeza de poucos: une esquerda, direita, centro. Impressiona a unanimidade das críticas feitas a Gilmar nas redes sociais.

Todos na linha do ministro que não dá satisfação a ninguém, livra da cadeia quem quer, ainda que os sujeitos em questão sejam pública e indiscutivelmente culpados de algum ato ilítico. Gilmar Mendes não se incomoda. E solta o verbo.

Sem cerimonia, Mendes chamou o Juiz Marcelo Bretas, do Rio, de rabo de cachorro. E não explicou quem é o cachorro na prosaica frase que declamou para a imprensa, ao justificar, semana passada, mais um habeas corpus concedido à quadrilha do transporte público instalada há décadas no Rio de Janeiro.

Os brasileiros assistem a tudo perplexos, atônitos. Paralisados. Reforma política de oportunidade e resultados, e propostas indecorosas, entremeadas com encontros furtivos, extra agenda, no Jaburu, onde mora o presidente da república. Temer se reúne com estranha frequência com figuras esquisitas e políticos denunciados – Aécio Neves, por exemplo. Metade do seu ministério, aliás, deve contas à justiça.

No sábado, acompanhado de Rodrigo Maia, foi a vez de Gilmar Mendes encontrar-se com Temer, extra agenda. Do que falaram? Não se sabe. O que se sabe é que Mendes estava onde não caberia um ministro do Supremo e presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

E ninguém tem coragem de amarrar o guizo no gato. Dá medo até de pensar. Gilmar é bom de briga. Chamou procuradores de “trêfegos e barulhentos”, desqualificou o Procurador -Geral da república, Rodrigo Janot, chamando-o de despreparado, defendeu abertamente a permanência de Temer no governo, quando o assunto estava sob a regência da Câmara.

Gilmar ainda é o relator de um dos processos contra Aécio Neves, com quem tem boas relações. Tão poderoso, que entre seus pares, do Supremo Tribunal Federal, Gilmar não provoca sequer reações. Ao contrário dos espalhafatosos, diretos e duros comentários contra ele nas redes sociais, do STF ouve-se apenas um silêncio constrangedor.

Caravanas quixotescas em vez de programas e projetos?

Roupa velha não serve para viagem nova. Aos brasileiros, os possíveis candidatos à Presidência da República, em vez de programas e projetos concretos para um país novo, começam a oferecer a velha comida requentada de sempre: caravanas como as de Dom Quixote e Sancho Pança pelos caminhos empoeirados do interior do país em busca de aventuras e votos, de honrarias e até de ovos recebidos na cara e transformados em marketing. E os programas com os quais se pretende governar um país em transição, que 30% da população abandonaria se pudesse? Que novo Brasil, que novas esperanças oferecem que sejam críveis e que respondam ao que milhões de brasileiros esperam nesse momento?

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Algum dos que já se apresentam como candidatos à Presidência disse aos brasileiros o que pensa fazer, concretamente, já no dia seguinte à sua eleição, para que, por exemplo, a violência deixe de ceifar mais vidas no Brasil do que em todo o terrorismo mundial e para devolver à população a tranquilidade em poder sair à rua? O que fará para que a qualidade do ensino nesse país deixe de aparecer no final da fila dos países do mundo nas pesquisas internacionais? E para acabar com a gangrena dos 14 milhões de desempregados, que implicam outros tantos dramas pessoais e atrasam a recuperação da economia?

E para que a justiça possa ter as mãos livres para continuar em sua batalha contra a corrupção do conglomerado político-empresarial? E para uma reforma profunda do sistema judiciário? E para que de uma vez por todas sejam respeitados sem ambiguidades os direitos dos diferentes, e para que a mulher, hoje com apenas 10% de representação no Congresso, possa ter o papel que lhe cabe na construção do país?

Que reforma do Estado oferecem, qual seria o lugar do Brasil no xadrez internacional? O Brasil continuará flertando com os países de democracia duvidosa ou saberá escolher o lado de quem hoje pensa uma nova visão da história, que nos salve das ameaças da volta aos horrores dos velhos fascismos?

