quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Do passado não virá nada

Na sua indigência de heróis, na sua ancestral ressaca de injustiças, o Brasil consola-se olhando obsessivamente para trás, procurando vingança mais do que esperando justiça. A Lava Jato avança, mas por caminhos tortos, sempre com uma nota de arbitrariedade, sempre com prejuízo da segurança jurídica. “Corrigem-se” provisoriamente pessoas selecionadas, mas não se corrigem instituições. O País faz força para se agarrar a essa esperança, mas não há no ambiente o brilho da iminência da chegada do novo nem qualquer indicação de que o Brasil que sairá dessa purgação será essencialmente melhor que o que entrou.

Mesmo assim a operação é mantida sob cerco. Um por um, os divergentes vão sendo cooptados. Ninguém ergue a mão contra Curitiba; “paga-se um mico” aqui e ali, mas os subornados e os subornandos da nova e da velha-guarda continuam tocando a vida exatamente como sempre, enquanto resistem molemente à Lava Jato, à espera de que se extinga pelo cansaço.

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Poderia mais uma vez dar certo se só de pessoas se tratasse. Mas desta vez é diferente. O caso é de vida ou morte. Tudo foi longe demais. A crise não é financeira, é estrutural. A economia continua em parafuso, a arrecadação continua em parafuso. O caos a que o País se acostumou das muralhas do Estado para fora já invadiu o pátio desse último reduto da estabilidade, e continua a subir. Só as torres do poder seguem incólumes, mas não por muito tempo. Placebos e drogas paliativas, a sombria matemática de cada mês confirma, não fazem mais efeito. Não há saída senão por ações muito concretas. As reformas da Previdência e trabalhista são essenciais, mas não bastam. O Brasil Oficial, obeso, não voltará a caber no Brasil Real, esquálido, senão passando por um regime de emagrecimento radical.

Custaria muito menos, aliás, do que se quer fazer crer. Há tanta gordura sobrando nas camadas mais altas do poder que não faltaria muito a ser feito se apenas enquadrássemos esse segmento na lei. A questão é que, se houve algo que esse pessoal fez com absoluta competência, foi tornar ilegal exigir-lhes respeito à lei.

Há um STF de boa vontade procurando saídas. Foi o que repeliu com a figura jurídica do “desvio de finalidade” os dribles que Eduardo Cunha, primeiro, e Lula, quando nomeado para a Casa Civil como Moreira Franco agora, tentaram dar na lei. Mas há também o outro que se encolhe para ministrar o mesmo remédio corporação adentro quando ela invoca a autonomia dos Poderes para multiplicar os próprios privilégios. Ainda assim, ficou indicado um caminho. Promover um grande “realinhamento de finalidades”; convocar um mutirão cívico-jurídico para limpar a Constituição com a própria Constituição, escoimando-a de tudo o que não sejam direitos válidos para todos, seria tarefa fácil para os grandes acrobatas do argumento que se sentam naquela Corte se houvesse vontade política para tanto.

Mas vontade política não se põe, se impõe. O problema desta nossa “democracia” obsoleta é o mesmo da Roma de há mil anos: o completo desligamento dos representantes dos seus representados e a corrupção que esse distanciamento engendra.

A força da Nação já se provou irresistível. Ela pode qualquer coisa que se decidir a fazer. A rejeição a esse Brasil do passado, contra o qual tantas vezes marchou, é unânime, mas falta uma referência para dirigir todos os olhares para o futuro; algo sólido o bastante para merecer ser perseguido.

Pois essa referência existe. As ferramentas de “democracia semidireta”, juntando o melhor de Atenas com o melhor de Roma, põem os pacientes das instituições urdidas pelos representantes eleitos em condições de levar-lhes, tantas vezes quantas entenderem necessário, “propostas às quais eles não possam resistir” para aperfeiçoá-las. Inventado na Suíça nos meados do século 19 e transplantado para os Estados Unidos na virada para o 20, esse método de afinação compulsória de “vontades políticas” vem resgatando populações inteiras da opressão, da corrupção e da miséria há mais de 150 anos. É o antibiótico das doenças políticas. É graças a ele que funcionam as democracias que funcionam.

Compõe-se de três elementos simples. O direito de convocar, por iniciativa popular, referendos de confirmação ou rejeição das leis aprovadas nas Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas, o de formular e impor leis de iniciativa popular aos legisladores e o de recorrer livremente ao “recall” para impedir que representantes eleitos possam escolher deixar de ouvir seus eleitores depois de eleitos.

Esse sistema se aplica nos níveis municipal e estadual, mas, por assim dizer, “instrui” o nível federal. Pressupõe o respeito ao princípio federativo que nossa Constituição prescreve, mas os políticos não acatam, segundo o qual o município deve resolver tudo o que diz respeito ao município, o governo estadual, só aquilo que envolver mais de um município e o governo federal, apenas e tão somente as relações internacionais, a proteção da moeda e a guerra. Requer também que seja absolutamente claro quem representa quem na política estadual e municipal, o que se consegue com eleições distritais. Cada distrito elege apenas um representante e, nele, o eleitor é rei. Qualquer um pode iniciar uma petição para rejeitar ou criar uma lei, manter ou cassar o mandato do seu representante. Nos EUA, com algo entre 5% e 7% dos eleitores do distrito assinando a petição, a iniciativa está qualificada para uma votação do distrito inteiro. Nesse sistema, portanto, todo mundo tem o poder de propor mudanças e ser obrigatoriamente ouvido, mas ninguém tem poder suficiente para se impor aos demais.

