sábado, 3 de outubro de 2015

DILMA TESOURA CORTA SALARIO MINISTERIOS CARGOS COMISSIONADOS PLACA MAO atras CPMF b

Lula continua governando o Brasil?

Luiz Inácio Lula da Silva, depois de confessar que ele, Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores (PT) haviam chegado ao fundo do poço e que precisavam se regenerar, de repente ameaçou "voltar a voar". E está voando mais do que nunca a Brasília.

Entre silêncios e arroubos, Lula parece à prova de fogo e tem o privilégio de dizer o que quer, porque tecnicamente é um simples cidadão, sem mandato ou responsabilidade de Governo e, ao mesmo tempo, mantém a força do mito no subconsciente dos brasileiros, capaz de renascer das próprias cinzas, como o famoso pássaro Fênix da mitologia.

Talvez por essa razão, quem dá a impressão de estar governando o país (substituindo ministros, formulando a reforma ministerial, tomando decisões, jogando suas velhas fichas políticas no Executivo) é ele, mais do que a presidenta Dilma, que parece estar meramente cumprindo ordens.

Mais uma vez, seus fiéis seguidores, que são os principais opositores de Dilma, lançaram o anzol da possível candidatura de Lula em 2018. E seria essa vontade de recuperar o poder que o torna tão ativo ao lado de sua pupila para que seu barco não afunde, ou para que aconteça no melhor momento para seu projeto de futuro.

Em sua hipotética nova presidência em 2018, Lula sabe que, para poder governar com mais sucesso e apoio popular do que Dilma, vai precisar, mais do que da esquerda, do PMDB, o partido de centro que atravessa um momento de rebeldia e sem o qual não se governa neste país.

Lula navegou muito bem sob as águas do PMDB, ao qual foi capaz de regar em todos os momentos com regalias e poder. Sem se sentir nem de esquerda nem de direita, foi capaz de jogar com os dois extremos para marcar gols.

A minirreforma ministerial de Dilma tem o carimbo de Lula, que tem usado a arte da velha política para reconstruir a base do Governo sem perder o PMDB, ou pelo menos sendo capaz de segurá-lo, por enquanto, em suas bravatas contra o Governo e em sua ameaça de tirar a presidenta do trono. Com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, mortalmente ferido, não poderia ser um melhor momento.

Mais do que ajudar Dilma a não naufragar, Lula está lutando para levar o barco Brasil de novo ao porto da sua maneira de governar, aquela que o fez triunfar em seu primeiro mandato de felizes conjunturas internas e externas.

Esse parece ser seu projeto. Tudo isso poderia até funcionar se o Brasil e o mundo continuassem sendo como antes, mas não parecem ser. Ou se a crise econômica pudesse ser resolvida como num passe de mágica, usando as fórmulas do passado com modelos que não sabemos se hoje seriam novamente eficazes.

Lula governou na glória, sem oposição, sem manifestações de rua com gritos de "Fora Lula", aplaudido internamente e endeusado internacionalmente. Contava, então, com a classe média e com os pobres, aos quais promoveu no âmbito social e econômico, mas que hoje também sonham com novos caminhos, como o filho que cresce e se rebela. Aos pobres de ontem já não bastam uma televisão, uma geladeira e um carro popular, tudo pago a preço de ouro, com juros altíssimos e hoje atingidos pela inflação e pelo medo do desemprego.

Curiosamente, o teste Lula, seu possível retorno à arena para colocar o Governo de volta nos trilhos depois da tragédia da economia consumada no mandato de Dilma, ajudará a entender até que ponto o Brasil, sua classe média, os cidadãos, a opinião pública e o mundo empresarial e intelectual mudaram ou não.

Lula não apresenta uma fórmula nova e mágica para resolver a tripla grave crise brasileira: política, econômica e ética. Sua fórmula, de alguma forma simplista, é a de voltar ao passado, antes de Dilma, ao seu modo de governar, que ele considera vitorioso. Tão vitorioso que está convencido de que a crise foi causada porque Dilma desviou do caminho traçado por ele.