O que propõem para que aqueles milhões que saíram da miséria não voltem a cair no abismo e para que os novos resgatados da pobreza, essa classe C cujos votos todos cobiçam, possam ter acesso não só aos objetos, mas à cultura, como alertou Frei Betto? O que propõem para resgatar a economia doente, quais as receitas para acabar com o drama da desigualdade social também entre as mais graves do planeta? Algum deles se atreverá a exigir aos mais ricos os sacrifícios impostos sempre aos que menos têm? Alguém está apresentando, não programas acadêmicos que ninguém lê e entende, mas um projeto concreto, claro, compreensível para todos, com datas de realização que desenhe o novo Brasil da modernidade?

Com os novos meios de comunicação, com as redes sociais frequentadas até mesmo pelos mais pobres e menos escolarizados, hoje é possível chegar a todos as casas, sem necessidade de gastar dinheiro público, para expor as mudanças que se pretende fazer para devolver esperança à sociedade. Aqueles que têm a intenção de governar o Brasil se enganam se acham que nada mudou no coração das pessoas, as quais não querem mais ver os candidatos visitando pobres, beijando crianças ou comendo salgadinhos em bares. Se eles pensam que, passada a tempestade do descaramento total que os governos Dilma e Temer representam, poderão voltar à mesma situação de sempre, inclusive à velha corrupção e aos velhos privilégios, sem nada de novo a oferecer, poderão ter uma bela surpresa.

Um futuro proposto por uma campanha eleitoral meramente retórica, sem nenhum compromisso formal de mudar as coisas e de inaugurar uma nova viagem, poderia levar o Brasil, amanhã, a um descarrilamento ainda mais perigoso do que aquele pelo qual o país já passou. Se, na campanha de 2018, forem apresentados à população os resíduos desidratados da velha política e suas receitas gastas, tudo poderá acontecer, até mesmo uma abstenção maciça nas eleições.

Não se trata de pessimismo. Qualquer pessoa que medir o pulso da sociedade brasileira nos dias de hoje, sobretudo de sua parcela mais jovem, logo se dá conta de duas realidades palpáveis: as pessoas estão cansadas das promessas sempre descumpridas e de salvadores da pátria, qualquer que seja a sua coloração política ao mesmo tempo, sentem vergonha da situação em que se encontra o país, fruto de políticas vazias e da corrupção e exigem uma campanha eleitoral que seja diferente do espetáculo televisivo e puramente mediático do passado. Querem algo que gere esperança e que motive as pessoas. O Brasil moderno ainda está por surgir. O velho agoniza. O país não precisa apenas de coveiros astuciosos. Precisa de alguém com credibilidade e convicção que lhe diga: “Este é o novo Brasil que propomos e que devemos construir juntos”.

Os brasileiros já não querem andar apoiados nas velhas muletas do passado. Querem poder pensar, debater e participar diretamente da reconstrução do país, como já souberam fazer em outros momentos dramáticos de sua história. Não querem esse novo Brasil -- arquitetado à sombra, com reformas ambíguas, de costas para a opinião pública, com os olhos visando apenas a sua pura sobrevivência política e a manutenção de seus privilégios ou para se livrar de futuras condenações -- apresentado como o maná da nova terra prometida, em um estratagema inventado lá atrás pelo príncipe florentino Maquiavel com sua fórmula mágica de mudar as coisas para que tudo continuasse igual. Será que os pretendentes ao trono, sejam eles de direita, de esquerda ou de centro, entenderão isso antes que seja tarde demais?

A indulgência perpétua das castas prostitutas

Vira e mexe alguém vem do nada falar em reforma política no Brasil. O ex-presidente Fernando Henrique chamava-a de “a mãe de todas as reformas”. O ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha empenhou-se pessoalmente em sua aprovação. Eleição vem, eleição vai, algum remendo é feito e a colcha de retalhos nunca fica pronta. Agora, ela ganhou foros de urgência, tem de ser aprovada a toque de caixa. Para quê? Para garantir direitos da cidadania é que não é.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, vai jantar dia sim, dia talvez, com o presidente da República, Michel Temer, e eles usam o poder e a majestade de suas presidências para discutir os termos dela. Nenhum deles tem autoridade para tanto. Um chefia o Poder Executivo. O outro participa do mais elevado colegiado do Judiciário. Mas as leis são feitas no Poder Legislativo. Por que diacho esses senhores discutem uma mudança de cânones à qual não são chamados a participar? Um é professor de Direito Constitucional e o outro julga causas que chegam à última instância da Justiça. Ambos têm muito o que fazer em suas alçadas. Por que não se cingem a cátedra e toga?

