terça-feira, 16 de abril de 2019

A hora escura em que vivemos

Em um dia qualquer do século passado, Louis Brandeis, o mítico juiz da Suprema Corte americana, cunhou uma frase lapidar que ganharia para sempre seu lugar na história. “A luz do Sol é o melhor detergente”, elaborou Brandeis, partindo de um raciocínio simples, mas fundamental para iluminar tempos sombrios como os que agora vivemos.

Crusoé foi lançada há menos de um ano. Ao longo de sua existência, conseguiu amealhar um número expressivo de leitores. Nesta segunda-feira, 15, a redação da revista viveu seu momento mais difícil. Uma funcionária do Supremo Tribunal Federal bateu à porta para entregar três folhas de papel que, em resumo, mandavam retirar do ar, imediatamente, a reportagem de capa da mais recente edição.

A capa em questão estampava o rosto do presidente da corte, Dias Toffoli. O texto revelava o teor de um documento em que Marcelo Odebrecht, empreiteiro-delator da Lava Jato, contava tratar-se de Dias Toffoli um personagem que, em mensagem eletrônica enviada por ele, era chamado de “amigo do amigo de meu pai”.

A reportagem foi elaborada com cuidado. Em nenhum momento Crusoé fez ilações ou atribuiu ao ministro qualquer tipo de relacionamento escuso com a Odebrecht. Limitou-se a informar o conteúdo do e-mail e, como mandam as normas do jornalismo, contextualizou a história, explicando quem era quem e informando o papel de cada um quando a tal mensagem foi enviada. É preciso, sempre, situar o leitor.

O mais importante, do ponto de vista da notícia, era o que constava do documento, que acabara de ser apensado aos autos de um dos muitos inquéritos da Operação Lava Jato. Lá pelas tantas, o texto informava que, por mencionar Dias Toffoli, o ofício de Marcelo Odebrecht, entregue aos investigadores por um de seus advogados, havia sido remetido (frise-se, remetido) à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, responsável por investigar quem tem foro privilegiado.

A procuradora-geral, no dia seguinte à publicação, divulgou nota negando ter recebido (frise-se, recebido) cópia do documento de Odebrecht. Era de se imaginar que o papel talvez ainda não tivesse chegado ao gabinete de Dodge. Poderia estar transitando entre Curitiba e Brasília. Mas, como publicou Crusoé, havia sido enviado à procuradora – isso, havia.

Eis que foi justamente à nota de Raquel Dodge que o ministro Alexandre de Moraes, um dos onze integrantes do Supremo, recorreu para censurar a revista, alegando tratar-se de fake news a reportagem publicada. Raciocínio tortuoso. Dodge não ter recebido o documento, para ele, era motivo suficiente para colocar em xeque a integridade do texto, que em momento algum dizia que o papel havia chegado às mãos da procuradora.

Na decisão, aliás, havia zero palavra sobre a afirmação de Marcelo Odebrecht acerca de Dias Toffoli. Esse era um não-assunto na ordem de censura. A questão central era a nota de Dodge. O esforço para descredibilizar a reportagem, ainda que baseado em uma premissa artificial, estava patente.

Relator no Supremo de um inquérito sigiloso aberto pelo próprio Dias Toffoli para investigar agressões a integrantes da corte, Moraes agiu a partir de uma provocação do próprio presidente. Horas após a publicação da reportagem de Crusoé, Toffoli lhe enviara, do exterior, uma mensagem pedindo a “devida apuração das mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras”.

Logo se descobriria, ao menos em parte, a razão do misterioso inquérito instaurado em março, e que tanto chamou atenção por seu caráter atípico: uma investigação aberta de ofício pelo presidente do tribunal, que escolheu Alexandre de Moraes a dedo como relator, sem passar pelo sistema de sorteio comum aos demais procedimentos, e sem o necessário acompanhamento do Ministério Público.

A censura determinada por Moraes, se não disse tudo sobre o inquérito, mostrou que um de seus propósitos é intimidar – ou, ao menos, tentar intimidar — jornalistas que fazem seu trabalho. Crusoé foi censurada a partir de um salto interpretativo, uma pirueta. Como não havia o que questionar sobre a questão central, optou-se por criar um incidente lateral, motivado pela nota de Dodge, que nem sequer condiz com o que consta do texto publicado.

Não fosse suficiente a ordem para retirar a reportagem do ar imediatamente, o que foi feito, cerca de sete horas depois um outro oficial de Justiça chegava à redação, agora para entregar uma intimação em que o gabinete de Alexandre Moraes comunicava que a revista será multada por descumprir sua decisão. O despacho de seis linhas não explicava quais bases serviram ao entendimento do ministro de que sua ordem fora desrespeitada.

