sexta-feira, 4 de outubro de 2024
Estamos a atirar o ouro borda fora…
Continuamos a encarar a sociedade como se nada tivesse mudado nos últimos cem anos. Esquecemos que aqueles que agora nascem terão uma vida adulta muito diferente da nossa. Desde logo, exercerão novas profissões. Em 2016, o Relatório do Fórum Económico Mundial antecipava que 65% das crianças que entravam nas escolas iriam trabalhar em funções que ainda não existiam.
A incerteza e as mudanças profundas que surgirão em vidas humanas mais longas e diversificadas aconselham a procurar novas soluções culturais, sociais, políticas e económicas diferentes das tradicionais, uma vez que estas estão a revelar-se inadequadas à realidade emergente.
Por exemplo, as propostas sociais mais correntes para os idosos são centros de dia, lares de terceira idade e apoio domiciliário. Mas são propostas que foram desenhadas para uma população analfabeta ou com baixa literacia e cultura, problemas de mobilidade e saúde mais acentuados. Sucede que a população portuguesa está em transformação. Por exemplo, hoje já estão a chegar à idade da reforma inúmeras pessoas com níveis de formação mais elevados, inclusivamente académicos, que necessitam de outras respostas.
As universidades e academias seniores ainda são olhadas como sendo respostas de elite e não têm os apoios do estado que deveriam ter, a fim de desenvolverem um trabalho muito mais profundo e alargado a todo o território. Falo do que sei. Em 2003, fundei com outras pessoas uma universidade sénior de que fui reitor durante cerca de dez anos, e bem sei as dificuldades que tivemos para colocar o projeto de pé, sem apoios oficiais do governo ou autarquias nem de privados. Apesar disso, veio a ser considerada uma das melhores do País e tornou-se uma instituição muitíssimo significativa para idosos, tantos na condição de alunos como na de professores ou de ambos.
A maioria dos lares de idosos não passam dum depósito de velhos doentes, sem estímulos nem programas, onde os utentes morrem um pouco todos os dias na sua inatividade, absortos, a olhar distraidamente para um televisor, a maioria deles esquecidos pela própria família e desligados da comunidade humana em que se integram.
Porque não investir em apartamentos residenciais em zona urbana, enquadrados em bairros com vida comunitária, dispondo de serviços essenciais (p. e. apoio médico, de enfermagem, cabeleireiro, limpeza), onde os utentes possam fazer ou encomendar as suas compras e cozinhar, mantendo alguma privacidade, mas nunca estando completamente sozinhos de dia nem de noite?
Por que não articular os lares residenciais com jardins-de-infância, de forma a permitir uma ligação intergeracional, que é sempre rica tanto para as crianças como para os idosos?
Porque não utilizar alguns mais velhos quando necessário, dando-lhes uma pequena formação, para irem às escolas, a convite destas contar estórias de vida às crianças e adolescentes?
Porque não organizar, potenciar oficialmente e estimular de forma ativa a oferta de quartos a estudantes deslocados na casa de idosos sozinhos, em troca de pequenos serviços de apoio?
Porque não reorganizar o mercado de trabalho de modo a que os indivíduos com idade de reforma possam continuar a trabalhar durante um período, agora em regime de tempo parcial, de acordo com o seu desejo e o interesse das empresas? Certamente todos concordamos com Camus “Não se pode criar experiência. É preciso passar por ela.”
Porque se faz uma separação tão categórica entre a chamada vida ativa e a reforma? Por que não se compreende que tal separação é cada vez menos inteligente, tanto devido à progressiva longevidade como ao facto de atirar para o canto os que dispõem de mais competências e experiência profissional? E que, por essa razão, se estão a dar verdadeiros tiros no pé em temos de economia, em know-how e produtividade, para não falar nos problemas de saúde pública desencadeados por tal corte brusco, dadas as profundas implicações emocionais e mentais que desencadeia com tanta frequência? Como dizia George Sand “Cada um tem a idade do seu coração, da sua experiência e da sua fé.”
