quarta-feira, 1 de março de 2017
Por que somos assim?
Vamo-nos fixar no Brasil, ignorando por ora a insanidade coletiva que caracteriza o estado do mundo. Afinal, seria demasiado desafiador entender por que o Parlamento russo sancionou a violência doméstica ou os deputados da Romênia tentaram liberar a corrupção até certo nível monetário. Por que será que países com História ilustre, como a Turquia, a Hungria ou a renascida Polônia e sua vibrante economia optaram por regimes autoritários tão primitivos? E os ingleses, sempre acesos, como se deixaram levar pela emoção e aprovaram o mergulho na escuridão fora da União Europeia? Sobre todos esses fatos, e muitos outros, surge um espertíssimo empresário, mas ignorante do mundo da política e, inacreditavelmente, os eleitores do país mais poderoso do mundo o elegem para a Presidência. São tempos sombrios e ameaçadores.
Sujeitos às nossas particularidades, não escapamos dessa marcha delirante. Basta abrir os olhos e ver à nossa volta, das episódicas evidências do cotidiano aos fatos mais impactantes. Somos um país que delicia os antropólogos, os especialistas dedicados às “coisas da cultura” que tentam explicar por que sempre escolhemos o irracional, o inconsequente e o mágico. Mas sua civilidade os impede de usar os termos corretos para designar as oceânicas patetices que conduzem a Nação. Mesmo a cordialidade permanente que nos caracterizaria (assim dizem) não camufla a gigantesca sensação de derrota e fracasso que está hoje fincada no fundo de nossos corações – a generalizada impressão sobre um país que, de fato, não tem futuro.
Como recordar é viver, diariamente observamos exemplos espantosos. Do presidente da República, que seria um especialista em Direito Constitucional, mas não se envergonha de exercer a censura em razão de uma infantilidade que teria incomodado sua esposa. E o outro que era então presidente do Supremo, mas nem ficou corado em “fatiar” a Constituição para proteger a ex-presidente, rasgando ao vivo e em cores a nossa Lei Maior? E esta recente carnificina num presídio de Natal, quando atemorizados soldadinhos da Força Nacional entraram com contêineres para separar as facções em luta? Assustados, ficamos pensando: não conseguem sequer interromper a selvageria e dar fim à rebelião? São eventos nada educativos, sugerindo que o Estado brasileiro é ficcional e se vão esfumaçando os fundamentos da vida em sociedade. Pior ainda: qualquer fato ou ação proposta sempre se defronta com duas expressões imobilizadoras tornadas obrigatórias no jargão da política. A primeira exige que “seja ouvida a sociedade”, vaga demanda que sugere democracia, como se esta fosse real no Brasil. E se for iniciativa com alguma implicação social, diversas vozes logo ecoarão: “Chamem os movimentos sociais!”. É outra ficção, mas, na dúvida, opta-se por nada fazer. E seguimos entre a inércia e a boçalidade que talvez seja, esta sim, a nossa marca cultural mais distintiva.
Por que somos assim? Por que aceitamos tanta falsidade, tanto cinismo e manipulação com tal serenidade? Por que situações que são acintosamente ilógicas são passivamente recebidas pela população? Por que nos deixamos dominar tão rapidamente pelo autoengano, pelo fingimento e pelo pensamento mágico? Somos, de fato, estruturalmente incapazes de alguma reflexão crítica e, entre nós, a frase de Montaigne sobre o “maravilhoso trabalho da consciência: ela nos faz trair, acusar e combater a nós mesmos (...) nos denuncia contra nós mesmos”, não se aplicaria?
Por que somos assim? Ativado um debate nacional para obter respostas, listaríamos os fatores que são os mais conhecidos. Da baixa escolaridade às recentes raízes agrárias, pois a intensificação da urbanização se desenrolou no último meio século. Da modernidade industrial à extensão dos direitos e ao adensamento democrático, mudanças igualmente recentes. Outros enfatizarão o peso do catolicismo vigente, que exalta a pobreza e a vida comunitária, o que desenvolveria posturas que, na prática, acabam sendo anticapitalistas e inibem o empreendedorismo. Ou, então, heranças patrimonialistas de nossa História e até mesmo o legado de estruturas cartoriais que nos formaram ao longo dos séculos.
Todos esses determinantes, sem dúvida, têm algum peso que precisaríamos avaliar. Mas discutimos escassamente dois outros aspectos que parecem ser igualmente cruciais para explicar esse estado de prostração que atualmente é típico em nossa sociedade. Primeiramente, e ao contrário do que tem sido afirmado, nossas instituições (as formais e as informais) funcionam muito mal, são diáfanas de tão fracas, sem nenhuma robustez e eficácia, existem mais no papel e na retórica, com rala efetividade prática no cotidiano dos cidadãos. Não imagino que seja necessário ilustrar, todos conhecemos sobremaneira a inoperância de nossas instituições. Como adensá-las?
Por fim, o outro grande tema que está exigindo urgente discussão diz respeito à inacreditável indigência que caracteriza as nossas elites, seja no tocante ao seu minúsculo estofo cultural ou, então, em relação à sua incapacidade decisória. Todas elas, da política à empresarial, da educacional à estatal, da Justiça à científica. Não há grupo algum a quem possamos entregar o bastão e pedir que nos conduza para um futuro mais radiante. Sobre esse tema novamente Montaigne nos inspira: “Para quem não tem na cabeça uma forma do todo, é impossível arrumar os elementos (...) nossos projetos descaminham-se porque não têm direção nem objetivo. Nenhum vento serve para quem não tem porto de chegada”.
Todas as grandes sociedades se consolidaram em função de projetos societários impulsionados sob o comando de elites que conseguiram desenvolver “uma forma do todo”. Ainda veremos essa estratégia transformadora concretizar-se no Brasil algum dia?