Como o tal inquérito corre sob sigilo, ao menos por ora é impossível saber o que Alexandre de Moraes viu para concluir que houve descumprimento da ordem de censura. Significa dizer que estamos expostos a novas ordens, a qualquer momento – e, de novo, sem mais explicações.

Sim, estamos no escuro. Nunca a luz do Sol, aquela a que se referia Brandeis, foi tão necessária. De tudo, uma coisa é certa: a jovem e corajosa redação de Crusoé seguirá fazendo seu trabalho como deve ser feito. Sem se curvar, sem temer as arbitrariedades, sempre em busca de luz para iluminar as trevas.

Rodrigo Rangel, Diretor de redação

Imagem do Dia


Censura togada

Há uma campanha injusta contra o Supremo Tribunal Federal por parte de uma militância de extrema direita, que chega a falar em "fechar o STF". É um eco da ideia lançada pelo deputado Eduardo Bolsonaro de que, caso a Suprema Corte se colocasse contra a Presidência de seu pai por qualquer motivo, bastaria mandar "um cabo e um soldado" para dar conta dela.


Dito isso, é impossível não se revoltar contra o próprio Supremo quando ele veste a carapuça do poder quase ditatorial que lhe é atribuído, e em benefício de seus próprios membros. Ao proibir que a revista Crusoé e o site O Antagonista veiculem o conteúdo do depoimento de Marcelo Odebrecht à Lava Jato, em que ele menciona o ministro Dias Toffoli, os ministros do Supremo Tribunal Federal mostram que, de fato, se julgam acima das liberdades e direitos que valem para o resto dos brasileiros.

A informação veiculada pela Crusoé consta dos autos da Lava Jato. Não é uma invenção do jornalista (caso em que, aí sim, seria razoável vedar sua reprodução). Dias Toffoli errou, portanto, ao caracterizá-la de "fake news". Pode inclusive ser que Marcelo Odebrecht tenha mentido, mas isso em nada altera a verdade do fato noticiado: ele de fato se referiu a Dias Toffoli em seu depoimento. Inevitavelmente, a tentativa de calar a imprensa produz a suspeita contrária na mente da população: se Toffoli é mesmo inocente, por que manda barrar o conteúdo da reportagem?

Além disso, a própria eficácia da decisão do STF é dúbia. Não é porque um site tira um conteúdo do ar que ele deixa de circular pelas redes. Na verdade, ter sido alvo de censura só aumenta o interesse das pessoas pela matéria, que hoje em dia —ao contrário de décadas atrás— tem meios pelos quais circular. Nos grupos de WhatsApp que formam a opinião pública, a matéria censurada circula livremente. Quem originalmente não se interessou agora vai atrás; e vai encontrar.

No Brasil, o braço armado do Estado, que deveria ser o último recurso para a resolução de conflitos e de problemas sociais, costuma ser o primeiro. Em março, Dias Toffoli abrira um inquérito amplo, sem objeto específico, para investigar supostos ataques ao STF. Agora os poderes dados por esse inquérito são finalmente trazidos à prática, e o resultado é assustador.

Como bem sintetizou o advogado Horácio Neiva, em seu Twitter, "o STF é, ao mesmo tempo, i) o autor da denúncia; ii) o responsável pela investigação; iii) quem decide os fatos relacionados à investigação; iv) quem determina atos judiciais no curso da investigação; v) quem define o escopo da investigação."

Ao agir de forma tão descarada em sua própria defesa, num processo em que ele próprio é acusador e juiz, o STF conseguiu um feito raro: a unanimidade da opinião pública, da esquerda radical à extrema direita, voltou-se contra ele. O que não deixa de ser grave, num momento em que instituições que contrabalanceiem o poder do governo federal se tornam mais importantes para lidar com a combatividade que dele parte.

Uma sociedade bem ordenada e com direitos individuais depende de um equilíbrio de forças sempre precário. É preciso evitar que qualquer líder ou grupo concentre poder demais. Em tempos de polarização ideológica e em que cada um puxa seu lado da corda com mais força, o cuidado é redobrado. Um STF forte e respeitado nos interessa a todos. Para isso, a tentativa de censurar uma revista é um tiro no pé.

