domingo, 29 de novembro de 2015

PF DE BELEM PW 27 11 15

O terremoto de todos os dias

A crônica judicial vai levando os brasileiros diariamente de susto em susto, de incredulidade em incredulidade. A detenção pela primeira vez, e respaldada pelo Supremo, de um importante membro do Senado da República como Delcídio do Amaral, uma peça-chave do governo e do Partido dos Trabalhadores, junto com a do banqueiro André Esteves, símbolo do setor mais sofisticado e moderno dos bancos, foi um sério golpe na consciência da sociedade desorientada e amedrontada, ao descobrir que existem “organizações criminosas” no coração do Estado.

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O Brasil está vivendo, de fato, um momento crítico e grave, difícil de definir e de contar dentro e fora do país. É uma mistura de terremoto político, cujo epicentro se encontra nos próprios fundamentos da República, e de esquizofrenia que impede a sociedade de entender se está vivendo na realidade ou no imaginário.

Um país que festejava há apenas dois ou três anos uma ascensão econômica e social inédita, inveja até de países desenvolvidos, que chegou a sonhar em sentar-se à mesa dos que dirigem os destinos do mundo, vive hoje uma espécie de miragem.

É como se, de repente, tivesse acordado de um sonho para tocar com a mão que a realidade crua e nua é muito diferente. O Brasil está gravemente doente politicamente.

E como no simbolismo da esquizofrenia, a sociedade se pergunta se a classe política vive na realidade, ou se se perdeu no marasmo de suas próprias alucinações e ilegalidades.

A prisão do senador Amaral, que foi uma das figuras que se distinguiu por seu senso crítico na já famosa CPI dos Correios, e que chegou a conquistar por isso o aplauso das ruas, é mais significativa e grave, se cabe, pela trama que estava tecendo na sombra da ilegalidade segundo as duras palavras do magistrado Mello, do Supremo: “O contexto que emerge do caso revela um fato muito grave: a captura do Estado e das instituições do governo por uma organização criminosa”.

Do santuário do Senado, que deveria representar a alma e a consciência dos Estados do Brasil, e do templo laico dos bancos mais sofisticados, simbolizada no jovem Esteves, que encarnava o sonho dos brasileiros aspirantes a milionários, surgem acusações de formação de uma equipe do crime.

Não deverá isso soar como um ataque de esquizofrenia aos cidadãos honrados, que amam este país, que se sacrificam para fazê-lo crescer e amar fora de suas fronteiras?

Já há quem se pergunte se com essas duas prisões simbólicas e reveladoras o tumor político é mais grave do que se imaginava, se se terá ou não chegado ao fundo do poço das responsabilidades que a sociedade tem o direito de exigir.

Os analistas brasileiros e internacionais se cansam de afirmar, todo dia, que a crise que agita este país continente é muito mais política que econômica. Mas os brasileiros estão sofrendo em sua carne, começando pelos mais fracos, uma crise econômica engendrada na corrupção da classe política que aparece atuar pelas costas da sociedade.

Uma classe política enredada cada dia mais em um novelo de ilegalidades e traições inconfessáveis que vai alargando o abismo aberto entre o Brasil real e o político, o Brasil que tem tudo para poder crescer e o que vai carcomendo e debilitando os fundamentos da República, sem que se vislumbre no horizonte uma saída para a catástrofe.

No meio dessa incredulidade, diante dos desmandos que a cada dia aparecem mais próximos do coração do poder, existe um perigo e uma esperança.

O perigo é que a sociedade perca sua capacidade de reação e renuncie a defender a república e suas instituições democráticas, reforçando assim a cobiça dos corruptos.

A esperança é que a lama da ilegalidade política que paralisa um país dinâmico como o Brasil chegue a tal ponto de gravidade que a realidade das coisas se imponha e force uma mudança que devolva a ilusão perdida e faça justiça aos brasileiros que, hoje envergonhados, não desistem de sonhar com dias melhores para eles e, sobretudo, para seus filhos.

Não, as instituições não vão bem

Motivo de loas ao vigor das instituições, a ordem de prisão do petista e líder do governo Delcídio do Amaral, expedida pelo Supremo, escancarou exatamente o inverso: o avanço da deterioração do Estado brasileiro. Rouba-se, saqueia-se, extorque-se em todo lugar. Nada funciona, exceto o poder de polícia - ações pontuais da Justiça, do Ministério Público e da PF.