Zander Navarro
Sujeitos às nossas particularidades, não escapamos dessa marcha delirante. Basta abrir os olhos e ver à nossa volta, das episódicas evidências do cotidiano aos fatos mais impactantes. Somos um país que delicia os antropólogos, os especialistas dedicados às “coisas da cultura” que tentam explicar por que sempre escolhemos o irracional, o inconsequente e o mágico. Mas sua civilidade os impede de usar os termos corretos para designar as oceânicas patetices que conduzem a Nação. Mesmo a cordialidade permanente que nos caracterizaria (assim dizem) não camufla a gigantesca sensação de derrota e fracasso que está hoje fincada no fundo de nossos corações – a generalizada impressão sobre um país que, de fato, não tem futuro.
Por que somos assim? Por que aceitamos tanta falsidade, tanto cinismo e manipulação com tal serenidade? Por que situações que são acintosamente ilógicas são passivamente recebidas pela população? Por que nos deixamos dominar tão rapidamente pelo autoengano, pelo fingimento e pelo pensamento mágico? Somos, de fato, estruturalmente incapazes de alguma reflexão crítica e, entre nós, a frase de Montaigne sobre o “maravilhoso trabalho da consciência: ela nos faz trair, acusar e combater a nós mesmos (...) nos denuncia contra nós mesmos”, não se aplicaria?
Por que somos assim? Ativado um debate nacional para obter respostas, listaríamos os fatores que são os mais conhecidos. Da baixa escolaridade às recentes raízes agrárias, pois a intensificação da urbanização se desenrolou no último meio século. Da modernidade industrial à extensão dos direitos e ao adensamento democrático, mudanças igualmente recentes. Outros enfatizarão o peso do catolicismo vigente, que exalta a pobreza e a vida comunitária, o que desenvolveria posturas que, na prática, acabam sendo anticapitalistas e inibem o empreendedorismo. Ou, então, heranças patrimonialistas de nossa História e até mesmo o legado de estruturas cartoriais que nos formaram ao longo dos séculos.
Todos esses determinantes, sem dúvida, têm algum peso que precisaríamos avaliar. Mas discutimos escassamente dois outros aspectos que parecem ser igualmente cruciais para explicar esse estado de prostração que atualmente é típico em nossa sociedade. Primeiramente, e ao contrário do que tem sido afirmado, nossas instituições (as formais e as informais) funcionam muito mal, são diáfanas de tão fracas, sem nenhuma robustez e eficácia, existem mais no papel e na retórica, com rala efetividade prática no cotidiano dos cidadãos. Não imagino que seja necessário ilustrar, todos conhecemos sobremaneira a inoperância de nossas instituições. Como adensá-las?
Por fim, o outro grande tema que está exigindo urgente discussão diz respeito à inacreditável indigência que caracteriza as nossas elites, seja no tocante ao seu minúsculo estofo cultural ou, então, em relação à sua incapacidade decisória. Todas elas, da política à empresarial, da educacional à estatal, da Justiça à científica. Não há grupo algum a quem possamos entregar o bastão e pedir que nos conduza para um futuro mais radiante. Sobre esse tema novamente Montaigne nos inspira: “Para quem não tem na cabeça uma forma do todo, é impossível arrumar os elementos (...) nossos projetos descaminham-se porque não têm direção nem objetivo. Nenhum vento serve para quem não tem porto de chegada”.
Todas as grandes sociedades se consolidaram em função de projetos societários impulsionados sob o comando de elites que conseguiram desenvolver “uma forma do todo”. Ainda veremos essa estratégia transformadora concretizar-se no Brasil algum dia?
Zander Navarro
A folia da Lava Jato vai começar
Para muitos políticos e autoridades públicas, não haverá mais carnaval como este que, hoje, dará seus últimos suspiros.
Embora tensos, angustiados e à espera do pior, os que desejaram puderam brincar desde que em ambientes previamente desinfetados de gente hostil.
Nos últimos três anos de Lava Jato, somente os privados de liberdade sabem quanto é duro viver sob o anátema da sociedade.
É assim que vivem os citados em delação, os suspeitos de ter prevaricado e aqueles que temem ser acordados por agentes da Polícia Federal.
Por mais que aleguem ser inocentes, poucos entre eles parecem ser. A maioria agarra-se à esperança tênue de que faltem provas para condená-los.
Discretamente, para escapar de serem presos em flagrante, muitos ainda se ocupam em destruir a tempo provas e indícios de crimes.
O telefone celular já não lhes serve para nada. Quem se arriscaria a usá-lo com a sem cerimônia de outrora?
E computador também não. Nem mesmo o sacrossanto espaço do lar está mais a salvo de escutas capazes de incriminá-los.
A Quaresma que para os religiosos significa o período de recolhimento e de meditação à espera da Páscoa, para eles será um duro período de agonia.
Quem dentre eles será chamado a se explicar publicamente depois de levantado o sigilo sobre as delações da Odebrecht?
Quem dentre eles em será denunciado pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal?
Quem dentre deles, sem desfrutar do privilégio do foro especial, ficará aos cuidados do juiz Sérgio Moro em Curitiba?
A agonia sucede ao calvário. E o calvário arrasta-se desde o momento em que a Lava Jato investigava apenas um posto de gasolina em Brasília.
De lá para cá, o príncipe dos empreiteiros foi preso e condenado. Pela primeira vez na história, um ex-ministro da Fazenda mofa na cadeia.
Um ex-governador do segundo Estado mais importante amarga a certeza de que permanecerá por muito tempo atrás das grades.
Mais um presidente da República caiu. Dois ex-presidentes estão na marca do pênalti. O atual corre o risco de não concluir o mandato que herdou.
Um ex-presidente da Câmara dos Deputados foi cassado e está preso. O que o sucedeu foi alvo de delação.
Assim como foi também o presidente do Senado recém-eleito. Seu antecessor responde a mais de 11 inquéritos.
A folia de Momo dá ensejo a que a alegria afogue a mágoa e os desencantos da vida.
A folia da Lava Jato, preste a alcançar seu ápice nos próximos meses, poderá servir à renovação dos métodos de se fazer política entre nós.
Que assim seja.
Embora tensos, angustiados e à espera do pior, os que desejaram puderam brincar desde que em ambientes previamente desinfetados de gente hostil.
Nos últimos três anos de Lava Jato, somente os privados de liberdade sabem quanto é duro viver sob o anátema da sociedade.