Brasília é o passado. A corte é o pântano. Dali não sairão senão mais sapos. O redirecionamento do olhar da Nação para um futuro em torno do qual se unir depende essencialmente do redirecionamento do olhar da imprensa do eterno “mais do mesmo” de Brasília para os modernos métodos de domesticar políticos em uso pelo mundo afora. É lá que a resposta está.

Fernão Lara Mesquita

Flashmob em Sydney

A ameaça que paira sobre o país: preguiça mental

O desastre aéreo que matou o ministro Teori Zavascki desencadeou uma onda assustadora de notícias falsas e fantasias conspiratórias. Assustadora de verdade. É claro que a hipótese de homicídio deve ser investigada. Não se pode descartar de antemão a possibilidade de um atentado premeditado ter provocado a tragédia que matou o juiz e mais quatro pessoas. As especulações sobre complôs e conspirações que correm pela internet, no entanto, vão muito além da dúvida razoável e se entregam com sofreguidão paranoica a intrigas imaginárias que não têm pé nem cabeça. Principalmente cabeça.

Uma delas fala de um sargento petista que teria sumido com as gravações de conversas entre o piloto e a torre de controle, mas o aeroporto de Paraty não dispõe de torres nem de operadores que falem com comandantes em voo. Outra especulação, na forma de um áudio narrado por um locutor que imita a voz de âncora de telejornal, diz que “há poucas horas atrás uma fonte anônima da Aeronáutica comunicou” isso e mais aquilo. Tenha dó. Um relato jornalístico que começa com o pleonasmo “há poucas horas atrás” não merece ser ouvido. Nesse caso, o falsificador se traiu pelo português ruim (o que é muito comum em contos do vigário que proliferam nas redes).
Há três tipos de lavagem. A forçada, como o nome diz, é a mais radical e eficaz:

Assustam, e muito, os perfis falsos do magistrado morto, invencionices sobre sua vida privada e toda sorte de insinuações que inundam smartphones, e-mails e páginas no Facebook. Assustam não pela existência de falsários que vendem mentiras primárias como se fossem verdades jornalísticas, mas pelo gigantismo das multidões que adoram tudo isso. As notícias fictícias são campeãs de audiência. A humanidade interconectada não é vítima, mas fã ardorosa das mentiras e se delicia com o sabor apimentado das conspirações mirabolantes.

Os boatos – e especialmente os caluniosos – não são um mal do século XXI, o lado ruim das tecnologias digitais. As injúrias apócrifas circulam por aí desde que os humanos começaram a se comunicar por dois ou três grunhidos. Uma das mais deploráveis campanhas difamatórias da História foi o livro Os protocolos dos sábios do Sião, que correu a Europa com a força de uma peste para difundir o antissemitismo. Tudo ali era falso e, não obstante, arregimentou adeptos fanáticos, para os quais os problemas da civilização resultavam da ganância de usurários judeus.

Não é de hoje que os humanos acreditam em coisas do tipo. As razões dessa predisposição a aceitar narrativas sobre grandes conspirações vêm de longe. Elas simplificam tudo o que se passa a nossa volta e, por isso, são tão tentadoras. Algo deu errado? Ora, só deu errado porque conspiradores imundos urdiram suas perversidades contra nós. Os tiranos sabem disso e se aproveitam. A figura mais importante das tiranias não é o tirano, mas o inimigo escolhido pelo tirano, cuja figura ele usa para amedrontar seu povo encabrestado. Sem a figura do inimigo, sempre à espreita para subjugar, escravizar e matar, o tirano não tem razão para usurpar o poder. O inimigo pode ser qualquer um – o agiota judeu, o comunismo internacional, o imperialismo. O que importa é que o tirano convença os tiranizados que existe um inimigo conspirando contra o povo desprotegido.

Por isso o volume de gente que adora notícia falsa é tão assustador: onde sobram fantasias conspiratórias, sobram oportunidades para discursos autoritários. A fé cega nas conspirações parece levar conforto a quem não quer – e não sabe – pensar. As teorias conspiratórias são a melhor amiga da preguiça mental dos oprimidos. Como o que existe de ruim se deve à vileza do inimigo, o oprimido (que se sente seguro, protegido com a presença do opressor) não precisa lidar com as complexidades de cenários contraditórios ou ambíguos. Não precisa ser adulto. As miríades conspiratórias, como fábulas infantis, como nas historinhas da Gata Borralheira, dos Três Porquinhos ou da Chapeuzinho Vermelho, simplificam a realidade.

Tudo fácil, estupidamente fácil. O sujeito pode acreditar que um sargento do PT acobertou o complô que matou o ministro do Supremo para sabotar a Lava Jato, assim como pode acreditar que a Lava Jato é produto de uma conspiração da CIA para tomar posse dos campos de petróleo no pré-sal brasileiro. Existem até aqueles que acreditam nas duas doideiras ao mesmo tempo.

O sucesso generalizado das notícias falsas, e especialmente das notícias falsas sobre essas conspirações malucas, atesta a minoridade política da sociedade. Atesta, também, a miséria da imaginação.

Comício de corpo presente

No Hospital Sírio-Libanês, onde recebeu os pêsames pelo AVC que provocou a morte de sua mulher, Marisa Letícia, e no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, antigamente de São Bernardo do Campo e Diadema, que ele presidiu e onde a conheceu, Luiz Inácio Lula da Silva fez o melhor que pôde para confirmar traços inconfundíveis de seu caráter. E mostrou estar em plena forma para repetir, como de hábito, todos os papéis que desempenhou na vida inteira.