Como praga, a degradação alastrou-se pelo Executivo em cada canto, cada ato, cada palavra. Nas mentiras ditas pela presidente Dilma Rousseff e pelo ex Lula, em cada negociata que ambos afirmam desconhecer. Multiplicou-se nos ministérios, nas autarquias e nas estatais, nas joias da coroa como Petrobras e Eletrobras, no Banco do Brasil, enrolado no mensalão, no BNDES, e sabe-se lá onde mais.

Corroeu o Parlamento. Fez com que a política se tornasse ambiente impróprio para gente de bem. Maleficio dos malefícios, até porque a política é a única saída para qualquer e todas as crises. E há gente de bem que a ela se dedica.

O Judiciário também tem lá suas fraquezas. Ao mandar prender poderosos, recebe efusivos aplausos por fazer valer o princípio básico de que a justiça é igual para todos. Ainda assim, não consegue inseticida suficiente para exterminar todos os insetos contaminam algumas de suas partes. E mais: o mesmo Supremo que dá orgulho exige aumentos abusivos sem lastro na economia do país, briga por regalias no topo e pouco distribui à base. As varas judiciais que recebem bilhares de demandas do cidadão comum continuam entupidas, não raro sem recursos para fazer o mínimo. Isso sem contabilizar denúncias de malversação que pairam sobre vários tribunais.

Ao contrário do que seria saudável e lógico em uma democracia, tanto nos poderes Executivo quanto no Legislativo – e até no Judiciário - pessoas falam mais alto do que as instituições.

Durante o julgamento do Mensalão, o então presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, se fez maior do que a Corte. Hoje, muitos acham que a Lava-Jato não existiria sem a obstinação do juiz Sérgio Moro. Ou seja, o crédito e a confiança estão em pessoas, não nas instituições.

Mesmo flagrado com contas na Suíça e explicações fajutas para o inexplicável, Eduardo Cunha continua comandando a Câmara dos Deputados. E o reincidente presidente do Senado, Renan Calheiros, também investigado pela Lava-Jato, se mantém em alta. No governo e junto aos colegas, que não pouparam reverências a ele na condução da sessão em que se apreciou a manutenção da prisão de Delcídio.

Fiel ao governo, à interpretação que fez da Constituição e do regimento interno e, principalmente, ao seu pescoço, Renan decidiu que a votação seria secreta. Mas teve de se render. Antes de revelar o placar final e já ciente de qual seria o resultado, direcionou suas baterias contra a intervenção do STF, que acabara de deferir liminar pró-voto aberto.

No alvoroço do final da sessão, quando todos exigiam a exibição dos resultados, a fala da senadora Rose de Freitas resumiu, de forma dramática, o estado das coisas. “Hoje, em todo momento, em qualquer lugar, sentado aqui, sentado ali, nós nos deparamos com alguém que está sendo indiciado, exatamente por usar o poder a seu favor ou de uma circunstância que lhe favoreça.”

Ao lembrar que o Senado não cumpre com as suas tarefas mínimas, a parlamentar disse o que ninguém na República diz: “a culpa é nossa”. E prosseguiu: “O que estamos fazemos agora, sem a menor preocupação de como sair dessa crise, de como ajudar o povo brasileiro, votando quando achamos que devemos votar, empurrando a pauta prioritária quando queremos empurrar. Nós estamos errados!”.

O discurso da senadora não frequentou os noticiários da internet, do rádio e da TV, nem as páginas dos jornais, obviamente ocupadas pelos detalhes do escândalo Delcídio. Mas dar consequência a ele faria bem às instituições, à democracia, ao país.

E não há como consertar qualquer coisa sem reconhecer que ela está quebrada ou estragada. Sem assumir erros.

A lama tóxica da política

A pergunta é recorrente: depois dos milhões do mensalão, dos bilhões do petrolão, da lama tóxica que escorre pelo rio Doce, matando a vida marinha, das prisões do senador Delcídio Amaral e do banqueiro André Esteves, com origem na lama moral que escapa dos dutos da Petrobras, correremos o risco de ver nova enxurrada de corrupção? Para sermos mais precisos, a campanha eleitoral de 2016, voltada para a eleição de 5.568 prefeitos e cerca de 60 mil vereadores, usará, mais uma vez, recursos ilegais, dinheiro por baixo do pano, falcatruas e outros meios tradicionalmente manipulados por candidatos? Infelizmente, a resposta é sim. Mesmo que a batelada de candidatos tenha a porteira fechada para doações de recursos por parte de pessoas jurídicas.