É assim que vivem os citados em delação, os suspeitos de ter prevaricado e aqueles que temem ser acordados por agentes da Polícia Federal.
Discretamente, para escapar de serem presos em flagrante, muitos ainda se ocupam em destruir a tempo provas e indícios de crimes.
O telefone celular já não lhes serve para nada. Quem se arriscaria a usá-lo com a sem cerimônia de outrora?
E computador também não. Nem mesmo o sacrossanto espaço do lar está mais a salvo de escutas capazes de incriminá-los.
A Quaresma que para os religiosos significa o período de recolhimento e de meditação à espera da Páscoa, para eles será um duro período de agonia.
Quem dentre eles será chamado a se explicar publicamente depois de levantado o sigilo sobre as delações da Odebrecht?
Quem dentre eles em será denunciado pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal?
Quem dentre deles, sem desfrutar do privilégio do foro especial, ficará aos cuidados do juiz Sérgio Moro em Curitiba?
A agonia sucede ao calvário. E o calvário arrasta-se desde o momento em que a Lava Jato investigava apenas um posto de gasolina em Brasília.
De lá para cá, o príncipe dos empreiteiros foi preso e condenado. Pela primeira vez na história, um ex-ministro da Fazenda mofa na cadeia.
Um ex-governador do segundo Estado mais importante amarga a certeza de que permanecerá por muito tempo atrás das grades.
Mais um presidente da República caiu. Dois ex-presidentes estão na marca do pênalti. O atual corre o risco de não concluir o mandato que herdou.
Um ex-presidente da Câmara dos Deputados foi cassado e está preso. O que o sucedeu foi alvo de delação.
Assim como foi também o presidente do Senado recém-eleito. Seu antecessor responde a mais de 11 inquéritos.
A folia de Momo dá ensejo a que a alegria afogue a mágoa e os desencantos da vida.
A folia da Lava Jato, preste a alcançar seu ápice nos próximos meses, poderá servir à renovação dos métodos de se fazer política entre nós.
Que assim seja.
Muito circo, pouco pão
É fato que governos populistas dão o pão, apenas para retirá-lo depois daqueles que prometeram proteger.
Isso é o que permite que países com governos populistas cresçam por um tempo, antes de cair em desgraça. Nem sequer oferecer o pão, eis inovação que pode impedir a sustentação mais óbvia do populismo.Monica de Bolle
Doze destaques de 72 carnavais
1 — Todo brasileiro nasce num “Brasil” do carnaval. Aliás, sabemos que o Brasil é Brasil por causa do carnaval. A afirmação parece trivial, mas não é. Nem todo mundo conheceu o Brasil dos imperadores, dos escravos e das ditaduras. Dos Atos Institucionais e, hoje, das pantagruélicas roubalheiras e do neofascismo que liquida amizades, mas o carnaval continua. Repetir, como dizia Thomas Mann, é abolir a diferença entre o ser é o ter sido. Talvez mais do que qualquer outra instituição, o carnaval nos certifica de uma continuidade nacional.
2 — Se achamos que o mundo pode ser juridicamente resolvido, por que não abolir o carnaval? Esse carnaval que foi prova de preguiça, malandragem e mestiçagem doentia? Afinal, o “legal” é sinônimo de “bom” no Brasil.
3 — A questão, um tanto absurda, é posta nesta Quarta-Feira de Cinzas como parte de um pungente “exame antropológico de consciência”. Afinal, quando a gordura comida até Terça-Feira Gorda vira a cinza desta quarta, passamos do excesso (que engordura, denunciando uma concupiscência obrigatória) à carência das cinzas dos pecados, produzindo a fumaça mediadora entre a Terra e o Céu.
Eis um percurso cósmico, embora inconsciente: vamos da abundância festiva da carne à mortalha das cinzas ligadas à rotina do trabalho; da palavra (por contraste com o canto); da dança em cordão ou bloco (por oposição ao caminhar solitário).
4 — Em algum momento, o Brasil nos apresenta o carnaval. No meu caso ele surgiu em 1944, quando eu tinha meus 8 anos. Neste 2017, eu vivi o meu septuagésimo segundo carnaval. Não contamos carnavais porque ele não nos pertence. Ao contrário, ele é que nos engloba e coage.
5 — Escrevo vestido de “velho”, uma das minha fantasias favoritas num desses carnavais passados, quando pintei o cabelo de branco e arrumei um bigode e meia barba postiços. Olhei-me no espelho e vi minha figura como sou hoje!
6 — Quem apresentou o carnaval à minha consciência foi mamãe, quando fantasiou meus irmãos e eu de pierrô e nos levou a um obrigatório “baile infantil”. Salvaram-nos da tristeza de uma fantasia de pierrô as lança-perfumes e os confetes que usamos para esguichar nos olhos e jogar na boca dos outros meninos.
7 — Dez anos depois, aos 18 anos, fui levado por meu querido amigo Celso ao baile vespertino “Mamãe eu vou às compras”, na Associação dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro, no qual vivi a experiência de uma folia verdadeiramente rabelaisiana.
Reza a lenda que esse baile, realizado no Sábado Gordo, entre 16h e 20h, remetia às desculpas para as últimas compras destinadas às suas fantasias que as filhas de família davam em casa. Jamais comprovei tal história, mas transformei muitas fantasias em realidade com as fantasias daquelas moças.
8 — Mais tarde, quando me interessei pela festa como um ritual de passagem orgástico e licencioso (como folia ou maluquice num país também fabricado a bacharéis e vossas excelências), foi que descobri que o “Mamãe eu vou às compras” era da mesma linhagem do Baile do Cabide (onde todos penduravam a roupa num cabide) e do Baile da Corda, no qual as mulheres subiam de elevador, mas os homens tinham que usar uma corda!
Tais eram os mitos de um mundo no qual as mulheres eram alvo de um controle que, felizmente, passou.