Abraçou e afagou Fernando Henrique Cardoso, de cuja candidatura ao Senado, em sublegenda do PMDB, participou, nela empenhando seu prestígio de mais importante líder sindical da História do Brasil. O pleito foi vencido por Franco Montoro, mas , quando este ocupou o governo de São Paulo, o suplente ficou com sua vaga por quatro anos e dela ascendeu ao Ministério da Fazenda, no qual derrubou a inflação com o Plano Real, e terminou na Presidência da República. Chegaram ambos, aliás. Primeiro, o sociólogo da USP, que o derrotou duas vezes, e no primeiro turno. Depois, ele próprio esmagou dois adversários tucanos, assumindo um poder inimaginável, que o fez prosseguir pela escolha insensata da “gerentona” Dilma Rousseff. A imagem do abraço carinhoso mereceu aplausos generalizados de aliados e inimigos de ambos os lados. Saiu vencedor do aconchego, não tanto pelo afeto comungado e exibido, mas muito mais pelo risco representado por sua capacidade de mostrar-se capaz de cruzar pinguelas para ultrapassar abismos que os adversários construíram.



No dia seguinte, passou de novo pelo mesmo teste. Quando recebeu o presidente Michel Temer, sócio nas vitórias improváveis do poste Dilma, sem o qual ela jamais chegaria ao segundo turno em qualquer das duas eleições que venceu, mas por intermédio de quem foi apeada do poder, Lula travestiu-se de camelão. Na intimidade do apartamento hospitalar, que dividia com a mulher morta, conversou com o antigo camarada, que já foi seu súdito, dando o melhor de seu talento conciliador. Ofereceu-se para aconselhar. Deu como exemplos os piores conselhos – “só faça a reforma da Previdência quando a economia estiver bombando” e “estimule o consumo” –, com a convicção de quem parecia depender do sucesso do outro para a própria sobrevivência. Pôs nos seus devidos lugares o adversário que derrotou para assumir um poder que só deixaria 13 anos, 5 meses e 12 dias depois, José Serra, e o antigo subordinado de cujo insucesso agora depende para voltar ao ápice mais uma vez, Henrique Meirelles, presidente do Banco Central em seu governo e ministro da Fazenda de Temer.

Do lado de fora do lugar onde a “galega” jazia, numa longa espera da decisão de protocolos médicos para ter o próprio passamento decretado, hordas de militantes chamaram Temer de “assassino” de uma vítima de mal súbito. Marisa teve um aneurisma identificado há dez anos, mas não se submeteu à cirurgia que a livraria do risco, nem evitou álcool, fumo ou algum mau hábito que levasse ao surpreendente desfecho. Ré em dois processos com o marido e dois filhos também sob o mesmo risco, ela seria uma estátua de gelo se não tivesse sofrido o estresse inevitável nas circunstâncias. Mas nunca seria demais concluir, por mais cruel que isso seja, que o único meio de não sofrer esse tipo de pressão ou tensão é não dar motivos para polícia e Justiça se interessarem por eles.

Temer, naturalmente, também foi xingado de “golpista”, apesar de o PMDB dele ter sido fundamental para a vitória do poste, e de “bandido”. De fato, o chefe do Poder Executivo foi citado 45 vezes numa delação dos 77 da Odebrecht. Mas, nesse particular, não seria justo usar o insulto nem para humilhar o anfitrião, réu em cinco processos por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Lula nunca teve escrúpulos para agir de uma forma na intimidade e atuar de maneira oposta em público. A “metamorfose ambulante”, que ele assumiu ter tomado emprestada da metáfora de Raul Seixas, comprovou que a experiência aprimorou sua capacidade de se metamorfosear. O sapo barbudo, que divertia Brizola ao ver a burguesia inimiga degluti-lo, jamais precisou de contos de fada para transformar-se em príncipe de convescotes. O cafajeste dos palanques nunca dependeu de gritar “shazam” para virar o Capitão Marvel gentil de palácios, mansões e clubes finos.

E essa capacidade de se virar do avesso sem precisar mudar de ambiente nem de vestuário se manifestou de forma mais absoluta mesmo depois de, afinal, a morte ter carimbado os protocolos de Marisa Letícia (alegria em latim). Esta, no caixão aberto, não foi obstáculo para que o marido abdicasse do respeito devido aos entes queridos mortos para se agarrar à oportunosa ensancha de um bom mote para retomar novamente os fados da fortuna, que em vida sempre sorriram ao casal.

Dias antes, o líder do PT na Câmara dos Deputados, Carlos Zarattini (SP), disse no Salão Verde da Casa que a morte cerebral de Marisa se deveu, em parte, a “toda a pressão que ela sofreu, que a família do presidente Lula vem sofrendo, a perseguição da Operação Lava Jato, a tentativa interminável de imputar crimes ao presidente e aos seus familiares. É evidente que isso levou a uma tensão que desaguou nesta situação.”

Mas ainda faltava a palavra do mui temido chefão. E ela veio no elogio fúnebre da mulher. Num discurso de 20 minutos, ele não deixou por menos: “Marisa morreu triste por causa da canalhice, da leviandade e da maldade que fizeram com ela (…) Acho que ainda vou viver muito, porque quero provar para os facínoras que eles tenham (sic) um dia a humildade de pedir desculpas a essa mulher (…) Esse homem que está enterrando sua mulher hoje não tem medo de ser preso (…) Descanse em paz, Marisa. O seu ‘Lulinha Paz e Amor’ vai ficar aqui para brigar por você.”