A confirmação do uso de Caixa 2 se ancora em alguns fatores. Primeiro, não se muda a cultura política por decreto. Não será da noite para o dia que sairemos da barbárie em matéria de campanha eleitoral para um avançado estado civilizatório. Segundo, o Judiciário e o Ministério Público, mesmo com seus sistemas de controle, investigação e decisão mais apurados e tempestivos, não serão suficientes para barrar as correntes de corrupção que se espalham nas três instâncias da Federação. Como bem lembra o juiz Sérgio Moro, sem a consciência da representação política, o que a Justiça faz para conter a corrupção equivale a uma pregação no deserto. Ele está certo. A corrupção é mazela arraigada no ethos nacional, desde os tempos primeiros da colonização. Pode diminuir, como se espera, mas não será extirpada in totum. Haverá sempre um amigo aqui, outro acolá, dispostos a ceder meios de transporte, combustível, a ajudar os amigos candidatos com material gráfico etc.

Portanto, as campanhas municipais ainda contarão com a alavanca de empuxo principalmente nas áreas de logística, trabalho de campo (cabos eleitorais) e materiais gráficos. O que se pode garantir é a maior transparência dos processos, um poder crítico mais agudo, que deverá transparecer na denúncia de campanhas ricas e exuberantes, no apontamento de exageros nas estruturas e equipes que trabalharão para os candidatos. Teremos uma campanha mais curta, em um tempo de 45 dias, com 35 dias de propaganda eleitoral. Esse encurtamento já será um passo adiante, eis que os postulantes poderão aproveitar melhor o tempo( curto) para expor seu pensamento e cortar os trololós da linguagem tatibitate( monocórdica, onomatopéica, evasiva) geralmente adotada.

Em suma, no centro dos lamaçais que escorrem pelos vãos da República, continuaremos a conviver, apesar de em quantidades menores, com manobras espúrias e incestuosas entre protagonistas da política. Norberto Bobbio, em seu clássico “O Futuro da Democracia”, já dizia que o poder invisível é uma das promessas não cumpridas pelos sistemas democráticos. Esse poder consiste nas ações incontroláveis de grupos que agem nas entranhas da administração pública, dando formato a um duplo sistema de poder, chegando, em certos momentos, a “peitar” a estrutura formal de mando. Exemplo ocorre quando a presidente da República ou seu antecessor dizem que nunca souberam de corrupção na esfera da Petrobras.

O fato é que esse poder age nas sombras da administração. Sua origem se localiza nos Estados absolutos, quando as decisões eram tomadas pelos arcana imperii, autoridades ocultas que se amparavam no direito de avocar as grandes decisões políticas, evitando a transparência do poder. Um dos princípios basilares da democracia é o jogo aberto das ideias, o debate, a publicidade dos atos governamentais, formas de controlar os limites do poder estatuído. No absolutismo, o princípio consistia na tese de que é lícito ao Estado o que não é lícito aos cidadãos. Nossas democracias representativas conservam contrafações do autoritarismo, entre as quais a capacidade de confundir o interesse geral com o interesse individual ou de grupos, a preservação de oligarquias e as redes invisíveis de poder.

Os fenômenos se expandem criando novos tipos de ilegalidade, desenhando uma aética nas relações políticas, fomentando o clientelismo e a apatia das massas. Sempre foi assim por nossas bandas, mas, nos últimos tempos, a tecnologia sofisticada tem conseguido driblar as afinadas lâminas dos controles. Não por acaso, as taxas de credibilidade na política e nos governantes decrescem, os valores éticos se estiolam, os fundamentos morais da sociedade se abalam e o resultado se mede pelo atraso no processo de modernização política e social.

Em suma, iremos conviver, por bom tempo, com o poder invisível e suas nefastas consequências. Estamos vendo gente graúda na cadeia. Mas tal visão não significa expurgo completo dos conluios. Não será surpresa se, mais adiante, batermos de frente com novos escândalos. Estamos abrindo o corpo putrefato da política. Os órgãos de controle e o Judiciário funcionam, nesse momento, como pinças e agulhas que lancetam tumores malignos. Esses cancros serão eliminados quando atingirmos estágio civilizatório elevado. Coisa para duas ou três gerações. Para tanto, o ponto de partida é a revolução educacional. Que pode elevar a condição de povos dóceis, indiferentes, ignorantes, passivos (preferidos pelos governantes) para um patamar avançado de democracia, que abrigará cidadãos ativos, conscientes, participativos.

