segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Nos braços do povo

Os indignados brasileiros descobrem um novo herói


Entre as novidades da nova manifestação de protesto contra o Governo do Brasil, realizada neste domingo nos 26 Estados do país, o mais significativo foi que os brasileiros encontraram um novo herói. Mudaram seu antigo ídolo político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (considerado o novo pai dos pobres e que acabou seu segundo mandato com 85% de aprovação popular) pelo juiz Sérgio Moro, o Savonarola da justiça, o homem-aranha que está expondo as vísceras da corrupção política e empresarial na operação Lava Jato.

Enquanto a imagem do juiz Moro era exibida em toda a sua glória em cartazes e camisetas (“Je suis Moro” ou “Moro, não nos abandone”), Lula entrou desta vez com força na mira dos indignados, que o apresentaram como um boneco vestido de presidiário, ou com alusões mafiosas ao Poderoso Chefão e com manifestantes rasgando a imagem de seu rosto. Foi chamado até de “traidor”, com raiva dolorida.

Estes dois fatos, essa mudança de herói, talvez tenha sido mais significativa do que o grito de “Fora Dilma”, que ressoou por todas as ruas e praças ocupadas pelos manifestantes.

Que os brasileiros estejam insatisfeitos com o Governo, a quem culpam pela crise econômica que está afetando o bolso das pessoas, já era evidente antes das manifestações, uma vez que as pesquisas lhe dão míseros 8% de aprovação popular. E esta era a terceira manifestação nacional do ano contra sua gestão.

A novidade é que, pela primeira vez, a grande aposta da sociedade brasileira é a da luta contra a corrupção, contradizendo os que ainda defendiam que o Brasil se acomodava a ela, já que era algo característico da idiossincrasia deste país, refletida no famoso jeitinhobrasileiro.

Até o genial escritor, o falecido João Ubaldo Ribeiro, ironizava isso em suas crônicas sobre o assunto. Dizia que era difícil que a corrupção indignasse os brasileiros, já que o sonho de muitos deles era “ter um corrupto na família” que aliviasse seus apuros econômicos.

As manifestações do domingo resgataram a consciência contra a corrupção com seu apoio ao juiz Moro para que continue a limpeza ética, prendendo os corruptos para que o Brasil possa ser um “país decente”, diziam os indignados.

A investida contra o herói Lula, contra Dilma Rousseff e o partido dos dois, o Partido dos Trabalhadores (PT), está relacionada justamente com a descoberta do novo herói Moro, que mantém na prisão figuras de destaque do PT, acusados não só de ter usado dinheiro ilegal para financiar o partido mas de terem enriquecido pessoalmente.

Lula, considerado não só o fundador como a alma indiscutível do PT, sem o qual, dizem, desapareceria, se vê hoje arrastado pela mesma onda de indignação popular contra a corrupção.

Se um dia o Brasil se vestia do vermelho do PT nas manifestações de rua, impensáveis sem sua presença, hoje os brasileiros mudaram de cor e adotaram o verde e amarelo que domina todas as manifestações. Seria possível dizer que o Brasil encontrou o gosto de ser só brasileiro.

Os analistas veem isso como uma evolução da sociedade e uma importante tomada de consciência de que o Brasil é mais do que um partido, por mais importante que este seja, como o PT, com seu apoio às políticas sociais e suas promessas de trazer ética à política.

E é seguramente esse sentimento de traição o que se começa a respirar cada vez com mais força nas manifestações e que tocou em cheio desta vez seu velho herói, o ex-sindicalista Lula.

Não é fácil profetizar até onde chegarão esses sentimentos de desgosto contra a corrupção política do homem da rua.

Mas foi tão absoluta a rejeição à corrupção que até mascarou, em parte, as críticas à grave crise econômica.

O futuro imediato dependerá agora de se há alguma força política que possa herdar, com credibilidade, o legado do herói hoje ferido, mas que continua vivo e ainda pode trazer surpresas.

E Rousseff? O que se diz é que ela é Lula. Respira por sua boca. Os dois se salvarão ou afundarão juntos.

Por hora, a rua tem ainda muito a dizer e o jovem e sério juiz Moro (para quem é difícil rir, um herói que é o extremo oposto do efusivo, carismático e exuberante Lula) tem ainda muitas teias de aranha para arrancar, o que faz Brasília tremer.

Melhor, portanto, que o Governo e os partidos, assim como o Congresso, não caiam na tentação de minimizar os gritos dos indignados que, em um país considerado um dos mais violentos do mundo, deu um exemplo inequívoco e admirável de não violência, transformando o duro protesto em uma festa popular, muito à brasileira.

