sábado, 18 de outubro de 2025

Pensamento do Dia

 


A necessidade do Estado Palestino

A criação do Estado Palestino, juntamente com a segurança de Israel, são fundamentais para a pacificação e estabilização do Oriente Médio, e da política mundial. A maioria de nossos problemas atuais decorrem do Oriente Médio, berço de nossa civilização, com as suas divisões e anteposições, que até hoje perduram. O Acordo de Cessar Fogo obtido pelos Estados Unidos, nos moldes atuais, é instável e não soluciona o problema, onde a guerra irá voltar, brevemente ou a médio e longo prazo.

A criação de Israel remonta ao fim da Primeira Guerra Mundial. Em 1916, a Inglaterra, a França e a Rússia assinaram o Acordo Sykes-Picot, no qual, devido ao desmantelamento do Império Otomano a Palestina e a Jordânia ficariam sob o Mandato Britânico, e o Líbano e a Síria sob o Mandato Francês, até 1943.


Após a Segunda Guerra Mundial, diante do holocausto e na inexistência de Estado juridicamente constituído na Palestina, a Assembleia da ONU aprovou, em 3 de setembro de 1947, a formação dos Estados Judeu e Palestino por 33 votos, representando 72% dos países, contra 13 votos no total. Votaram a favor os Estados Unidos, União Soviética, França, Brasil, dentre outros; votaram contra a Síria, Líbano, Arábia Saudita, Egito, Iraque, Irã, dentre outros; a Inglaterra, a China, e outros oito países se abstiveram.

A fundação de Israel data de 14 de maio de 1948, com a sequência da Guerra da Independência. Seguiram-se, até hoje, o total de 11 guerras entre Israel e os países da região, com a estimativa de cerca de 170.000 mortos no total, sendo 70.000 em Gaza nestes últimos 2 anos.

Hoje, 157 dos 193 Estados membros da ONU, ou seja, 80% dos países, reconhecem o direito da constituição do Estado Palestino, incluindo a Inglaterra, França, Canada, Australia, México, Brasil, o Vaticano, Turquia, Rússia, China, Índia, Japão, dentre outros, com o veto dos Estados Unidos.

São dois os principais problemas entre Israel e os países Árabes da Região.

Do ponto de vista político, toda vez que três países, com culturas e interesses antagônicos, compartilham suas fronteiras, o modelo tende ao desequilíbrio. Ali, se confrontam hoje Cristãos, Mulçumanos e Judeus, em suas diferentes percepções. Segundo a Teoria dos Jogos, todo sistema tripartite conflitivo tende ao desequilíbrio, uma vez que quando duas partes se acertam a terceira não necessariamente concorda, gerando na instabilidade contínua.

Do ponto de vista econômico, o petróleo é a grande riqueza e problema da região. 51% das reservas mundiais de petróleo estão no Oriente Médio, Arábia Saudita 16%, Iran 9,5%, Iraque 9%, Kuwait 6%, Emirados Árabes 6%. Os Estados detêm 2% das reservas mundiais, com 19% do consumo, Israel sem reservas. Como disse Robert Kennedy Jr., atual Secretário da Saúde e de Serviços Humanos de Trump, em sua então pré-candidatura à Presidência dos Estados Unidos em 2024, “Israel é a nossa fortaleza. É quase como ter um porta-aviões no Oriente Médio. Se Israel desaparecer, os BRICS vão controlar 90% do petróleo do mundo e isso seria uma catástrofe para nossos interesses”.

Segundo as teorias sobre o terrorismo, como em Martha Crenshaw, David Rapoport, Robert Gurr, dentre outros, pode-se e se deve combater, mas é muito difícil derrotar o terrorismo pelas armas, uma vez que o terrorismo sempre se renova, em seus líderes, segundo os motivos que lhe geram. A melhor solução, além do combate, é a composição, mesmo que relativa, como ocorreu na Irlanda do Norte. Para o bem da pacificação, dos povos, e dos países.

O Acordo de Cessar Fogo é mais uma Proposta de Rendição do que um Acordo de Paz, momentaneamente oportuno para todas as partes.

A pacificação tem o seu preço.

Hollywood me enganou

Sou uma vítima de Hollywood. Algumas décadas assistindo a filmes de ação me fizeram crer que o amor pela liberdade, pela democracia e a rejeição à tirania estavam inscritos no DNA dos americanos. É claro que nunca comprei essas ideias pelo valor de face.