Carecemos de cidadania ativa, aquela que John Stuart Mill defendeu em suas Considerações sobre o Governo Representativo. Não adianta fazer reforma política - mudar sistema de voto, de representação, fidelidade partidária, - se os súditos se assemelham a um bando de ovelhas pastando capim. A promessa da democracia - de educar os cidadãos - é o compromisso prioritário para que o Brasil possa sair do estágio pré-civilizatório que se encontra em matéria de cidadania política. Quando todos os brasileiros estiverem comendo do mesmo prato cultural, inseridos no banquete da Consciência cidadã, o nosso ethos terá orgulho do país.

Prisões são sinal de saúde institucional, não de crise

As prisões de um senador líder do governo, de um empresário amigo do peito do ex-presidente Lula, de um poderoso banqueiro, bem como o fato de os presidentes da Câmara e do Senado serem um denunciado e outro investigado pelo Supremo Tribunal Federal, não são ocorrências triviais nem refletem um estado normal de coisas.

Esse conjunto, no entanto, está longe de autorizar a conclusão de que estamos diante de uma crise institucional, como talvez avalie esse ou aquele analista. Ao contrário. O País teria instalada, isto sim, grave crise das instituições caso algum dos poderosos tivesse conseguido por meio de influência indevida impedir o curso das operações policiais e das decisões judiciais ora em tela.

A prisão de um senador no exercício do mandato é um caso inédito com o qual o Senado se deparou, pois coube a ele decidir sobre a manutenção, ou não, da decisão do Supremo. Nada de anormal, tudo previsto na Constituição e avalizado pela Corte Suprema.

Há observância das leis como nunca antes. Poderosos estão ao alcance delas, estamos finalmente demonstrando desde que o Supremo surpreendeu os condôminos do poder ao não ceder aos (maus) ditames das circunstâncias políticas ao dar seguimento ao processo e julgamento do mensalão.

A sensação de inquietude provocada por esses acontecimentos decorre apenas da falta de hábito que o Brasil tem de conviver (e respeitar) o princípio de que a lei é igual para todos e que ninguém está acima dela. Assim, quando são atingidos os habitualmente inatingíveis, a tendência é a de que se instale a insegurança no ambiente quando na verdade deveríamos nos sentir muito mais seguros.

Se crise há, e há, não é das instituições, mas daqueles que as desrespeitam porque assim estavam acostumados sem serem importunados. Anômala é a situação de frouxidão ética e moral que permite a ocorrência de fatos que, enfim, começam a ser combatidos. É a democracia entrando na idade adulta.

Dora Kramer

Perdeu, Papai Noel

Natal Magro Noel esqueleto renas esqueleto crianca assustada atras da mae

Não se pode confiar no Brasil
Guilherme Fontes








Vem chegando o Natal para fechar o ano que começou no Carnaval. Em verdade, tempo que no Brasil só existiu na folhinha, nos crimes, nos acidentes, no desemprego, na queda da produção e nos desastres ambientais. De resto, foi ano zerado na política e na governabilidade. Tezentos e sessenta e cinco dias perdidos para o país de custo altíssimo para a população.

Lucro mesmo para os bancos, os políticos e quem assinou delação premiada. Na avalanche de cretinice que assolou o país, salvaram-se os de sempre nos poderes.

Dilma adiou o próprio impeachment, Eduardo Cunha prorrogou seu julgamento na Comissão de Ética, Lula e a companheirada empurraram para o próximo ano as denúncias de envolvimento na maior rapinagem do mundo em cofres públicos. Ah, também condenados do Lava Jato, exibindo tornozeleiras eletrônicas, passarão as festas em seus apartamentos e casarões de milhões.

O Natal do brasileiro, como a árvore da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, desabou pela tempestade de incúria política que vem devorando o que pode no país. Nem adianta esperar por Papai Noel. Só vai mesmo aparecer nas reportagens sobre o espírito natalino que baixa todo ano, nesta época, no brasileiro e nas tevês. Será apenas virtual, e olhe lá.

Ao menos a dieta forçada fará com que não se empanturre o espírito, que mais leve poderá desfrutar de clareza para pensar na porcaria que se fez.

Samarco deposita lama na beira de rio


A mineradora Samarco está depositando a lama que vem sendo retirada há três semanas do centro da cidade de Barra Longa, a 60 quilômetros de Mariana (MG), justamente na margem do Rio do Carmo, curso d’água que termina no Rio Doce e local de onde está vindo a sujeira que contamina a água potável de mineiros e capixabas e já chegou ao mar.

O procedimento, dizem especialistas, contamina cada vez mais a água do rio, pois a lama, com a chuva, volta a escorrer para as águas. A Samarco diz que o depósito no local é temporário e a empresa busca um espaço adequado.