9 — Voltando à questão inicial: você já pensou em isentar o Brasil desta festa por meio de uma lei devidamente legitimada pelo STF? Como modernizar o Brasil com o carnaval? Com essa festa obsoleta e inútil que não combina com um sistema utilitário (onde os fins e os meios estão relacionados), como manda a regra da racionalidade e da razão prática e, no limite, é imoral e obsceno?
10 — Afinal, para que serve o carnaval? O que ele comemora? Qual é o seu centro, alvo ou objetivo?
Vejam bem, não há funeral sem morto, casamento sem noivos, aniversário sem aniversariante, procissão sem santo, desfile militar sem data nacional e posse sem eleito. Mas o carnaval é múltiplo. Ele tem muitos sujeitos, eventos, espaços, roupagens, além de regras e contrarregras. Seu tempo é igualmente especial: ele começa quando você chega e acaba quando você vai embora. A liberdade de escolher como cada qual vai “brincar” é infinita. É até possível brincar não brincando. Cada um tem o seu carnaval e faz a festa dentro dos seus anseios e poderes. Ele é universal e nacional, e isso o diferencia de “carnavais locais” como o de Nice ou de Nova Orleans. Tais festividades pertencem às suas cidades, já o nosso é “brasileiro” e irrompe em toda a parte com sua inevitáveis variações regionais.
11 — O carnaval é uma linguagem que reúne e separa por muitos critérios. Sua regra de liberdade e igualdade se contradiz a todo momento, pois ele é também hierárquico, mas a contradição e a ambiguidade — eis o seu brasileirismo! — são o traço distintivo desta “folia”.
Seu único preceito é que tudo pode numa sociedade onde tudo não pode, exceto se você estiver no poder ou possuir a má-fé ideológica que move montanhas e destrói a razão, a honestidade e o bom senso.
12. O carnaval é a única maluquice que ninguém ousou mudar ou roubar. Porque ele, carnavalescamente, roubaria o ladrão.
Roberto DaMatta
Política virou uma massa uniforme de cúmplices
Expostos na vitrine da Lava Jato, os partidos políticos reagem às investigações que os desmoralizam com uma naturalidade hedionda. A reação faz lembrar um fenômeno que a filósofa alemã Hannah Arendt chamou de “a banalidade do mal”. A penúltima evidência do fenômeno foi fornecida pelo presidente do PT, Rui Falcão. Ele defendeu num artigo que a liminar do ministro do STF Marco Aurélio Mello que libertou o ex-goleiro Bruno deveria ser, por assim dizer, estendida aos presos petistas da Lava Jato. Para ele, deveriam ser soltos imediatamente José Dirceu, condenado a mais de 20 anos de cadeia, João Vaccari, condenado a mais de 34 anos, e Antonio Palocci, uma sentença esperando na fila.
O brasileiro gosta de se iludir. Costuma imaginar que o Brasil nunca mais será o mesmo depois de cada grande escândalo. Mas o mesmo sempre volta. Os mesmos políticos viscosos, a mesma grandeza da vista curta, a mesma generosidade dos interesses mesquinhos. Tudo protegido pela conveniência dos interesses partidários e pela leniência do eleitor.
O PT não é a única legenda a se render à banalidade do mal. Outros partidos reagem às delações, aos inquéritos e às denúncias com profunda normalidade. Ninguém expulsa ninguém. Pior: algumas das principais legendas do país, como PMDB e PSDB, são presididas por políticos processados no Supremo Tribunal Federal. Costuma-se dizer que há muita gente honesta na política. O problema é que quem olha não distingue culpados de inocentes. Só enxerga uma massa uniforme de cúmplices.
O PT não é a única legenda a se render à banalidade do mal. Outros partidos reagem às delações, aos inquéritos e às denúncias com profunda normalidade. Ninguém expulsa ninguém. Pior: algumas das principais legendas do país, como PMDB e PSDB, são presididas por políticos processados no Supremo Tribunal Federal. Costuma-se dizer que há muita gente honesta na política. O problema é que quem olha não distingue culpados de inocentes. Só enxerga uma massa uniforme de cúmplices.
Honra ao demérito
Com isso, pela ótica do Palácio do Planalto os flancos abertos por passos em falso na política foram fechados e a situação administrada. Na visão do público, cuja opinião é crucial, contudo, nada está resolvido. Disso dão notícia quaisquer conversas entre pessoas comuns sobre os inúmeros inquéritos, citações e processos envolvendo o grupo do presidente. Turma, diga-se, da pesada.
É com ela e em nome dela que Michel Temer tem transitado da posição de preferido para dar um jeito no país à condição de preterido na lista dos políticos mais bem aceitos pela sociedade.
Seus índices de popularidade caem na proporção inversa dos sinais de reorganização da economia. Dado irrelevante, caso essa queda não se relacionasse aos erros do governo no campo dos bons costumes e sim aos acertos decorrentes de medidas rigorosas tomadas no intuito de recolocar o Brasil no rumo certo.
Temer não é candidato em 2018, mas seu partido (PMDB) é candidatíssimo a sentar no banco do carona do PSDB. Não irão a lugar algum sem levar em conta o julgamento moral do público, no qual se inclui a irritabilidade com a mentira e com o abuso do discernimento alheio. Instrumentos dos quais Planalto e adjacências têm feito uso – se me permitem a repetição – abusivo.
O anúncio da decisão presidencial de impor critério à permanência (ou não) de ministros nos respectivos cargos encerra lição mais eloquente que a aula de fisiologismo explícito dada pelo ministro Eliseu Padilha sobre a utilidade do balcão de votos como método para a escolha de ministros.
“Normal”, diz Padilha para espanto de quem esperava do governo outro tipo de eficiência – aquele firmado no preceito de honra ao mérito -, uma vez que os atuais inquilinos no poder substituíram seus antecessores alegando, entre outros motivos, a prática sistemática da concessão de honra ao demérito. Já Temer em seu pronunciamento foi além: consignou a licença para transgredir.
Sem denúncia ou pronúncia de sentença, agentes públicos são imunes ao julgamento moral daqueles a quem devem servir. O presidente inverte conceitos, usando a presunção da inocência em prol da suposição de livre indecência. Por essa régua, os nomeados podem tudo, menos ser pegos, quando o correto seria não os admitir a fim de que não fosse necessário demiti-los.