Na prática, no dia a dia, quem lida com o assunto é o Legislativo. Aliás, na Câmara dos Deputados funciona uma tal Comissão Especial só para cuidar disso. Demos, então, a palavra aos encarregados de emendar dispositivos em cuja feitura Temer e Mendes nada têm sequer de palpitar. E o que dizem os que têm a dizer? O presidente, deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), teve a chance de explicar que “a reforma política está sendo feita por causa do financiamento. Foi por isso que começamos a discutir sistema eleitoral, voto em lista, distritão. Agora tudo é para aprovar o fundo, porque sem ele não tem dinheiro”. Ah, então, está tudo esclarecido: o que está em jogo não é a absurda matemática da composição das bancadas nem a crise de representatividade por ela causada, mas a caixinha de esmolas.

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O responsável pelo texto aprovado na comissão não é Temer, nem Mendes, nem Lima. É Vicente, cujo sobrenome, Cândido, é desmentido pela porca tarefa. E, como militante do Partido dos Trabalhadores (PT-SP) e da alta cartolagem do impolutíssimo (aiaiai) futebol profissional da Pátria em chuteiras (e não de, como proclamavam Dilma Rousseff e Aldo Rebelo), ele já deixou clara a inutilidade de correr tanto para tentar aprovar algo que não deve prosperar. “Aprovar uma reforma política para o ano seguinte é impossível, porque o povo aqui (ou seja, os colegas do Congresso) faz de tudo, menos passar a faca no próprio pescoço”. De cândido (limpo, puro, franco), ele não tem nada.

Na vida oficial, dos gabinetes onde se recebem propinas, e na real de botecos, onde os pobres pagam a conta da esbórnia nacional, o buraco é mais embaixo. Com seu linguajar de boleiro, o relator não deixa por menos e pontifica: “O povo vota num Congresso Nacional do Brasil e quer leis da Suíça”. Sua Bolorência anda meio desatualizada: a Suíça nunca foi o território da santidade, mas, sim, o valhacouto do dinheiro sujo e mal lavado. Agora, não é mais. O capitalismo internacional, sob o comando dos ganhadores da Guerra de Secessão, não admite mais a corrupção, desde que constatou que a farra dos esgotos monetários não financia apenas o tráfico de drogas e de armas. Mas também a engenharia financeira dos terroristas, que não suportam a liberdade de crença nem o direito sagrado de ir e vir neste mundão sem Deus.

E, enquanto esse mundão prospera, o Brasil vegeta, esmagado por um Estado estroina e desavergonhado, em que não se respeitam códigos de ética do novo capitalismo nem do velho gangsterismo. Com um déficit de contas públicas que se aproxima de meio trilhão de reais num quadriênio em que se limita um mandato, Pindorama se entrega aos vigaristas.

Sob bênçãos de Temer e Mendes, Lima e Cândido, estes desejam o paraíso do carcará sanguinolento: pega, mata e come. E não levam em conta questões comezinhas. O distritão, por exemplo, uma espécie de distrital do B – B de Brasil, bunda e besta –, foi adaptado do voto de lista, aquele em que os chefões dos partidos se reservam um lugar à sombra no foro, no qual se escondem de Moro. Não passou o listão, enfiam o distritão goela abaixo, porque sabem que, de repente, dê frutos a pregação de Rinaldo da Silva, taxista do Shopping Higienópolis, que defende o voto em mandatário nenhum de Poder nenhum para mandato algum. E eles só oferecem o lema: “Votem em mim, ainda que não queiram”.

Os deputados que pregam a reforma do Cunha sob a égide do Maia esqueceram-se de contar que o fim da proporcionalidade no voto também extingue a proporcionalidade que dá às minorias derrotadas possibilidade de sobreviver aos vencedores de pleitos majoritários, nos longos intervalos entre as eleições. Como garantir vaga em comissões ou na Mesa das Casas de Leis com a abolição da proporção? Não é, de fato, espertinho o Centrão?