E contra os não violentos, a força do poder, ou o poder da força, acaba sempre se chocando.

O grito dominical


Hoje é domingo, dia de manifestação. Dia singular, pois podemos sair às ruas e dizer em alta voz o que queremos para o país. Digo singular porque o grito nas ruas nos libera do esforço, construindo mediações nas relações cotidianas. Outro dia, ia entrevistar um prefeito do PT no interior a propósito de algo muito positivo que acontece em sua cidade. No entanto, eu me vi planejando uma pergunta indispensável, com o máximo de diplomacia: “O que o senhor acha dessas coisas que acontecem com o PT?”

Entre amigos, às vezes, a discussão sobre política vai para a sobremesa. Mesmo reconhecendo o desastre do projeto do PT, há os que ainda, sentimentalmente de esquerda, temem as mudanças. Nesses casos, é possível uma abstração ainda maior, quando tocamos no tema:

— Está grave a crise.

— Gravíssima.

É um diálogo parecido com os ouvidos no interior:

— Compadre, vem chuva.

— Vem não, esse vento engana.

— Olha que vem, compadre.

A partir de um grito coletivo, como o de hoje, sem ferir a sensibilidade do outro, será mais fácil demonstrar que não é possível, nesse momento, deixar de considerar uma solução para a crise.

Sou pela saída de Dilma. Não tenho meta: impeachment ou renúncia. Mas quando chegar a essa meta, desejaria dobrá-la e levar também Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Essa frase de não ter meta e dobrá-la ao atingi-la me lembra o zen-budismo. Uma de formas de transmissão de seus ensinamentos é o koan, de um modo geral uma frase desconcertante: ouvir o batido da palma de uma só mão.

Dilma é uma mestre zen que tomou um porre de saquê. Uma boa razão para segui-la. Outro dia, em Mumbuca, no Jalapão, os fiéis saíram do culto na igreja local e comeram uma imensa bacia de mandioca. Logo depois, passei por uma casa em que a mulher raspava a mandioca e os filhos a molhavam e amassavam. Saudei os produtores de mandioca. Se saudasse apenas a própria, podiam não entender. Cumpri meu dever cívico.

Respeitosamente, portanto, analiso os caminhos da queda. O impeachment é algo feito nas instituições. É preciso alguém investigar as contas, tribunal julgar, advogados pra cá, advogados pra lá, enfim, algo que corre muito longe do alcance de um indivíduo. Só podemos vigiar e cobrar. Já a renúncia depende mais da sociedade, de suas formas de demonstrar que não quer ser governada por ela. Dilma tem 8% de aprovação. Existem duas maneiras de ver seu futuro. Ela pode se convencer do movimento declinante e, num gesto de grandeza, renunciar. Ou ela pode chegar a 1% de aprovação e também, num gesto de grandeza, renunciar, dizendo: “Nunca um presidente será tão impopular como eu”.

Ela terá de escolher entre entrar para a História ou para o “Guinness”. Isso não significa subestimar o caminho institucional do impeachment. Apenas fazer o que está ao alcance da sociedade. Dependem dela o ritmo e a intensidade da pressão sobre Dilma.

Dá uma certa ansiedade ver o Brasil sem rumo. Dilma mostra que ganhou o apoio da UNE e do MST. Agora vai. Fechada no gueto, promove atos cirurgicamente preparados para evitar protestos. Apenas uma forma de dizer que está viva. Os jornais falam que Renan Calheiros foi chamado a salvar Dilma. Mas quem salvará o salvador? Renan está implicado na Lava-Jato e ainda corre aquele processo em que empreiteiras pagavam a mesada de sua bela amante.

Essa dança de encontros em Brasília é, na verdade, um ritual vazio, destinado a jogar areia nos olhos da plateia. Todos sabem que a polícia está chegando e que a crise econômica não se debela com algumas medidas anotadas no guardanapo do bar. A mais recente aparição de Dilma foi em Roraima. Ela estava inaugurando casas. O discurso sobre a casa é mais patético que os outros porque faz sentido, é possível detectar alguma lógica nele.

Dilma evoluiu e já está em condições de escrever sua primeira composição infantil. Segundo ela, na casa mora a família, as pessoas comem, têm laços afetivos, amam suas crianças. Ela viajou tanto para fazer esse discurso espontâneo mas também para justificar o recado ensaiado sobre sua capacidade de resistir a pressões. Vestiu de novo a máscara da militante com vontade de ferro, uma reminiscência stalinista na esquerda armada latino-americana. Ela confunde o momento da ditadura com a aspiração popular de acabar com a roubalheira e retomar o curso de nossa vida republicana. Confunde panelaço com pau de arara, rejeição política com tortura.

