Igor Morski |
segunda-feira, 2 de janeiro de 2017
Ano de plantio
Pensando bem, faz sentido. Tirar uns dias para ser otimista não custa. Desejar, afinal, ainda é grátis. E traz o beneficio do sonho, ainda que difícil, improvável, ou difícil.
É compreensível que o fim do ano traga alivio. O ano que passou, quase que inteiramente, desnudou em termos nada incertos a extensão e profundidade do impacto, ainda que não completamente sentido, das escolhas erradas.
Mas da tragédia também podem vir coisas boas. E o ano pelo menos terminou trazendo um pouco mais de clareza. Ficou claro que o rumo deve ser corrigido. Que precisamos nos mexer. Que não da para ignorar mais.
Ou, se nada disso ficou evidente, pelo menos agora a gente tem a noção do preço que o destino cobrará caso não se tomem ações imediatas, decisivas e certas. O ano que começa é de oportunidade. Começando cedo, dá para fazer muita coisa. Mas serão fatalmente 12 meses de plantio. E de pouca colheita.
Melhorar a vida de todos é objetivo cuja execução exige atravessar décadas, gerações, diferentes governos. E portanto demanda consensos sobre objetivos, regras e meios. Consensos, por sua vez, precisam ser negociados, intermediados e implementados. E ai que mora o perigo.
Em lugares ou situações normais, cabe a politica e aos políticos as tarefa de intermediar as demandas, coordena-as e traduzidas em plataformas que recebam apoio da população. E, uma vez estabelecidas, as intuições cuidam de sua implementação providenciando meios e estabilidade que transformem anseios em pratica.
Para isso, credibilidade é fundamental. Não existe liderança sem que os seguidores depositem nos líder sua crença. E não existem lideres sem seguidores. Depois de anos assistindo o Estado sendo tomado por atores desconectados dos interesses de seus eleitores, fica difícil de acreditar. E mais urgente ainda discutir e encontrar soluções para reformas politica e institucional, sem as quais o avanço é impossível e o retrocesso quase certo.
Que, ao final dos próximos 12 meses, a gente possa estar contemplando o plantio bem sucedido de sementes que garantam um futuro melhor. Se isto acontecer, terá valido a pena mais um ano de sacrifício. Terá sido um feliz 2017!
É compreensível que o fim do ano traga alivio. O ano que passou, quase que inteiramente, desnudou em termos nada incertos a extensão e profundidade do impacto, ainda que não completamente sentido, das escolhas erradas.
Mas da tragédia também podem vir coisas boas. E o ano pelo menos terminou trazendo um pouco mais de clareza. Ficou claro que o rumo deve ser corrigido. Que precisamos nos mexer. Que não da para ignorar mais.
Ou, se nada disso ficou evidente, pelo menos agora a gente tem a noção do preço que o destino cobrará caso não se tomem ações imediatas, decisivas e certas. O ano que começa é de oportunidade. Começando cedo, dá para fazer muita coisa. Mas serão fatalmente 12 meses de plantio. E de pouca colheita.
Melhorar a vida de todos é objetivo cuja execução exige atravessar décadas, gerações, diferentes governos. E portanto demanda consensos sobre objetivos, regras e meios. Consensos, por sua vez, precisam ser negociados, intermediados e implementados. E ai que mora o perigo.
Em lugares ou situações normais, cabe a politica e aos políticos as tarefa de intermediar as demandas, coordena-as e traduzidas em plataformas que recebam apoio da população. E, uma vez estabelecidas, as intuições cuidam de sua implementação providenciando meios e estabilidade que transformem anseios em pratica.
Para isso, credibilidade é fundamental. Não existe liderança sem que os seguidores depositem nos líder sua crença. E não existem lideres sem seguidores. Depois de anos assistindo o Estado sendo tomado por atores desconectados dos interesses de seus eleitores, fica difícil de acreditar. E mais urgente ainda discutir e encontrar soluções para reformas politica e institucional, sem as quais o avanço é impossível e o retrocesso quase certo.
Que, ao final dos próximos 12 meses, a gente possa estar contemplando o plantio bem sucedido de sementes que garantam um futuro melhor. Se isto acontecer, terá valido a pena mais um ano de sacrifício. Terá sido um feliz 2017!
Made in Brazil
Por mais que se fale em ano novo, em vida nova, no fundo de cada um de nós está a certeza de que certas complicações atravessam o réveillon e prosseguem em nossas vidas. Na última semana de 2016, a Polícia Federal fez uma busca nas gráficas que serviram à chapa Dilma-Temer. Isso serviu para nos lembrar que o tema voltará em 2017 e com a dose de realismo fantástico que tempera nosso noticiário.
Temer vai dizer que as contas são separadas. Seus adversários dirão que é uma só, indivisível. Se forem separadas, o foguete explode apenas no colo de Dilma. Se forem uma só, a chapa vai para os ares e teríamos eleições indiretas. As próprias gráficas misteriosas já têm algo de fantástico. O dono de uma delas é um homem chamado Beckembauer Rivelino. Certamente o pai queria lembrar dois grandes craques. Um joga no ataque, outro na defesa. No próprio nome do atacante e defensor se equilibram, o menino já vem com salvaguardas para não jogar muito solto. Essa discussão sobre a chapa Dilma-Temer vai depender muito da política. A tendência é de que defensores do governo afirmem a tese da separação e críticos a da unidade indissolúvel.
Dilma e Temer unidos para sempre? Ele chegou a escrever uma carta que parecia um mimimi do tipo “você não se importa comigo”. Queria com isso revelar já naquela época que, apesar das aparências, não rolava nada nas relações políticas entre os dois. A temporada de 2017 promete no TSE. Mas nada parecido com a cena no STF que deve homologar e dar transparência à delação da Odebrecht. O que os americanos revelaram foi o bastante para sacudir a política no continente. As redes sociais foram inundadas com protestos e críticas em todos os nove países onde houve corrupção na América Latina. Estamos no epicentro de um escândalo mundial. No entanto, os dados divulgados nos EUA ainda são incompletos. Os políticos brasileiros foram chamados de brazilian officials e numerados de um 1 a 9. Quando esses números ganharem nome e cara, e isso só é possível com a transparência da delação, talvez se possa tomar consciência também da amplitude da aventura internacional do brazilian oficial número 1 e o esquema da Odebrecht. Ao divulgarem o que a Odebrecht pagou em propina e o quanto lucrou, os americanos lançaram um dado objetivo que foi, ao mesmo tempo, a semente da crítica, em toda a parte, e a base para a pressão sobre os governantes. Nesse particular, autoridades suíças, aliás, enfatizaram esse ângulo: para cada dólar investido em suborno, a Odebrecht conseguia quatro de lucro.
As investigações foram realizadas no Brasil. O país tem se mostrado aberto para compartilhar os dados com outros governos. No entanto, ainda assim ficam alguns ressentimentos no ar. Cedo ou tarde, o país terá de escrever na língua nativa a história dessa trama que envolveu países da América Latina e da África. Nunca nossa presença externa foi tão abrangente e lamentável. Embora o escândalo continental tenha tido pouca repercussão aqui, os diplomatas brasileiros, certamente, terão sensibilidade para o furacão. Ainda no campo da diplomacia, os documentos da política externa sobre a aventura também devem ser revelados no processo de transparência que virá. Não há razão para esconder, pois o essencial a polícia já conhece e estará descrito nas delações premiadas. A transparência agora não significa apenas dar nome aos culpados. Ela tem de estar a altura do grande fato histórico em nossa política externa e documentá-lo com precisão.