E o que dizer do fundão, fundilho, ou afundamento generalizado? Na primeira vez em que ouvi falar no Fundo Especial de Financiamento da Democracia, deu-me vontade de me ajoelhar e rezar o Salve Rainha. O fervor cívico passou quando fiquei sabendo que o preço desse tipo de democracia é a eterna desfaçatez. O fundo não é de R$ 3,6 bilhões, como apregoou o nada Cândido, nem de R$ 2 bilhões, cuja pedra cantou assim que percebeu que, na pindaíba generalizada, reduzido, o valor convenceria. Afinal, não entram nesse falso total nem os R$ 2 bilhões do fundo partidário, que vale no ano da eleição e no outro, de urnas fechadas e recolhidas, nem a renúncia fiscal com que se paga o horário, que é gratuito para os espertalhões e pago a bilhões pelos otários, que somos nós.

No bordel Brasil vale tudo, até a venda de indulgências perpétuas por castas prostitutas.

Gente fora do mapa

Brian Cassey

Corrupção proporcional

Os homens são atormentados pelo pecado original dos seus instintos anti-sociais, que permanecem mais ou menos uniformes através dos tempos. A tendência para a corrupção está implantada na natureza humana desde o princípio. Alguns homens têm força suficiente para resistir a essa tendência, outros não a têm. Tem havido corrupção sob todo o sistema de governo.
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A corrupção sob o sistema democrático não é pior, nos casos individuais, do que a corrupção sob a autocracia. Há meramente mais, pela simples razão de que onde o governo é popular, mais gente tem oportunidade para agir corruptamente à custa do Estado do que nos países onde o governo é autocrático. Nos estados autocraticamente organizados, o espólio do governo é compartilhado entre poucos. Nos estados democráticos há muito mais pretendentes, que só podem ser satisfeitos com uma quantidade muito maior de espólio que seria necessário para satisfazer os poucos aristocratas. A experiência demonstrou que o governo democrático é geralmente muito mais dispendioso do que o governo por poucos. 
Aldous Huxley ( 1894 - 1963) 

A única reforma política séria seria obrigar a ter vergonha na cara

Seria muito simples fazer a reforma política de verdade no Brasil. Bastaria adaptar decreto atribuído ao historiador cearense Capistrano de Abreu (1853/1927), cujo teor é curto e grosso: “Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara.” Parágrafo único: “Revogam-se as disposições em contrário.”

Como o projeto de Capistrano é ambicioso demais, adaptemos seu teor ao mundo político e determine-se que “todo político é obrigado a ter vergonha na cara”.

Distritão, semipresidencialismo, parlamentarismo e todas as demais variantes que entram e saem todos os dias do noticiário não passam de tentativas canhestras de perpetuar-se no poder dos que demonstram diariamente não ter vergonha na cara.

Nem dá para reclamar deles ou só deles. Todos foram devidamente eleitos em pleitos livres e justos, as duas palavrinhas com as quais a comunidade internacional carimba eleições que seguem os cânones da democracia.


Em sendo assim, vale o decreto de Capistrano de Abreu: ou o eleitor toma vergonha na cara e passa a vigiar os eleitos para não repetir o voto em vigaristas ou o Brasil continuará a ser “a merda que é”, para usar refinada definição de alguém que se gaba de conhecer profundamente o Brasil e que foi eleito duas vezes para comandá-lo.

Você sabe que estou falando de Luiz Inácio Lula da Silva e de sua frase da semana passada que acaba sendo uma autocrítica: se o PT ficou 13 anos no poder e o país “é a merda que é”, a culpa é só do Michel Temer?

É verdade que o atual presidente afundou ainda mais o pé na lama e demonstrou, pelo menos naquela audiência clandestina com Joesley Batista, carecer da “vergonha na cara” exigida pelo historiador cearense.

Mas, sejamos justos, o mundo político brasileiro é um desastre de proporções colossais faz muito tempo, antes de Lula, com Lula, depois de Lula, com Temer.

A discussão em curso sobre reforma política não passa de uma tentativa de perpetuar um corpo apodrecido com uma nova roupagem.

Não pode ser tarefa para um Congresso desmoralizado pelo envolvimento de um bom número de seus integrantes com o esquema de corrupção desnudado pela Lava Jato. Na verdade, o que se está tentando, conforme apontam dia sim, outro também, os melhores analistas da realidade brasileira é blindar os atuais parlamentares.

O distritão de que tanto se fala é um tal excrescência que torna admirável até o modelo em vigor, que está longe de ser de excelência.