A montanha de lama fica bem na entrada da cidade. Caminhões que saem de Barra Longa percorrem cerca de um quilômetro até o local do depósito, um terreno que funcionava como centro de exposições para festas agropecuárias da pequena cidade, de 7 mil habitantes. Uma escavadeira e uma pá mecânica passam o dia empilhando a sujeira depositada pelos caminhões. “É um lugar provisório, mas ainda não encontramos outro”, diz o prefeito de Barra Longa, Fernando José Carneiro Magalhães (PMDB), ao reconhecer que a lama pode voltar ao rio. “Falaram que iriam deixar lá para secar, e depois colocariam em outro lugar”.

Banco dos réus

A crise política que atravessamos de modo cada vez mais dramático está jogando para o banco dos reservas a crise econômica, desde que se considere a crise moral como geradora das duas crises anteriores, sem esquecer uma terceira crise, a oral, que mais cedo ou mais tarde criará uma quarta crise, a mais devastadora, a institucional.


A harmonia entre os Poderes Legislativo e Judiciário está gradativamente se desmoronando e não se sabe quais serão os desdobramentos que estão em gestação.

Na semana passada, quando os parlamentares discutiam sobre o voto aberto ou fechado, um senador declarou da tribuna que o STF estava colocando o Congresso "no banco dos réus", criando a absurda possibilidade de mandar prender a maioria ou a totalidade dos membros das duas casas legislativas, tomando de fato o poder absoluto da República.

O que está acontecendo de maneira cada vez mais visível é que o anjo exterminador que opera entre as crises ainda não passou pela cúpula que vem criando a desconfortável situação em que mergulhamos. Apenas dois tubarões foram apanhados na rede punitiva: José Dirceu e agora Delcídio do Amaral. O resto, embora influente, é praticamente o baixo clero da corrupção.

Os cardeais das três crises instaladas (a quarta, a institucional, dependerá da força militar), embora citados, são a presidente Dilma e seu inventor, agora seu condestável, Luiz Inácio Lula da Silva, ele próprio arrolado entre os suspeitos de ser beneficiário direto ou indireto de algumas tramoias.

O PT, cuja fome de poder continua criando condições cada vez maiores para a corrupção e a falência já detectada pelo sistema financeiro internacional, procura proteção nos planos sociais, que são discutíveis, ao preço de bilhões de dólares que criam e lubrificam a corrupção e a incapacidade.

Carlos Heitor Cony

Ação da União contra Samarco é medida de governo escroque e bundão

O anúncio feito ontem por Izabella Teixeira (ministra do Meio Ambiente) e Luis Inácio Adams (Advogado-Geral da União), informando que na próxima segunda-feira a governo federal dará entrada na Justiça Federal de Brasília com uma Ação Civil Pública contra a Samarco, para conseguir, daqui a 10 anos, constituir um fundo de R$ 20 bilhões a fim de “suavizar a bacia do Rio Doce” é de uma pusilanimidade que não tem mais tamanho. Merece a repulsa de todo o povo. Estão fazendo encenação amarga e de péssima qualidade. Tripudiam da tragédia e do sofrimento alheio. Estão enganando as vítimas. É tapeação para mostrar que estão agindo. E a mando de Dilma, é claro. Quando a ação é do governo federal, é sempre o presidente da República quem está à frente. Dele é de quem partem as ordens.


Ação Civil Pública não tem prazo para acabar. Criada em 1985 (Lei nº 7.347) qualquer Ação Civil Pública, mormente tendo como causa uma tragédia do tamanho da de Mariana, atravessa gerações e mais gerações, até que seja concluída. E quando a ação terminar, e se dinheiro conseguir mesmo arrecadar, a quantia reverterá para um fundo gerido por um conselho com a participação do Ministério Público e da comunidade, “sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados” (Artigo 13 da referida lei).

Para o leitor entender: lá pelos anos 2070/2080, o dinheiro arrecadado por essa desavergonhada Ação Civil Pública que Dilma determinou fosse feita servirá para reparar os danos que a tragédia causou. Todos os danos. Mas aí começarão outras demandas. Cada sobrevivente, ou seus herdeiros e sucessores, vai precisar submeter à apreciação judicial a relação e estimativa dos prejuízos que seus antepassados suportaram. Serão outros processos, chamados de Liquidação de Sentença por Artigos, com contraditório, sentenças e muitos recursos. Serão mais 10 a 20 anos de demora. Aí estaremos no Século XXII.