Congelados num momento histórico de resistência, prosseguem na vida como se cada dia fosse uma oportunidade de mostrar heroísmo, coragem e coração valente. Um coração valente não dispensa uma cabeça pensante, sobretudo no momento de crise. Dilma já consegue escrever um parágrafo sobre a casa. Não consegue entender uma vírgula do processo histórico.

Compete a cada um de nós mostrar que esse sistema criminoso de governo chegou ao fim. O momento é de abrir a janela para o sol e o ar puro. Respirar de novo.

Fernando Gabeira 

A hora do Brasil


Dilma não completou um ano de governo, mas o clima é de fim de festa. Escrevo este artigo antes das manifestações marcadas para ontem, dia 16 de agosto. Espero que tenham sido pacíficas, e não contaminadas por grupos ideológicos interessados em aprisionar os sentimentos da sociedade e inibir protestos democráticos legítimos. O que quer que tenha acontecido, caro leitor, ninguém conseguirá silenciar o grito de indignação do brasileiro honrado e trabalhador, mas profundamente revoltado com a gangue mafiosa que tomou conta do Estado brasileiro. Dilma Rousseff está agonizando, isolada no seu desligamento da realidade, na sua penosa arrogância, no desgoverno provocado por sua incompetência, acuada pelos resultados evidentes do maior estelionato eleitoral da nossa História, desmentida pela força dos fatos e dos números, a presidente da República só tem uma saída digna: a renúncia.

Dilma Roussef, não nos iludamos, é uma peça pequena, quase inexpressiva, de uma engrenagem perversa de perpetuação do poder montada pelo ex-presidente Lula e pelo PT. Armado de um cinismo que se aproxima do ridículo, Lula ensaia críticas ao seu partido e tenta assumir a posição de uma vestal. Não cola. Todos, até mesmo os mais ingênuos, sabem Lula está no topo da pirâmide. É o chefe.

Vivemos um momento difícil e perigoso. Os assaltantes do dinheiro público e os estrategistas do projeto de perpetuação no poder, fortemente atingidos pela solidez das nossas instituições democráticas, não soltarão o osso com facilidade. Farão qualquer coisa para não perder a boquinha. O clima não está legal. O País está radicalizado graças à luta de classes tupiniquim do “nós e eles”. Há riscos no horizonte. Mas precisamos acreditar no Brasil e na capacidade de recuperação da nossa democracia. A sociedade amadureceu. O exercício da cidadania rompeu as amarras dos marqueteiros da mentira. E a imprensa, o velho e bom jornalismo, está mostrando sua relevância para a sobrevivência da democracia e das liberdades.

Lula e Dilma são responsáveis pelo descalabro da Petrobrás. Diante das surpreendentes proporções do esquema de corrupção armado dentro da maior estatal brasileira com o objetivo de carrear recursos para o PT e seus aliados, não surpreende que os dois presidentes da República no poder durante o período em que toda essa lambança foi praticada soubessem perfeitamente o que estava ocorrendo.

Dilma Rousseff foi reeleita legitimamente presidente da República. Isso não significa, por óbvio, admitir barreiras protetoras absurdas ou chancelas de impunidade. Todos, incluídos a atual presidente e seu antecessor, podem e devem ser responsabilizados e punidos por seus atos.

Chegou a hora do Brasil!

Dando jeito no jeitinho

Que lugar complicado! Obcecado com o curto prazo, sempre perde de vista o futuro. Imediato ou distante. Reivindica títulos de valor duvidoso, ou, quase sempre mais precisamente, enganoso. Orgulha-se do jeitinho.

E do jeitinho vem tudo. Soluções simples complicadas e erradas são encontradas e propostas com facilidade. Enquanto isso, problemas complexos e reais seguem sem solução. Jeitinho é pragmatismo míope, ou mesmo cego.

É desta maneira que questões são debatidas de maneira superficial e soluções propostas com data de expiração próxima e marcadas. Discussões em tornos de princípios, nem pensar. Princípios atrapalham. Especialmente se forem morais e éticos.


A preocupação em fazer o certo rareia e escasseia, quando existe. Abunda o interesse em soluções fáceis, convenientes que, de preferencia, mude para ficar no mesmo. Possibilidades são explicadas através da apresentação de falsos dilemas. De pragmatismos mancos e raciocínios limitados.