O fundo de R$ 3,6 bilhões proposto é outra excrescência, maior ainda quando se sabe que o orçamento de 2017 do Congresso Nacional é de R$ 10,2 bilhões ou quase três vezes mais.

Em um país em que os políticos tivessem vergonha na cara, esses recursos seriam usados para financiar o funcionamento dos partidos e de seus representantes no Parlamento e fora deles, como se faz na Alemanha (aprendi em texto do jornalista Sérgio Rondino).

Como não parece haver a menor chance de o “decreto Capistrano de Abreu” emplacar, resta torcer para que os congressistas se cansem do debate e deixem “a merda que é” do jeito que está, sob pena de aumentar mais ainda o fedor.

A hora e a vez do Supremo julgar um de seus ministros, Gilmar Mendes

São excelentes e primorosas, além de muito bem instruídas com provas documentais, as duas petições que o procurador-geral da República Rodrigo Janot deu entrada às 18h39m desta segunda-feira (dia 21), no Supremo Tribunal Federal, pedindo que o ministro Gilmar Mendes seja considerado suspeito e impedido para funcionar como relator dos Habeas Corpus 146.666 e 146.813, que deram liberdade ao chamado “Rei dos ônibus”, Jacob Barata Filho e ao presidente da Fetranspor, Lélis Teixeira, presos por ordem do juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava Jato no Rio.

Para demonstrar que todo juiz precisa ser imparcial e isento, as petições não apenas transcreveram as leis nacionais, que são os Códigos de Processo, Penal e Civil. ACORDOS INTERNACIONAIS – As duas peças invocam, ainda, a jurisprudência do próprio STF e diplomas internacionais que o Brasil subscreveu, tais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, da OEA, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, da ONU, e a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Todos realçam a imperiosidade de juízes isentos e imparciais. São 26 páginas de rica fundamentação e muito difícil de ser rejeitada pela Suprema Corte.

E Janot não tardou em agir. Se tardasse, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, poderia recusar de plano, isto é, de imediato, as duas petições. Isto porque o artigo 279 do Regimento Interno (RI) do STF dispõe que suspeição (e impedimento) de relator só pode ser arguída até 5 dias após a distribuição de processo a relator tido por suspeito e/ou impedido. Como os dois Habeas Corpus foram distribuídos a Gilmar Mendes nos dias 16 e 17 deste mês de agosto, as petições de Rodrigo Janot foram entregues ao STF dentro do prazo (dia 21) e por isso não podem ser recusadas pela presidente Cármen Lúcia.

Vai aqui uma observação: este artigo 279 do RI/STF precisa ser modificado. E se a suspeição ou o impedimento de relator for superveniente à distribuição, o relator deixa de ficar impedido e/ou suspeito e a parte perde o direito de ingressar com a arguição? Exemplo: se durante a tramitação de qualquer processo no STF, o relator venha ser padrinho de casamento da filha ou do filho de uma das partes envolvidas no processo, a parte contrária perde o direito de levantar a suspeição e/ou o impedimento do relator pelo fato do esgotamento do prazo de 5 dias, contados, quiçá meses ou anos atrás, quando ocorreu a distribuição?



Não podendo rejeitar as petições de Janot, a presidente Cármen Lúcia mandará ouvir Gilmar Mendes. É o que determina o artigo 282 do RI/STF. Caso Gilmar Mendes reconheça o impedimento e/ou a suspeição contra ele levantadas, o processo de arguição termina, as decisões de Gilmar se tornam nulas (o que forçosamente fará repristinar, isto é, restabelecer os efeitos e eficácia dos decretos de prisão do juiz Marcelo Bretas, com a recondução de Barata & Teixeira ao cárcere), outro relator será sorteado e Gilmar Mendes se tornará impedido até de participar da votação quando os Habeas Corpus forem apreciados, coletivamente, pela turma ou pelo plenário.