Leio no O Globo de hoje, sábado (página 14): “Segundo o advogado-geral da União, Luis Inácio Admas, a proposta é que o fundo seja controlado pelas próprias empresas (no caso, Samarco, Vale e BHP), que repassariam os valores conforme seus faturamentos”. Se entendi, gestores do tal fundo serão os próprios réus da ação, os réus condenados, e o dinheiro das indenizações seriam por eles entregue às vítimas na medida do faturamento das empresas. Se for isso mesmo, deixo de fazer qualquer consideração, uma vez que a proposta é indecente, desonrada e fraudatória. Se não compactuo com malandragem, menos ainda com propostas escroques e escrotas.

Sim, desavergonhada. Não que a Ação Civil Pública mereça tal adjetivação. A falta de vergonha e de pudor está no fato de o governo federal optar apenas pela propositura da ação, sem, paralela e concomitantemente, cassar a concessão que a própria União concedeu à Samarco e, no mesmo ato (decreto ou Medida Provisória), abrir nova licitação para que o serviço de exploração de minério não sofra solução de continuidade e os trabalhadores não fiquem desempregados. E nem o município de Mariana perca os quase 90% de sua receita, que procede dos impostos pagos pela mineradora.

A encampação ou reversão da Samarco (concessionária) pelo governo federal (concedente) foi exigida e reclamada aqui na Tribuna da Internet no artigo “O que Dilma espera para cassar a concessão da Samarco e abrir nova licitação?”, publicado dia 22 passado e que pode ser relido no “link”. No artigo estão as justificativas de fato e de direito para a imediata cassação da concessão. Muitos outros blogs republicaram o artigo. Para citar apenas dois: pensandovocê.blogspot de José Carlos Cataldi e debatesculturais, de Alessandro Lyra Braga.

Mas que a verdade seja dita: tudo acontece e caminha na mais absoluta normalidade. Não se pode exigir ou esperar de um governo desmoralizado, ridicularizado, sem credibilidade interna e externa, marcado pela corrupção, sem gente de razoável saber e mínima compostura… Não se pode exigir de um governo bundão atitudes, medidas e gestos de energia, sobriedade e altivez que o governo desconhece e não tem independência e força para tomar. 

Daqui deste deserto em que persisto

Nenhum ruído no branco.
Nesta mesa cavo e escavo
rodeado de sombras
sobre o branco
abismo
desta página
em busca de uma palavra

escrevo cavo e escavo na cave desta página
atiro o branco sobre o branco
em busca de um rosto
ou folha
ou de um corpo intacto
a figura de um grito
ou às vezes simplesmente
uma pedra
busco no branco o nome do grito
o grito do nome
busco
com uma fúria sedenta
a palavra que seja
a água do corpo o corpo
intacto no silêncio do seu grito
ressurgindo do abismo da sede
com a boca de pedra
com os dentes das letras
com o furor dos punhos
nas pedras

Sou um trabalhador pobre
que escreve palavras pobres quase nulas
às vezes só em busca de uma pedra
uma palavra
violenta e fresca
um encontro talvez com o ínfimo
a orquestra ao rés da erva
um insecto estridente
o nome branco à beira da água
o instante da luz num espaço aberto

Pus de parte as palavras gloriosas
na esperança de encontrar um dia
o diadema no abismo
a transformação do grito
num corpo
descoberto na página do vento
que sopra deste buraco
desta cinzenta ferida
no deserto

As minhas palavras são frias
têm o frio da página
e da noite
de todas as sombras que me envolvem
são palavras frágeis como insectos
como pulsos
e acumulo pedras sobre pedras
cavo e escavo a página deserta
para encontrar um corpo
entre a vida e a morte
entre o silêncio e o grito

Que tenho eu para dizer mais do que isto
sempre isto desta maneira ou doutra
que procuro eu senão falar
desta busca vã
de um espaço em que respira
a boca de mil bocas
do corpo único do abismo branco

Sou um trabalhador pobre
nesta mina branca
onde todas as palavras estão ressequidas
pelo ardor do deserto
pelo frio do abismo total

Que tenho eu a dizer
neste país
se um homem levanta os braços
e grita com os braços
o que de mais oculto havia
na secreta ternura de uma boca
que era a única boca do seu povo
Que posso eu fazer senão
daqui
deste deserto
em que persisto
chamar-lhe camarada

António Ramos Rosa,

Oração da propina

Vocês vão me desculpar, mas uma coisa é o sujeito ser preso por firulas técnicas e outra bem diferente é vermos, ao vivo e em cores, uma “oração da propina”. Os caras rezam primeiro para roubar depois. É escandaloso. O que aconteceu hoje, com as gravações de um senador da República exibindo o derriére moral em público é uma coisa que desmoraliza qualquer governo decente.