Seu recado foi dado, Lula não perdeu um segundo da chance que teve para tirar proveito daquela situação dolorosa, mas também oportuna. Talvez não se deva esperar resultado espetacular que catapulte seus sonhos de volta à Presidência, pois a multidão que foi ao velório coube nos limites da sede sindical. Ao que parece, não há muito mais a almejar no momento: a volta ao sindicato, não à chefia do governo federal. Os devotos que foram ao ABC não lotariam sequer as dependências do demolido estádio de Vila Euclides, que sediavam as assembleias dos metalúrgicos em greve nos 70.

Não adianta acusá-lo de oportunista ou insensível por tê-lo feito. Afinal, a seu lado, o bispo aposentado dom Angélico Sândalo Bernardino, que esteve ao lado do casal nas lutas sindicais e na resistência à ditadura, fez pior: trouxe, quase como um indulto do papa Francisco, que também não resiste a oportunidades para mostrar seu espírito marqueteiro, seu cajado amigo de pastor. No sermão do comício fúnebre, criticou a reforma da Previdência do governo Temer, a quem Lula se tinha oferecido para “ajudar”.

A reforma da Previdência é um remédio muito amargo, mas algo há que ser ministrado para dissolver os trombos que entopem veias e artérias da República, de cama e em coma. Se seu amigo bispo se dispuser a indicar mezinha menos amarga para evitar que os aposentados de amanhã não tenham benefícios a receber de um erário erodido com a grande contribuição dos ladrões perseguidos pela Lava Jato, a hora é esta. Então que o faça e deixem Marisa descansar em paz.

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Paul Fuentes

Quanto os brasileiros pagam por não viverem em paz?

Desde o começo do ano, mais de 130 pessoas perderam a vida em meio aos conflitos que se multiplicam nos presídios, mortes que são apenas o aspecto mais evidente da crise crônica de violência vivida pelo país.

A cada ano, cerca de 60 mil pessoas são assassinadas no Brasil, o que equivale a uma taxa de 29 homicídios por 100 mil habitantes, números excepcionalmente altos para um país que não está em guerra, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Para tentar entender o custo econômico que a violência impõe aos brasileiros, a BBC Brasil conversou com especialistas que organizam diferentes estudos sobre o assunto.

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Os levantamentos apontam impactos que podem oscilar de 3,78% a 13,5% de toda a riqueza produzida anualmente, dependendo dos fatores avaliados. Mas independentemente da proporção percentual, trata-se de centenas de bilhões de reais saídos dos bolsos dos brasileiros.

Na última sexta, foi divulgado um relatório do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) que estimou o gasto com violência em 16 países da América Latina e Caribe.

O estudo mostrou que em 2014 o crime custou ao Brasil 3,78% do seu PIB (Produto Interno Bruto), o equivalente a US$ 124 bilhões (R$ 386 bilhões).

Segundo o relatório, os gastos públicos com crime são seis vezes maiores do que os investimentos com o programa social Bolsa Família, por exemplo.

O estudo ressalta ainda que seu cálculo é conservador - avalia o impacto dos homicídios em 0,23% do PIB, enquanto um estudo do pesquisador Daniel Cerqueira, do Ipea, sugere 0,61%. "O custo dos homicídios pode ser consideravelmente mais alto que as nossas estimativas", diz o documento.

Para Cerqueira, o banco se ateve a estimativas modestas porque é necessário encontrar uma referência padronizada entre todos os países pesquisados para poder traçar um comparativo.

"Talvez, para acomodar todas essas nações, eles não cheguem a calcular muitos detalhes, como nós fizemos em outros estudos", sugere.

O economista contribuiu para o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que na edição de 2014 estimou o gasto do Brasil com segurança em 5,4% do PIB. Nessa soma entram policiamento, prisões e unidades de medidas socioeducativas - mas ficam de fora investimentos militares, por exemplo.

Cerqueira afirma que os valores mais atuais excedem essa estimativa: "Pelos meus cálculos, o custo da violência hoje está em 5,9% do PIB. Desses, 1,4% é gasto com segurança, 0,4% é gasto com sistema prisional. Outros 2,5% é o custo intangível, que tem a ver com as mortes por homicídios. Além disso tem 1,6%, que é a soma dos custos com segurança privada e com seguro."

O principal estudo mundial sobre o tema, o Índice Global da Paz, inclui o orçamento das Forças Armadas em seu cálculo.

O ranking anual é publicado pelas ONGs Vision of Humanity e Instituto para Economia e Paz. De acordo com a última edição, o Brasil está na posição 105 entre 162 países - um retrocesso em relação à centésima posição obtida em 2015.

O relatório serve de base para um estudo mais detalhado, chamado O Valor Econômico da Paz, que afirma que a violência custa ao mundo anualmente US$ 13,6 trilhões, ou US$ 1.876 dólares por pessoa, em valores ajustados por paridade de poder de compra.

Desse montante, US$ 1,79 trilhões estão relacionados a homicídios, tipo de violência preponderante na América Latina e no Brasil.

Esse levantamento explora o conceito de "preço" da violência em custos diretos e indiretos e avalia que o Brasil perdeu em 2016 mais de US$ 338 bilhões - ou seja, mais de R$ 1 trilhão - com o problema.

Por esse cálculo o Brasil, desperdiça cerca de 13,5% do seu PIB com violência. Na média são US$ 1.640, ou R$ 5.140, para cada cidadão ao ano.

Nesse número estão contabilizados gastos diretos com orçamento militar, policial, judicial e em saúde pública, além de perdas indiretas como o prejuízo da queda em produtividade de sobreviventes traumatizados.

O cálculo também estima a redução do desenvolvimento econômico gerado pelo conflito prolongado e pela perda de vidas produtivas.