 Mas tudo indica que o ministro Gilmar Mendes não se dará por suspeito nem impedido, confirmando o que tem declarado à imprensa e notas que o próprio ministro tornou públicas. Então os processos de arguição prosseguem, ouvindo-se ou não testemunhas, produzindo-se provas e ao final da instrução processual e quando tudo terminar, será da competência do plenário do STF dar a palavra final. Ou seja, Gilmar será julgado por seus colegas, que dirão se o ministro é ou não é suspeito e/ou impedido. Que não se despreze a possibilidade de que tudo isso corra em segredo de justiça, embora nenhuma lei assim autorize. Mas o STF, por ser a mais alta corte de Justiça do país, pode tudo o que à corte convém. São absolutos. Acima do STF não existe mais uma instância a quem recorrer. O STF dá a palavra final. “Roma locuta, causa finita”, como nos legaram os romanos.

Mas se o julgamento for aberto, sem ocultação e transmitido pela TV Justiça, como são todas as sessões do plenário do STF, o povo brasileiro terá a rara, e quiçá a única, oportunidade de ver um ministro da corte sendo julgado por seus pares. Isso será inédito.

Não será uma causa ou um voto de um ou mais ministros que estará sendo debatido e julgado, como acontece de ordinário nos julgamentos dos recursos da competência do plenário. O que será julgado é o comportamento, a atitude, o gesto de Gilmar Mendes, que não se considerou impedido nem suspeito de julgar seu compadre, o empresário Jacob Barata, pai de sua afilhada de casamento e de quem se tornou padrinho.

Este é o fato que certamente deixará os colegas ministros de Gilmar Mendes de “saia justa”, como se diz popularmente, sem que a expressão constitua irreverência, ainda que levíssima. “Saia justa” é uma expressão bem brasileira. É gíria (“argot”, lá na França) bem familiar e usada pela mídia em geral. Mas os senhores ministros não deixarão “a peteca cair” (outra inocente gíria brasileira). Todos vão decidir dentro da serenidade, isenção, e sem acovardamento.

E por falar em acovardamento, lembremos o próprio Gilmar Mendes, que não tolera juiz covarde. Dois ou três dias atrás o próprio Gilmar Mendes bradou, com sua voz tonitruante: “O bom ladrão salvou-se, mas não há salvação para o juiz covarde, como dizia Rui Barbosa”. De pleno acordo, senhor Ministro. Nem covarde, nem parcial, nem impedido ou suspeito.

Paisagem brasileira

A energia
Praia de Torres (RS)

Lula e a caravana dos fanáticos prometem milagres

 Não pense que é fácil consertar o Brasil depois do desastre Lula/Dilma. Os quatorze anos da dupla deixaram uma herança tão maldita no país que vai demorar décadas para ser riscada do mapa. A insegurança, o desmonte da máquina administrativa, a corrupção e a falta de ética na política da era PT levaram o país a decadência e ao último nível da escala moral, quiçá do mundo. O Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul faliram, a Petrobrás quebrou, as obras viraram cemitérios de sucatas, os monumentos esportivos das Olimpíadas estão se desmoronando, a criminalidade explodiu com seis pessoas mortas por hora, empresários e executivos de estatais estão presos. E o Lula, símbolo de toda essa devassa, condenado por corrupção, vive no Nordeste fazendo discurso demagógico e populista para enganar a população novamente.

A caravana dele assemelha-se a do cearense Antônio Conselheiro (1830/1897), o peregrino, líder religioso, que arrastava centenas de fanáticos pelas estradas empoeiradas do Nordeste na sua pregação contra a República. Para aumentar o número de seguidores, manipulou a miséria e os seus miseráveis até culminar com a Guerra de Canudos. Por aqueles locais da caatinga também já apareceram outros heróis: Lampião, Padre Cícero e Floro Bartolomeu, todos imbuídos dos mesmos propósitos: fazer justiça e livrar o povo da fome atávica, mas tirar dele o apoio as suas causas políticas nem sempre nobres.

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Não à toa, os que acolhem Lula nas suas andanças são os beneficiados do Bolsa Família, o programa do curral eleitoral. De ônibus, a pé e em comitivas pelas ruas, Lula e sua trupe vão de cidade em cidade divulgando o lema “Lula pelo Brasil”, replay de um filme preto e branco, desbotado e desfocado. E de quebra, ainda é homenageado com título de doutor honoris causas por algumas universidades federais, abastecidas com o dinheiro público, como aconteceu na cidade de Estância (SE) e Arapiraca (AL), por iniciativas de reitores retrógrados.