O ano de 2016 foi duro. E 2017 ainda nos espera com grandes tensões, mas pelo menos a promessa de que as coisas serão esclarecidas finalmente. Venha o que vier, terá pelo menos o condão de nos trazer a realidade, esclarecer tudo que ainda se ignora. Será um grande momento de verdade pelo qual temos de passar no caminho da reconstrução.
A Odebrecht e o official número 1 bateram recordes de cifras, ganharam o campeonato mundial de corrupção. É uma ilusão supor que a História vá ignorar essa grande feito. Os americanos o acharam tão importante que se apressaram a divulgá-lo sinteticamente. Certos detalhes não interessam a eles, como o papel do BNDES em toda a trama, as manobras diplomáticas, os interlocutores, os discursos. No Brasil a história completa precisa vir à tona. Ela representa um capítulo independente, foi objeto de investigações em Curitiba e Brasília e está presente em alguns dos 800 depoimentos da Odebrecht.
Num momento em que todos os noves países latinos atingidos começam também a investigar, dados novos podem surgir. E estará mais completa ainda a narrativa desse episódio inédito no Brasil: a multinacional da propina combinando empresa, diplomacia presidencial e o BNDES.
Como disse, um filme à parte.
Fernando Gabeira
Temer vai dizer que as contas são separadas. Seus adversários dirão que é uma só, indivisível. Se forem separadas, o foguete explode apenas no colo de Dilma. Se forem uma só, a chapa vai para os ares e teríamos eleições indiretas. As próprias gráficas misteriosas já têm algo de fantástico. O dono de uma delas é um homem chamado Beckembauer Rivelino. Certamente o pai queria lembrar dois grandes craques. Um joga no ataque, outro na defesa. No próprio nome do atacante e defensor se equilibram, o menino já vem com salvaguardas para não jogar muito solto. Essa discussão sobre a chapa Dilma-Temer vai depender muito da política. A tendência é de que defensores do governo afirmem a tese da separação e críticos a da unidade indissolúvel.
Dilma e Temer unidos para sempre? Ele chegou a escrever uma carta que parecia um mimimi do tipo “você não se importa comigo”. Queria com isso revelar já naquela época que, apesar das aparências, não rolava nada nas relações políticas entre os dois. A temporada de 2017 promete no TSE. Mas nada parecido com a cena no STF que deve homologar e dar transparência à delação da Odebrecht. O que os americanos revelaram foi o bastante para sacudir a política no continente. As redes sociais foram inundadas com protestos e críticas em todos os nove países onde houve corrupção na América Latina. Estamos no epicentro de um escândalo mundial. No entanto, os dados divulgados nos EUA ainda são incompletos. Os políticos brasileiros foram chamados de brazilian officials e numerados de um 1 a 9. Quando esses números ganharem nome e cara, e isso só é possível com a transparência da delação, talvez se possa tomar consciência também da amplitude da aventura internacional do brazilian oficial número 1 e o esquema da Odebrecht. Ao divulgarem o que a Odebrecht pagou em propina e o quanto lucrou, os americanos lançaram um dado objetivo que foi, ao mesmo tempo, a semente da crítica, em toda a parte, e a base para a pressão sobre os governantes. Nesse particular, autoridades suíças, aliás, enfatizaram esse ângulo: para cada dólar investido em suborno, a Odebrecht conseguia quatro de lucro.
O ano de 2016 foi duro. E 2017 ainda nos espera com grandes tensões, mas pelo menos a promessa de que as coisas serão esclarecidas finalmente. Venha o que vier, terá pelo menos o condão de nos trazer a realidade, esclarecer tudo que ainda se ignora. Será um grande momento de verdade pelo qual temos de passar no caminho da reconstrução.
A Odebrecht e o official número 1 bateram recordes de cifras, ganharam o campeonato mundial de corrupção. É uma ilusão supor que a História vá ignorar essa grande feito. Os americanos o acharam tão importante que se apressaram a divulgá-lo sinteticamente. Certos detalhes não interessam a eles, como o papel do BNDES em toda a trama, as manobras diplomáticas, os interlocutores, os discursos. No Brasil a história completa precisa vir à tona. Ela representa um capítulo independente, foi objeto de investigações em Curitiba e Brasília e está presente em alguns dos 800 depoimentos da Odebrecht.
Num momento em que todos os noves países latinos atingidos começam também a investigar, dados novos podem surgir. E estará mais completa ainda a narrativa desse episódio inédito no Brasil: a multinacional da propina combinando empresa, diplomacia presidencial e o BNDES.
Como disse, um filme à parte.
Fernando Gabeira
O maior valor da paz
Populações civis em vários pontos do globo são destroçadas sob a mais letal violência.(...) Nestas guerras não há vencedores; todos perdem. Gastam-se bilhões de dólares na destruição de sociedades e economias, alimentando ciclos de desconfiança e medo que podem perpetuar-se por gerações
António Guterres, novo Secretário-geral da ONU pede Ano para a Paz em 2017
A Estação PT e a destruição do Brasil
"Ainda vamos passar pela Estação PT", disse certa vez o saudoso Carlos Alberto Allgayer. Corriam os anos 80 e estávamos a conversar entre quatro bons amigos. Allgayer era um talentoso jurista, que viria a ser diretor da Faculdade de Direito da PUC/RS, homem de uma sabedoria cordial que parecia cuidar para não constranger quando se expressava com sua voz privilegiada. Dava tanto gosto ouvi-lo que é impossível lembrar dele sem que, na imagem mental, apareça falando. E foi com essa voz que nos profetizou a chegada ao poder do pequeno partido saído das urnas gaúchas de 1986, época desse bate-papo, com uma pequena bancada de dois deputados federais e quatro deputados estaduais.
A Estação PT foi um desastre ao qual chegamos 16 anos mais tarde. Fomos conduzidos a ela através da mais poderosa máquina de agitprop (agitação e propaganda, no dizer marxista-leninista) em operação no Ocidente após a queda do Muro de Berlim. Ao longo desse tempo, a política petista era servida nos meios de comunicação até pelos programas esportivos. Do ensino fundamental aos cursos de pós-graduação, frequentava a maioria das salas de aula.Habitava certas atividades pastorais, Campanhas da Fraternidade e documentos da CNBB. Valia-se de uma impressionante gama de movimentos sociais que se converteram em braços mais ou menos violentos da mesma causa por outros meios. Urdiu uma rede de organizações não governamentais que orbitaram e parasitaram o partido, servindo-lhe como militantes da luta de classes, de raças e de sei lá quantos gêneros. Compôs engenhoso conjunto de instituições - quase poderia dizer "artefatos" - culturais, dedicados à sistemática destruição da cultura cristã e seus valores. E para nada disso faltava dinheiro.