"A violência contínua destrói o capital humano e físico, o que por outro lado restringe o ambiente de negócios, dificultando a construção de uma paz duradoura", explica Camilla Schippa, pesquisadora do instituto.

Segundo ela, o homicídio custa muito caro para países emergentes, como o Brasil e o México.

"As empresas precisam investir na proteção de seus funcionários com câmeras de segurança, guardas, seguros, etc. É um custo que torna o país menos competitivo, pois esse dinheiro poderia estar indo para aumento de produção, pesquisa e desenvolvimento. Nosso relatório mostra que altos níveis de violência afetam negativamente o investimento estrangeiro direto, o turismo e afins."

Trump está aprendendo que não é rei

Donald Trump está aprendendo da maneira mais difícil que até mesmo o presidente do país mais poderoso do mundo não pode fazer o quiser da maneira que achar melhor.

As divergências, o barulho e a oposição aberta de funcionários governamentais do Serviço Nacional de Parques, da comunidade de inteligência, dos Departamentos de Estado e Justiça e de outros órgãos podem ter servido como um indicador precoce para Trump de que nem mesmo o presidente dos Estados Unidos é onipotente.


E embora seja verdade que alguns dos funcionários envolvidos são democratas – e podem assim estar seguindo uma agenda partidária – isso certamente não é o caso de todos eles, pois a maioria está acostumada a trabalhar para governos tanto republicanos quanto democratas.

Os primeiros alertas de que até mesmo o presidente deve seguir as regras estabelecidas pelo sistema legal e político dos EUA podem ter sido muito sutis para um homem sem qualquer experiência governamental prévia.

Talvez seja por isso que Trump pareceu atordoado quando tribunais de vários estados frearam suas proibições de entrada no país, mal preparadas e implementadas de forma precipitada. Para tornar as coisas ainda piores para Trump, um tribunal federal rejeitou, em seguida, a ordem executiva do presidente, suspendendo assim, em nível nacional, a proibição de viagem.

Ao que tudo indica, a proibição de entrada de Trump vai enfrentar uma longa batalha legal, que deve chegar até a Suprema Corte. Isso significa que pode levar muito tempo até que o assunto esteja totalmente resolvido.

Para ficar claro: a ordem executiva de Trump ainda pode ser liberada pelos tribunais, e ele, como presidente, certamente tem o poder de impor restrições de viagem. Mas a maneira como esse decreto foi feito – com o banimento generalizado para cidadãos de sete países de maioria muçulmana, a justificativa jurídica apresentada e sua atabalhoada implementação, que prejudicou muitas pessoas já autorizadas a entrar legalmente nos EUA – parece pedir para que alguém o conteste na Justiça.

É preocupante que Trump tenha ido ao Twitter para insultar o homem que barrou a restauração de seu polêmico banimento de viagem – um juiz federal nomeado para a posição pelo ex-presidente republicano George W. Bush – chamando-o de um "suposto juiz" e culpando-o antecipadamente por qualquer possível ataque terrorista.

As declarações de Trump podem não apenas ser interpretadas como um sinal de que o novo presidente dos EUA está questionando a autoridade legal de um juiz federal, como também podem ser vistas como um sinal de que ele pode não concordar totalmente com a separação de poderes determinada pela Constituição dos EUA.

Que Trump ataque um juiz federal não é nenhuma surpresa – é apenas a continuidade do que ele fez durante a campanha presidencial, quando questionou a imparcialidade de um juiz federal por causa de sua origem mexicana.

Ainda assim, há uma grande diferença entre um candidato presidencial atacar um juiz federal que está envolvido numa ação judicial contra um de seus negócios e um presidente atacar um juiz federal que tomou uma decisão contra um decreto presidencial com implicações globais.

Por isso foi fundamental que o vice-presidente Michael Pence esclarecesse que, apesar das declarações de Trump, o governo federal cumprirá as determinações dos tribunais, mesmo que o governo esteja preparado para seguir com sua batalha legal.

O sistema tradicional de equilíbrio entre os poderes parece estar funcionando e ter sido aceito pelo novo governo, o que certamente é uma boa notícia – mesmo que seu principal protagonista tenha dificuldades em aceitar as restrições que lhe são impostas.

Civilização zero

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Não estou longe de acreditar que a civilização de um país se mede pela opinião que se tem da magistratura
Louis Barton, jurista francês

Ô gente chata!

Ô, seus corretinhos! Falta do que fazer, do que escrever para chegar como o mais inteligente e na moral nas festinhas e rodinhas quadradinhas, ou só vontade de alugar nossa paciência? Isso é porque são “modernos”. Imaginem se fossem caretas. Eram capazes de se insurgir até contra a goiabada com queijo.

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Não estão vendo que estão dando tiro no pé? Aliás, se metralhando. Pedindo censura, corte – e não venham com lengalenga de dizer que ninguém quer censurar ninguém, que só querem acabar com o preconceito-racial-opressão-da-mulher-negra e do homossexual, como valentes combatentes-ecológicos-ambientalistas-sustentáveis que são, e nessa hora, vejam só o paradoxo, damos graças a Deus que sejam minoria mesmo.


Enfatizo: minoria de chatos. Ficam por aí com caraminholas dissertando regras/normas de comportamento, obtusas, desconhecendo o passado cultural, a língua portuguesa, nossa vivência. Desrespeitando a nossa inteligência.

Chatos que querem arrancar a mulata, mudar os sambas e marchas de carnaval, regular as fantasias, e agora, suprassumo, se recusam a usar paetês, purpurinas, glitters e confetes porque feitos de papel ou micro plástico demorariam a se decompor e poderiam ir parar nos oceanos. Imaginem: será que algum desses seres foi mesmo ouvir a comunidade LGBT sobre isso? Como assim, sem brilho? UÓ, responderão.