A falta que a política faz

Além das seguidas capitulações espontâneas do presidente o que mais tem comprometido a reforma da previdência é a “embriaguez da onipotência numérica” vivida pela família Bolsonaro. Trata-se de uma confusão que decorre do encantamento com a contagem de numeros absolutos revelados pelo súbito destampar de panelas ha muito forçadamente lacradas operado pelo aprendizado no uso das redes sociais, que tem levado a trágicos erros de avaliação política pelo mundo afora, da Primavera Árabe em diante.

Depois do salto proporcionado pela ânsia do Brasil de livrar-se da venezuelização que elegeu Bolsonaro, as pesquisas indicam uma volta da opinião pública ao leito da normalidade. Cada vez mais as manifestações de radicalismo só repercutem no gueto da direita incondicional que não precisa ser conquistada pois já é e nunca deixará de ser dele assim como os 30% da esquerda incondicional foram do PT e são hoje dos seus sucedâneos. Para tudo mais elas só prejudicam. Como chegar a 308 deputados (partindo dos atuais 190) mais 49 senadores que a reforma requer carimbando qualquer conversa com eles como “prova” de corrupção?

A próxima parada, diz Paulo Guedes, é o Novo Pacto Federativo que reservará 70% do dinheiro dos impostos para estados e municípios e 30% para a União. A distribuição do dinheiro dos impostos em consonância com a quantidade de assistidos por cada ente de governo, entretanto, é produto, onde ocorre, de um arranjo político revolucionário e não o contrário. Na repartição do que quer que seja a parte do leão fica com quem detem o poder. É uma lei da natureza. Logo, para inverter a distribuição do dinheiro é preciso antes por o povo no poder.



O federalismo foi o arranjo institucional que deu consequência prática a essa inversão. A fórmula que criou governos dentro de governos, cada um deles soberano na sua esfera de atuação mas dividido em três poderes encarregados de filtrar as decisões uns dos outros foi, pela primeira vez na história da humanidade, uma teoria criada para ser posta imediatamente em prática estritamente dentro da característica pragmática da cultura anglo-saxônica. Não para “criar uma nova humanidade”, à latina, mas para resolver um problema específico: como montar um esquema funcional para transferir o poder do monarca absolutista humano para o conjunto da população, também humana, e evitar o retorno à condição anterior de opressão, agora por uma maioria. Esse o ponto a que chegou a Democracia 3.0, modelo século 18, que nós nunca alcançamos. E não foi suficiente. Ele teve de evoluir, no século 20, para a Democracia 4.0 que pôs o indivíduo reinando soberano sobre todas as outras soberanias ao reforçar dramaticamente os poderes dos eleitores antes e depois do momento das eleições, com os direitos de cassar mandatos a qualquer momento, dar a última palavra sobre as leis que se dispõem a obedecer e submeter até os juízes, periodicamente, à confirmação do seu beneplácito. Por o carro adiante dos bois com um eleitorado inteiramente desarmado e legalmente proibido de defender-se contra a violência legislativa e regulatória dos donos do poder (como nos querem até em relação à própria vida os radicais desarmamentistas) só levará a uma multiplicação desastrosa dos focos de corrupção.

A maior dificuldade para arrumar o Brasil não está no confronto entre visões divergentes, está em formular uma visão divergente de fato, coisa que não poderá ser aprendida na práxis política corrente que, pela direita e pela esquerda, vive da distribuição de pequenos privilégios. Vai requerer um longo mergulho no estudo da teoria política, assunto hoje anatemizado como sintoma de propensão à corrupção, e da história da evolução da democracia pois em todos os países os problemas foram os mesmos que enfrentamos e muitos conseguiram supera-los. Não é preciso reinventar a roda. A questão é como fazer isso num país que socializou o pequeno privilégio numa extensão inédita no mundo e onde todos amam o seu, cujas escolas ou estão destruídas, ou estão censuradas pelo aparelhamento ideológico, o que nos leva ao outro grande foco de ruídos dos primeiros 100 dias do governo Bolsonaro.

Nas democracias de DNA saxônico vigora um princípio que explica a resiliência delas e tem tudo a ver com federalismo. O controle da educação deve ficar o mais longe possível de quem já tem o controle da força armada, explicitamente como elemento básico de prevenção contra a sede insaciável de mais poder que todo poder tem.