Lula acredita e aposta na política clássica de um Governo presidencial de cooptação ou compra de partidos que permite governar em paz, sem preocupações e sem as picadas da vespa da oposição.

A pergunta, no entanto, é saber se isso ainda é possível em um Brasil que parece mais do que deprimido nas pesquisas, irritado com a crise econômica e com a classe política.

Talvez o país (aquele de mau humor que grita "Fora Dilma" e "Fora PT") ainda não saiba claramente qual alternativa deseja.

Lula conseguirá convencê-los de que a única alternativa é a de voltar ao passado, ou ele, a quem não falta olfato político, acabará se convencendo de que a história não costuma se repetir e que, quando isso acontece, é para pior?

O novelo se emaranha cada vez mais e, no final, curiosa ou paradoxalmente, o teste Brasil, para melhor ou para pior, continua sendo Lula, seu mito e a incógnita do capital político que os brasileiros ainda possam ou não conceder a ele. Tudo isso, se o rigor do juiz da Operação Lava Jato, Sérgio Moro, permitir.

O embarcado


Sabe uma coisa que eu não leio por aí? Vou insistir no assunto, pois isso é capaz de ser a pá de cal num projeto de poder que se esparrama indecorosamente pela coisa pública. Alguém consegue imaginar a rotina de trabalho de um embarcado? Eu explico: são os profissionais que efetivamente carregam uma Pétubrais nas costas.

É gente que rala. Gente que trabalha ao lado dos inflamáveis. Gente que estuda uma vida inteira para se candidatar a ficar quinze dias diante do nada, numa plataforma e submetida a uma rotina quase militar, absorvida por serviços insalubres e essencialmente perigosos. Essa gente foi a mais feita de besta pela cúpula formada por bandidos encastelados nos ares condicionados da estatal picareta.

Essa gente foi roubada na dignidade, na decência e na grana da empresa mesmo. Os exemplos desse aparelhamento se multiplicam por todo o elefante público. Mérito? Nenhum. Trabalhar direito? Nunca. Defender os interesses empresariais, nacionais, profissionais? Meu pirão primeiro. O elefante está parado por conta disso.
Rataiada do PT e do PMDB

Vou insistir: há um caminhão de negociatas forjadas por esses calhordas que prejudicaram o país de forma quase incontornável. Depenaram as estatais, que já eram vagabundas por natureza. Sucatearam nossa economia, da forma mais calhorda possível. FOMOS ROUBADOS. Ninguém entende isso? É impressionante. Onde estão estes profissionais, que não denunciam o que sabem?

Só posso concluir que a turma no poder quer retalhar a quadrilha em fatias para negociar os dividendos. Este país definitivamente se merece. É um festival de propinas. É um desfile de vigaristas. Uma vergonha.

Carga negativa

Estou horrorizado com o Brasil, leitor. Não me refiro propriamente à situação política e econômica, que é, sem dúvida, muito difícil. O que me estarrece é a imensa carga de negatividade na imprensa, nos meios de comunicação e nas conversas. Não me recordo de ter vivenciado clima tão nocivo e uma energia tão destrutiva. O país parece estar sofrendo um colapso emocional só comparável ao que aconteceu com a seleção brasileira no jogo contra a Alemanha na Copa.


Posso estar exagerando. Mas vou dar um exemplo que pode parecer pequeno, mas não é. Está em cartaz nos cinemas um grande filme brasileiro: “Que horas ela volta?”, de Anna Muylaert. É um filme feito com cuidado, delicadeza, sensibilidade. A construção de cada personagem foi elaborada com maestria, de forma tocante, convincente. O filme emociona, sem ser apelativo. Enfim, é uma obra de arte.

Pois bem, um grande jornal de São Paulo resolveu publicar uma página inteira sobre “Que horas ela volta?”. Não quero ser agressivo com ninguém, nem contribuir para o ambiente medonho que vivemos. Só direi o seguinte: antigamente, os grandes jornais tinham críticos de cinema que sabiam do que estavam falando, tinham conhecimento, sensibilidade. Hoje... Nem sei o que dizer. Um dos articulistas do grande jornal de São Paulo entendeu o filme como um panfleto da era Lula e escreveu que alguns dos personagens principais “não passam de peças de propaganda governista”...