O amável autor da profecia sobre a Estação PT faleceu em abril de 2002 sem presenciar a concretização de seu vaticínio. Os demais, vivemos para ver e relembrar o episódio, repetidas vezes, ao longo dos últimos anos, exatamente como aconteceu ontem, quando me caiu diante dos olhos um documento da Fundação Perseu Abramo (órgão de pesquisa, elaboração doutrinária e formação do PT), que pode ser lido aqui. Nele, o autor ataca a política econômica e administrativa adotada durante o "modelito neoliberal dos tucanos", no qual "as estatais, responsáveis para a Produção Para o Mercado, seriam todas privatizadas e os serviços não exclusivos do Estado – educação superior, hospitais, previdência social acima do salário mínimo – seriam também privatizados". Como consequência, constata ele, no período de 1995 a 2002 houve uma redução de 121 mil servidores federais. E em contrapartida, na gestão petista, entre 2003 e 2013 - gaba-se o autor da matéria - foram nomeados 240 mil novos servidores. Isso equivale a 2,5 novos servidores por hora, sob o governo petista!
A demagogia, a irresponsabilidade fiscal, o patrimonialismo, a corrupção e o inchaço da máquina pública, que agora vejo, no site do partido, ser proclamado como admirável avanço administrativo, confluíram para gerar a tremenda energia destrutiva que acabou por demolir a Estação PT e tudo mais à volta. A conta do estrago? A conta do estrago é nossa. Que a possamos pagar, são meus votos nesta alvorada de um novo ano. E que o Senhor nos proteja, se possível, com um par adicional de Anjos da Guarda, preferivelmente brasileiros, afeitos à barbárie urbana que tomou conta de nosso país.
O amável autor da profecia sobre a Estação PT faleceu em abril de 2002 sem presenciar a concretização de seu vaticínio. Os demais, vivemos para ver e relembrar o episódio, repetidas vezes, ao longo dos últimos anos, exatamente como aconteceu ontem, quando me caiu diante dos olhos um documento da Fundação Perseu Abramo (órgão de pesquisa, elaboração doutrinária e formação do PT), que pode ser lido aqui. Nele, o autor ataca a política econômica e administrativa adotada durante o "modelito neoliberal dos tucanos", no qual "as estatais, responsáveis para a Produção Para o Mercado, seriam todas privatizadas e os serviços não exclusivos do Estado – educação superior, hospitais, previdência social acima do salário mínimo – seriam também privatizados". Como consequência, constata ele, no período de 1995 a 2002 houve uma redução de 121 mil servidores federais. E em contrapartida, na gestão petista, entre 2003 e 2013 - gaba-se o autor da matéria - foram nomeados 240 mil novos servidores. Isso equivale a 2,5 novos servidores por hora, sob o governo petista!
A demagogia, a irresponsabilidade fiscal, o patrimonialismo, a corrupção e o inchaço da máquina pública, que agora vejo, no site do partido, ser proclamado como admirável avanço administrativo, confluíram para gerar a tremenda energia destrutiva que acabou por demolir a Estação PT e tudo mais à volta. A conta do estrago? A conta do estrago é nossa. Que a possamos pagar, são meus votos nesta alvorada de um novo ano. E que o Senhor nos proteja, se possível, com um par adicional de Anjos da Guarda, preferivelmente brasileiros, afeitos à barbárie urbana que tomou conta de nosso país.
Uma boa notícia
O último dia do ano não é o último dia do tempo. Foi Carlos Drummond de Andrade quem me ensinou.
Foi-se um ano sofrido. A memória, parceira obrigatória da vida vivida, nesse dia pede um balanço de lucros e perdas. Há no ar, e nos implacáveis números das pesquisas, tristeza, desencanto e pessimismo. Quem se orgulhava do Brasil não se orgulha mais. O que é injusto com os brasileiros, jogados no purgatório das privações e incertezas.
O ano termina sobre as ruínas da crise mais grave de nossa historia. O cenário mundial é assustador. Vivemos um tempo de jogadas sinistras, de ídolos espatifados, tempos de grandes desilusões. A desordem dos acontecimentos de hoje não se parece com a de ontem, e o futuro não promete nada de previsível. O que vivemos hoje é um enigma ainda não decifrado.
Folheamos os livros que nos ensinaram tudo que sabíamos com um sorriso amargo, pena de nós mesmos e dos mestres em quem confiamos. Nesses dias de feriados e arrumações, eles nos olham das estantes, desolados, como fantasmas que, à noite, passeiam pelos quartos e salas preferidas da casa. E são eles que melhor testemunham nosso desvalimento, agora que vivemos longe da segurança que nos davam e pela qual vestimos um luto secreto. Não há mais caminho das pedras, e vamos nós mesmos, canhestramente, espalhando as pedras frágeis em que tentamos pisar.
Hoje, a crise dói: desemprego, saúde em risco, insônia, medo e miséria não retratam um fracasso individual, como tantos sentem, e sim um drama coletivo. Que não durará para sempre. Quem já enfrentou uma doença grave — em si ou numa pessoa querida — sabe que há recursos desconhecidos, nunca antes mobilizados, que vêm à tona e nos ajudam a enfrentar esses momentos críticos. Os brasileiros têm uma longa história de resiliência.
É longo o inventário das perdas, mas também o do que está preservado. O que interessa lembrar é o que fica imune à crise, tudo que ela não pode confiscar, e que nos faz resistir à depressão e ao desalento. Cada um tem presente em sua vida um patrimônio imaterial com que pode contar.
Assim como o dinheiro não compra tudo — o tempo, por exemplo, a morte não vende —, há bens que independem dele, a exemplo dos vínculos afetivos profundos, como amor e amizade, os círculos de confiança onde esses sentimentos se produzem, onde a roda da vida cria e reforça laços.
As alegrias da solidariedade, aquela que faz o nadador atirar-se ao mar para resgatar o afogado ou alguém entregar as suas veias para, com seu sangue, prolongar uma vida desconhecida. A alegria das esperanças compartilhadas em torno de um projeto comum, que faz sentido — fazer sentido é de fato um fazer — e traz o sentimento cálido de pertencimento.
Tudo que não é passível de monetarização — alguns economistas dirão que tudo tem um preço, mas isso é problema deles — continua a existir e é fonte de prazer e de sentido para a vida. Pensar no que somos fora do dinheiro que temos ou não temos pode ser um exercício inédito de escapar da lógica econômica que torna invisível tudo que não anuncia seu preço e vai pouco a pouco se apropriando de todos os aspectos da existência, até definir cada um pelo que ganha ou deixa de ganhar. Nível de vida passou a ser sinônimo de nível de renda.
Essa lógica não é alheia à epidemia de corrupção que levou nosso país à ruína e homens desmoralizados, de cabeça baixa, às grades das prisões. A fidelidade a valores dos muitíssimos que não mentiram, não roubaram, não jogaram dinheiro no mar é um capital inestimável, razão de justificada autoestima.
Assim como a lógica econômica dita uma visão de mundo redutora, outra lógica perversa, a do charco em que mergulhou a política, ao penetrar cada recanto do cotidiano, incitando ódios, separando amigos, vai envenenando as possibilidades de esperança.