Diante da total ausência de princípios, fica mesmo improvável que o resultado seja bom. Talvez (ou também) por isso, seja tão aceita a ideia de que combater ilegalidade traz transtornos. Nada mais falso. Transtorno vem sim da pratica prolongada de ilegalidades que roubam de todos para dar para alguns.

Por inconveniente que seja a substituição de autoridades, a qualidade da sucessão não é critério algum para orientar ações. Nestes casos, o grande pecado é a inação, a impunidade, a preservação do status quo.

Governabilidade flui da credibilidade. E esta deve-se conquistar manter e preservar através de ações e palavras consistentes entre si. Quem quer melhorar, enfrenta os desafios práticos apoiando-se em princípios sólidos.

Qualquer coisa diferente disso é quebra-galho, esparadrapo, solução temporária. Jeitinho, enfim. Já é tempo de o país do jeitinho mostrar que tem jeito.

Atos contra o governo têm boas e más notícias


A nova rodada de protestos de ruas contra Dilma Rousseff trouxe boas e más notícias para todos os envolvidos na complexa dança da crise política e econômica que engolfou o país desde a reeleição da presidente em outubro de 2014. Como em quase tudo na vida, é questão de ponto de vista avaliar os prós e contras deste domingo (16). Ao atores, pois:

Sob a ótica palaciana, a boa notícia é que os protestos foram grandes, mas não gigantescos a ponto de deixar o Planalto de cabelo mais em pé do que já está. Há protestos espraiados por todo o país, com destaque a algumas cidades do Nordeste que paulatinamente abandona o PT, mas o grosso da manifestação está no esperado eixo São Paulo-Rio-Brasília.

Há a percepção de que o protesto virou um programa de domingo, seja de ricos ou de pobres, o que seria natural com um governo com avaliação positiva de apenas 8% (segundo o mais recente Datafolha). Um evento dominical e sazonal, que transforma a pressão sobre o Planalto em algo que vem das ruas apenas de forma periódica –nada de “vigílias cívicas” ou a constância dos meses finais de Collor na Presidência em 1992.

O lado negativo para o governo é justamente a existência desse movimento e sua perenidade, além de uma maior capilaridade. O descontentamento poderá ser canalizado a eventos pontuais, mas nada garante que uma nova revelação advinda da Operação Lava Jato contra o governo ou algo do gênero não catalise essa energia para algo um ato maior.

Neste caso, seria o pior dos mundos para o Planalto, porque Dilma, Lula e o PT são o foco exclusivo dos protestos agora e já lidam com uma montanha de problemas; há uma semana, o que se discutia em Brasília era como seria um governo Michel Temer –o vice peemedebista de Dilma.

Se os protestos deste domingo são contra o governo, mas não claramente de nenhuma força organizada, é preciso ressalvar que enfim a oposição constituído enfim conseguiu colocar um pezinho no barco. O grupo do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que por ter sido o homem que quase derrotou Dilma em outubro deveria teoricamente estar à frente de mobilizações como estas, enfim desceu do muro e colocou sua cara –na figura do próprio ex-presidenciável tucano.

Naturalmente foi algo calculado, já que o próprio senador temia o efeito da exposição. Em eventos passados houve rejeição a políticos em carros de som e palanques. Neste domingo, em seu elemento mineiro, Aécio conseguiu aparecer sem sofrer apupos.

Por outro lado, essa vitória discreta não escamoteia o fato de que a oposição segue a reboque das ruas e sem saber exatamente como lidar com o estoque de dinamismo antigoverno à disposição. Isso tem muito a ver com a falta de um discurso claro e a contaminação do humor da rua pelo “espírito de junho”, que desde as megamanifestações daquele mês de 2013 apontam para um descontentamento generalizado e de caráter apartidário: todos são alvos potenciais.

Não por acaso, a novidade nas ruas foi o apoio ao trabalho do juiz Sergio Moro, condutor da Lava Jato, e não o de algum político de oposição.

Como dito acima, o protesto parece cristalizar-se no cenário urbano à exemplo das mil e uma “manifs” que os parisienses encaram toda semana. A diferença, além da agenda aqui monotemática (o “Fora Dilma” e derivados), é a desarticulação de todos os grupos envolvidos e, por ora, a falta de uma barriga dentro das estruturas convencionais de poder que abrigue tal semente de protesto. Não está nada dado, apesar do teste de hoje, que a oposição formal tenha capacidade de direcionar esse foco.