Espantoso. A violenta disputa política em curso no país está contaminando tudo, absolutamente tudo. É o que acontece, de forma nítida, com o noticiário econômico. Não há dúvida de que a situação é muito precária e vai continuar precária por algum tempo. Mas há aspectos positivos que recebem pouca ou nenhuma atenção.

Um exemplo: o forte ajustamento das contas externas em 2015. Durante muitos anos, o Brasil acumulou grave problema de sobrevalorização da moeda nacional. A moeda forte prejudicou muito a indústria do país e foi gerando um desequilíbrio crescente e perigoso nas contas externas do país.

Agora, a depreciação do real, combinada com a retração da demanda interna, está produzindo uma correção rápida do desequilíbrio externo, diminuindo nossa vulnerabilidade. E a depreciação cambial vai ajudar a tirar a economia da recessão, estimulando exportações e setores que competem com importações.

É verdade que parte dessa melhora das contas se deve à recessão, sendo portanto “cíclica” e não “estrutural”. É verdade, também, que a depreciação foi muito intensa num período curto, gerando problemas para os que têm dívida em moeda estrangeira. Mas o Banco Central tem reservas internacionais muito elevadas e outros instrumentos para deter com sucesso movimentos exagerados — sobretudo se tiver a ajuda de uma estabilização da situação política e de progressos em matéria de ajustamento das contas públicas.

Sobre as contas públicas, aliás, o que se afirma e escreve envolve frequentemente exageros monumentais. “Caos”, “descalabro”, “tragédia fiscal” são algumas das expressões repetidas incessantemente em artigos, reportagens e entrevistas. O Brasil tem, sim, um problema fiscal, agravado pela crise política. Mas há quem compare o Brasil à Grécia! Quem o faz não tem a mais remota ideia do que foi a calamitosa irresponsabilidade dos governos gregos no período que antecedeu à crise internacional de 2008.

De Buarque a Chioro: jeito PT de moer ministros

"Aqueles que vencem, não importa como vençam, nunca carregam vergonha”
Maquiavel (Citado pelo jornalista e escritor Roberto Saviano, na introdução do livro “Gomorra”, sobre fatos e métodos de atuação das máfias que agem em Nápoles e em toda região da Campânia, na Itália pós Operação Mãos Limpas.)

Dilma anuncia reforma
Amaldiçoado seja quem pensar mal dessas coisas (honni-soit qui mal y pense). Digo isso, a exemplo dos franceses, a propósito da frase do pensador italiano e sua contextualização, anotadas no alto deste artigo. Isso se impõe nesta semana da cabeça cortada, com desonra, do ministro da Saúde, Arthur Chioro; das quedas não menos constrangedoras do enjeitado ministro da Educação Renato Janine; e do Chefe da Casa Civil, Aloízio Mercadante. Este, recebeu de volta, como consolo (ou punição de antigo exame de segunda época?) da madrinha no poder, a pasta da Educação na Pátria Educadora.

"Caiu para cima" (no caso de Mercadante, que perde o lugar para o "galego" Jaques Wagner, como Lula sempre desejou), como se dizia com finíssimo humor (e inegável ponta de maldade) na redação da sede da VEJA, em São Paulo - quando eu respondia pela sucursal da revista semanal na Bahia e Sergipe. Era assim nos desfechos de jogos de poder e interesses semelhantes aos da "reforma" do periclitante segundo mandato do governo petista de Dilma (ou seria do terceiro mandato do ex?), neste estranho e imprevisível outubro de 2015. Século XXI, podem crer!

Sem falar dos penduricalhos da incrível e manicomial barganha que se anuncia aos solavancos de um governo e de uma mandatária que despencam a olhos vistos e os números da mais recente pesquisa Ibobe/CNI comprovam. E, no meio do desespero diante de um provável afogamento, se apegam a qualquer boia, mesmo as mais furadas.