A crise ameaça expropriar até mesmo a esperança de ser mais feliz que sempre anima um novo ano. Paralisa com o risco do autoengano. Quer tornar ridículo o brinde da meia-noite. Inúteis, as rosas jogadas ao mar. Mas a esperança tem uma natureza imbatível, ela que, quando um cansaço imenso invoca o testemunho da memória para defender renúncias, caminha para o quebra-mar, olha o horizonte de um novo ano e, antes de mergulhar no futuro, anuncia: tenho uma boa notícia. E todos olham para ela porque é ela que se quer ouvir. A notícia é sucinta: estamos vivos.
Peço a benção, nessa passagem do ano, a Carlos Drummond de Andrade: “Recebe com simplicidade esse presente do acaso/ Mereceste viver mais um ano”.
Que seja um Ano Novo feliz.
Foi-se um ano sofrido. A memória, parceira obrigatória da vida vivida, nesse dia pede um balanço de lucros e perdas. Há no ar, e nos implacáveis números das pesquisas, tristeza, desencanto e pessimismo. Quem se orgulhava do Brasil não se orgulha mais. O que é injusto com os brasileiros, jogados no purgatório das privações e incertezas.
O ano termina sobre as ruínas da crise mais grave de nossa historia. O cenário mundial é assustador. Vivemos um tempo de jogadas sinistras, de ídolos espatifados, tempos de grandes desilusões. A desordem dos acontecimentos de hoje não se parece com a de ontem, e o futuro não promete nada de previsível. O que vivemos hoje é um enigma ainda não decifrado.
Folheamos os livros que nos ensinaram tudo que sabíamos com um sorriso amargo, pena de nós mesmos e dos mestres em quem confiamos. Nesses dias de feriados e arrumações, eles nos olham das estantes, desolados, como fantasmas que, à noite, passeiam pelos quartos e salas preferidas da casa. E são eles que melhor testemunham nosso desvalimento, agora que vivemos longe da segurança que nos davam e pela qual vestimos um luto secreto. Não há mais caminho das pedras, e vamos nós mesmos, canhestramente, espalhando as pedras frágeis em que tentamos pisar.
Hoje, a crise dói: desemprego, saúde em risco, insônia, medo e miséria não retratam um fracasso individual, como tantos sentem, e sim um drama coletivo. Que não durará para sempre. Quem já enfrentou uma doença grave — em si ou numa pessoa querida — sabe que há recursos desconhecidos, nunca antes mobilizados, que vêm à tona e nos ajudam a enfrentar esses momentos críticos. Os brasileiros têm uma longa história de resiliência.
Paula Mould |
Assim como o dinheiro não compra tudo — o tempo, por exemplo, a morte não vende —, há bens que independem dele, a exemplo dos vínculos afetivos profundos, como amor e amizade, os círculos de confiança onde esses sentimentos se produzem, onde a roda da vida cria e reforça laços.
As alegrias da solidariedade, aquela que faz o nadador atirar-se ao mar para resgatar o afogado ou alguém entregar as suas veias para, com seu sangue, prolongar uma vida desconhecida. A alegria das esperanças compartilhadas em torno de um projeto comum, que faz sentido — fazer sentido é de fato um fazer — e traz o sentimento cálido de pertencimento.
Tudo que não é passível de monetarização — alguns economistas dirão que tudo tem um preço, mas isso é problema deles — continua a existir e é fonte de prazer e de sentido para a vida. Pensar no que somos fora do dinheiro que temos ou não temos pode ser um exercício inédito de escapar da lógica econômica que torna invisível tudo que não anuncia seu preço e vai pouco a pouco se apropriando de todos os aspectos da existência, até definir cada um pelo que ganha ou deixa de ganhar. Nível de vida passou a ser sinônimo de nível de renda.
Essa lógica não é alheia à epidemia de corrupção que levou nosso país à ruína e homens desmoralizados, de cabeça baixa, às grades das prisões. A fidelidade a valores dos muitíssimos que não mentiram, não roubaram, não jogaram dinheiro no mar é um capital inestimável, razão de justificada autoestima.
Assim como a lógica econômica dita uma visão de mundo redutora, outra lógica perversa, a do charco em que mergulhou a política, ao penetrar cada recanto do cotidiano, incitando ódios, separando amigos, vai envenenando as possibilidades de esperança.
A crise ameaça expropriar até mesmo a esperança de ser mais feliz que sempre anima um novo ano. Paralisa com o risco do autoengano. Quer tornar ridículo o brinde da meia-noite. Inúteis, as rosas jogadas ao mar. Mas a esperança tem uma natureza imbatível, ela que, quando um cansaço imenso invoca o testemunho da memória para defender renúncias, caminha para o quebra-mar, olha o horizonte de um novo ano e, antes de mergulhar no futuro, anuncia: tenho uma boa notícia. E todos olham para ela porque é ela que se quer ouvir. A notícia é sucinta: estamos vivos.
Peço a benção, nessa passagem do ano, a Carlos Drummond de Andrade: “Recebe com simplicidade esse presente do acaso/ Mereceste viver mais um ano”.
Que seja um Ano Novo feliz.
Passado incerto
Você investiria seu dinheiro em um lugar no qual o cumprimento de contratos seja algo duvidoso, dependente por vezes de ações judiciais que se arrastam por décadas?
Você escolheria como moradia um local sujeito a índices absurdos de criminalidade, no qual apenas 1% do que acontece nas ruas chega ao mundo das leis, e onde não mais que 1% dos condenados cumprem suas penas até o fim?
Você construiria sua vida em um país no qual regras e metas são alteradas em ritmo frenético, distantes da serenidade que deve nortear qualquer planejamento?
Você confiaria seu destino a um Estado cujas instituições, leoas implacáveis diante dos erros dos fracos, são carneiras submissas perante aquela "audácia dos canalhas" a que se referia Benjamin Disraeli?
Você se sentiria seguro em integrar uma sociedade na qual a culpa e as consequências pelos erros dos poderosos são invariavelmente transferidas aos mais fracos?
Você acreditaria no futuro de uma nação cuja administração notoriamente não se responsabiliza por suas faltas e erros, negando terem existido e recusando-se a arcar com os prejuízos que causou, ressarcindo suas vítimas?
Você entende sábio alterar-se o retrato da vida de um país através da manipulação de índices e estatísticas, conforme as conveniências dos ocupantes do poder?
Você viveria em uma terra na qual a expressão "direito adquirido" seja relativa, sujeita a interpretações que oscilam conforme os humores da economia e da política?
Você entregaria seu futuro a uma pátria que dá e retira direitos e expectativas ao calor das emoções do momento, de forma afoita e irrefletida?
Você se entenderia seguro para orientar-se sobre o passado recente em um lugar onde os órgãos de comunicação - e, via de consequência, as notícias que divulgam - dependem, em sua maioria, das benesses estatais?
Você teria confiança em um povo cujos livros de história são alterados e reescritos conforme a ideologia dos governantes de plantão?