Com essa e várias outras, Temer contratou um volta às ruas marcado para depois de o Carnaval chegar.
A suruba não é só do Jucá
Olha a cabeleira do Jucá, será que ele é, será que ele é? Conhecido na delação da Odebrecht como Caju, uma referência ao tom dos cabelos, hoje grisalhos, o presidente do PMDB e líder do governo no Congresso, senador Romero Jucá, poderia ter se eclipsado com uma fantasia de José Sarney, pioneiro na tendência acaju em Brasília. Era véspera de Carnaval, quando a capital fica deserta já na quarta-feira. Mas o senador pernambucano insistiu em continuar Jucá ou “o Juquinha” do Congresso. Prestou um serviço à nação, com seu sincericídio, ao falar sobre o foro privilegiado.
“Se acabar o foro, é para todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo. Jucá queria “estancar a sangria” da Lava Jato. Pela língua destravada, acabou exonerado do Ministério do Planejamento de Michel Temer 11 dias após ser nomeado. Jucá durou mais tempo como ministro da Previdência Social de Lula: quatro meses. Caiu por acusações de irregularidades com empréstimos bancários. Sangria não, suruba sim.
Traduzindo o raciocínio de Jucá: se for para acabar com o privilégio de políticos suspeitos, que só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal e não por nenhum “juizeco” (nas palavras de Renan Calheiros), que então se estenda o fim do foro para os presidentes, magistrados e procuradores. Nada de “prejudicar” só o Legislativo. Suruba precisa ser geral. Fim da suruba também. Para o Executivo e o Judiciário. Até aí, muita gente concorda. Só que o argumento deveria ser igualdade, e não vingança.
Durante quase uma hora, Jucá ocupou a tribuna do Senado para defender uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que estenderia aos presidentes do Senado, da Câmara e do STF as prerrogativas do presidente e vice-presidente da República, que não podem ser investigados por nada anterior ao mandato. Pegou tão mal que Jucá desistiu. Mas não amansou. Sob a desculpa de “modernizar uma lei que ficou anacrônica”, Jucá convoca todo mundo para a mesma cama.
Estamos longe de uma “suruba para todos”. O Supremo acaba de proibir o juiz Sergio Moro de investigar José Sarney, o imortal. Ou “o incomum”, assim entronizado por Lula, numa das piores passagens da biografia do petista, convenientemente esquecida por militantes. Lula livrou Sarney de um processo de cassação da presidência do Senado em 2009, acusado de fazer o que melhor sabia, favorecer secretamente parentes e aliados. Agora, Sarney pediu ao STF para não ser investigado por Moro por ter sido citado por Sérgio Machado junto a dois políticos com mandato: Renan Calheiros e Romero Jucá. Sempre eles. Bingo. Sarney é incomum. Foi acusado de receber R$ 18,5 milhões de propina da Transpetro por nove anos.
O senador que disputa com Moreira Franco o posto de melhor amigo de Temer pediu desculpas pela expressão “suruba”, mas parecia envaidecido com a repercussão. Disse ter se inspirado na letra de uma música irreverente. “Eu brinquei que assim não dá, senão vira a música dos Mamonas (Assassinas), a suruba portuguesa.” O refrão da música “Vira-vira” diz assim: Roda, roda e vira, solta a roda e vem/Neste raio de suruba, já me passaram a mão na bunda/E ainda não comi ninguém. Esse indivíduo é o favorito no PMDB para disputar a presidência do Senado em 2020.
Jucá não gosta de “parte da imprensa”, que segundo ele adota métodos do nazismo e da Inquisição. “Não dá chance a ninguém de se defender: escolhe aleatoriamente e parte para o estraçalhamento, sem se preocupar com a verdade, sem se preocupar com a família das pessoas, com a história de cada um.” Há uma parte da imprensa que ele gosta. Possui duas emissoras de televisão em Boa Vista, um jornal impresso e duas emissoras de rádio.
A suruba não se resume ao foro privilegiado. Engloba os maus costumes de Brasília. A folga de Carnaval dos deputados, por exemplo, vai durar 12 dias. Pensar que muitos só foram ao plenário na quarta-feira para registrar presença e não ter o dia descontado no fim do mês. E se mandaram para o aeroporto. Na Câmara, houve apenas uma sessão solene de homenagem aos 100 anos do Lions Club. Isso é piada, não é, Juquinha? Isso é suruba, não é, Jucá?
“Se acabar o foro, é para todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo. Jucá queria “estancar a sangria” da Lava Jato. Pela língua destravada, acabou exonerado do Ministério do Planejamento de Michel Temer 11 dias após ser nomeado. Jucá durou mais tempo como ministro da Previdência Social de Lula: quatro meses. Caiu por acusações de irregularidades com empréstimos bancários. Sangria não, suruba sim.
Traduzindo o raciocínio de Jucá: se for para acabar com o privilégio de políticos suspeitos, que só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal e não por nenhum “juizeco” (nas palavras de Renan Calheiros), que então se estenda o fim do foro para os presidentes, magistrados e procuradores. Nada de “prejudicar” só o Legislativo. Suruba precisa ser geral. Fim da suruba também. Para o Executivo e o Judiciário. Até aí, muita gente concorda. Só que o argumento deveria ser igualdade, e não vingança.
Meses antes de assumir a presidência do STF, Cármen Lúcia me falou sobre o foro privilegiado para parlamentares, presidentes e vice-presidentes da República. “Sou contrária a esse foro especial para qualquer pessoa. E já votei assim. Acho que qualquer um de nós tem de responder em igualdade de condições. Uma característica essencial da República é a igualdade. Temos ótimos juízes, competentes e sérios no Brasil. Não vejo nenhuma razão para que casos de algumas pessoas sejam transferidos para o Supremo.”
Durante quase uma hora, Jucá ocupou a tribuna do Senado para defender uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que estenderia aos presidentes do Senado, da Câmara e do STF as prerrogativas do presidente e vice-presidente da República, que não podem ser investigados por nada anterior ao mandato. Pegou tão mal que Jucá desistiu. Mas não amansou. Sob a desculpa de “modernizar uma lei que ficou anacrônica”, Jucá convoca todo mundo para a mesma cama.