A humilhação de Chioro (também de Janine e Mercadante) é emblemática. Não se esgota na simples constatação de mais um ato de descortesia e descontrole emocional da presidente Dilma Rousseff, outra vez à beira de um ataque de nervos. Na verdade, apenas repetem-se os ritos de um conhecido estilo petista de mando e de uma contumaz na especialidade de destratar figuras públicas sob o seu comando político, administrativo ou principalmente pessoal.

Que o diga, por exemplo, o ex-governador da Bahia, Waldir Pires, atropelado e derrubado do Ministério da Defesa, do Governo Lula, praticamente aos gritos e desacatos. A turma da Casa Civil, que Dilma comandava então, de dedo em riste acusatório no rosto de um dos mais honrados e expressivos nomes da política e da administração pública na Bahia e no Brasil, dos últimos 60 anos.

Como pano de fundo e cortina de fumaça, da forjada "crise dos aeroportos". Capa de disfarce para as tenebrosas transações que se seguiriam, destampadas para a sociedade no processo do Mensalão e, atualmente, nas investigações, processos e prisões de corruptos e corruptores de todo tipo, metidos no escândalo de escala mundial da Operação Lava Jato.

Por telefone, sem um "muito obrigado” sequer, a mandatária despachou Arthur Chioro, do ministério de maior orçamento federal, gestor do maior sistema público de saúde do mundo. O estratégico Ministério da Saúde tornou-se assim, "a grande novidade da barganha política do Governo na crise atual", assinalou o jornal espanhol El Pais (Edição do Brasil), em contundente e esclarecedora reportagem sobre os dias que correm em Brasília.

A pasta, que nos últimos anos tem sido gerida pelo PT, por ser considerada estratégica para as políticas sociais, foi parar nas mãos do deputado Marcelo Castro, aliado PMDB, do time de Eduardo Cunha, maior inimigo de Dilma no Congresso. em troca de um improvável apoio político que permita alguma governabilidade, registra a reportagem. O resto é o que que se sabe, ou o que ainda está a caminho nos próximos capítulos desta tragicomédia brasileira.

Antes do ponto final, lembro do professor Cristóvão Buarque, ministro da Educação no primeiro governo Lula, há 11 anos. Então, nome de proa da elite intelectual fundadora do PT. "Do peito do homem”, se dizia na época. Membro da comitiva presidencial à Índia, em 2004, Buarque se antecipou em dois dias na viagem, para lançar um livro em Portugal. Em Lisboa, o atual senador pelo PDT e um dos nomes mais cintilantes do Congresso, recebeu um telefonema de Lula, comunicando que estava dispensado da pasta. Precisava da Educação, para concluir uma negociação política e matar a fome insaciável de cargos do PMDB, que ameaçava inviabiliz ar a sua gestão.

”Eu lamento muito que ela (Dilma) tenha feito isso, mas fico muito contente de ter companhia agora”, comentou o senador. De Buarque a Chioro, portanto, nada de novo sob o céu (ou inferno) dos governos do PT. Só um jeito próprio , arrogante e mal educado de moer ministros. “Vida que segue”, concluiria João Saldanha. Repito o mestre de jornalismo, política e vida, saudoso colega no Jornal do Brasil.

Quanta falta ele faz!

Fazer o diabo antes, durante e depois da eleição


Há muitos anos o TSE vem tratando com desdém todas as manifestações de desconfiança em relação às urnas eletrônicas. Verdade seja dita: Dias Toffoli não foi o primeiro a adotar essa atitude. Ela se prolonga no tempo e é mais uma evidência de que boa parte dos membros dos poderes de Estado simplesmente está se lixando. A brisa é suave, o uísque é bom, a vida sorri. E o resto que se dane. Atrás desses muros é que vivem.