A rigidez mental de quem traça as políticas sociais nos gabinetes é de tal ordem que qualquer projeto social inovador que não se enquadre nas valências já existentes é imediatamente desconsiderado, em regra. Porquê? É que dá trabalho pensar, organizar e sobretudo lutar por uma mudança substantiva do paradigma que inspira as respostas sociais já existentes e tradicionalmente aplicadas à população idosa. Abrir novos caminhos dá trabalho e inovar implica sempre um risco que a velha “mentalidade de funcionário público” tem dificuldade em assumir.
Ou seja, somos bem menos inteligentes do que os povos primitivos ao atirarmos borda fora o nosso ouro geracional.
A incerteza e as mudanças profundas que surgirão em vidas humanas mais longas e diversificadas aconselham a procurar novas soluções culturais, sociais, políticas e económicas diferentes das tradicionais, uma vez que estas estão a revelar-se inadequadas à realidade emergente.
Por exemplo, as propostas sociais mais correntes para os idosos são centros de dia, lares de terceira idade e apoio domiciliário. Mas são propostas que foram desenhadas para uma população analfabeta ou com baixa literacia e cultura, problemas de mobilidade e saúde mais acentuados. Sucede que a população portuguesa está em transformação. Por exemplo, hoje já estão a chegar à idade da reforma inúmeras pessoas com níveis de formação mais elevados, inclusivamente académicos, que necessitam de outras respostas.
As universidades e academias seniores ainda são olhadas como sendo respostas de elite e não têm os apoios do estado que deveriam ter, a fim de desenvolverem um trabalho muito mais profundo e alargado a todo o território. Falo do que sei. Em 2003, fundei com outras pessoas uma universidade sénior de que fui reitor durante cerca de dez anos, e bem sei as dificuldades que tivemos para colocar o projeto de pé, sem apoios oficiais do governo ou autarquias nem de privados. Apesar disso, veio a ser considerada uma das melhores do País e tornou-se uma instituição muitíssimo significativa para idosos, tantos na condição de alunos como na de professores ou de ambos.
A maioria dos lares de idosos não passam dum depósito de velhos doentes, sem estímulos nem programas, onde os utentes morrem um pouco todos os dias na sua inatividade, absortos, a olhar distraidamente para um televisor, a maioria deles esquecidos pela própria família e desligados da comunidade humana em que se integram.
Porque não investir em apartamentos residenciais em zona urbana, enquadrados em bairros com vida comunitária, dispondo de serviços essenciais (p. e. apoio médico, de enfermagem, cabeleireiro, limpeza), onde os utentes possam fazer ou encomendar as suas compras e cozinhar, mantendo alguma privacidade, mas nunca estando completamente sozinhos de dia nem de noite?
Por que não articular os lares residenciais com jardins-de-infância, de forma a permitir uma ligação intergeracional, que é sempre rica tanto para as crianças como para os idosos?
Porque não utilizar alguns mais velhos quando necessário, dando-lhes uma pequena formação, para irem às escolas, a convite destas contar estórias de vida às crianças e adolescentes?
Porque não organizar, potenciar oficialmente e estimular de forma ativa a oferta de quartos a estudantes deslocados na casa de idosos sozinhos, em troca de pequenos serviços de apoio?
Porque não reorganizar o mercado de trabalho de modo a que os indivíduos com idade de reforma possam continuar a trabalhar durante um período, agora em regime de tempo parcial, de acordo com o seu desejo e o interesse das empresas? Certamente todos concordamos com Camus “Não se pode criar experiência. É preciso passar por ela.”
Porque se faz uma separação tão categórica entre a chamada vida ativa e a reforma? Por que não se compreende que tal separação é cada vez menos inteligente, tanto devido à progressiva longevidade como ao facto de atirar para o canto os que dispõem de mais competências e experiência profissional? E que, por essa razão, se estão a dar verdadeiros tiros no pé em temos de economia, em know-how e produtividade, para não falar nos problemas de saúde pública desencadeados por tal corte brusco, dadas as profundas implicações emocionais e mentais que desencadeia com tanta frequência? Como dizia George Sand “Cada um tem a idade do seu coração, da sua experiência e da sua fé.”