Estamos longe de uma “suruba para todos”. O Supremo acaba de proibir o juiz Sergio Moro de investigar José Sarney, o imortal. Ou “o incomum”, assim entronizado por Lula, numa das piores passagens da biografia do petista, convenientemente esquecida por militantes. Lula livrou Sarney de um processo de cassação da presidência do Senado em 2009, acusado de fazer o que melhor sabia, favorecer secretamente parentes e aliados. Agora, Sarney pediu ao STF para não ser investigado por Moro por ter sido citado por Sérgio Machado junto a dois políticos com mandato: Renan Calheiros e Romero Jucá. Sempre eles. Bingo. Sarney é incomum. Foi acusado de receber R$ 18,5 milhões de propina da Transpetro por nove anos.
O senador que disputa com Moreira Franco o posto de melhor amigo de Temer pediu desculpas pela expressão “suruba”, mas parecia envaidecido com a repercussão. Disse ter se inspirado na letra de uma música irreverente. “Eu brinquei que assim não dá, senão vira a música dos Mamonas (Assassinas), a suruba portuguesa.” O refrão da música “Vira-vira” diz assim: Roda, roda e vira, solta a roda e vem/Neste raio de suruba, já me passaram a mão na bunda/E ainda não comi ninguém. Esse indivíduo é o favorito no PMDB para disputar a presidência do Senado em 2020.
Jucá não gosta de “parte da imprensa”, que segundo ele adota métodos do nazismo e da Inquisição. “Não dá chance a ninguém de se defender: escolhe aleatoriamente e parte para o estraçalhamento, sem se preocupar com a verdade, sem se preocupar com a família das pessoas, com a história de cada um.” Há uma parte da imprensa que ele gosta. Possui duas emissoras de televisão em Boa Vista, um jornal impresso e duas emissoras de rádio.
A suruba não se resume ao foro privilegiado. Engloba os maus costumes de Brasília. A folga de Carnaval dos deputados, por exemplo, vai durar 12 dias. Pensar que muitos só foram ao plenário na quarta-feira para registrar presença e não ter o dia descontado no fim do mês. E se mandaram para o aeroporto. Na Câmara, houve apenas uma sessão solene de homenagem aos 100 anos do Lions Club. Isso é piada, não é, Juquinha? Isso é suruba, não é, Jucá?
A posse do futuro presidente, em 2019
Na República Velha, hoje seria dia de votação, de quatro em quatro anos. Eleição fraudada, sem ser secreta, com as mulheres proibidas de votar e sem Justiça Eleitoral. O cidadão votava declarando seu voto a um funcionário público, que anotava o voto num livrão. Por isso jamais um candidato do governo perdeu. A data comemorava a vitória do Brasil na Guerra do Paraguai. O diabo é que para a posse do eleito, nossos avós procuraram outra data significativa e acharam a Proclamação da República, 15 de novembro. Resultado: oito meses e meio de interregno, quando o presidente eleito viajava para a Europa ou descansava placidamente, compondo seu ministério. Estava tudo arranjado, as crises eram raras, tudo fora acertado pelos poderosos Partidos Republicanos de Minas e São Paulo, ou seja, os fazendeiros desses dois Estados, com raras exceções.
O tempo passou, já votamos em muitas outras datas, ou não votamos, ficando pela Constituição de 1988 o voto no primeiro domingo de outubro, com a confirmação em outra votação no último, se ninguém alcançar a metade mais um dos votos, no primeiro.
Já votamos em variadas datas, inclusive no repudiado 31 de março, mas hoje metade do Brasil e dos demais países do mundo encontra-se sob os eflúvios das comemorações da passagem do ano. O resultado é que poucas autoridades estrangeiras conseguem vir, sem falar em nós mesmo.
Já se tentou mudar a data, estendendo-a por alguns dias, mas com tantas reformas políticas em pauta, a proposta não vingou. Por que surripiar do novo presidente dez dias que sejam de mandato?
Quando mais uma vez o Congresso tenta estabelecer umas tantas mudanças institucionais, jamais acontecidas, ressurge outra vez a sugestão, que dificilmente será aprovada.
Essas considerações se fazem a propósito do primeiro de janeiro de 2O19. O novo presidente acordará mais cedo, deputados e senadores também, mas o importante será saber quem. Em sã consciência, ninguém arrisca um palpite.
O stand-up de Cabral
Antes de vestir o uniforme de presidiário, Sérgio Cabral gostava de usar outras fantasias. Uma de suas preferidas era a de político incorruptível, que se indignava com qualquer questionamento ético. Bastava que um repórter tentasse abordar o assunto para Cabral subir nas tamancas. Ele alterava a voz, franzia o cenho e se dizia ofendido por ouvir uma simples pergunta.
O YouTube guarda um momento em que o ex-governador começava a encenar o número diante das câmeras. Foi há mais de duas décadas, nas eleições de 1996, quando ele disputou a Prefeitura do Rio pelo PSDB.
Em entrevista à TV Bandeirantes, Cabral se irritou quando um repórter quis saber que setores da economia financiariam sua campanha. “Não posso especificar, não é responsabilidade minha. Eu jamais conversei com empresário sobre dinheiro”, respondeu, enfatizando o “jamais”.
O jornalista perguntou então se ele seguia o exemplo do ex-presidente Collor, que também dizia desconhecer seus patrocinadores.
“Não me compare com o Fernando Collor porque eu vou me sentir ofendido”, rebateu Cabral, em tom indignado. “Eu estou me sentindo ofendido por você. Essa comparação é absolutamente indelicada com a minha pessoa”, reclamou.
O YouTube guarda um momento em que o ex-governador começava a encenar o número diante das câmeras. Foi há mais de duas décadas, nas eleições de 1996, quando ele disputou a Prefeitura do Rio pelo PSDB.
O jornalista perguntou então se ele seguia o exemplo do ex-presidente Collor, que também dizia desconhecer seus patrocinadores.