Se sua resposta a todas estas perguntas foi "não", parabéns! Você é daquelas pessoas que defendem a estabilidade jurídica, motor essencial ao crescimento de qualquer país, e da qual derivarão a saúde, a educação, a segurança, mais investimentos etc.
Eis aí uma preciosa lição que nos legam o mundo e sua história: quando o passado é incerto, periga o futuro!
Pedro Valls Feu Rosa
Você escolheria como moradia um local sujeito a índices absurdos de criminalidade, no qual apenas 1% do que acontece nas ruas chega ao mundo das leis, e onde não mais que 1% dos condenados cumprem suas penas até o fim?
Você construiria sua vida em um país no qual regras e metas são alteradas em ritmo frenético, distantes da serenidade que deve nortear qualquer planejamento?
Você se sentiria seguro em integrar uma sociedade na qual a culpa e as consequências pelos erros dos poderosos são invariavelmente transferidas aos mais fracos?
Você acreditaria no futuro de uma nação cuja administração notoriamente não se responsabiliza por suas faltas e erros, negando terem existido e recusando-se a arcar com os prejuízos que causou, ressarcindo suas vítimas?
Você entende sábio alterar-se o retrato da vida de um país através da manipulação de índices e estatísticas, conforme as conveniências dos ocupantes do poder?
Você viveria em uma terra na qual a expressão "direito adquirido" seja relativa, sujeita a interpretações que oscilam conforme os humores da economia e da política?
Você entregaria seu futuro a uma pátria que dá e retira direitos e expectativas ao calor das emoções do momento, de forma afoita e irrefletida?
Você se entenderia seguro para orientar-se sobre o passado recente em um lugar onde os órgãos de comunicação - e, via de consequência, as notícias que divulgam - dependem, em sua maioria, das benesses estatais?
Você teria confiança em um povo cujos livros de história são alterados e reescritos conforme a ideologia dos governantes de plantão?
Se sua resposta a todas estas perguntas foi "não", parabéns! Você é daquelas pessoas que defendem a estabilidade jurídica, motor essencial ao crescimento de qualquer país, e da qual derivarão a saúde, a educação, a segurança, mais investimentos etc.
Eis aí uma preciosa lição que nos legam o mundo e sua história: quando o passado é incerto, periga o futuro!
Pedro Valls Feu Rosa
O esbulho de estados e municípios
Os prefeitos das capitais e demais cidades começam a trabalhar hoje. Alguns recomeçam. Junto com os governadores, serão as vítimas de um processo que lhes tirou a força e a dignidade em suas cidades e seus estados. Cada unidade da federação encontra-se em estado de penúria, atravessando a pior de suas trajetórias. Sua função será sacrificar-se para a recuperação do que foram e não são mais, graças ao esbulho de uma força situada além de suas fronteiras.
É a União que depende e que precisa dos governadores e prefeitos, jamais estes daquela. Torna-se necessário o presidente Michel Temer entender essa verdade absoluta: os estados e municípios são o país, formam a rede de proteção de um poder etéreo e até inexistente. Brasília só existe porque municípios e estados a cercam e sustentam. Nunca o contrário.
Assiste-se à inversão da natureza. Têm sido os governadores e os prefeitos que chegam mendigando à capital federal, de chapéu na mão, humilhados e exangues atrás de recursos para continuar existindo, quando na realidade a União é que existe por decisão e concessão deles. Brasília deveria desculpar-se e pedir perdão por ter-se omitido tanto. Se há lamentos, reprimendas e arrependimento, deve-se debitar à capital federal o ônus maior.
É a União que depende e que precisa dos governadores e prefeitos, jamais estes daquela. Torna-se necessário o presidente Michel Temer entender essa verdade absoluta: os estados e municípios são o país, formam a rede de proteção de um poder etéreo e até inexistente. Brasília só existe porque municípios e estados a cercam e sustentam. Nunca o contrário.
Caberia ao governo central recuperar as estruturas estaduais e municipais por ele destruídas ao longo dos últimos anos. Sonhos inúteis e projetos impossíveis, entre muita corrupção, erodiram, desgastaram e quase destruíram os alicerces que sustentavam a unidade nacional. Um por um, estes mais, aqueles menos, municípios e estados foram conduzidos à situação de miséria pela incúria do poder federal. É inadmissível que agora se aceite a equação invertida, de que Brasília deve correr em auxílio das unidades federadas. Elas é que precisam cobrar o que lhes foi surripiado por ação do poder central. Sem estados e municípios Brasília permaneceria um deserto insípido.
A oportunidade não é de municípios e estados virem atrás de favores, como farão mais uma vez, senão de chegarem a Brasília para exigir e arrancar o que lhes foi tirado.
Carlos Chagas
A oportunidade não é de municípios e estados virem atrás de favores, como farão mais uma vez, senão de chegarem a Brasília para exigir e arrancar o que lhes foi tirado.
Carlos Chagas
Sem rumo
Vejo uma atitude muito esquisita da parte de algumas pessoas que, pelo menos aparentemente, parecem querer mudar o país: é um discurso ao mesmo tempo desesperado, desistente, agressivamente esnobe e até apocalíptico.
Seguem certas expressões características desse, digamos, estado de espírito: o Brasil acabou; país de merda; 2016 foi uma desgraça e 2017 vai ser desgraça ainda maior; povinho burro, ignorante; a única saída é o aeroporto... E por aí vai.
É decepcionante. Que falta de vigor é esta? – me pergunto. Xingar o país, atacar o povo e dizer que a melhor coisa a fazer é se mandar para o exterior não são coisas que se deva esperar de quem deseja promover mudanças por aqui. E olha que os tempos nem andam tão pesados assim.
Quando comparo com a época realmente dura, pesada e violenta da ditadura militar pós-AI5 e pré-Geisel, o contraste chega a ser escandaloso. Naquela época, sob as botas da repressão, não xingávamos o país. Não ficávamos nos lamentando, dizendo que tudo tinha acabado. Quem não era expulso do país, queria mesmo era ficar por aqui. E, quando o Maracanã em peso aplaudiu Médici, nenhum de nós decretou: povinho de merda.
Não. Era muito diferente. Em vez de ficar se descabelando, xingando e jogando a toalha a cada tropeço, tratávamos de tentar entender as coisas e verificar onde estávamos errando. E atuávamos em todos os campos e em todas as brechas possíveis para contestar a ditadura e avançar em direção à democratização nacional.
Ou seja: numa situação incomparavelmente mais difícil, parecíamos ter mais serenidade, firmeza e consistência, apesar do desatino delirioso – suicida, mesmo – do projeto da luta armada. E foram anos e anos de trabalho político contínuo para transformar aquela realidade terrível.
Por isso mesmo, a vitória contra a ditadura foi resultado da práxis política cotidiana das forças democráticas brasileiras. A ditadura não caiu por causa de bomba, assalto a banco, araguaias. Longe disso. Caiu por causa do MDB, da Igreja Católica, da esquerda democrática, de artistas e intelectuais, todos batalhando juntos pelo retorno à democracia.
Agora, como explicar a diferença entre a disposição transformadora paciente e persistente daqueles tempos – e o misto de desespero-desistência-horror de tantos, hoje? Por que a mania atual de esculhambar o país (dizendo cretinices sobre a nossa história) e agredir a população, o povinho-de-merda?