A rigidez mental de quem traça as políticas sociais nos gabinetes é de tal ordem que qualquer projeto social inovador que não se enquadre nas valências já existentes é imediatamente desconsiderado, em regra. Porquê? É que dá trabalho pensar, organizar e sobretudo lutar por uma mudança substantiva do paradigma que inspira as respostas sociais já existentes e tradicionalmente aplicadas à população idosa. Abrir novos caminhos dá trabalho e inovar implica sempre um risco que a velha “mentalidade de funcionário público” tem dificuldade em assumir.
Ou seja, somos bem menos inteligentes do que os povos primitivos ao atirarmos borda fora o nosso ouro geracional.
A ordem é matar!
As pessoas estão a ver o que querem acreditar, e não estão a acreditar no que veem. Israel nunca foi tão explícito sobre a sua intenção de guerra em Gaza
Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos nos Territórios Palestinos Ocupados
Doenças sociais oportunistas
Médicos dizem que as infecções oportunistas são causadas por micro-organismos que se aproveitam de debilidades no sistema imunológico e podem se converter em epidemias em razão de imprudência ou negligência humanas. No último parágrafo de A Peste, obra-prima de Albert Camus, o personagem Rieux refletia: “o bacilo da peste não morre, nem desaparece, espera com paciência…e chega talvez o dia em que…a peste acorda os ratos e os manda morrer numa cidade feliz”.
Traçando um paralelo, perversidades sociais, a exemplo do crime organizado, corrupção e vícios de todos os gêneros, constituem uma ameaça permanente, sobretudo, em países com fragilidades institucionais e déficit civilizatório, como o Brasil. Esse entendimento é abonado por fatos recentes.
A Constituição de 1988 admitiu que a proposta orçamentária pudesse ser objeto de emenda para proceder à “correção de erros ou omissões”. Tese, em princípio, razoável.
Essa brecha legal serviu, todavia, de pretexto para, artificialmente, elevar a receita e financiar “emendas parlamentares”. De início, elas constituíam valores modestos; hoje representam quase ¼ das despesas discricionárias da União, desdobrando-se em uma larga coleção de alternativas (emendas individuais, de bancada, impositivas, secretas e as teratológicas emendas PIX), que acentuam as distorções no já disfuncional federalismo fiscal e são fonte poderosa de corrupção. Reverter essa iniquidade requer uma desproporcional energia política.
A incapacidade de enfrentar os crônicos desequilíbrios fiscais por meio do gasto pretexta a elaboração de fantasias, como teto de gastos e arcabouço fiscal, e a busca alucinada por novas fontes de receita, não raro esdrúxulas, como a anistia parcial em decisões tomadas no CARF pelo voto de qualidade, ou tóxicas, como a tributação de apostas esportivas (bets).
A febre das bets resultou em expressivo endividamento dos mais pobres, redução do consumo, ludopatia digital e estímulo à corrupção nas competições esportivas.
Até mesmo o bolsa família tem sido utilizado em apostas esportivas, em abusivo desvio de finalidade.
Não consigo entender a surpresa diante desse quadro, construído por uma combinação de maciça publicidade, amplo patrocínio dos clubes de futebol e legislação que ampara a atividade.
São pífias as medidas cogitadas para enfrentar a febre das bets, como o controle de licenças para exploração da atividade e a vedação do uso de recursos do bolsa família. Ingenuidade ou impotência? A febre não será debelada.
Traçando um paralelo, perversidades sociais, a exemplo do crime organizado, corrupção e vícios de todos os gêneros, constituem uma ameaça permanente, sobretudo, em países com fragilidades institucionais e déficit civilizatório, como o Brasil. Esse entendimento é abonado por fatos recentes.
A Constituição de 1988 admitiu que a proposta orçamentária pudesse ser objeto de emenda para proceder à “correção de erros ou omissões”. Tese, em princípio, razoável.
Essa brecha legal serviu, todavia, de pretexto para, artificialmente, elevar a receita e financiar “emendas parlamentares”. De início, elas constituíam valores modestos; hoje representam quase ¼ das despesas discricionárias da União, desdobrando-se em uma larga coleção de alternativas (emendas individuais, de bancada, impositivas, secretas e as teratológicas emendas PIX), que acentuam as distorções no já disfuncional federalismo fiscal e são fonte poderosa de corrupção. Reverter essa iniquidade requer uma desproporcional energia política.