Os jornais têm noticiado a caravana lulista com discrição. As televisões, prudentemente, evitam exibir as cenas por considerar que Lula faz campanha antecipada para presidente da república. Na verdade, Lula quer transformar os conterrâneos em habeas corpus. O raciocínio é simples: como ele não conseguiu nenhum tipo de apoio popular, nenhuma manifestação de rua a seu favor no resto do país depois da condenação, agora procura a proteção dos nordestinos que lhes dão a liderança nas pesquisas. Planeja, com isso, sensibilizá-los para o caso de ser preso.

Engana-se. Se ele pensa numa rebelião por aquelas bandas, pode tirar o cavalinho da chuva. Com exceção de pequenos movimentos revolucionários locais, a história não registra nenhuma insurreição desse povo em defesa de alguma causa. O nordestino, pela sua carência, é sofrido, desinformado e alienado. Ainda troca o voto por um prato de comida e tem entre os seus heróis os políticos fisiológicos que usam o poder público para empregar e distribuir migalhas que os garantem no poder. Não foi diferente quando Lula assumiu a presidência. Em vez de criar programas que libertassem os seus conterrâneos desse atraso secular, ele fez exatamente o contrário por conhecer a gênese do seu povo: amarrou-o no Bolsa Família, mantendo-o refém do seu partido a troco de tostões. Assim, criou o curral eleitoral que garantiu a sua turma devorar os cofres públicos durante 14 anos.

Agora, ele volta ao Nordeste em campanha cumprindo uma agenda política. Quero, aqui, contribuir, modestamente, com a caravana em um roteiro alternativo: visita as obras inacabadas e sucateadas de transposição do São Francisco; a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, superfaturada em R$ 2,1 bilhões, núcleo da corrupção petista. Conhecer as rodovias esburacadas e destruídas, prefeituras falidas, plantações e gados devorados pela seca por falta de irrigação, crianças subnutridas e sem escolas, violência indiscriminada, desemprego pela estagnação da economia e a falta de hospitais e postos de saúde.

Infelizmente, companheiro Lula, este é o entulho que o PT deixou na porta de cada nordestino. Portanto, nada mudou, senão para pior. O avanço social tão propalado do seu governo não passou de propaganda enganosa. O Nordeste que você agora percorre novamente em busca de votos é o mesmo: miserável.

Assim, cegos aos problemas da região, lá vai o novo profeta e seus fanáticos distribuindo milagres para salvar os conterrâneos da fome. E o nordestino, coitado, ainda acredita.

Acorda, Nordeste!

Semipresidencialismo transformaria semidesordem em avacalhação total

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A penúltima novidade da política brasileira se chama semipresidencialismo. Mencionada de forma superficial, a proposta tem a consistência de uma nuvem de fumaça. Até onde a vista consegue alcançar, a ideia é enfraquecer o presidente eleito pelo povo e fortalecer o Congresso, que passaria a escolher um primeiro-ministro para cuidar dos negócios do Estado.

O brasileiro já teve a oportunidade de se manifestar sobre o parlamentarismo em dois plebiscitos, em 1963 e 1993. Em ambos, rejeitou a mudança. Nada impede que o tema seja rediscutido. Mas é preciso respeitar a inteligência da plateia. A primeira coisa a fazer é escancarar o fogo que se esconde atrás da fumaça.

Defendem a novidade o ministro Gilmar Mendes, adepto da política de celas vazias na Lava Jato; o presidente Michel Temer, acusado de corrupção; e investigados como Renan Calheiros e José Serra.

Participam da articulação os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira —respectivamente o Botafogo e o Índio nas planilhas da Odebrecht. Num ambiente assim, a implantação do semipresidencialismo parece coisa de quem deseja transformar a semidesordem que vigora no Brasil numa esculhambação completa. É melhor cumprir a Constituição do que modifica-la de qualquer jeito.