Acompanhei dezenas de intervenções dos EUA em outros países que não podem ser catalogadas como defesa da democracia. Mesmo as que podem foram muitas vezes marcadas por um escandaloso autointeresse de Washington.


Ainda assim, acho que é difícil negar que os EUA, em parte pelas preferências de seus cidadãos, foram uma peça-chave na construção da ordem mundial do pós-Guerra, indubitavelmente mais democrática do que todas as ordens mundiais que a antecederam. E as preferências dos americanos são em parte determinadas pela imagem que esse público projeta de si mesmo, o que tem a ver com Hollywood.

Nesse contexto, devo dizer que me surpreende a passividade com que os americanos estão aceitando a escalada autoritária de Trump. Até entendo que as maiorias republicanas na Câmara, no Senado e na Suprema Corte deem corda para o Agente Laranja, mas como explicar que universidades, escritórios de advocacia e empresários que até outro dia se proclamavam paladinos do liberalismo também estejam acedendo a exigências, às vezes claramente ilegais, do governo Trump?

O pragmatismo pode ser uma resposta. O poder que a Casa Branca tem de impor custos a seus desafetos é quase infinito. É sempre mais interessante deixar que os outros façam o combate. Também deve haver atores imaginando que Trump acaba constitucionalmente em 2029. Melhor esperar a tormenta passar sem se molhar.

Não digo que esses raciocínios estejam necessariamente errados, mas não dá para negar que envolvem um certo risco. Kim Il Sung foi escolhido como presidente da Coreia do Norte para um mandato de quatro anos e a ditadura já está na terceira geração. Vamos ver se os protestos anti-Trump convocados para este sábado mudam a dinâmica, mas não estou muito otimista.

Lenço de pano

Costumo carregar um lenço de pano no bolso de trás da calça. Prática antiga, minha tia-avó Helena, já falecida, conhecedora do hábito, reiteradamente me presenteava com caixas contendo três, nas datas importantes. Traziam, eu achava o máximo, a letra erre bordada, e vinham, titia nunca falhava, com as cores: branca, azul e rosa. Ainda me sobrou um deles, alvo, limpo e engomado, com a inicial floreada, na caligrafia bonita dos antigos. Sempre que lanço mão de um, em ocasiões mais ou menos frequentes de emoção, as pessoas em volta estranham. Quem usa lenço hoje em dia, meu Deus? Seria mais natural surpreenderem-se com o lacrimejar instantâneo, eu assim à flor da pele, mas é o objeto de pano que chama mais a atenção.

Os comentários, aliás, são em tais ocasiões os mais variados. Afirmam ser coisa de velho, haver pouca higiene em se armazenar aquela porcaria na algibeira, o mais saudável seria utilizar utensílios descartáveis de papel. Ofendo-me, é claro! Por que não devo manter alguma tradição em meus costumes? Já mudei tanto, aceitei novidades, modernizei-me, embora aos trancos e barrancos, sou hoje capaz de encarar o mundo estranho em que vivo sem importunar os viventes do entorno. Não custava nada haver alguma reciprocidade, respeitarem gostos inocentes trazidos de um passado que, para mim pelo menos, é recente, parece ter sido vivido ontem. Desejo poder enxugar minhas lágrimas com conforto.

E como tenho chorado!

O mundo se tornou insalubre demais. Se me distraio e abro inadvertidamente algum filme recebido no computador, entro em contato com eventos horríveis, traumatizantes, vejo o ser humano sofrendo injustiças inacreditáveis. Fico logo engasgado, com embrulhos no estômago, a dor me escorre pela face incontrolavelmente. Como ver um pai tentando acalmar um filho que chora com medo de bombas e não tremer de ódio ante o vil? Os dois aterrorizados, tudo em volta chacoalhando, clarões iluminando as janelas e estrondos assustadores. Levo logo a mão para trás, alcanço aquele que sempre esteve ali para me secar o pranto. Permaneço horas impressionadíssimo. Quem mandou ser capaz de sentir com tanta fúria a dor alheia?

Gaza.