Parece que nem arranha a cara vigarista destes nobres senhores, que já se cotizam para substituir a ladrãozão descoberto pela polícia. Vai ser patético ver que o comunismo pimpão dessa gente acaba na cueca, meus caros. JayDee já foi abatido, enquanto “guerreiro do povo brasileiro” debaixo de negociatas nada republicanas. Seu chefe, o lulão, tem um patinho de pedalar pago com dinheiro público desviado. São símbolos tão escabrosos de um decadência moral completa que me assusta ainda haver gente que se disponha e se deixar fotografar ao lado desse bando.

É contagioso. Aquela conversa mole sobre um bando de Robin Hoods do agreste, sacrificando a “odiosa classe média” em nome de um projeto maior desaba com lama e tudo na obscena atitude dessa gente de gozar do dízimo com toda a pompa e circunstância de uma republiqueta de bananas da terra. Não vejo como o governo vai escapar de perder, um a um, todos os seus intrépidos “missionários colaboradores”, visto que a missão é uma só: tungar mais dinheiro para financiar a fuga das galinhas.

É tão escabroso que pedir para sair seria uma medida profilática tomada pela mamulenga. Daqui pra frente, ela começa a colocar em risco seus ovos revoltosos, pois ver com que tipo de bandido estamos lidando é um tapa na cara da sociedade de proporções consideráveis. Ver o canal da platinada tentando dançar esse frevinho esquisito, equilibrando-se no discurso, não tem preço. Aliás, é o preço do alinhamento. Da covardia. Da cumplicidade. Da oração dos meliantes. Reza agora, maluco.

Culpas, desculpas, responsabilidades

 
Ali o rio corrente
De meus olhos foi manado

Luís de Camões — “Sôbolos rios que vão"

Sou carioca, mas tenho fortes raízes capixabas. Fui sempre a Linhares desde pequena. Antes mesmo de haver a ponte sobre o Rio Doce, cruzávamos as águas em canoa escavada num tronco. Os carros esperavam a travessia de balsa, em longa fila na estrada quase engolida pela majestosa Mata Atlântica. Saíamos de canoa a caminho do Rio Pequeno, o São José, íntimo e cristalino, que desaguava no Doce e nos levava à sua nascente, na Lagoa Nova, espelho líquido a refletir o céu e a mata. Apenas uma das lagoas deslumbrantes da região, como a Juparanã e a das Palmas, ligadas por riachos que ajudam a compor o grande rio. E suas grandes árvores, bromélias, epífitas, arbustos. Seus pássaros, macacos, pacas, capivaras, tatus, veados, jaguatiricas, onças. Já evoquei esse paraíso, no romance “Tropical sol da liberdade”.

O Rio Doce é parte do tecido de minha vida. A notícia da catástrofe ocorrida com ele me abalou tanto que fiquei incrédula, à espera de algum desmentido que não veio. Não era pesadelo. As notícias só confirmavam o horror. Agora o lamaçal da morte chega ao mar... Aos manguezais e recifes que fazem desse litoral um berçário.

Entre dor e indignação, alguns fatos se impõem à minha ignorância no assunto. Quer dizer que exportar minério e gerar riqueza para o país passa obrigatoriamente por criar rejeitos tóxicos a serem lançados nos rios? Precisam antes ser armazenados em barragens que destroem as matas e pavimentam a terra? Qual o limite? Até quando se espera que o veneno continue se acumulando por trás de uma barragem? Mineração não supõe apenas cavar a terra para ir buscar o minério? Ou algo como o trabalho numa pedreira?

Vamos descobrindo como fomos mantidos em criminosa inocência, a nos transformar em cúmplices silenciosos. Como é que nunca desconfiamos disso? Por que nunca nos contaram que esse era o preço a pagar?

Começa então a execração dos culpados, um dos esportes nacionais favoritos: a caça ao bode expiatório. Culpa da Dilma, que foi ministra de Minas e Energia. Culpa de Aecim, que foi governador de Minas. Culpa da empresa, que é gananciosa. Culpa do capitalismo, que é mesmo culpado de tudo. Culpa do Fidel, como ensinou aquele filme. Culpa de coxinhas e petralhas, de gregos e troianos. De todo mundo e de ninguém.