No entanto, para decorar seus corpos – modinha – algumas moças estão usando purpurina “comestível” vendida em lojas de confeitaria, aquele pozinho de decorar bolos e doces. Sou só eu que vejo uma aura sexual safadinha nesta troca? Sacaninha? Espertinha? Comestível, é? Interessante.


Mas vamos voltar ao cerne desse debate, que agora tudo vira debate. Ô coisa chata! Banir dos blocos algumas marchinhas (muito) antigas de carnaval? “O Teu Cabelo Não Nega”, de Lamartine Babo, de 1932. “Cabeleira do Zezé”, “Maria Sapatão”, “Índio quer apito”, “O teu cabelo não nega”. “Mulata Bossa Nova”. Sim, já apareceu até representante indígena flechando “Índio quer apito” (“Ê, ê, ê, ê, ê, índio quer apito / Se não der, pau vai comer”).

Mexeram com o Caetano, mas creio que o baiano negociou, arretado, porreta. Após várias discussões, alguns blocos decidiram manter no repertório “Tropicália”, que cita a mulata.

Sim, invocaram com a mulata. Entraram na máquina do tempo para trás uns 300 anos para justificar e trazer para hoje de onde teria vindo a palavra. Como mulata é a filha de negro com brancas e vice-versa, e naquela época, braba, de escravidão, a cria de jumento com cavalos já era a mula, veio a palavra, do latim mulus. Enfim, os mulatos também estão nesse samba atravessado. Acreditem: tudo isso acontecendo no Carnaval de um país chamado Brasil. Justamente no Carnaval que agora com a volta dos blocos de rua se torna mais popular e democrático. Alegria na cabeça e rua.

Mas não, resolveram levar a chatice da política junto para as avenidas e praças. Invocaram com a mulata. Fui atrás de uma das origens e me deparei com uma obra prima da idiotia no artigo de um cara, que pode ter sido base, cheio de citações inteligentinhas, um sujeito que escreve com x no lugar de palavras com gênero. Negrxs. Todxs . Posso parar por aqui, né? ÔÔÔÔ, chatos, chatos, chatinhos.

Resolvi botar água nessa fervura e lembrar que mulata, além de como podem ser lindas, é também designativo de uma espécie de peixe, um tipo de abelha, uma variedade de batata roxa. Vão pirar horrorizados ao serem lembrados de algo ainda mais dramático – embora natural. Há uma erva medicinal chamada Catinga de Mulata (Tanacetum vulgare). No candomblé é utilizada para preparar água-de-cheiro. O chá seria de efeito mágico para reumatismo, pedra nos rins, amenorreia, e como vermicida, contra lombrigas. Como unguento, cura feridas, furúnculos, psoríase e detona piolhos.mulata

Tem um docinho de festa chamado Beijo da Mulata. E uma Bica da Mulata, escultura em Belfort Roxo, no Rio de Janeiro. Tem a Mulata fuzarqueira, de Noel Rosa, pinturas fantásticas e muito erotizadas de alguns mestres. Tem a Mulata Assanhada, de Ataulfo Alves – aquela que passa com graça, fazendo pirraça, fingindo inocente, tirando o sossego da gente. As mulatas estão muito bem, orgulhosas de sua negritude. Só não as chame de moreninhas que isso sim é que é preconceito.

E agora? Libertem a Nega Maluca!

Deixa o cabelo dela. Sem essa de vir com moral para dizer o que é certo ou errado, procurar pelo em ovo, se ofender com isso quando há tantas outras coisas nos atacando. Como escreveu o mestre Ruy Castro, “enxergar ofensa nas marchinhas é caso para terapia de grupo — com o ofendido no divã e um grupo de psiquiatras em volta”.

Saiam já desse armário.

Paisagem brasileira

A paisagem rural de Piripiri, no Piauí, Brasil, ficou iluminada quando este ipê amarelo floresceu.  Fotografia: Linda Mendes.:
 Piripiri, no Piauí ( Linda Mendes)

O incrível mundo da pós-verdade

Uma prosaica nota revela, hoje, quanta tolice e insensatez pode esconder o território da internet.

Um especialista alerta: você não deve nunca assoar o nariz. Fiquei tentado a conhecer as razões, mas resisti ao clique, temendo que o assunto me deixasse exposto ao vírus.

Soube que há um link para os sítios mais inúteis da internet que se apresentam, sem ilusões de marketing, como um declarado desserviço à vida e à produtividade de qualquer pessoa, em qualquer ramo de atividade, o que não deixa de ser uma opção diferente nesse mundo que parece não nos levar a lugar algum.

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Eleita a expressão do ano pelo tradicional dicionário Oxford, a pós-verdade decreta a prevalência da opinião sobre o fato, dos irreality shows sobre a realidade, das celebridades instantâneas sobre os heróis do penoso dia-a-dia.

Assim, a internet pode ser também o mundo dos dramas mentirosos e dos pseudoeventos. Dois gigantes da web resolveram, num acordo de cavalheiros, unir-se agora a produtores de conteúdo jornalístico supostamente sérios para combater a onda de inverdades, boatos, falsas mentiras e meias verdades que prolifera no território digital. Entenderam as notícias falsas como perigosas para a cultura do debate.

Um estudioso da comunicação digital apontou recentemente a web como o lugar onde cada idiota pode ser idiota à sua maneira e todos os imbecis podem ser imbecis impunemente. É o local onde todos têm voz embora não gostem de ouvir e todos têm opinião já formada sobre tudo, embora poucos elucubrem sobre o enigma do nada e o sentido do silêncio.