Brasil brasileiro

O juiz Sergio Moro, que ninguém pode considerar um sujeito mole, decidiu há pouco liberar para o publicitário João Santana, astro da propaganda dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, 10 milhões de reais de suas contas bancárias bloqueadas pela justiça. Santana, como é do conhecimento geral, esteve na cadeia durante sete meses, em 2016, foi condenado por praticar dezenove crimes de lavagem de dinheiro, delatou os companheiros e hoje, em companhia da mulher, cumpre pena de prisão domiciliar com tornozeleira. Moro, atendendo a pedidos da defesa, considerou que ambos estavam passando por dificuldades financeiras no momento, e permitiu que tivessem acesso a esse dinheiro essencial para a sua sobrevivência. Dias depois, agora atendendo pedidos da acusação, mudou sua decisão e acabou bloqueando o desbloqueio. Eles que se entendam perante a lei, é claro – juiz, acusação, defesa e réus. O que fica para o público pagante, para além das questões legais, é a diferença quase incompreensível entre o mundo material em que vivem João Santana e seus clientes, de um lado, e o mundo dos cidadãos brasileiros de carne e osso, de outro.
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São dois planetas separados por um abismo, um bom e um ruim, e habitados por espécies diferentes. Um brasileiro que ganha 1.500 reais por mês levaria 500 anos para juntar os 10 milhões que João Santana está precisando para pagar suas despesas correntes. Que nexo tem uma coisa dessas? Quem poderia estar precisando de 10 milhões de reais para aliviar o seu orçamento pessoal? Enfim: o que pode existir de comum entre o marqueteiro e o povo que ele colocava no paraíso, na fantasia dos seus comerciais de TV, em troca de “dinheiro de campanha”? Uns 99% da população brasileira, ou algo assim, não vão ter uma fortuna dessas, em dinheiro, durante toda a sua vida – estão do lado errado do abismo. João Santana e os que lhe pagaram estão do lado certo.

Os 10 milhões mostram quem é quem, na vida real deste país, em matéria de concentração de renda.

Uma vereadora de São Paulo, em busca de justiça histórica, acaba de propor um movimento para banir das placas de ruas nomes de gente remota no tempo e suspeita de ter cometido crimes contra “os direitos humanos”, a começar pela escravidão. Sobrou para um pobre Barão de Joatinga, que dá nome a uma pequena rua do centro de São Paulo – e de quem nunca se tinha ouvido falar. O barão, que nasceu e morreu na cidade de Bananal, no velho Vale do Paraíba, onde tinha uma fazenda com escravos, parece ter sido um homem particularmente opaco na história do II Império. Agora, 133 anos depois de morto, a vereadora quer que a Rua Barão de Joatinga passe a se chamar Rua Dandara dos Palmares – tida como mulher de Zumbi e figura de quem se sabe, como no caso do barão, bem pouca coisa de certo.

A proposta deixa dúvidas. Foi elogiada como um gesto de grande coragem – afinal, a vereadora está enfrentando ninguém menos que o Barão de Joatinga. Qual será o seu próximo passo? Propor a troca de nome da Avenida Duque de Caxias, por exemplo? Seria uma proposta bem lógica, pelo mesmo critério – o duque, como o barão, tinha escravos. É verdade que um duque é mais que um barão – e esse duque, em especial, é também o patrono do Exército brasileiro, o que talvez faça a vereadora adotar uma atitude mais prudente. A cidade aguarda.

A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia conseguiu, dias atrás, dar uma contribuição notável para o Acervo Permanente da Ignorância Nacional – um feito capaz de chamar a atenção, mesmo levando-se em conta o rico histórico que as universidades brasileiras acumularam ao longo do seu combate sem trégua contra o conhecimento. Durante a última visita do ex-presidente Lula à Bahia, a UFRB tentou entregar a ele um título “de doutor honoris causa”, para atender “um antigo desejo de setores da comunidade universitária”. Um juiz federal de Salvador bloqueou a entrega, por considerar o ato ilegal e lesivo à “moralidade pública”, mas o diploma ficou – e o seu texto, que agora não dá mais para apagar, consegue cometer dois erros em menos de quatro linhas e meia. É o velho problema de escrever e imprimir coisas em papel.

O diploma, pelo que dá para entender, foi concedido a Lula pelos alunos da UFRB. Mas não são os professores, em vez dos estudantes, que assinam diplomas de doutor? Além disso, os alunos escolheram uma palavra que não existe nos dicionários da língua portuguesa para se identificarem como os autores da honraria. O diploma aparece assinado pelos “dicentes” da universidade. Imagina-se que quiseram dizer “discentes” – a palavra correta para designar quem estuda. Eis aí, em toda a sua beleza bruta, mais um episódio da nossa comédia permanente. Já temos universidades capazes de expedir títulos de doutor com erros de português.