A incapacidade de enfrentar os crônicos desequilíbrios fiscais por meio do gasto pretexta a elaboração de fantasias, como teto de gastos e arcabouço fiscal, e a busca alucinada por novas fontes de receita, não raro esdrúxulas, como a anistia parcial em decisões tomadas no CARF pelo voto de qualidade, ou tóxicas, como a tributação de apostas esportivas (bets).
A febre das bets resultou em expressivo endividamento dos mais pobres, redução do consumo, ludopatia digital e estímulo à corrupção nas competições esportivas.
Até mesmo o bolsa família tem sido utilizado em apostas esportivas, em abusivo desvio de finalidade.
Não consigo entender a surpresa diante desse quadro, construído por uma combinação de maciça publicidade, amplo patrocínio dos clubes de futebol e legislação que ampara a atividade.
São pífias as medidas cogitadas para enfrentar a febre das bets, como o controle de licenças para exploração da atividade e a vedação do uso de recursos do bolsa família. Ingenuidade ou impotência? A febre não será debelada.
Persiste a esperança de que a violência acabe em breve
As cicatrizes das guerras anteriores do Líbano ainda eram visíveis em Beirute antes desta começar. E a cidade agora se encontra, novamente, no meio de um conflito, com novas cicatrizes surgindo.
As noites aqui são interrompidas por explosões e estrondos que iluminam o céu. Elas são tão poderosas que são ouvidas, e às vezes sentidas, a quilômetros de distância.
Beirute, tão acostumada a guerras, parece estar tentando se adaptar a essa nova realidade. Algumas lojas, restaurantes e bares estão abertos novamente em áreas centrais, ainda vistas como relativamente seguras. Lembretes da guerra, no entanto, vêm com frequência: os ataques, o som constante de drones voando sobre suas cabeças, ou o grande número de pessoas deslocadas, dormindo em ruas e praças.
As conversas são inevitavelmente dominadas pelo que está acontecendo aqui e em todo o país, e pela esperança de que a violência, "Inshallah", se Deus quiser, acabe logo.
As pessoas costumam comparar a violência atual entre Israel e o Hezbollah com o conflito que eles lutaram em 2006, que durou um mês. Mas os ataques aéreos e assassinatos israelenses continuam, sua invasão terrestre do sul está aparentemente se expandindo, e com o Hezbollah prometendo resistir, esta guerra pode ser mais longa e mais dolorosa do que a última.
Hugo Bachega , correspondente da BBC
As noites aqui são interrompidas por explosões e estrondos que iluminam o céu. Elas são tão poderosas que são ouvidas, e às vezes sentidas, a quilômetros de distância.
Beirute, tão acostumada a guerras, parece estar tentando se adaptar a essa nova realidade. Algumas lojas, restaurantes e bares estão abertos novamente em áreas centrais, ainda vistas como relativamente seguras. Lembretes da guerra, no entanto, vêm com frequência: os ataques, o som constante de drones voando sobre suas cabeças, ou o grande número de pessoas deslocadas, dormindo em ruas e praças.
As conversas são inevitavelmente dominadas pelo que está acontecendo aqui e em todo o país, e pela esperança de que a violência, "Inshallah", se Deus quiser, acabe logo.
As pessoas costumam comparar a violência atual entre Israel e o Hezbollah com o conflito que eles lutaram em 2006, que durou um mês. Mas os ataques aéreos e assassinatos israelenses continuam, sua invasão terrestre do sul está aparentemente se expandindo, e com o Hezbollah prometendo resistir, esta guerra pode ser mais longa e mais dolorosa do que a última.
Hugo Bachega , correspondente da BBC
Assim, ninguém ganha esta guerra
O Médio Oriente está a ferro e fogo. Gaza arrasada e o Líbano em convulsão. Israel, ébrio de vitórias táticas e o Irã condicionado por um dilema estratégico. Os Estados Unidos apelam à paz e Netanyahu faz a guerra. Sob a vertigem dos acontecimentos e a ameaça de um conflito em larga escala, é difícil ver claro. Mas há duas perguntas fundamentais: como é que tudo isto começou? E como é que isto vai acabar?