Outro especialista observou que os grupos dos meios sociais digitais, naturalmente excluem ou expelem aqueles de opiniões divergentes, de modo que os algoritmos que os guiam como estrelas de luz, na verdade, fecham-lhes os caminhos novos e acabam por prendê-los na escura sombra dos gestos repetidos num território que, embora livre, já não liberta.

Um dia nos imaginaram robôs sem vida própria, a repetir sempre os mesmos padrões estéticos e comportamentais, com preguiça para o debate. Conheci um doido, o Bernardino, no tempo em que se usava paletó escuro – que trajava sempre o mesmo paletó surrado e sujo. Não se faz pergunta a doido, mas, ainda assim, quis saber por quê. Ele confessou: nunca tirara o paletó desde o enterro do pai, que padeceu de um vírus depois de assoar o nariz.

Ações humanas ameaçam patrimônio natural no mundo

"O mundo nunca aceitaria que a Acrópole fosse derrubada ou que algumas pirâmides fossem desmontadas para a construção de bairros e estradas. Mas, neste momento, em todo o planeta, estamos permitindo que nossos Patrimônios Naturais da Humanidade sejam seriamente alterados”, denuncia o ecologista James Watson, da ONG Wildlife Conservation Society (WCS). Junto a outros colegas, esse professor analisou a situação dos lugares reconhecidos como Patrimônios da Humanidade pela Unesco como uma herança para as futuras gerações. Mais de cem deles estão acuados pelas atividades humanas.

Dos mais de 1.000 monumentos, cidades e paisagens na lista do Patrimônio da Humanidade, 200 são parques ou reservas naturais. Não foram construídos pelos humanos, mas protegê-los e conservá-los deveria ser tão importante quanto cuidar da arquitetura colonial de Ouro Preto. Entretanto, o novo estudo, publicado na revista Biological Conservation, mostra que não tem sido assim. O trabalho, que começou em 1993, analisa várias ameaças humanas, como o avanço da agricultura, o pastoreio, a urbanização e a abertura de estradas, usando-as para criar um índice do rastro humano sobre os espaços naturais. A pesquisa também inclui a perda de massa florestal desde o começo deste século.

Mapa mostra todos os Patrimônios Naturais da Humanidade incluídos no estudo. Em vermelho, os que perderam mais massa florestal desde 2000
Nestes quase 25 anos, mais de cem locais protegidos sofreram pioras. O rastro humano aumentou em 63% dos sítios naturais reconhecidos pela Unesco, e só os localizados em território europeu se mantiveram relativamente iguais a como estavam em 1993. Os mais castigados ficam na Ásia, e o mais acuado é o Parque Nacional de Keoladeo, na Índia. Porém, aqueles onde a pressão humana mais se intensificou foram o santuário para a vida selvagem de Manas, também na Índia, e o Parque Nacional de Chitwan, no vizinho Nepal. Na África, a maior deterioração aconteceu no Parque Nacional das Montanhas Simien, na Etiópia.

"A densidade populacional ao redor de Keoladeo é muito alta, e o parque é muito pequeno. Além disso, foi uma reserva para caçar patos, por isso há muita infraestruturas do passado”, comenta James Allan, professor da universidade de Queensland (Austrália) e principal autor do estudo. “Por sorte, a situação de Keoladeo é estável. Há lugares como Manas, pelos assentamentos ilegais, ou nas montanhas Simien, pelo pastoreio e a agricultura, onde o rastro aumentou mais”, acrescenta.

Quanto ao desmatamento, esse sim é um problema generalizado. Dos 134 Patrimônios da Humanidade que tiveram sua cobertura florestal analisada, em 122 a vegetação está recuando. Embora na maioria a perda tenha sido pequena, 10 das áreas mais protegidas do planeta perderam mais de 5% de suas árvores ou arbustos. Entre elas estão parques míticos como o de Doñana, na Espanha, e de Yellowstone, nos EUA, que perdeu 6,3% das suas matas.

A América do Norte, aliás, é a região que mais desmatamento sofreu. Embora haja lugares de outras regiões que individualmente sofreram grandes perdas, como a Reserva da Biosfera Rio Plátano, em Honduras, ou a zona do lago Baikal, na Rússia, 57% da perda florestal global neste século se deu nos parques nacionais dos EUA e Canadá.

Aqui, recordam os pesquisadores, o principal vetor não foram os humanos, e sim um inseto, o besouro da espécie Dendroctonus ponderosae, que está dizimando os pinheirais norte-americanos. Mas, mesmo nesse caso, pode haver responsabilidade humana, pois há crescentes indícios de correlação dessa praga com a mudança climática. Com o aquecimento, o besouro entra cada vez mais em latitudes e altitudes mais elevadas. Além disso, com os invernos mais curtos, o percentual de larvas que sobrevivem é maior.

O estudo não inclui a mudança climática em sua análise das ameaças contra os Patrimônios Naturais da Humanidade. Tampouco mede o impacto de outras ações humanas, como a caça ilegal e o turismo. Como reconhece Allan, “nossos resultados são uma subestimação, o que é ainda mais preocupante”.

“Só avaliamos os dados até agora”, afirma ele. “Com o crescimento da população, da infraestrutura e da mudança climática, as coisas irão piorar.”

Quando darão?