De fato não faz nenhum sentido, senão como instrumento de perpetuação no poder, que num país continental cheio de itaócas e de megalópoles plantadas em realidades culturais, geográficas e de vocação econômica radicalmente diversas umas das outras, um único órgão centralizado, como o MEC, imponha o mesmo currículo e os mesmos métodos pedagógicos para todo mundo em todos os níveis de educação. Por isso, naquelas democracias, o controle das escolas públicas não fica sequer na mão do poder municipal, fica a cargo da menor unidade do sistema, os conselhos (school boards) eleitos por cada bairro entre os pais dos alunos que frequentarão aquela escola. Com sete membros com mandatos de quatro anos desencontrados, metade eleita a cada dois anos, são esses boards que contratam os diretores de cada escola pública e aprovam (ou não) os seus orçamentos e os seus programas pedagógicos.

Um conjunto de “distritos escolares”, o primeiro elo do sistema de eleições distritais puras, único que cria uma identificação perfeita entre os representantes eleitos e cada um dos seus representados permitindo o controle direto legítimo e seguro de uns sobre os outros, constituirá um distrito eleitoral municipal. Uma soma destes fará um distrito estadual, um conjunto dos quais dará um dos distritos federais que elegerão os deputados do Congresso Nacional.

A política, o patinho feio de todo o drama brasileiro, não pode, portanto, ser o último fator a ser considerado. Se for para curar o país, terá de ser o primeiro.

Censura até aonde?

Será que eles também não podem censurar comentário de senador? De repente, o STF pode determinar que um jipe com um cabo e dois soldados encoste no Senado
Major Olímpio, senador líder do PSL

O achismo mata a imprensa

Sou um sobrevivente da era de ouro do jornalismo, quando os repórteres dos jornais diários não tinham que competir com as notícias 24 horas da TV a cabo, quando os jornais ganhavam muito dinheiro com propaganda e classificados, e quando eu era livre para viajar para qualquer lugar, no momento que desejasse, por qualquer motivo, com o cartão de crédito da empresa. Havia tempo suficiente para cobrir notícias de última hora sem ter de ficar constantemente relatando as novidades no site do jornal.

Não havia mesas-redondas com especialistas e jornalistas na TV a cabo que começam a responder a qualquer pergunta com as duas palavras mais mortais do mundo da imprensa: “Eu acho”. Estamos saturados de notícias falsas, informações exageradas e incompletas, e asserções falsas feitas sem parar nos nossos jornais diários, nossas televisões, nossas agências de notícia on-line, nossas redes sociais, e pelo nosso presidente.

Sim, é uma bagunça. E não há nenhum passe de mágica nem um salvador à vista para a imprensa séria. Os jornais, as revistas e as redes de TV mainstream continuarão demitindo repórteres, reduzindo a equipe e encolhendo o orçamento disponível para uma boa reportagem, especialmente para reportagens investigativas, cujo custo é elevado, o resultado é imprevisível e ainda têm grande capacidade de irritar leitores e atrair processos caros. Muitas vezes os jornais de hoje correm para imprimir notícias que mal passam de indícios ou suspeitas de algo tóxico ou criminoso. Por falta de dinheiro, tempo ou de uma equipe habilidosa, estamos cercados por histórias com “ele disse, ela disse”, nas quais o repórter não passa de um papagaio. Sempre pensei que era a missão de um jornal buscar a verdade e não apenas registrar a discordância. Houve um crime de guerra? Os jornais agora dependem de um relatório negociado pelas Nações Unidas que aparece, no melhor dos casos, meses depois para nos contar a história.

E a mídia fez algum esforço significativo para explicar por que relatórios da ONU não têm sido considerados a palavra final por muitos ao redor do mundo? Há relatórios críticos sobre a ONU? Posso ousar perguntar sobre a guerra no Iêmen? Ou o motivo pelo qual Donald Trump tirou o Sudão da sua lista de países cujos cidadãos têm restrições para entrar nos Estados Unidos? (A liderança em Cartum, no Sudão, mandou tropas para lutar no Iêmen em nome da Arábia Saudita.)

Minha carreira sempre girou em torno da importância de falar verdades relevantes e que ninguém queria ouvir, e tornar os Estados Unidos um país mais instruído. Não estava sozinho nesse objetivo de fazer a diferença; penso em David Halberstam, Charles Mohr, Ward Just, Neil Sheehan, Morley Safer e dezenas de outros jornalistas do mais alto nível que fizeram tanto para nos ensinar sobre o lado sórdido da Guerra do Vietnã. Sei que não seria possível ter tanta liberdade nos jornais de hoje quanto eu tive até uma década atrás, quando começaram os cortes financeiros. Lembro vividamente do dia em que David Remnick, o editor da New Yorker , me telefonou em 2011 para perguntar se eu podia fazer uma entrevista com uma fonte importante pelo telefone em vez de voar 5 mil quilômetros para realizá-la ao vivo. David, que fez todo o possível para apoiar minha cobertura dos horrores da prisão de Abu Ghraib em 2004 — ele pagou caro para permitir que eu publicasse reportagens em três edições consecutivas —, me implorou no que julguei ser uma voz envergonhada, dolorida, quase um sussurro.