Começou há mais de um século. É um conflito que atravessou várias fases e diferentes configurações. Entre as duas guerras, ainda sob o mandato britânico da Sociedade das Nações, assumiu a forma de uma guerra civil. Nos anos 30, os palestinos revoltaram-se contra a instalação de judeus em Israel e contra os britânicos que a facilitaram.
Depois da fundação do Estado de Israel, entre 1948 e 1973, o conflito assume a forma de um conflito clássico interestatal. Os palestinos desaparecem da equação e as grandes resoluções do Conselho de Segurança da ONU nem sequer os mencionam. O conflito é entre os exércitos regulares de Israel e dos Estados árabes. É o tempo da chamada “guerra israelo-árabe”. E das grandes vitórias israelitas: 1948, 1956 e, sobretudo, a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e do Yom Kippur, em 1973. A partir de então, o conflito muda uma vez mais de configuração e aproxima-se de uma guerra assimétrica entre as forças palestinas e o Estado de Israel. Este processo é acompanhado por uma dupla dinâmica: de desarabização do conflito e apropriação palestina da sua causa. Desde os acordos de paz de Camp David, em 1978, que, primeiro o Egito, depois os outros Estados árabes, se vão afastando do conflito. E em 1993, nos acordos de Oslo, são os próprios palestinos, através da OLP, que assinam a paz com Israel.
Em casa, enquanto Israel vai consolidando o seu poderio militar, os palestinos vão alimentado a sua revolta nas sucessivas intifadas 1987-1993 e 2000-2005. Uma coisa é certa: a desarabização do conflito e reapropriação palestina é acompanhada pelo desenvolvimento da guerra assimétrica. E é a retirada dos Estados árabes que permite a entrada do Irã. Em 1988, depois da guerra Irão-Iraque, o Irã decide substituir os Estados árabes no apoio à causa palestiniana e construir uma rede de influência regional de actores não estatais, explorando, precisamente, a guerra assimétrica: o Hamas; o Hezbollah; a Jihad Islâmica e os houthis.
Agora, como é que tudo isto vai acabar? Não sabemos. Mas há uma ou outra coisa que nós sabemos. Sabemos que a estratégia iraniana é de estabelecer uma articulação militar entre as várias frentes de batalha contra Israel através destes atores não estatais seus “proxis”, com o objetivo de cercar, desgastar e enfraquecer Israel. E, bem entendido, garantir o seu programa nuclear. E sabemos que a prioridade de Israel é combater o Irã e os seus “proxis”. Mas também sabemos que o 7 de outubro desencadeou uma reação brutal de Israel. Israel tem direito à legítima defesa. Mas desbaratou essa legitimidade na brutalidade da reação. A justeza dos objetivos não justifica a desproporcionalidade dos meios.
Gaza está arrasada, o Líbano invadido, o Hamas destruído e o Hezbollah decapitado. Há destruição física, milhões de deslocados, crise humanitária e milhares de mortes de civis inocentes. A destruição militar de uma organização terrorista não pode justificar a punição coletiva de um povo. Depois do assassinato de Nasrallah, o Irã estava perante um dilema: como calibrar as represálias? Ou se limitava a uma política declaratória, condenava veementemente, mas não retaliava e perdia a sua credibilidade política e a sua capacidade de dissuasão; ou respondia e atacava diretamente Israel. Decidiu retaliar. Arrisca uma nova guerra e, quem sabe, o seu programa nuclear.
Ver-se-á a resposta de Israel. Embora não pareça, o seu dilema não é menor. Israel tem avançado de vitória táctica em vitória táctica, mas não há vitória estratégica sem uma solução política. E até agora não se vislumbra qual seja. Nem para Gaza, nem para o Sul do Líbano. É que as operações militares são necessárias para ganhar a guerra. Mas não são suficientes para garantir a paz. Não haverá paz, enquanto não houver uma solução política para os problemas que persistem: a relação com o Irã e um Estado para a Palestina. A escalada está em marcha e assim não acaba bem. Não haverá paz e sem paz ninguém ganha esta guerra.