O Brasil já tem uma nova direita. Nova esquerda, não. E, se for nessa batida, não terá tão cedo.
Seguem certas expressões características desse, digamos, estado de espírito: o Brasil acabou; país de merda; 2016 foi uma desgraça e 2017 vai ser desgraça ainda maior; povinho burro, ignorante; a única saída é o aeroporto... E por aí vai.
É decepcionante. Que falta de vigor é esta? – me pergunto. Xingar o país, atacar o povo e dizer que a melhor coisa a fazer é se mandar para o exterior não são coisas que se deva esperar de quem deseja promover mudanças por aqui. E olha que os tempos nem andam tão pesados assim.
Quando comparo com a época realmente dura, pesada e violenta da ditadura militar pós-AI5 e pré-Geisel, o contraste chega a ser escandaloso. Naquela época, sob as botas da repressão, não xingávamos o país. Não ficávamos nos lamentando, dizendo que tudo tinha acabado. Quem não era expulso do país, queria mesmo era ficar por aqui. E, quando o Maracanã em peso aplaudiu Médici, nenhum de nós decretou: povinho de merda.
Não. Era muito diferente. Em vez de ficar se descabelando, xingando e jogando a toalha a cada tropeço, tratávamos de tentar entender as coisas e verificar onde estávamos errando. E atuávamos em todos os campos e em todas as brechas possíveis para contestar a ditadura e avançar em direção à democratização nacional.
Ou seja: numa situação incomparavelmente mais difícil, parecíamos ter mais serenidade, firmeza e consistência, apesar do desatino delirioso – suicida, mesmo – do projeto da luta armada. E foram anos e anos de trabalho político contínuo para transformar aquela realidade terrível.
Por isso mesmo, a vitória contra a ditadura foi resultado da práxis política cotidiana das forças democráticas brasileiras. A ditadura não caiu por causa de bomba, assalto a banco, araguaias. Longe disso. Caiu por causa do MDB, da Igreja Católica, da esquerda democrática, de artistas e intelectuais, todos batalhando juntos pelo retorno à democracia.
Agora, como explicar a diferença entre a disposição transformadora paciente e persistente daqueles tempos – e o misto de desespero-desistência-horror de tantos, hoje? Por que a mania atual de esculhambar o país (dizendo cretinices sobre a nossa história) e agredir a população, o povinho-de-merda?
O Brasil já tem uma nova direita. Nova esquerda, não. E, se for nessa batida, não terá tão cedo.
Saudades da Guanabara
Villas-Bôas Corrêa, o velho repórter que morreu em dezembro, nunca engoliu a transferência da capital para Brasília. Veterano da cobertura política no Rio, dizia que a mudança cortou os laços entre os políticos e a vida real do país. No livro “Conversa com a Memória” (Objetiva, 2002), ele lembra os tempos em que a classe dirigente era vigiada de perto. O Congresso funcionava de segunda a sexta, e os cariocas lotavam a Câmara e o Senado para acompanhar os debates.
“A presença espontânea de populares, a participação do que se podia qualificar como opinião pública, não sobreviveu ao trauma da mudança da capital”, escreveu. “Em Brasília, foi substituída pela pressão organizada de claques (…) que viajam de ônibus fretados.”
Antes de se isolarem no cerrado, os congressistas eram obrigados a gastar os sapatos na rua, sem a proteção de marqueteiros. Isso permitiu a Villas lançar os Comandos Parlamentares, que marcariam época no jornal “O Dia” a partir de 1951.
Toda semana, deputados e senadores eram recrutados para incursões de surpresa em escolas, hospitais ou presídios do Rio. Os convidados só conheciam o itinerário ao deixar a redação. “Nunca ninguém protestou. Viramos a cidade pelo avesso”, contava o jornalista.
Numa das reportagens, o então ministro da Justiça, Tancredo Neves, foi levado a um abrigo em que meninas eram submetidas a maus-tratos. Na saída, os visitantes flagraram instrumentos de tortura. O ministro transferiu as internas, demitiu a diretora e fechou a espelunca.
Acostumado a Tancredo, o velho repórter se espantaria com as bravatas do atual ministro, Alexandre de Moraes. Há pouco tempo, ele se deixou filmar em trajes de samurai enquanto desferia golpes de facão em pequenos pés de maconha. Depois da façanha, prometeu erradicar a droga no continente —algo mais improvável que ir a pé à Lua. Seria melhor voltar ao gabinete refrigerado.
Nove características de países que são superpotências educacionais
A "maldição dos recursos", um fenômeno que mostra que as economias cuja base são os recursos naturais têm performance pior na educação
Para os ministros da Educação de grande parte do mundo este deve ser um momento difícil, no qual eles precisam encontrar algum aspecto positivo para destacar e tentar explicar a razão de seus países estarem mais uma vez no meio ou até nas últimas colocações da lista.
Cingapura dominou os resultados do Programa de Avaliação Internacional de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), divulgados no começo de dezembro, nas três áreas avaliadas, Matemática, Ciência e Leitura.
Cerca de 540 mil estudantes de 15 anos em 70 países participaram do exame, realizado a cada três anos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
No ranking de Ciência, Cingapura foi seguida outra potência asiática da educação, Japão. Em terceiro, a Estônia. No de Leitura, o segundo e terceiros lugares ficaram com China (Hong Kong) e Canadá. E no de Matemática , Hong Kong e Macau (também China).
Mas o que estes países fizeram para chegar a este patamar? O que eles têm que outros países não têm?
Veja algumas das características destes vencedores.
1 - É melhor estar na Ásia Oriental
Cingapura está em primeiro lugar, seguida pelo Japão. Outros daquela região estão entre os dez primeiros como Taiwan, Macau, Hong Kong, China, Vietnã. A Coreia do Sul está em 11º lugar.
2 - Um pouco de conformismo?
Falando de uma forma muito diplomática, a expectativa em muitos dos países que ocupam as primeiras posições geralmente é que as pessoam obedeçam as ordens que recebem.
Uma cultura conformista e concentrada, um senso de objetivo coletivo ou até um Estado onde exista apenas um partido, sem oposição, frequentemente são elementos que podem ser observados entre os países mais bem colocados.
Mas há exceções: a Finlândia ficou em quinto lugar e este é um país com um sentimento forte de independência liberal.
Falando de uma forma muito diplomática, a expectativa em muitos dos países que ocupam as primeiras posições geralmente é que as pessoam obedeçam as ordens que recebem.
Uma cultura conformista e concentrada, um senso de objetivo coletivo ou até um Estado onde exista apenas um partido, sem oposição, frequentemente são elementos que podem ser observados entre os países mais bem colocados.
Mas há exceções: a Finlândia ficou em quinto lugar e este é um país com um sentimento forte de independência liberal.
3 - Melhor não ter recursos naturais
Existe um fenômeno em educação chamado "a maldição dos recursos" que mostra que as economias cuja base são os recursos naturais - como as que dependem em grandes reservas de petróleo - têm uma tendência a performances ruins no setor de educação.
Países do Oriente Médio podem ser citados como exemplo. Como motivar uma pessoa que espera ser rica independente de seus resultados na escola?