Por ora, é o caso de acompanhar a ascensão, ou não, da figura do juiz Moro como novo portador da vontade popular. Isso foi tentado com Joaquim Barbosa por atores políticos interessados em tornar o ministro do Supremo que relatava o mensalão com dureza em candidato a algo. Não deu certo, até porque Barbosa é um inconformista e, enfim, porque o momento de crise era muito diferente. Hoje temos um governo à espera de um motivo claro para cair, nada semelhante ao que Lula e Dilma enfrentaram durante o processo do mensalão.

Esta banalização do protesto tem elementos novos. Atos sazonais e que dependem de mobilização na internet parecem condenados ao mesmo escaninho da análise dos “curtir” do Facebook: aglutinadores de pessoas que pensam parecido e que falam uns para os outros a mesma “verdade”. Galerias de fotos serão preenchidas com gente orgulhosa de ter ido para a rua, mas cujo poder de sedução por ora não parece ultrapassar a sua “timeline”.

Nada diferente, portanto e apenas aparentemente, de tantos “eventos” virtuais que reúnem algumas dezenas de hipsters e esquerdistas afins sob alguma causa bonitinha. Só que com uma diferença fundamental: trata-se de um potencial de mobilização que ultrapassa o sindicalismo pago para estar nas ruas no dia 20 em favor do PT. Qualquer estopim parece ter o poder de ampliar seu escopo, sob a causa comum de rejeição ao governo.

A voz do dono


As manifestações não foram monumentais nem acanhadas demais. Nada houve de anormal: a sociedade protestou, disse o que quis, cabe ao governo agora dizer o que ela quer ouvir. Ou melhor, fazer o que dele se espera.

E o que pede o País? No mínimo, um governo eficiente que não deixe explodir a inflação que a todos infelicita, e se conduza a partir de razoáveis padrões de moralidade a fim de distanciar o aparelho de Estado de assaltos às mãos armadas das ganâncias do poder.

Acordos, como os feitos na semana passada, rendem boas fotos, mas não necessariamente produzem resultados nem apresentam garantias de durabilidade. Aos congressistas, banqueiros e governantes de “boa vontade” falta combinar com a insatisfação das pessoas, fartas das mentiras e revoltadas diante da devastação moral, legal e social em que os governos do PT mergulharam o Brasil.

Numericamente, as manifestações de ontem foram menores que as primeiras, de março, e um pouco maiores que a penúltima, de abril. A dimensão pode servir ao Planalto como argumento. Frágil, no entanto. A quantidade de gente que saiu ou ficou em casa não determina o grau de descontentamento das pessoas.

Se não resolver mais uma vez negar a realidade, alegando que os protestos não representam a opinião da maioria, suas excelências governistas haverão de registrar uma diferença essencial: antes dispersas, as manifestações de ontem apresentaram palavras de ordem bem definidas.

Concentraram-se no pedido de interrupção do mandato da presidente Dilma Rousseff e introduziram dois personagens na história. O ex-presidente Luiz Inácio da Silva, de maneira negativa, e o juiz Sérgio Moro, de forma positiva.

É a voz do dono (do voto) dizendo que rejeita a governante que praticamente acabou de reeleger e também que cansou da falação enganosa de Lula e que apoia a firmeza do desenrolar da Operação Lava Jato. Escolhe homenagear, outra vez, o magistrado, como antes havia posto na mesma posição o então ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa.
Em matéria de herói, fica melhor o Brasil com uma figura que simboliza a Justiça do que com o mau-caratismo malandro de Macunaíma.

Bravateiros e boquirotos

Bobos. Só na letra B. Posso falar mais, descrever ainda melhor, e de A a Z. Fanfarrões, velhacos, papudos, embusteiros... Os carrapatos do poder - que não são o poder em si, vejam bem, não são - estão se movimentando para não desgrudar do corpo que os amamenta, onde estão atarracados com as perninhas grudadas. Resolveram tocar o terror. Teve até um gorducho celerado ameaçando irem para a "rua, entrincheirados, com armas na mão, se tentarem derrubar a presidente". Brincando de bravo, brincando com o fogo, brincando com a língua solta. Vão fazer o quê? Dar bengaladas?

-"Nós não vamos deixar"- ouvi essa semana, dito em tom ameaçador em um programa político pelo rádio, de um partido de esquerda que conheço bem, por um trecho da história que não vem ao caso agora. Sim, era um partido atuante, ligado à derrubada da ditadura militar, e no campo. Foi no braço, na briga, no perigo, armados, perdendo amigos, na guerrilha, na paz e na guerra, que todos fizemos a luta que matou a ditadura, há mais de 30 anos. Põe ano nisso. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Outra.