Onde estão as matérias de peso sobre as operações das Forças Especiais dos Estados Unidos que continuam sendo realizadas e a disputa política sem fim no Oriente Médio, na América Central e na África? Com certeza continuam ocorrendo abusos — a guerra é sempre um inferno —, mas os jornais de hoje e as redes de TV simplesmente não têm dinheiro para manter correspondentes lá, e quem ainda faz isso —, basicamente o New York Times , onde trabalhei alegremente por oito anos na década de 70, sempre causando encrenca — não consegue financiar as reportagens de longo prazo necessárias para mergulhar a fundo na corrupção dos militares ou dos serviços de Inteligência. Como você lerá aqui, demorei dois anos para aprender o que precisava para relatar a espionagem doméstica ilegal que a CIA realizava nas décadas de 60 e 70.

Não finjo ter a resposta para todos os problemas da imprensa nos dias de hoje. O governo federal deveria apoiar a imprensa, como a Inglaterra faz com a BBC? Pergunte a Donald Trump. Deveria haver alguns poucos jornais nacionais financiados pelo público? Em caso afirmativo, quem poderia comprar ações dessa empreitada? Este é claramente o momento de renovar o debate sobre o que fazer a seguir. Acreditei por anos que tudo se resolveria, que os jornais americanos decadentes seriam substituídos por blogs, coletivos de notícias on-line e por semanários que preencheriam as lacunas das reportagens locais, assim como das notícias nacionais e internacionais, mas, apesar de alguns poucos casos de sucesso — VICE , BuzzFeed , Politico e Truthout são os nomes que me ocorrem —, isso não está acontecendo; em consequência, a mídia, assim como a nação, está mais tendenciosa e estridente.

Pensamento do Dia


O ministro antiFalcone

Sergio Moro sabe que:

1 - As milícias são organizações criminosas controladas por policiais civis e militares corruptos e violentos;

2 - Esses policiais utilizam o aparato do Estado, como armas, helicópteros e caveirões, para expulsar o tráfico e dominar as favelas;

3 - As milícias cobram por proteção e dominam atividades econômicas importantes nas áreas que controlam: distribuição de sinais de TV e de gás de cozinha e transporte alternativo;

4 - As milícias decidem quem faz propaganda eleitoral nas suas áreas e financiam campanhas políticas;

5 - Milicianos e políticos ligados a milicianos foram eleitos no Brasil para cargos legislativos e executivos em níveis municipal, estadual e federal.

Mesmo sabendo de tudo isso, o ministro Sergio Moro declarou que as milícias representam a mesma coisa que as facções criminosas dentro das prisões, sugerindo que esses grupos operam como o varejo do tráfico de drogas.



Ora, o leitor sabe que sempre apoiei a operação Lava Jato e que chamei Sergio Moro de “samurai ronin”, numa alusão à independência política que, acreditava eu, balizava a sua conduta. Pois bem, quero reconhecer o erro que cometi.

Digo isso porque não há outra explicação: Sergio Moro finge não saber o que é milícia porque perdeu sua independência e hoje trabalha para a família "Bolsonaro". Flávio não foi o senador mais votado em 74 das 76 seções eleitorais de Rio das Pedras por acaso.

O pacote que Sergio Moro enviou ao Congresso —embora razoável no que tange ao combate à corrupção corporativa e política— é absurdo no que se refere à luta contra as milícias. De fato, é um pacote pró-milícia, posto que facilita a violência policial.

Se Sergio Moro tivesse estudado os autos de resistência no Brasil teria descoberto que:

1 - Apenas no Rio de Janeiro, a cada seis horas, policiais em serviço matam alguém;

2 - A versão apresentada por esses policiais costuma ser a única fonte de informações nos inquéritos instaurados em delegacias para apurar os homicídios;

3 - Como policial tem fé pública, a sua versão embasa a excludente de ilicitude, evitando a prisão em flagrante;

4 - A Polícia Civil, além de raramente escutar testemunhas ou realizar perícias no local dos assassinatos, tem mania de desfazer as cenas do crime para prestar socorro às vítimas, apesar de a maioria delas morrer instantaneamente em decorrência de disparos no tórax;

5 - Desde 1969, quando o regime militar editou a ordem de serviço 803, que impede a prisão de policiais em caso de “auto de resistência”, apenas 2% dos casos são denunciados à Justiça e poucos chegam ao Tribunal do Júri.