“Não me compare com o Fernando Collor porque eu vou me sentir ofendido”, rebateu Cabral, em tom indignado. “Eu estou me sentindo ofendido por você. Essa comparação é absolutamente indelicada com a minha pessoa”, reclamou.
Ao longo dos anos, o entrevistado foi aprimorando a performance. Voltaria a encená-la em 2012, já governador do Rio e filiado ao PMDB. Numa solenidade, o repórter Cássio Bruno quis saber se ele temia a quebra de sigilo da empreiteira Delta.
“Por que eu temeria? Acho até um desrespeito da sua parte me perguntar isso”, reagiu Cabral. “Essas ilações são de uma irresponsabilidade completa. Um desrespeito completo com a minha pessoa”, reforçou, bufando e encerrando a entrevista.
Em outros tempos, as respostas indignadas expunham o peemedebista como um político arrogante. Hoje as caras e bocas mostram algo mais: Cabral tinha talento para o ramo de stand-up comedy.
“Por que eu temeria? Acho até um desrespeito da sua parte me perguntar isso”, reagiu Cabral. “Essas ilações são de uma irresponsabilidade completa. Um desrespeito completo com a minha pessoa”, reforçou, bufando e encerrando a entrevista.
Em outros tempos, as respostas indignadas expunham o peemedebista como um político arrogante. Hoje as caras e bocas mostram algo mais: Cabral tinha talento para o ramo de stand-up comedy.
A paz da miséria
Avança a mão vacilante em busca de um canal apaziguado e entro de repente num hospital público. Os leitos ocupados e na desesperada invasão os doentes estão deitados nos corredores, os mais felizes em cima da padiola. Enfim, uma tristeza mas ao menos por aqui não há assaltos, é a paz silenciosa da miséria sem esperança
Lygia Fagundes Telles
A saúde está muito doente no Brasil
Um terço da população não é capaz de ler e compreender um texto mais elaborado. Segundo o Inaf (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional), em pesquisa nacional, só 26% do povo brasileiro é plenamente alfabetizado. Mesmo os que têm curso superior encontram dificuldades de entender suas respectivas áreas do conhecimento, em setores profissionais fundamentais para o desenvolvimento. E o mais dramático é que o Brasil investe em educação o equivalente aos países mais desenvolvidos.
A grande vítima dessa realidade é a própria população. Há anos a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) vem realizando exames para os bacharéis saídos das Faculdades de Direito. A cada ano aumenta o número de reprovados para obtenção da carteira de advogado: 8 de cada 10 não alcançam o nível de conhecimento jurídico para se filiar ao órgão. É um número espantoso que atinge as centenas de milhares de saídos dos cursos de Direito, ao longo das últimas décadas.
Agora, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) diz que 56% dos médicos formados nas 46 escolas de medicina em atividade no Estado entram no mercado de trabalho sem conhecimentos básicos: 80% não sabem interpretar uma radiografia e 70% não conseguiram diagnosticar um paciente com crise hipertensiva, doença que atinge o quase cotidiano de 25% da população brasileira.
O Conselho Médico de SP, ao divulgar os resultados dos exames realizados em 2016, constatou que dos 2.766 inscritos, somente 43,6% atingiram a pontuação que os habilita para o pleno exercício profissional.
O médico Bráulio Luna Filho, diretor do Cremesp e coordenador dos exames, que vem realizando desde 2005, constatou:
-“Com exceção do exame de 2015, nos últimos dez anos o índice de reprovação ficou acima de 50%. É preciso que as escolas médicas promovam melhorias nos métodos de ensino e imprimam mais rigor em seus sistemas de avaliação”.
Infelizmente, as provas e o caótico resultado não impedem os futuros médicos do exercício profissional. Somente para o programa de residência médica, instituições como a USP, Unicamp, Unifesp e Santa Casa desde 2015 passaram a exigir aprovação nos exames do Cremesp, para ingresso.
A “Folha de S.Paulo” publicou em 9 de fevereiro deste ano assustadora matéria da competente jornalista Claudia Collucci, mostrando as áreas problemáticas: “As médias mais baixas foram em saúde pública/epidemiologia (49,1%); pediatria (53,3%); e obstetrícia (54,7%);- 71% dos recém-formados não acertaram diagnóstico e tratamento para hipoglicemia de recém-nascido, problema comum nos bebês”.
– “As escolas médicas privadas continuam com pior desempenho em relação às públicas (33,7% contra 62,2%) de aprovação, Em ambas houve aumento de reprovação em relação a 2015. Entre as públicas de 26% para 38%. Entre os cursos privados, de 59% para 66%.”
Sendo a saúde a suprema lei, como dizia o saudoso médico Dalton Paranaguá, ex-prefeito de Londrina, o resultado oficializado pelo Cremesp no Estado mais desenvolvido do País é devastador. Se na paulicéia onde, indiscutivelmente, o padrão da medicina hospitalar está anos à frente da totalidade dos Estados brasileiros, imaginem o que pode estar ocorrendo em outras unidades federativas.
A saúde está doente e não é só nas filas dos hospitais.
A grande vítima dessa realidade é a própria população. Há anos a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) vem realizando exames para os bacharéis saídos das Faculdades de Direito. A cada ano aumenta o número de reprovados para obtenção da carteira de advogado: 8 de cada 10 não alcançam o nível de conhecimento jurídico para se filiar ao órgão. É um número espantoso que atinge as centenas de milhares de saídos dos cursos de Direito, ao longo das últimas décadas.
O Conselho Médico de SP, ao divulgar os resultados dos exames realizados em 2016, constatou que dos 2.766 inscritos, somente 43,6% atingiram a pontuação que os habilita para o pleno exercício profissional.
O médico Bráulio Luna Filho, diretor do Cremesp e coordenador dos exames, que vem realizando desde 2005, constatou:
-“Com exceção do exame de 2015, nos últimos dez anos o índice de reprovação ficou acima de 50%. É preciso que as escolas médicas promovam melhorias nos métodos de ensino e imprimam mais rigor em seus sistemas de avaliação”.