Eleitores bem informados não confiam no sistema de votação. Suas vulnerabilidades já foram apontadas por diversos peritos. Nenhum outro país adota esse tipo de urna. Mas os doutos ministros do TSE empinam o nariz com ar de enfado quando o assunto lhes é apresentado. Convenhamos, isso tem nome na lista das infrações aos deveres do cargo.

A eleição da presidente Dilma deu-se em circunstâncias misteriosas. Os votos foram contados como naquelas mágicas em que o prestidigitador medíocre, para facilitar a vida, encobre com um pano preto o trabalho de suas mãos. A inconfiabilidade das urnas e a sigilosa contagem ajudaram – e muito! – a criar severas incertezas sobre a correção do pleito. Absolutamente natural, portanto, que o Congresso Nacional, ao deliberar sobre alguns itens de reforma política, incluísse preceito para que as urnas passem a imprimir os votos, permitindo que os eleitores, sem contato físico, os confiram e confirmem antes de a máquina depositá-los em urna onde permanecerão para eventual verificação manual.

Pois não é que a presidente Dilma vetou a iniciativa? Um impressionante veto ao voto impresso! Logo ela, cuja eleição se deu rodeada por uma ciranda de suspeitas; logo ela, que quebrou o país para se eleger; logo ela dos gastos sigilosos e milionários com cartões corporativos; logo ela, das comitivas nababescas e dos hotéis suntuosos; logo ela resolveu implicar com o custo envolvido em algo tão indispensável à credibilidade dos mandatos presidenciais quanto a mudança das urnas eletrônicas. Se o Congresso acolher o veto, a próxima eleição estará sujeita ao mesmo descrédito a que foi conduzido seu próprio mandato. O nome disso é fazer o diabo antes, durante e depois da eleição.

Percival Puggina

A extrema-unção da Era da Canalhice


O Brasil nasceu por engano. Buscavam um atalho para as Índias os tripulantes das caravelas que em abril de 1500 perderam o rumo tão espetacularmente que acabariam despencando nos abismos do fim do mundo se não tivessem topado com o mágico mosaico de praias com areias finas e brancas banhadas por ondas verdes ou azuis, matas virgens e florestas do tamanho do mar, flores deslumbrantes e frutas sumarentas, lagos plácidos e rios selvagens, peixes de água doce ou salgada, bichos mansos de carne tenra e, melhor que tudo, aquela demasia de índia pelada.

O Brasil balançou no berço da safadeza. Nem imaginaram que assim seria aqueles primitivos viventes cor de cobre, sem roupas no corpo nem pelos nas partes pudendas, os homens prontos para trocar preciosidades por quinquilharias, as mulheres prontas para abrir o sorriso e as pernas para qualquer forasteiro, pois os nativos praticavam sem remorso o que só era pecado do outro lado do grande mar, e não poderiam ser tementes a um Deus que desconheciam nem a castigos prescritos pela religião que aqui nunca existira.

O Brasil nasceu carnavalesco. Nem um Joãosinho Trinta em transe num terreiro de candomblé pensaria em juntar na Sapucaí ─ como fez num porto seguro frei Henrique Soares, celebrante da primeira missa, pelo menos é o que está no quadro famoso ─ um padre de batina erguendo o cálice sagrado, navegantes fantasiados de soldados medievais, marinheiros com roupa de domingo, índios com a genitália desnuda que séculos depois seria banida por bicheiros respeitadores dos bons costumes e a cruz dos cristãos no convívio amistoso com arcos, flechas e bordunas.

O Brasil balançou no berço da maluquice. Marujos convalescentes da travessia do Atlântico, atarantados com a visão do paraíso, decidiram que aquilo era uma ilha e deveria chamar-se Ilha de Vera Cruz, e assim a chamaram até alguém desconfiar, incontáveis milhas além, que era muito litoral para uma ilha só, e então lhes pareceu sensato rebatizar o colosso ausente de todos os mapas com o nome de Terra de Santa Cruz, porque disso ninguém duvidava: era terra aquilo que pisavam.