Os países pequenos e com poucos recursos, por outro lado, precisaram aprender rapidamente como viver e progredir a partir de sua própria inteligência. Por exemplo, há 60 anos a Coreia do Sul tinha um dos piores índices de analfabetismo do mundo, agora muitos de nós estamos assistindo programas em aparelhos de televisão criados ou fabricados naquele país.
4 - Aposte nos professores
Andreas Schleicher, guru educacional da OCDE, tem uma frase: "Nenhum sistema de educação pode ser melhor do que a qualidade de seus professores".
E a classificação no Pisa demonstra isso: o sucesso está unido à oferta de professores de boa qualidade.
Não importa quais as declarações polêmicas dos ministro de Educação, tudo se resume em um bom investimento nos professores.
Andreas Schleicher, guru educacional da OCDE, tem uma frase: "Nenhum sistema de educação pode ser melhor do que a qualidade de seus professores".
E a classificação no Pisa demonstra isso: o sucesso está unido à oferta de professores de boa qualidade.
Não importa quais as declarações polêmicas dos ministro de Educação, tudo se resume em um bom investimento nos professores.
5 - Ser uma nação (relativamente) jovem
Os países mais bem colocados em rankings educacionais podem ter culturas antigas, mas uma característica interessante deles é que muitos são Estados relativamente novos ou tiveram suas fronteiras reconstituídas recentemente.
A Finlândia vai celebrar seu centenário em 2017 e a Coreia do Sul e Cingapura, em suas atuais formas políticas, são produtos do século 20.
O Vietnã, que saiu de uma guerra na década de 1970 foi um dos que melhoraram mais rapidamente seu sistema educacional, ultrapassando os Estados Unidos e os dinossauros da velha Europa.
Os países mais bem colocados em rankings educacionais podem ter culturas antigas, mas uma característica interessante deles é que muitos são Estados relativamente novos ou tiveram suas fronteiras reconstituídas recentemente.
A Finlândia vai celebrar seu centenário em 2017 e a Coreia do Sul e Cingapura, em suas atuais formas políticas, são produtos do século 20.
O Vietnã, que saiu de uma guerra na década de 1970 foi um dos que melhoraram mais rapidamente seu sistema educacional, ultrapassando os Estados Unidos e os dinossauros da velha Europa.
6 - Ter um vizinho grande que brilhe mais que você
Outra característica surpreendente dos países mais bem posicionados em rankings de educação é o quanto eles tiveram que lutar para conseguir um lugar ao sol por causa de um vizinho muito maior.
As histórias de sucesso em países europeus nos últimos anos - na Finlândia, Polônia e Estônia - mostra que eles tiveram que sair da sombra do antigo bloco soviético.
A Coreia do Sul e Hong Kong têm como vizinha a China. Cingapura é uma cidade-estado minúscula cercada por vizinhos bem maiores em tamanho e população.
A educação é que permite a todos estes países competirem com os países maiores.
Outra característica surpreendente dos países mais bem posicionados em rankings de educação é o quanto eles tiveram que lutar para conseguir um lugar ao sol por causa de um vizinho muito maior.
As histórias de sucesso em países europeus nos últimos anos - na Finlândia, Polônia e Estônia - mostra que eles tiveram que sair da sombra do antigo bloco soviético.
A Coreia do Sul e Hong Kong têm como vizinha a China. Cingapura é uma cidade-estado minúscula cercada por vizinhos bem maiores em tamanho e população.
A educação é que permite a todos estes países competirem com os países maiores.
7 - Não é uma competição por eliminação
As classificações em rankings de educação se baseiam na proporção de jovens que conseguem alcançar algum ponto de referência de capacidade
Os ganhadores serão aqueles países que presumem que todos devem cruzar esta linha de chegada, alcançar este padrão, até os mais pobres - e esta é uma característica que marca os mais bem-sucedidos sistemas educacionais da Ásia.
Eles colocam os melhores professores cuidando dos alunos mais fracos para garantir que todos alcancem o padrão básico.
O sistema ocidental, por sua vez, aborda a educação como uma corrida de cavalos, com a expectativa de que poucos dos que começam a corrida alcancem a meta.
E as classificações refletem esta diferença fundamental.
As classificações em rankings de educação se baseiam na proporção de jovens que conseguem alcançar algum ponto de referência de capacidade
Os ganhadores serão aqueles países que presumem que todos devem cruzar esta linha de chegada, alcançar este padrão, até os mais pobres - e esta é uma característica que marca os mais bem-sucedidos sistemas educacionais da Ásia.
Eles colocam os melhores professores cuidando dos alunos mais fracos para garantir que todos alcancem o padrão básico.
O sistema ocidental, por sua vez, aborda a educação como uma corrida de cavalos, com a expectativa de que poucos dos que começam a corrida alcancem a meta.
E as classificações refletem esta diferença fundamental.
8 - Copiar dos melhores
É difícil separar os sistemas educacionais da política e da cultura onde eles se desenvolvem.
Por mais que todos gostem de falar de "inovação", há muita pressão de todos os lados contra a mudança.
Mas muitos dos países com alto rendimento não tem nenhum problema em pegar as melhores ideias de outros países e usá-las em suas próprias escolas.
É difícil separar os sistemas educacionais da política e da cultura onde eles se desenvolvem.
Por mais que todos gostem de falar de "inovação", há muita pressão de todos os lados contra a mudança.
Mas muitos dos países com alto rendimento não tem nenhum problema em pegar as melhores ideias de outros países e usá-las em suas próprias escolas.
9 - Planejar para o longo prazo em um mundo onde tudo é no curto prazo
Dez anos ou até mais podem passar antes que as mudanças em um sistema educacional façam alguma diferença positiva a ponto de mudar o lugar do país em rankings globais do setor.
E isto não é um grande incentivo para a curta vida útil de um gabinete de ministro da Educação.
Em alguns países os ministros podem ser trocados várias vezes até em uma questão de dias.
A grande mensagem que os países precisam entender a partir destes rankings globais de educação é que os dois fatores necessários são coerência e continuidade.
Dez anos ou até mais podem passar antes que as mudanças em um sistema educacional façam alguma diferença positiva a ponto de mudar o lugar do país em rankings globais do setor.
E isto não é um grande incentivo para a curta vida útil de um gabinete de ministro da Educação.
Em alguns países os ministros podem ser trocados várias vezes até em uma questão de dias.
A grande mensagem que os países precisam entender a partir destes rankings globais de educação é que os dois fatores necessários são coerência e continuidade.
10 - Culpe todo mundo
É preciso muito tempo para mudar a educação de um país e para notar estas mudanças.
Então os ministros desta pasta podem se vangloriar de qualquer coisa que tenha sucesso e culpar todos os da administração anterior pelos fracassos.
É preciso muito tempo para mudar a educação de um país e para notar estas mudanças.
Então os ministros desta pasta podem se vangloriar de qualquer coisa que tenha sucesso e culpar todos os da administração anterior pelos fracassos.
Xô, entulho de operações estruturadas
Ano novo, vida nova. Em 5.570 municípios, novos mandatos renovam esperanças de melhores tempos. Mas, prefeitos e vereadores, cuidado: o terreno está minado.