Aprovado o pacote anticrime de Sergio Moro, esse número vai tender a zero. Isso porque o pacote prevê que, para justificar legitima defesa, bastará que o policial diga que estava sob “medo, surpresa ou violenta emoção” —ou, ainda, que realizava “ação para prevenir injusta e iminente agressão”.

O hábito que os policiais milicianos têm de plantar armas e drogas nos corpos de suas vítimas para justificar execuções é tão usual que deu origem a um jargão: todo bom miliciano carrega consigo um “kit bandido”. Aprovado o pacote de Moro, nem de “kit bandido” os milicianos precisarão mais.

Sergio Moro nunca sofreu atentados e nunca lidou com a máfia. Mas o juiz Giovanni Falcone, em quem o ministro diz se inspirar, foi morto aos 53 anos de idade na explosão de uma bomba colocada pela máfia em uma estrada. Sua mulher e três seguranças morreram com ele.

O crime foi uma reação da máfia à operação “Maxiprocesso”, que prendeu mais de 320 mafiosos na década de 1980. Ela deu origem à operação “Mãos Limpas”, que mostrou que a máfia elegia e controlava políticos importantes na Itália.

Ora, no contexto brasileiro, é óbvio que o pacote anticrime de Moro vai estimular a violência policial, o crescimento das milícias e sua influência política. Sergio Moro foi de “samurai ronin” a “antiFalcone”. Seu pacote anticorrupção é, também, um pacote pró-máfia.

Só perigoso?

Esse cara é um ser humano muito perigoso. Eu certamente peço ao museu que não permita que ele seja recebido lá. Se você está falando de uma instituição apoiada publicamente (o museu) e está falando de alguém que está fazendo algo tangivelmente destrutivo (Bolsonaro), fico desconfortável com isso
Bill de Blasio, prefeito de Nova York

A tentação populista

Hoje, o presidente Jair Bolsonaro terá uma reunião com sua equipe de governo e a cúpula da Petrobras para discutir a política de preços dos combustíveis, depois de pôr em xeque a orientação do ministro da Economia, Paulo Guedes, em relação à estatal: a autonomia para atuar de acordo com as necessidades do mercado, sobretudo a flutuação do dólar. Na sexta-feira, Bolsonaro mandou a estatal cancelar um aumento no preço do diesel após ser pressionado por líderes dos caminhoneiros, à revelia do ministro, porque acha que o preço dos combustíveis deve estar alinhado à inflação e não ao mercado mundial de petróleo. A decisão provocou queda abrupta das ações da Petrobras, que perdeu R$ 32 bilhões do seu valor patrimonial. Nos bastidores do governo, há uma queda de braços entre Guedes, que nomeou o atual presidente da Petrobras, Roberto Castelo Branco, e os ministros da Casa Civil, Ônyx Lorenzoni, e de Minas e Energia, Bento Costa Lima, ao qual a estatal está formalmente vinculada.

A decisão de Bolsonaro não é a primeira em relação a segmentos estratégicos de sua campanha eleitoral; também cedeu aos ruralistas, ao anunciar que anistiará dívidas no valor de R$ 17 bilhões. O presidente da República minimizou a queda de 15 pontos percentuais de sua aprovação nas pesquisas de opinião, porém, desde então, dá sinais de preocupação e adotou medidas que podem contribuir para melhorar a própria imagem, como o fim do horário de verão e o décimo terceiro do programa Bolsa Família. Nas redes sociais, resolveu dar mais ênfase à divulgação de suas ações administrativas. A estratégia de desprezar os meios de comunicação tradicionais e se comunicar por meio das redes sociais já bateu no teto.


Nos primeiros 100 dias de mandato, o comportamento de Bolsonaro foi uma espécie de “ensaio e erro”, se considerarmos a avaliação feita pelo ministro da Casa Civil ao apresentar o balanço de realizações do governo. Bolsonaro está aprendendo a ser presidente da República, sem nunca antes ter exercido um cargo executivo. A aprendizagem por ensaio e erro consiste em eliminar gradualmente os ensaios e tentativas que levam ao erro e manter comportamentos que conquistaram o efeito desejado, segundo a lei do efeito (um ato é alterado pelas suas consequências) e a lei do exercício (estímulos e respostas fortalecidos pela repetição). Erro, porém, anda de braço dado com o fracasso. Seria melhor que Bolsonaro aprendesse com os seus antecessores, como Collor de Mello e Dilma Rousseff, por exemplo, em relação ao Congresso e à Petrobras, respectivamente.