O Brasil nasceu sob o signo da preguiça. Passou a infância e a adolescência na praia, e esperou 200 anos até criar ânimo e coragem para escalar a muralha verde que separava o mar do planalto, e esperou mais um século antes de aventurar-se pelos sertões ocultos pela floresta indevassada, num esforço de tal forma extenuante que ficou estabelecido que, dali por diante, tanto os aqui nascidos quanto os vindos de fora, e todos os descendentes de uns e de outros, sempre deixariam para amanhã o que deveriam ter feito ontem.

Tinha de dar no que deu. Coerentemente incoerente, o Brasil parido por engano hostilizou os civilizadores holandeses para manter-se sob o jugo do império português, o Brasil amalucado teve como primeira e única rainha uma doida de hospício, o Brasil safado acolheu o filho da rainha que roubou a matriz na vinda e a colônia na volta, o Brasil preguiçoso foi o último a abolir a escravidão, o Brasil sem pressa foi o último a virar República, o Brasil carnavalesco transformou a própria História num tremendo samba do crioulo doido.

O cortejo dos presidentes, ministros, senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores aberto em 1889 informa que a troca de regime não mudou a essência da coisa: o Brasil republicano é o Brasil monárquico de terno e gravata, só que ainda mais voraz e mais cafajeste. Extraordinariamente mais cafajeste, informa a paisagem deste começo de século. Passados 500 e poucos anos, os piores herdeiros dos piores degredados promoveram o grande acerto dos amorais, instalaram-se no coração do poder e vão tornando decididamente intragável a geleia geral brasileira.

Nascido e criado por devotos da insensatez, o Brasil que teve um imperador que parecia adulto aos 5 anos de idade foi governado durante oito anos por um analfabeto que se porta como moleque irresponsável e agora é presidido por uma avó menos ajuizada que neto de fralda. Com um menino sem pai nem mãe no trono, os habitantes do império da loucura não sentiram medo. Com dois sessentões no comando, os brasileiros que pensam aprenderam o que é sentir-se sem pai nem mãe.

O início do terceiro mandato de Lula parece uma continuação dessa biografia em miniatura do Brasil publicada no começo do primeiro mandato de Dilma. Parece mas não é, gritam as mudanças na paisagem ocorridas desde o julgamento do Mensalão. A crise econômica pulverizou de vez a farsa da potência emergente inventada pelo deus dos embusteiros. Ainda há juízes no Brasil, vem reiterando há meses o irrepreensível desempenho de Sérgio Moro. A Polícia Federal e os procuradores federais já provaram que a seita no poder é um viveiro de corruptos, vigaristas e incompetentes.

A Operação Lava Jato vai clareando a face escura do país. O PT está morrendo de sem-vergonhice. Figurões do partido trocaram o palanque pela cadeia. Logo faltará cela para tanto bandido. A supergerente de araque já virou ex-presidente. O fabricante de postes agoniza nas pesquisas eleitorais. Nas ruas, nos restaurantes ou no botequim da esquina, os indignados amplamente majoritários exigem o fim destes tempos de tal forma infames que uma Mãe dos Ricos pôde prosperar anos a fio disfarçada de Pai dos Pobres.

A nudez do reizinho quase setentão mostrou que o filho de uma migrante nordestina é um multimilionário pai de multimilionários. Multidões de crédulos vocacionais descobriram a tapeação: o maior dos governantes desde Tomé de Souza era a fantasia que camuflava o guloso camelô de empreiteira. Lula não demorará a entender que desemprego cura abulia, que os velhos truques não funcionam mais, e o que deveria ter sido uma aula de esperteza foi um tiro no pé.

Ao regressar a Brasília, ficou mais perto de Curitiba. O início do terceiro mandato vai antecipar a extrema-unção da Era da Canalhice.