Então vejo alguém recitando um poema do palestino Ahmad Assuq. Resultado de teclar inadvertidamente um link no celular. Na telinha surgem escritores judeus brasileiros. Eles revezam-se dizendo versos fortes e sofridos desse poeta tão jovem, apenas vinte e seis anos de luta:

Vamos colocar máscaras
Para não ter que perder
Estes rostos que já não
Reconhecemos

E constato que, embora Adorno tenha dito que a poesia não sobreviveria a Auschwitz, ela está ali sangrando meus olhos, umedecendo minhas mãos, preciso urgentemente do meu lenço.

Gaza.

Como respirar, sorrir, sentar-se à mesa para fazer refeições sabendo que há um massacre sendo realizado?

Como respirar, sorrir, sentar-se à mesa para fazer refeições sabendo que existem crianças com fome e apavoradas?

Não consigo sem meu lenço. Impossível!

Ricardo Ramos Filho

Reivindiquemos o dever dos nossos deveres

Neste meio século não parece que os governos tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que moralmente estavam obrigados. As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante.

Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem. Ou porque não lhe permitem aquelas que efetivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que somos. Pensamos que nenhuns direitos humanos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem e que não é de esperar que os governos façam nos próximos 50 anos o que não fizeram nestes que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra. Com a mesma veemência com que reivindicamos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa tornar-se um pouco melhor.

José Saramago ao receber o Prêmio Nobel

Lucrando com a Casa Branca

Donald Trump cruzou muitas linhas vermelhas nestes nove meses de seu segundo mandato, mas em poucas áreas sua apropriação pessoal da autoridade política é tão evidente quanto em relação aos seus bens e aos de sua família. Ele não é o primeiro presidente dos EUA a vir do mundo empresarial, mas nenhum até agora obscureceu tanto a linha entre serviço público e lucro privado, uma fronteira fundamental para o funcionamento de qualquer sistema político democrático.

Desde que assumiu o cargo pela segunda vez em 20 de janeiro, Trump tem usado seu poder de forma tão agressiva que enfraqueceu o modelo de freios e contrapesos, a própria base da democracia americana. Ele também não hesitou em reprimir a dissidência e mobilizar todo o poder executivo para intimidar a imprensa, a sociedade civil e a oposição. Suas decisões de política externa estão redefinindo a estrutura para o uso da força e os limites do direito internacional. E deixaram claro para grandes corporações, oligarcas da tecnologia e qualquer estrangeiro interessado em fazer negócios nos Estados Unidos que tudo no Salão Oval tem um preço.


É difícil fornecer números concretos sobre o enriquecimento dos Trumps durante esse período, já que muitos de seus negócios não estão listados na bolsa de valores e a estrutura corporativa que eles criaram os torna difíceis de monitorar. Várias investigações estimam que sua riqueza, estimada em cerca de US$ 2,3 bilhões no final de 2024, pode ter se multiplicado por três ou até cinco vezes nos últimos meses. No entanto, há algumas evidências convincentes. O investimento da família no mercado de criptomoedas não existiria ou seria tão lucrativo sem as mudanças legislativas feitas por seu próprio governo, que excluiu o Federal Reserve e outras agências federais do negócio, que agora está exclusivamente em mãos privadas. Seus filhos estão fechando acordos com muitas petromonarquias pouco antes da visita oficial de Trump ao país em questão, e alguns desses governos estão autorizados a fazer negócios nos Estados Unidos — como a participação do fundo MGX de Abu Dhabi nas operações do TikTok USA — após depositar bilhões em uma startup de criptomoedas fundada pela família presidencial. Por sua vez, as empresas de tecnologia concordaram em pagar milhões em indenizações ao próprio Trump para encerrar os processos movidos pelo presidente.

O pior, porém, é que tal nível de monetização de cargos públicos carece da reação social e política que poderia ter provocado em outros tempos. Donald Trump rompeu muitos dos limites do que era considerado aceitável em um presidente, disfarçando preocupações éticas como questões partidárias. A polarização política também leva à erosão dos mecanismos de supervisão e responsabilização, permitindo que o presidente escape da responsabilidade perante seus eleitores. Sem uma resistência efetiva da sociedade e de instituições independentes, a deterioração de alguns dos princípios fundamentais da democracia americana pode ser irreversível.

Editorial do El País

Termo ‘empreendedorismo’ se vulgarizou

Volta e meia circulam aqui palavras, geralmente traduções do inglês, para nós aparentemente novas, mas que já eram antigas e usuais, com variantes de significado ao longo do tempo. De certo modo, palavras têm “biografia”. Se quisermos colocar a questão numa perspectiva mais abrangente que, no caso, é a policial, elas têm até “folha corrida”.