Por favor, que o momento é sério e não é para chistes, brincadeiras de criança malcriada. Estão se fazendo de bobos, ou o que? Estão fazendo muxoxo dos protestos por causa de que? Estão com medinho mesmo? O que é que ainda não deu para entender? Imaginamos, em um último voto de confiança, que não sejam tão burros assim; pelo menos em suas consciências.

Para você aí, cheio de medos e emburradinho, didaticamente, vamos desenhar e passar slides coloridos: não tem jeito. Os protestos são contra tudo mesmo, porque está tudo errado e toda a sociedade precisa ser reorganizada. A atual presidente mentiu para se eleger. Mentiu feio, cara de pau. Hoje amarga uma rejeição histórica, vinda também de mulheres que acreditaram que poderia ter sido diferente, esperavam sucesso. Roubaram nossa carteira, com documentos e tudo, juntaram muito dinheiro e se divertiram às nossas custas, do nosso ouro negro, e todos os dias dos últimos meses ficamos sabendo de coisas cada vez mais cabeludas. O tal partido dos trabalhadores se transformou numa fábrica de corrupção, e os grandes líderes estão ou já vão já-já para o xilindró. A política econômica, a política legislativa, as políticas públicas, parecem ser a dança dos malucos, esses sim atirando para todos os lados medidas inócuas ou assustadoras e sem planejamento. Aliás, falta de planejamento é a doença mais comum aos governantes de estrela no peito, veja São Paulo. Os sem estrela, mas com bico, também não estão nada bem em nenhuma fita. Estamos sem lideranças, andando para trás. Tem conservadores horrorosos e atrasados se criando, tal qual bactérias, fungos. Quer mais um parágrafo ou posso parar por aqui mesmo? Se liga! Vamos buscar uma solução. Elas existem.

E aí vêm uns e outros garganteando. "Nós não vamos deixar"...

Vão fazer o que? - Pergunto de novo. Comprar balas usando o dinheiro do Fundo Partidário? Empréstimo consignado de servidor público? Mais vaquinhas que tossem? Assaltar bancos passando pelas portas giratórias? - lembrem que hoje próteses apitam. Jurar que a crise não existe, talvez seja um delírio coletivo? Hipnose? Vão misturar bolinhas de sabão na água? Ou vão continuar maltratados, usados apenas como escada, arrogância, porque é assim que o PT trata inclusive seus mais próximos? Por uns carguinhos? Cá entre nós, e que não nos ouçam, o partido (nossa esquerda...) não amealhou muita carne nova e não consigo mesmo ver vocês, lustrosos avós, pegando em armas. Vejam bem. Ela não gosta de ninguém. Não vale a pena não pegar o metrô da história.

Quando vamos às ruas, quando escrevemos, estamos guerreando sem armas, tirando a bunda da cadeira, se me permitem - sabendo que redes sociais ainda escondem a realidade. A apatia nos será altamente prejudicial - só se muda a direção com ventos mais fortes que precisam ser soprados. Ninguém quer golpe; mas a rota precisa ser retomada e para isso precisamos ir lá abrir o livrinho da Constituição, ver qual remédio pode ser prescrito, seguir a receita. E rápido.

O que a gente não pode é continuar calados assistindo apoios comprados com nossos dinheiros, bravatas ditas em encontros oficiais e sendo aplaudidas por uma aturdida presidente que não defende nem os seus próprios ministros. Se continuar fazendo corpo duro vai ter de viver em casulos como os que esfregou essa semana, falando abóboras para as trabalhadoras rurais, frases feitas e sem pé nem cabeça para as sociedades e instituições, organizadas, mas cada vez mais esvaziadas. 


Finalmente, quanto a esse Vagner Freitas, da CUT, central sindical que infelizmente comanda minha profissão, no sindicato e na federação, anotei mais uns adjetivos para nomeá-lo: treteiro, pernicioso, nocivo, pernóstico, lesivo. De araque. Truco. E da próxima vez que não conseguir segurar a língua dentro da boca como fez essa semana, não tenta vir com esse lero-lero de dizer que usou figura de linguagem. É patético.
Marli Gonçalves 

A corrupção enfim no seu devido lugar

Existe nos estudos de teoria da História uma divergência nas análises dos teóricos sobre a forma como entender os fatos que se desencadeiam no tempo: a primeira forma são as noções de ruptura e continuidade na historiografia, enquanto a segunda é a noção de um movimento contínuo da história, em que não haveria nenhuma ruptura, mas sim oscilações com intensidade maior ou menor conforme os fatos e as respostas a estes fatos fossem acontecendo.