Augusto Nunes

Dois Brasis, e separados

Centenário de 'A Metamorfose", de Franz Kafka
A conclusão, salvo melhor juízo ou surpresas do inesperado, é pela existência dos dois Brasís de sempre: deles e o nosso. O Real e o Formal. Este, encenando a farsa de uma República de Fantasia; aquele, sem esperança de sobreviver à tragédia senão pelo uso das próprias forças, hoje dispersas e até conflitantes. Integram dois planos que não se tocam, duas paralelas que nem no infinito se encontrarão.
Engana-se quem supuser que as eleições, tanto as municipais quanto as nacionais, servirão para promover a unidade nacional. Faz tempo que se disputa apenas o poder, mesmo fatiado e esfrangalhado. Dilma e Cunha, é claro, são responsáveis pela débâcle, como tantos no passado. E quantos, no futuro? Incompetência e corrupção costumam conviver, mas dessa vez ultrapassaram todos os limites. Uma presidente que não preside, um deputado que enriquece através de métodos singulares, ambos oferecem triste espetáculo à nação.
Virou sonho de noite de verão aguardar a integração entre o Brasil Real e o Brasil Formal, cada vez mais distantes. Imaginou-se o PT como ponte entre as duas abstrações, mas os companheiros despencaram.Carlos Chagas

Atrasada e ineficiente


Dilma, enfim, anunciou a sua reforma ministerial. Em vez da extinção de dez ministérios, o corte atingiu apenas oito; mesmo assim, de concreto, somente os cargos de ministros deixaram de existir, já que as atividades e grande parte das estruturas antigas, incluindo aí os cargos de confiança, serão absorvidas em áreas afins.

Simbolicamente, a presidente também reduziu o seu salário e o dos integrantes do primeiro escalão em 10%. Em vez de R$ 30 mil, receberá R$ 27 mil. É uma decisão que não leva a lugar nenhum nem serve para aliviar o desgaste que a mandatária do país vem sofrendo diariamente, ainda mais quando, um dia antes do anúncio da reforma mais que atrasada, a gasolina, assim como o dólar, bate a casa de R$ 4 em algumas regiões do país.

Em outro momento, reduzir o próprio salário até seria um movimento interessante para o marketing pessoal da presidente, porém, com tantas catástrofes na economia e na política do país, a iniciativa terá impacto zero.

O governo que aí está soma 31 pastas ministeriais. É o menor número desde o governo Lula, mas ainda é maior que no último ano de Fernando Henrique Cardoso, que conduziu o governo com cinco ministérios a menos. A reforma, portanto, tem somente o verniz da austeridade, funcionando apenas para abrir mais espaço para o PMDB.

Os “mui amigos” têm agora sete ministérios, sendo que um deles será ocupado por um conhecido cupincha do presidente da Câmara.

Resta saber se o aceno do Planalto será suficiente para acalmar aquele que é tido como o inimigo mais beligerante da presidente e de seus aliados. Pelas declarações de ontem, parece que não.
A reação de Cunha é algo imprevisível. Depois de negar veementemente a existência de contas no exterior em seu nome, Cunha passa pelo constrangimento de ser desmascarado por procuradores suíços, que confirmaram não só uma, mas quatro contas bancárias sob controle dele e de sua esposa.

Portanto, apesar de todo o esforço para evitar um processo de impeachment, Dilma vê sua situação se degradar ainda mais. Não há reforma ministerial que sirva de vacina para o cachorro louco que Eduardo Cunha se revelará.

É bom lembrar que está nas mãos dele a abertura de um processo de cassação da presidente. Até aqui ele se valeu dessa chantagem para acuar o governo e se fortalecer, porém, na iminência de também perder o mandato, a blindagem de Dilma pode não lhe servir mais.