Ainda não é possível definir claramente o caráter do governo Bolsonaro, embora o senso comum permita afirmar que seja conservador nos costumes e liberal, na economia. Um governo eleito democraticamente, mas assumidamente de direita, pode ter características bonapartistas ou populistas. Por enquanto, o viés predominante é bonapartista, porque seu eixo está na forte presença militar, policial e técnico-burocrática. Bolsonaro se coloca acima dos partidos e dos demais poderes, o que é uma contradição com o regime democrático no qual foi eleito. Nesse aspecto, a Lava-Jato desempenha um papel crucial, ao manter sob pressão a elite política e a cúpula do Judiciário. Não será surpresa o surgimento de propostas no sentido de adaptar a legislação vigente às conveniências do bonapartismo, como a extinção dos conselhos de políticas públicas, por exemplo.

A perda de popularidade do governo, porém, tende a provocar uma deriva populista por parte de Bolsonaro, de acordo com a receita já conhecida: busca de proximidade com as massas sem passar por nenhuma instituição política; favorecimento de segmentos sociais que lhe dão apoio; e fragilização dos partidos. Nesse aspecto, a queda de braços de Bolsonaro com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e os líderes do chamado Centrão, PP, PR, DEM, PRB, Solidariedade e Podemos, tende a se tornar uma batalha sangrenta, por causa da Lava-Jato.

Bolsonaro praticamente já abriu mão da meta de R$ 1 trilhão de economia em 10 anos, grande objetivo da equipe econômica. Estará satisfeito se o Congresso aprovar o aumento da idade mínima e do tempo das contribuições, sem que seja necessário entrar em confronto com a sua própria base eleitoral, que compõe o eixo de seu governo. A reforma possível tem maioria no Congresso, mas esse apoio não virá por gravidade. É plausível que os líderes do Centrão queiram obstruir a reforma por causa da não participação no governo. Entretanto, a maior resistência às reformas vem da própria base de Bolsonaro, que é muito corporativista. O problema é que um governo populista não tem chance de fazer o país voltar a crescer de forma sustentável.

Presidente do Brasil?


Dilma, Temer e Bolsonaro: semipresidentes

O interregno Michel Temer, situado entre Dilma e Bolsonaro, desponta quase como um experimento de laboratório a iluminar os contornos da governança política brasileira desde que o país mergulhou na depressão econômica, em meados de 2014.

Para funcionar, o sistema passou a depender exageradamente da qualidade do presidente da República. Não se trata de habilidades genéricas, mas, sim, do domínio das técnicas políticas, em especial para o entrosamento com o Congresso.


É comum topar com elogios ao desempenho de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva nesse ofício. Não é correto realizar essa comparação sem considerar o ambiente muito mais favorável em que governaram, no entanto.

Apesar de crescente desde a democratização, a fragmentação partidária brasileira descambou de vez para a anomalia apenas no final da década passada. Aproximou-se do recorde mundial na eleição de 2018.

A grana, que era farta, encolheu agudamente. O gasto efetivo da União cresceu mais de 4% ao ano acima da inflação sob FHC e a primeira Dilma e quase 9% ao longo dos dois mandatos de Lula. De 2015 a 2018, a elevação anual foi inferior a 1%.

Os superpoderes presidenciais também se enfraqueceram de lá para cá. A adoção do Orçamento plenamente impositivo dá sequência a uma longa marcha nesse sentido.

Menos recursos, menos prerrogativas, mais clientes a demandar atenção e o mesmo grau de cobrança do eleitorado, acostumado a atribuir tudo ao presidente: essa nova constelação de limites ao exercício do governo no Brasil não parece passageira.

O único dos três últimos presidentes a ter se desempenhado razoavelmente nesse terreno modificado foi Temer. Dilma naufragou. Bolsonaro demonstra inaptidão para a difícil tarefa da costura parlamentar em ambiente hostil, mas pode melhorar.

Para quem defende o semipresidencialismo, a notícia boa é que já temos semipresidente.

STF pode impor derrota a Toffoli ao julgar censura

Gente que sabe fazer contas e já viu elefante voar em julgamentos do Supremo Tribunal Federal avalia que Dias Toffoli meteu-se numa toga justa ao requerer a censura de notícia veiculada a seu respeito na revista eletrônica Crusoé e no site O Antagonista. Cedo ou tarde, o caso chegará ao plenário. Ali, são reais as chances de revogação da ordem que retirou do ar a notícia sobre Toffoli.