Até o final dos anos 2030, o Brasil construirá como nunca antes em uma geração. É impressionante: mais 40 milhões de domicílios se somarão aos 66 milhões existentes. Mais de meia cidade se somará à cidade existente. O desenvolvimento nacional depende desse terreno. Mas ele está minado.
Economistas que opinam sobre caminhos para a superação da crise, em geral, tratam de macroeconomia. Parece haver consenso sobre a necessidade de aumentar investimentos. Apontam para grandes obras e grandes sistemas, que, por certo, são indispensáveis.
Mas, enquanto o Brasil flanava em águas de almirante e planava em céu de brigadeiro, ouvíamos que os fundamentos macroeconômicos eram fortes, garantindo o progresso do país.
Pouco investimos na qualificação de nossas cidades, embora nelas sejam gerados mais de quatro quintos do PIB.
A saúde, a educação, o conhecimento e a inovação são urbanos. Os micro, pequenos e médios negócios, como os grandes, dependem da boa qualidade de vida urbana. Contudo, o saneamento continuou às moscas; a mobilidade, imóvel; a segurança, caótica; os serviços, inservíveis.
Acabou a bonança, os fundamentos desapareceram, e a cidade ficou à espera de novo ciclo. Será possível?
É preciso buscar outros caminhos. O ciclo das respostas bombásticas passou, os frutos apregoados estavam bichados. Agora, enquanto o Brasil espera reerguer-se — em algum momento o fará —, é hora de o país projetar-se para o presente, de planejar suas cidades e seu território, olhar para o cotidiano da cidade comum, implantar distribuídas soluções que, somadas, dão um grande resultado. Não será fácil, em vista do emaranhado institucional urdido, que precisa ser removido.
Há um precedente a considerar. Acabada a ditadura, o país viu-se frente a um conjunto de leis e decretos concebidos durante os anos de chumbo. Era o “entulho autoritário”, que precisou ser revogado para a vigência da vida democrática. Encontramo-nos, hoje, em situação assemelhada.
Nos últimos tempos, o país produziu uma sucessão de leis que desqualificaram o pensamento criativo e desconstituíram nossa capacidade de planejar. No âmbito público, a desconstrução dos serviços de planejamento urbano e de planejamento de obras foi quase total.
Abandonando a ideia de projeto como categoria cultural autônoma, tais leis tornaram promíscua a relação entre agentes públicos e empreiteiras, dando legalidade a modalidades de licitação cujos preços de obras sustentavam as propinas abundantemente distribuídas enquanto reduziam a qualidade dos serviços.
Até o final dos anos 2030, o Brasil construirá como nunca antes em uma geração. É impressionante: mais 40 milhões de domicílios se somarão aos 66 milhões existentes. Mais de meia cidade se somará à cidade existente. O desenvolvimento nacional depende desse terreno. Mas ele está minado.
Economistas que opinam sobre caminhos para a superação da crise, em geral, tratam de macroeconomia. Parece haver consenso sobre a necessidade de aumentar investimentos. Apontam para grandes obras e grandes sistemas, que, por certo, são indispensáveis.
Mas, enquanto o Brasil flanava em águas de almirante e planava em céu de brigadeiro, ouvíamos que os fundamentos macroeconômicos eram fortes, garantindo o progresso do país.
Pouco investimos na qualificação de nossas cidades, embora nelas sejam gerados mais de quatro quintos do PIB.
A saúde, a educação, o conhecimento e a inovação são urbanos. Os micro, pequenos e médios negócios, como os grandes, dependem da boa qualidade de vida urbana. Contudo, o saneamento continuou às moscas; a mobilidade, imóvel; a segurança, caótica; os serviços, inservíveis.
Acabou a bonança, os fundamentos desapareceram, e a cidade ficou à espera de novo ciclo. Será possível?
É preciso buscar outros caminhos. O ciclo das respostas bombásticas passou, os frutos apregoados estavam bichados. Agora, enquanto o Brasil espera reerguer-se — em algum momento o fará —, é hora de o país projetar-se para o presente, de planejar suas cidades e seu território, olhar para o cotidiano da cidade comum, implantar distribuídas soluções que, somadas, dão um grande resultado. Não será fácil, em vista do emaranhado institucional urdido, que precisa ser removido.
Há um precedente a considerar. Acabada a ditadura, o país viu-se frente a um conjunto de leis e decretos concebidos durante os anos de chumbo. Era o “entulho autoritário”, que precisou ser revogado para a vigência da vida democrática. Encontramo-nos, hoje, em situação assemelhada.
Nos últimos tempos, o país produziu uma sucessão de leis que desqualificaram o pensamento criativo e desconstituíram nossa capacidade de planejar. No âmbito público, a desconstrução dos serviços de planejamento urbano e de planejamento de obras foi quase total.
Abandonando a ideia de projeto como categoria cultural autônoma, tais leis tornaram promíscua a relação entre agentes públicos e empreiteiras, dando legalidade a modalidades de licitação cujos preços de obras sustentavam as propinas abundantemente distribuídas enquanto reduziam a qualidade dos serviços.
Não houve argumento racional, embasado tecnicamente, que subsistisse à avalanche de “facilidades” promovidas tanto pelo Executivo, por medidas provisórias, como pelo Legislativo, transformando-as em leis. Mesmo com o avanço da Lava-Jato, editam-se MPs e tentam-se leis nesse sentido — como neste dezembro o Senado o fez com o PLS 559, que multiplica tais facilidades.
Mas agora há um porém: como a “delação do fim do mundo” iluminou o esquema, ficará sob suspeição o governante que adotar tal legislação envenenada, onde está a “contratação integrada/RDC” — a que entrega projeto e obra ao empreiteiro. Como adotá-la conhecendo sua gênese e seu objetivo?
Assim como feito com o entulho autoritário, precisaremos nos desfazer desse vergonhoso “entulho de operações estruturadas”, o entulho da propina. Precisamos recuperar a capacidade do país em se pensar, em se projetar, em se planejar, para enfrentar o impressionante desafio desta geração: construir mais meio Brasil urbano sobre bom terreno, não em terreno minado. Uma cidade onde se possa reerguer o desenvolvimento, mais saudável, menos desigual, mais bonita.
Ano novo, vida nova. Quem sabe?
Mas agora há um porém: como a “delação do fim do mundo” iluminou o esquema, ficará sob suspeição o governante que adotar tal legislação envenenada, onde está a “contratação integrada/RDC” — a que entrega projeto e obra ao empreiteiro. Como adotá-la conhecendo sua gênese e seu objetivo?
Assim como feito com o entulho autoritário, precisaremos nos desfazer desse vergonhoso “entulho de operações estruturadas”, o entulho da propina. Precisamos recuperar a capacidade do país em se pensar, em se projetar, em se planejar, para enfrentar o impressionante desafio desta geração: construir mais meio Brasil urbano sobre bom terreno, não em terreno minado. Uma cidade onde se possa reerguer o desenvolvimento, mais saudável, menos desigual, mais bonita.
Ano novo, vida nova. Quem sabe?
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