O risco de Eduardo Cunha levar todo mundo para o mesmo buraco está maior. Diante dessa realidade, a reforma ministerial foi mais um tiro no vácuo dado por uma presidente que não consegue achar um caminho viável para ela e para o país.
Heron Guimarães

O mal esmagador

Ris-te do que te digo, mas quando chegar a tua hora, verás a falta que te vai fazer um apoio e o muito que precisamos de carinho para ir vivendo, à medida que os anos passam. Alguém que esteja ao teu lado, que te pegue na mão nos teus últimos instantes (que mais podemos fazer a um moribundo?). E quando os ouves falar assim, angustias-te, imaginas-te sem conseguires levantar-te da cama, agarrado às costas das cadeiras para te moveres dentro de casa, apoiando-te às paredes para alcançares a casa de banho, ensopado num rançoso suor senil; ou morrendo asfixiado, engasgado com qualquer coisa, com um pedaço de cartilagem de vaca mal mastigado, um simples gole de água, uma migalha de pão, um desses comprimidos que tomas para a hipertensão, para facilitar o fluxo sanguíneo, para o colesterol, para a hiperglicemia; vês-te afogado na tua própria saliva: tosses, sufocas, sem ninguém por perto que te dê uma palmada nas costas, ou te meta os dedos na boca para te ajudar a expelir o que tens atravessado na garganta, alguém que chame o 112 ou te meta num carro e te leve a toda a velocidade para o hospital ou o centro de saúde mais próximo. A solidão, Liliana. As pessoas acham que é o pior. Não sei que te diga. É possível que o seja, porque, ao fim e ao cabo, a solidão — como a nudez, a desnutrição, o calor ou o frio — é só uma manifestação do verdadeiro mal, um mal esmagador, assombroso, que qualquer pessoa com dois dedos de testa deve evitar por todos os meios, e que não é senão a pobreza, sim, Liliana, é esse o único verdadeiro mal desde que o mundo é mundo, como muito bem sabes.
Rafael Chirbes (1949 - 2015) 

A volta do guerreiro

Os homens que voltaram da guerra traziam feridas e pesadelos. Encontraram suas amadas indiferentes. Passara tanto tempo que algumas nem se lembravam deles, e muitas tinham estabelecido novos amores.


Uma, entretanto, permaneceu lembrada e fiel, e atirou-se com fúria passional aos braços do ex-guerreiro. Ele a repeliu, dizendo: 

― Não quero mais ver a guerra diante de mim.

― Eu não sou a guerra, sou o amor, querido ― respondeu-lhe a mulher, assustada.

― Você é a imagem da guerra, você me agarrou como o inimigo na luta corpo a corpo, eu não quero saber de você.

― Então farei carícias lentas e suaves. 

― O inimigo também passa a mão de leve pelo corpo do soldado caído, para tirar o que houver no uniforme. 

― Ficarei quieta, não farei nada. 

― Não fazer nada é a atitude mais suspeita e mais perigosa do inimigo, que nos observa para nos atacar à traição. 

Separaram-se para sempre.
Carlos Drummond de Andrade

Brasil massacra 1 milhão de animais nas estradas por dia


BR-101, norte do Espírito Santo, setembro de 2015. Um caminhoneiro sente um cheiro forte e localiza uma anta – o maior mamífero terrestre brasileiro – na margem da pista, em estado avançado de decomposição.

Cinco meses antes, no mesmo trecho da rodovia, biólogos encontraram uma fêmea adulta de harpia, a maior ave de rapina das Américas, debilitada por fraturas e hematomas. Por ali, restos de retrovisor de caminhão. No mês anterior, a vítima fora uma onça-parda.

As cenas com espécies ameaçadas de extinção são um retrato de um filme que não sai de cartaz no Brasil: a matança de animais por atropelamentos em estradas.

Essa é, de longe, a principal causa de morte de bichos silvestres no país, superando caça ilegal, desmatamento e poluição. São 15 animais mortos por segundo, ou 1,3 milhão por dia e até 475 milhões por ano, segundo projeção do CBEE (Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas), da Universidade Federal de Lavras (MG).

Quem puxa a lista são os pequenos vertebrados, como sapos, cobras e aves de menor porte – respondem por 90% do massacre, ou 430 milhões de bichos. O restante se divide em animais de médio porte (macacos, gambás), com 40 milhões, e de grande porte (como antas, lobos e onças), com 5 milhões.

A situação, dizem especialistas, é o resultado natural para um país que desconsiderou os bichos ao planejar as rodovias e ainda dá os primeiros passos na adoção de medidas para minimizar os impactos das vias.