Estas duas possibilidades de interpretação do tempo e dos eventos na História – mesmo que a primeira já esteja superada para alguns teóricos – se encaixam muito bem a interpretação da História do Brasil, principalmente à história mais recente.

Poderíamos pensar a atividade de inúmeros representantes políticos no Brasil como uma continuidade. Ou então, pensar alguns momentos decisivos da nossa história que possuem marcos de ruptura. Ou ainda, pensarmos a história do Brasil recente através de uma leitura contínua, em que acontecimentos ora ganham importância ora diminuem na medida em que os fatos vão sendo apurados.

Dos dois casos, prefiro a interpretação de uma continuidade histórica, cotejada por elementos mais ou menos importantes numa leitura do todo.

Em “O 18 Brumário”, a frase emblemática de Karl Marx – “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa” – ilustra muito bem as duas interpretações teóricas do tempo na História.

Pela primeira vez na história do país a corrupção está passando por uma inspeção criteriosa e direta em busca dos grandes mentores de um esquema escuso que tem sua origem no século XVI, já na colonização portuguesa – quando funcionários públicos efetuavam um comércio ilegal de produtos brasileiros, transgredindo as ordens da Coroa.

Liderada por juízes de alta índole, as diversas operações de “limpeza” do sistema político e econômico brasileiro colidem, diariamente, com personalidades políticas que são bastante conhecidas do público em geral. Figuras como José Dirceu, Fernando Collor de Mello, Eduardo Cunha, José Genoíno, entre outros, são personalidades repetidas nos noticiários. No entanto, a primeira vez que tomamos conhecimento deles foi como tragédia. Agora, ao vemos como uma farsa da nossa política.

Há cerca de uma semana todos os livros de História do Brasil se tornaram incompletos de uma maneira pouco vista. Não mais de punho cerrado, sem o sorriso sarcástico de 2013, José Dirceu foi novamente levado pela Polícia Federal em Brasília à penitenciária. Agora na Operação Lava Jato, não mais pelos escândalos do Mensalão, Dirceu é um dos maiores representantes do que tenho chamado aqui de uma continuidade da história do Brasil. Por ser adepto da interpretação histórica de oscilações dos acontecimentos numa linha de tempo imaginária, vejo o ex-ministro da Casa Civil como um marco da nossa história, uma metáfora das últimas décadas da política brasileira recente, pois outrora foi símbolo de defesa da democracia em meio a uma ditadura militar, imortalizado mostrando os punhos algemados em foto com outros 14 presos políticos que seriam trocados pelo embaixador norte-americano Charles Elbrick. E hoje…

De toda a nossa história, vivemos hoje o momento mais auspicioso da política. Pode parecer contraditório o que escrevo,até mesmo passível a inúmeras críticas, mas se nos detivermos mais aos resultados das operações e menos as atividades perpetradas pelos políticos, muitos leitores me darão razão.

Quando tivemos tantas operações de caça à corrupção e aos corruptores no Brasil? Em que outro momento as mídias puderam revelar tantos casos de políticos ladrões e, ao mesmo tempo, noticiar prisões destes mesmos figurões?

Somos um país embalado pela cordialidade, educado pela falácia de uma democracia racial e amadurecido à custa da desigualdade, em todas as esferas. É de se comemorar, mesmo que em nome de uma crise também nunca vista, que estejamos vivendo um país em que a corrupção esteja sendo tratada no seu devido lugar: as primeiras páginas dos jornais.

Em resumo: Fora PT


Uma pergunta, duas constatações e uma curiosidade sobre as manifestações deste domingo, 16 de agosto.

A pergunta: quem serão os heróis do povo brasileiro escolhidos para, com a cara de pau que o lulo-petismo domina tão bem, ir à TV e aos jornais dizer que as manifestações foram pequenas, de grupos reduzidos de representantes da classe média que não reconhecem as conquistas do governo popular, e que o Dilma Rousseff está firme e forte, a inflação está sob controle e o desemprego, em baixa?

Será o Rosseto? Será o Cardozo? O Mercadante? O Edinho Silva? Será o próprio Lula? A Dilma coração valente, talvez?


Ah: resolveram não falar nada. Engoliram em seco. Ficarão quietos – pelo menos hoje.
***

A primeira constatação, curta e grossa, factual: não importam os números que estão sendo ou serão divulgados pelas Polícias Militares dos Estados, ou as estimativas dos próprios organizadores. O que importa é o fato incontestável: estas são as maiores manifestações populares desde o Fora Collor.