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Até agora o Executivo e o Congresso não deram uma contribuição tão grande para acabar com a corrupção
Juiz Sérgio Moro

Um leilão honesto, em vez de uma lei suspeita

No último dia da legislatura, a duas horas do fim do expediente, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), acatou um requerimento da minoria oposicionista para suspender o envio da nova Lei Geral das Telecomunicações, aprovada em votação terminativa na comissão, à sanção do presidente. A intenção do grupo, liderado por Roberto Requião (PMDB-PR) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), era suspender essa sanção até que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidisse sobre a sua solicitação de debater o relevante texto e pô-lo em votação no plenário da Casa.

Durante o recesso do Legislativo, a presidente do STF, Cármen Lúcia, de plantão, exigiu do chefe da Mesa da dita Câmara Alta explicações fundamentadas sobre a necessidade de tanta pressa na aprovação de um documento legal com tantas implicações no caixa de grandes empresas e na vida da população. O Senado pediu a devolução do documento, alegando erros técnicos, mas, depois, avisou, por ofício, à Presidência que tinha mudado de ideia. Na semana passada a lei-relâmpago (Blitzrecht, em alemão) ainda repousava no gabinete presidencial. Só que na sexta-feira, 3 de fevereiro, o ministro do STF Luís Roberto Barroso concedeu a liminar pedida pela oposição e impediu a sanção de Michel Temer até que o pedido da oposição seja julgado pelo plenário.

Por que o cuidado com as modificações propostas pelo ministro das Comunicações, Gilberto Kassab, e defendidas com denodo pelo líder do PMDB no Congresso, Romero Jucá (“Caju” nas delações dos 77 da Odebrecht), pelo líder de seu partido no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o “Justiça”, e pelo presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), o “Índio”? É que as novas regras preveem mudanças radicais, caso da mudança de concessão (da lavra da gestão de Fernando Henrique) para autorização, o que implica a substituição do regime público pelo privado de telefonia. E essa não é uma alteração meramente semântica, mas patrimonial.

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Acontece que, passando a permissionária (que se beneficia da autorização), a empresa que tiver comprado uma concessionária (que detinha a concessão) não disporia dos bens para vender, mas manteria o patrimônio para buscar créditos, sob condição de usar o empréstimo para investir. Antes de ser informado exatamente sobre o valor total de cabos, estações e outros bens que pertencem ao cidadão – calculado em R$ 100 bilhões –, o governo se dispõe, na prática, a doá-los às teles. Sem levar em conta dados da realidade, caso da dívida confessada pela Oi de R$ 65 bilhões. Como uma empresa que a adquirir com tal passivo convenceria credores privados de que ela faria investimentos de valor tão alto?

De fato, concessionárias como a Oi valorizaram esse patrimônio de forma substancial ao substituírem, por exemplo, seus fios de cobre de par trançado por fibras óticas. Mas o especialista Marcos Dantas, membro do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), lembrou, em artigo publicado sexta-feira (3/2/2017) no Valor Econômico, que “a concessionária está obrigada a manter e valorizar o ativo recebido”. Este, segundo o professor da UFRJ, não é, contudo, o caso da permissionária, pois “uma operadora em regime privado não pode ser contratualmente obrigada a assumir esses compromissos”.

No texto citado, intitulado Um Brasil sem dados nem imagem, talvez sem voz, o técnico advertiu para a possibilidade de os usuários de telefones fixos, que predominam em grande (e menos favorecida) parte do território nacional, sejam prejudicados se a concessionária que vier a comprar a Oi, amplamente majoritária entre eles, não se dispuser a substituí-la em áreas deficitárias, que esta é obrigada por contrato a atender. E pior: tem-se como certo que essa mesma tele está para ter perdoados, pela Anatel, R$ 20 bilhões em multas aplicadas por serviços mal prestados à clientela.

Essas vantagens fabulosas e inexplicáveis a empresas precedem o desmantelo lulodilmopetista. A privatização do sistema Telebrás foi feita no governo Fernando Henrique e até hoje nunca foi explicado por que na lei que a promoveu não foi estabelecido um princípio básico desse tipo de negócio: a participação no consórcio concorrente à concessão de pelo menos um sócio do ramo – que, vamos convir, não pode ser comparado a outros com menos exigência de tecnologia. Os vencedores da concorrência foram a empreiteira Andrade Gutierrez, o dono do Shopping Center Iguatemi, Carlos Jereissati, e um fundo de pensão. Por esse motivo foi apelidado de telegangue.

Com Lula no poder, o BNDES foi instado a investir dinheiro público na fusão da Telemar com a Brasil Telecom para formar a supertele verde-amarela, que virou a Oi. A Lei Geral das Telecomunicações teve de ser alterada para o negócio ser feito e Carlos Jereissati e Sérgio Andrade, amigos de Lula, foram incluídos na seleção nacional de empreendedores brasileiros que se tornariam “campeões nacionais” – como Eike Batista, José Carlos Bumlai e os irmãos Batista de Anápolis. Os dois primeiros estão na cadeia e a família goiana que hoje domina o mercado mundial de produção de proteína animal também tem seus membros citados ao lado de executivos da empreiteira de origem mineira em processos que dizem respeito a escândalos da Petrobrás e de fundos de pensão.

A lei que agora Kassab, que foi ministro de Dilma, quer modificar já tinha merecido a denominação de Telezoca, por lembrar a famigerada Lei Terezoca, assinada por Getúlio Vargas exclusivamente para permitir que o barão da comunicação Assis Chateaubriand pudesse assumir o pátrio poder sobre uma filha fora do casamento, Tereza Acuña.

O caso atual, contudo, parece ter solução mais simples. Por que, em vez de aprovar uma lei-relâmpago na calada da noite, o governo não leiloa as concessionárias que não conseguirem cumprir seus contratos?