Tudo bem, quem tem culpa que pague. Mas não paremos aí. Quero tentar entender as responsabilidades, mais que as culpas. Culpado se arrepende (até com sinceridade), pede desculpas, é punido, e pronto. Responsabilidade é mais difuso e mais complicado. Recai sobre uma situação geral, construída há muito tempo. Tanto, que se faz uma espécie de acordo coletivo para esquecer. Em 2007 Lula, na Presidência, afirmou que, se pudesse, acabava com o Ibama porque a preocupação com os bagres estava atrasando hidrelétricas no Rio Madeira. Em 2009, voltou à carga — dessa vez tendo como alvo a perereca — em piadas chulas de duplo sentido. Dos conflitos de Dilma com Marina por questões ambientais estamos todos lembrados. Ser verde era ser ridículo e antipatriota. Legal mesmo é ser desenvolvimentista, e poder exibir slogan de propaganda do governo ao sobrevoar desastre em helicóptero.

Mas o Executivo não é o único leviano e irresponsável. O Congresso é pior. Cede a todo tipo de pressão, afrouxa os cuidados com o meio ambiente, cada vez permite mais desmatamento, protege menos os rios. Basta dizer que, se uma fiscalização houvesse constatado falhas graves na barragem ou no plano emergencial, a legislação em vigor não prevê a interdição da operação, apenas multa. Nada que um dinheirinho não resolva logo. Falta o Congresso elaborar todas as leis complementares nesse setor, coisa que há anos empurra com a barriga.

E quem fiscalizou? Como? Foi lá ver? Ou apenas conferiu documentos apresentados? Quem monitorou? Como? Sabe-se lá se havia areia misturada ao cimento para superfaturar? Dá para confiar? Há mais de 700 dessas barragens no Brasil, quase 400 só em Minas. Várias são de alto risco, agora ficamos sabendo. O número de fiscais é ínfimo. Há concursados esperando nomeação. Mas de aspones, assessores inúteis e sem concurso o país é recordista mundial. O Congresso até planeja construir um prédio novo para os seus. A sociedade deve gostar, porque elege e reelege quem trilha esses caminhos fisiológicos.

Dá nisso. Quem mata uma paca vai preso, crime inafiançável. Quem destrói todo um ecossistema, mata toda a fauna e flora, só paga uma multa. Que lei é essa? Que gente somos nós?

Francamente, não dá para apenas apontar e multar um único culpado. Este é o país que estamos fazendo. Uma criação coletiva. De consequências coletivas. Lembrando John Donne: os sinos dobram por todos nós. Um bando de gente desinformada que não sabia de nada. Como insiste agora em não ver a porcariada das praias do litoral carioca, com esgoto in natura avançando mar adentro. Ou assiste ao mosquito da dengue passar a ser também o da microcefalia.

É mesmo de desanimar. Talvez só reste chorar. 

'Morto', o rio Doce 'ressuscitará' em cinco meses

Embora esteja considerado atualmente "morto", o rio Doce, que recebeu mais de 25 mil piscinas olímpicas de lama proveniente do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana (MG), "vai ressuscitar" em até cinco meses, no final da época de chuvas, em abril do próximo ano.

A afirmação é de Paulo Rosman, professor de Engenharia Costeira da COPPE/UFRJ e autor de um estudo encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente para avaliar os impactos e a extensão da chegada da lama ao mar, ocorrida no último domingo e que afeta a costa do Espírito Santo.


Embora especialistas tenham divulgado previsões de danos catastróficos, que incluiriam danos à reserva marinha de Abrolhos, no sul da Bahia, e um espalhamento da lama por até 10 mil m², Rosman afirma que os efeitos no mar serão "desprezíveis", que o material se espalhará por no máximo 9 km e que em poucos dias a coloração barrenta deve se dissipar.

Para ele, há três diferentes cenários de gravidade do desastre e de velocidade de recuperação. No alto, onde a barragem se rompeu, próximo ao distrito de Bento Rodrigues, deve durar mais de um ano e dependerá de operações de limpeza dos escombros e de um programa de reflorestamento. Para ele, a sociedade e os governos mineiro e federal precisam cobrar de Vale e BHP Hillington, donas da Samarco, o processo de reflorestamento e reconstrução ambiental, de custo "insignificante" para as empresas.

Ele diz que, na maior parte do percurso do rio Doce, as próprias chuvas devem limpar os estragos e os peixes devem voltar ao rio no período de cinco meses, e, no mar, a diluição dos sedimentos deve ocorrer de forma mais rápida - até janeiro do próximo ano.

Ao mesmo tempo, o especialista considera "inaceitável" que o governo permita que as pessoas voltem a morar nas regiões afetadas e que seria "criminoso" não retirar os outros povoados que se encontram nas linhas de avalanche de outras barragens.