Quem se negar a enxergar isso não é apenas igual ao avestruz. É cego, e tem imensa má fé.

A segunda constatação é mais pessoal, subjetiva. Uso uma imagem bélica, tão de agrado dos lulo-petistas: eles, os das bandeiras vermelhas, são o exército da Roma Imperial comandados por Crasso. Nós somos que nem as hordas chefiadas por Spartacus, que queriam se libertar do jugo do poder romano.

Explico a imagem, que me vem do filme extraordinário de Stanley Kubrick, de 1960.

As fotos da manifestação chapa-branca diante do Instituto Lula mostram centenas de pessoas organizadas, com camisetas iguais, bandeiras iguais. São como um exército regular. Reparem que não há ali vendedor ambulante, não há ninguém vendendo água, refrigerante, cerveja: as centúrias organizadas ganham lanche na cantina, na hora certa.


Trinta ônibus foram custeados pelo Sindicato dos Metalúrgicos para levar os organizadíssimos e bem pagos soldados do lulo-petismo ao Instituto Lula.
Já a manifestação contra o lulo-petismo é uma zorra, uma bagunça infernal. Há 43 tipos de camisetas diferentes, porque não há uma organização central fornecendo material. É cada um por si. Cada um se arruma como quer. Cada um custeia sua roupa, sua condução, seu lanche

Uma camiseta nova surgiu hoje, dizendo uma frase tipo assim: “Não ganhei pixuleco nenhum para estar aqui”.

Cada um faz seu cartaz. Não há aquela coisa organizada, pré-fabricada, o comitê central deliberou e mandou fazer 200 cartazes iguais. Não: é tudo improvisado, tem um jeito pessoal. É anárquico, é plural.

E é tudo, absolutamente tudo, uma bagunça generalizada: como não há general Crasso dando ordem de comando, a massa vai pra lá, volta pra cá, indistintamente. É tudo uma zoeira – porque é espontâneo. Não há tutela estatal, sindical, cutiana. Há vendedor ambulante vendendo todo tipo de coisa.

É uma maravilha ver a quantidade de crianças que os pais levam para participar da manifestação. Afinal, em boa parte é em nome deles que queremos resgatar, tomar de volta o país tomado de assalto pelo lulo-petismo. Queremos todos um país melhor para nossos filhos e netos.

Fiz umas 30 fotos de detalhes que mostram essa zorra, essa bagunça, essa maravilhosa anarquia da Avenida Paulista, e botei num álbum no Facebook. 

Sem qualquer modéstia, acho que ficou bem legal.

No meio da bagunça, cabem sorrisos, piadas, caras boas, animação, bom humor. Não estive no Ipiranga, diante do Instituto Lula, mas não imagino que a cumpanheirada esteja muito alegre.

Somos o povo oprimido.

Eles são o Exército Imperial.
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Uma curiosidade: um petista resolveu peitar a multidão de coxinhas.
Sujeito de imensa coragem.

Mora no Baronesa de Arary, na esquina de Paulista com Peixoto Gomide, junto do Trianon, na diagonal do Masp. Sua janela dá de frente para a Paulista, ali pelo 18º andar, algo assim.

Cheio de brio e amor por seu partido, ali pelas 16h30 botou uma camisa vermelha para fora da janela, .

A multidão de coxinhas vaiou estrepitosamente. Vocês sabem, né?, os coxinhas burgueses zelite de zóio azul somos muito bem alimentados, e temos pulmão forte.

O bravo petista continuou fazendo tremular a camiseta-bandeira vermelha. Um herói do povo brasileiro.

Interessante foi que, logo acima da janela dele, alguém botou pra fora uma bandeira do Brasil.

O locutor do carro de som que estava postado exatamente naquele ponto da Paulista com Peixoto Gomide era um sujeito de algum jogo de cintura. Falou com o petista que nós, os manifestantes, democraticamente respeitamos a opção dele. Pena é que ele tenha sido traído pelos chefes de seu partido, que estragaram o país, roubaram, e coisa e tal.

A multidão, ensandecida, tinha gritado “pula, pula, pula”.

O locutor tinha jogo de cintura, mas estava, como todos os brasileiros estamos, contaminado pelo espírito de Fla x Flu, nós x eles, e então saiu-se com o seguinte: – “Mas, amigo, não pule, não, porque se você pular vai machucar algum destes brasileiros decentes que estão aqui lutando por um Brasil melhor.”

Ô meu Deus!

Como diria o Ancelmo Gois: calma, gente!