Começou há mais de um século. É um conflito que atravessou várias fases e diferentes configurações. Entre as duas guerras, ainda sob o mandato britânico da Sociedade das Nações, assumiu a forma de uma guerra civil. Nos anos 30, os palestinos revoltaram-se contra a instalação de judeus em Israel e contra os britânicos que a facilitaram.
Depois da fundação do Estado de Israel, entre 1948 e 1973, o conflito assume a forma de um conflito clássico interestatal. Os palestinos desaparecem da equação e as grandes resoluções do Conselho de Segurança da ONU nem sequer os mencionam. O conflito é entre os exércitos regulares de Israel e dos Estados árabes. É o tempo da chamada “guerra israelo-árabe”. E das grandes vitórias israelitas: 1948, 1956 e, sobretudo, a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e do Yom Kippur, em 1973. A partir de então, o conflito muda uma vez mais de configuração e aproxima-se de uma guerra assimétrica entre as forças palestinas e o Estado de Israel. Este processo é acompanhado por uma dupla dinâmica: de desarabização do conflito e apropriação palestina da sua causa. Desde os acordos de paz de Camp David, em 1978, que, primeiro o Egito, depois os outros Estados árabes, se vão afastando do conflito. E em 1993, nos acordos de Oslo, são os próprios palestinos, através da OLP, que assinam a paz com Israel.
Em casa, enquanto Israel vai consolidando o seu poderio militar, os palestinos vão alimentado a sua revolta nas sucessivas intifadas 1987-1993 e 2000-2005. Uma coisa é certa: a desarabização do conflito e reapropriação palestina é acompanhada pelo desenvolvimento da guerra assimétrica. E é a retirada dos Estados árabes que permite a entrada do Irã. Em 1988, depois da guerra Irão-Iraque, o Irã decide substituir os Estados árabes no apoio à causa palestiniana e construir uma rede de influência regional de actores não estatais, explorando, precisamente, a guerra assimétrica: o Hamas; o Hezbollah; a Jihad Islâmica e os houthis.
Agora, como é que tudo isto vai acabar? Não sabemos. Mas há uma ou outra coisa que nós sabemos. Sabemos que a estratégia iraniana é de estabelecer uma articulação militar entre as várias frentes de batalha contra Israel através destes atores não estatais seus “proxis”, com o objetivo de cercar, desgastar e enfraquecer Israel. E, bem entendido, garantir o seu programa nuclear. E sabemos que a prioridade de Israel é combater o Irã e os seus “proxis”. Mas também sabemos que o 7 de outubro desencadeou uma reação brutal de Israel. Israel tem direito à legítima defesa. Mas desbaratou essa legitimidade na brutalidade da reação. A justeza dos objetivos não justifica a desproporcionalidade dos meios.
Gaza está arrasada, o Líbano invadido, o Hamas destruído e o Hezbollah decapitado. Há destruição física, milhões de deslocados, crise humanitária e milhares de mortes de civis inocentes. A destruição militar de uma organização terrorista não pode justificar a punição coletiva de um povo. Depois do assassinato de Nasrallah, o Irã estava perante um dilema: como calibrar as represálias? Ou se limitava a uma política declaratória, condenava veementemente, mas não retaliava e perdia a sua credibilidade política e a sua capacidade de dissuasão; ou respondia e atacava diretamente Israel. Decidiu retaliar. Arrisca uma nova guerra e, quem sabe, o seu programa nuclear.
Ver-se-á a resposta de Israel. Embora não pareça, o seu dilema não é menor. Israel tem avançado de vitória táctica em vitória táctica, mas não há vitória estratégica sem uma solução política. E até agora não se vislumbra qual seja. Nem para Gaza, nem para o Sul do Líbano. É que as operações militares são necessárias para ganhar a guerra. Mas não são suficientes para garantir a paz. Não haverá paz, enquanto não houver uma solução política para os problemas que persistem: a relação com o Irã e um Estado para a Palestina. A escalada está em marcha e assim não acaba bem. Não haverá paz e sem paz ninguém ganha esta guerra.
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