Infelizmente, as provas e o caótico resultado não impedem os futuros médicos do exercício profissional. Somente para o programa de residência médica, instituições como a USP, Unicamp, Unifesp e Santa Casa desde 2015 passaram a exigir aprovação nos exames do Cremesp, para ingresso.
A “Folha de S.Paulo” publicou em 9 de fevereiro deste ano assustadora matéria da competente jornalista Claudia Collucci, mostrando as áreas problemáticas: “As médias mais baixas foram em saúde pública/epidemiologia (49,1%); pediatria (53,3%); e obstetrícia (54,7%);- 71% dos recém-formados não acertaram diagnóstico e tratamento para hipoglicemia de recém-nascido, problema comum nos bebês”.
– “As escolas médicas privadas continuam com pior desempenho em relação às públicas (33,7% contra 62,2%) de aprovação, Em ambas houve aumento de reprovação em relação a 2015. Entre as públicas de 26% para 38%. Entre os cursos privados, de 59% para 66%.”
Sendo a saúde a suprema lei, como dizia o saudoso médico Dalton Paranaguá, ex-prefeito de Londrina, o resultado oficializado pelo Cremesp no Estado mais desenvolvido do País é devastador. Se na paulicéia onde, indiscutivelmente, o padrão da medicina hospitalar está anos à frente da totalidade dos Estados brasileiros, imaginem o que pode estar ocorrendo em outras unidades federativas.
A saúde está doente e não é só nas filas dos hospitais.
Delatores da Lava Jato: penas menores do que o previsto e patrimônio mantido
O caso do doleiro Alberto Youssef, por exemplo, é emblemático. Ele é um dos principais delatores do esquema de corrupção da Petrobras, e em seu caso a redução de pena foi muito superior aos dois terços previstos em lei. Condenado em vários processos a mais de 121 anos de prisão, conseguiu emplacar em seu acordo uma cláusula que prevê no máximo o cumprimento de três anos em regime fechado. Ele cumpriu dois anos e oito meses de prisão, e migrou para o regime fechado domiciliar, onde permanecerá mais quatro meses. Atualmente mora em um edifício de luxo localizado a cinco quadras do parque do Ibirapuera, em um dos metros quadrados mais caros da capital paulista - com varanda gourmet e equipes de segurança da empresa Haganá rondando o quarteirão. No dia em que a reportagem visitou o local, o doleiro estava se exercitando na academia do prédio, de acordo com funcionários do condomínio.
O artigo 4º da lei de delações premiadas, sancionada pela ex-presidenta Dilma Rousseff em 2013, prevê que o colaborador possa ter a pena reduzida em até dois terços ou até mesmo extinta. Isso se as informações oferecidas em troca levarem à recuperação de ativos, prisão de peixes maiores ou previnam outros crimes. Mas no âmbito da Lava Jato, a lei tem sido aplicada de forma diversa.
O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, um dos primeiros presos pela Lava Jato, em março de 2014, foi responsável por abrir a caixa de Pandora do esquema de corrupção nas diretorias da petroleira. Dono, junto com seus familiares, de 12 empresas offshores abertas para movimentar milhões de dólares, foi condenado por Sérgio Moro em sete ações penais a um total de 128 anos de prisão. Desde o final de 2016 ele já cumpre pena em regime aberto sem tornozeleira eletrônica. Ele deixou o regime fechado um dia após seu acordo de delação premiada ter sido homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, morto no início deste ano. No total ficou cinco meses atrás das grades. Atualmente, mora em um condomínio de luxo na região serrana do Rio de Janeiro. Posteriormente o Ministério Público Federal pediu que Moro suspenda os benefícios de sua delação, uma vez que ele e suas filhas teriam mentido e tentado ocultar provas nos depoimentos, de acordo com o Buzzfeed. Até o momento o magistrado não se posicionou sobre o pedido.
Em nota, o MPF, responsável pelos acordos, defende a redução das penas além do que está previsto na lei. “O juiz, nesses casos, tem o poder máximo que lhe pode ser deferido pela lei, que é o de conceder perdão, ou ainda o poder bastante significativo de substituir a pena privativa de liberdade pela restrição de direitos”. Logo, prossegue o texto, “por qual motivo então, considerando que o juiz pode o mais – o perdão ou a substituição pela restritiva de direitos -, não poderia ele ir além da redução da pena em 2/3?”. Para o órgão, é importante ressaltar que “é inerente ao sistema de colaboração a adequação da pena à importância da colaboração para as investigações”.
O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, um dos primeiros presos pela Lava Jato, em março de 2014, foi responsável por abrir a caixa de Pandora do esquema de corrupção nas diretorias da petroleira. Dono, junto com seus familiares, de 12 empresas offshores abertas para movimentar milhões de dólares, foi condenado por Sérgio Moro em sete ações penais a um total de 128 anos de prisão. Desde o final de 2016 ele já cumpre pena em regime aberto sem tornozeleira eletrônica. Ele deixou o regime fechado um dia após seu acordo de delação premiada ter sido homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, morto no início deste ano. No total ficou cinco meses atrás das grades. Atualmente, mora em um condomínio de luxo na região serrana do Rio de Janeiro. Posteriormente o Ministério Público Federal pediu que Moro suspenda os benefícios de sua delação, uma vez que ele e suas filhas teriam mentido e tentado ocultar provas nos depoimentos, de acordo com o Buzzfeed. Até o momento o magistrado não se posicionou sobre o pedido.
Em nota, o MPF, responsável pelos acordos, defende a redução das penas além do que está previsto na lei. “O juiz, nesses casos, tem o poder máximo que lhe pode ser deferido pela lei, que é o de conceder perdão, ou ainda o poder bastante significativo de substituir a pena privativa de liberdade pela restrição de direitos”. Logo, prossegue o texto, “por qual motivo então, considerando que o juiz pode o mais – o perdão ou a substituição pela restritiva de direitos -, não poderia ele ir além da redução da pena em 2/3?”. Para o órgão, é importante ressaltar que “é inerente ao sistema de colaboração a adequação da pena à importância da colaboração para as investigações”.
Assinar:
Postagens (Atom)