Quando fui pesquisador visitante da Universidade de Cambridge, na Inglaterra e, depois, professor catedrático, pagava minhas contas numa agência de famoso banco bem no centro da cidade. Uma placa indicava que ali tivera casa, na qual instalara o primeiro banco da localidade, John Murdock (1755-1816), que fora membro do Parlamento e 13 vezes prefeito da cidade. Tinha um lema, que a placa consagra: “O que vocês chamam corrupção, eu chamo influência”. Explicava seu criativo modo de criar riqueza e poder.


Está sepultado, santamente, numa pequena igreja próxima da casa em que vivera e em que triunfara como empreendedor. Nela, hoje, há um restaurante italiano.

Dessa cultura, uma palavra que teima em se infiltrar em nosso vocabulário é “empreendedorismo”. Como se fosse um conceito socialmente inovador. Em inglês tem sentido mais especificamente econômico, relativo a ganho e lucro, do que aqui.

O sentido da palavra agora vulgarizada vem de Joseph Schumpeter (1883-1950), economista tcheco, que foi ministro da economia da Áustria. Acabou emigrando para os EUA, tornou-se cidadão americano e lá morreu.

Bem examinada a coisa, não se trata de mera inovação vocabular, mais uma palavra dentre tantas palavras estrangeiras que se incorporam a uma língua que já não é, propriamente, a nossa velha língua portuguesa com sotaque nheengatu.

Durante o período bolsonarista de nossa decadência política, “fake news” foi designação “chique”, porque em inglês, para uma prática aqui antiga nem um pouco chique, a mentira como instrumento da esperteza e dos espertalhões. Não apenas para juntar riqueza, mas também para juntar poder, um instrumento novo de nossa corrupção antiga.

Empreendedorismo, tudo sugere, é vulgarização ampliada da concepção do mesmo Schumpeter, a de empresário inovador, aquele que em busca do lucro toma decisões econômicas de risco, inova porque antecipa-se nas práticas de obtenção do lucro que o diferenciam dos concorrentes.

Schumpeter deu à centralidade de sua concepção de inovação o sentido de “destruição criativa”. Ela impulsiona o progresso industrial e destrói as práticas econômicas obsoletas. Promove o desaparecimento de indústrias antiquadas e o surgimento de novas.

De certo modo, a concepção de economia de Schumpeter e a cultura do empreendedorismo já não dizem respeito, propriamente, ao que o filósofo Karl Marx (1818-1883) e seu parceiro de obra, o empresário do ramo têxtil Friedrich Engels (1820-1895), definiram como modo capitalista de produção e reprodução do capital, uma teia de relações sociais e de consciência social, as relações sociais de classe.

Com Schumpeter, dizem respeito a crescimento econômico, a quantidades, a ganhar com a inovação econômica para ganhar primeiro e, assim, ganhar mais. Já não dizem respeito a desenvolvimento econômico com um modo determinado e cambiante de desenvolvimento social. O lucro extraordinário da inovação já não resulta de relações sociais de superação de contradições da reprodução do capital. Mas da solidão do empreendedor criativo.

A transformação dessa mudança em cultura do meramente lucrar, em mediação da mentalidade pós-moderna, espalha-se rapidamente e promove a transformação redutiva e funcional das mentalidades. Já não se trata apenas do ganhar como lucro, mas do ganhar no amplo sentido de ganhar dominação, poder e riqueza, de uma economia sem socialidade.

Na “Ética protestante e o espírito do capitalismo”, de Max Weber, o enriquecimento era indício do favorecimento de Deus ao cumpridor de uma ética de moderação, do consumo ao sexo. Deus entrava indiretamente num modo de vida que favorecia o enriquecimento da pessoa por ele beneficiado.

As igrejas pentecostais, nos EUA e depois em outros países, como o Brasil, através da teologia da prosperidade reinventaram Deus e o tornaram sócio do empreendimento. O crente investe o que tem na compra da benevolência de Deus e cada templo é, de certo modo, um balcão de negócios.

Diferentemente da tese schumpeteriana, o ganho não é aí produto de um risco criativo e calculado. É investimento e compra. É expressão da coisificação da pessoa e de uma modalidade de alienação que a liberta dos valores da tradição, como a do pensamento crítico, para torná-la escrava de uma vida que é o cativeiro de um modo materialista de empreender.