Além de Toffoli, que pediu a censura, e do ministro Alexandre de Moraes, que a executou, são contabilizados como potenciais aliados da providência: Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Imagina-se que na outra ponta estarão Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.

Ainda que Toffoli não se declare impedido de participar do julgamento, o placar seria de 7 a 4 — contra a censura. Seria um vexame para Toffoli. Mas restauraria as palavras ditas por ele ao anunciar, em 14 de março, a abertura de inquérito sigiloso contra os inimigos do STF. "Não existe democracia sem um Judiciário independente e sem uma imprensa livre", declarou na ocasião.

Suprema ironia: a censura foi requerida por Toffoli no âmbito do mesmo inquérito que ele abriu há 32 dias, tecendo louvores à "imprensa livre". No ofício que remeteu ao relator Alexandre de Moraes, o magistrado requisitou "a devida apuração das mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras."

Alguma coisa subiu à cabeça de Toffoli no instante em que ele imaginou que sua imaculada figura representa as "instituições brasileiras." A reportagem censurada foi extraída de documento endereçado por Marcelo Odebrecht à Polícia Federal. Nele, o empreiteiro-delator sustenta que o codinome "amigo do amigo do meu pai, encontrado num e-mail confiscado em seu computador, refere-se a Toffoli.

Embora tenha sido decodificada agora, a mensagem é de 2007. Nessa época, Toffoli era "amigo" e advogado-geral da União na gestão de Lula, o "amigo" de Emílio Odebrecht, pai de Marcelo Odebrecht. Quer dizer: não há vestígio de ligação do caso com a reputação das "instituições brasileiras".

Decadência suprema

Quando perdem a legitimidade, a autoridade, a credibilidade, a respeitabilidade e a honorabilidade, as instituições apelam para a força. É sinal de decadência total
Modesto Carvalhosa

A ambição do garoto Carlos

A eleição para prefeito do Rio no próximo ano poderá mais uma vez pôr em rota de colisão dois dos garotos do presidente Jair Bolsonaro – Carlos, o 02, e o mais ligado ao pai, e Flávio, o 01.

Carlos é vereador no Rio pela quarta vez consecutiva. Flávio se elegeu senador no ano passado. Antes se elegera quatro vezes seguidas deputado estadual.

É o vereador que quer ser candidato a prefeito. É o senador que poderá acabar sendo. Naturalmente, caberá ao pai decidir o destino de cada um. Tem sido assim, mas nem sempre.


Carlos foi candidato a vereador pela primeira vez porque Flávio se recusou a ser. Bolsonaro decidira impedir a reeleição da vereadora Rogéria, sua ex-mulher, mãe do 01, 02 e 03.

Rogéria era vereadora há oito anos, eleita com o apoio de Bolsonaro. Mas se tornara independente demais para o gosto dele. Flávio recusou-se a enfrentar a mãe. Carlos topou.

Como tinha apenas 17 anos, o pai teve de emancipá-lo para que pudesse concorrer. O plano de Bolsonaro foi bem-sucedido. Carlos derrotou a própria mãe em 2000.

Em 2016, Carlos quis ser candidato a prefeito do Rio. Bolsonaro preferiu que fosse Flávio, que ficou em quarto lugar. Estava em meio a mais um mandato de deputado. Não ficaria assim sem mandato.

O pai estava certo. Apesar da derrota, Flávio ajudou Carlos a se reeleger vereador. Foi o vereador mais votado naquele ano. No ano passado, Carlos dedicou-se a ajudar o pai a se eleger presidente.

Esperava como compensação um cargo de ministro do governo, ou pelo menos de assessor especial. O próprio Bolsonaro, mais de uma vez, disse que Carlos tinha tudo para ser ministro.

Não foi porque trombou com Gustavo Bebianno. Carlos queria o lugar dele de ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Aí intrigou o pai com Bebianno, que acabou demitido pelo Twitter.

Só que Bebianno deu o troco e saiu atirando nele e no pai. O barraco desgastou pai e filho e barrou a pretensão de Carlos. Ele espera que sua vez chegue com a eleição para prefeito do Rio.

Caso Flávio escape do escândalo desatado por seu ex-assessor Queiroz, o candidato a prefeito poderá ser ele. Com oito anos de mandato como senador, não ficará sem nada se perder. Carlos ficaria.

Enquanto isso, Eduardo, o 03, deputado federal reeleito em São Paulo, navega em mar de almirante. À sombra do pai, é de fato seu ministro das Relações Exteriores, e cada vez mais influente.