quarta-feira, 21 de março de 2018

Escravos da tecnologia

Imoral e desumana

A Constituição brasileira de 1988 dedicou todo o seu Título VIII, em especial o artigo 194, a definir o conceito e os objetivos da seguridade social, que compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à Previdência e à assistência social.

O poder público tem competência para organizar a seguridade, obedecidos os seguintes princípios e objetivos:
“I - Universalidade de cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - equidade na forma de participação do custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregados, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados” (redação dada pela Emenda Constitucional n.º 20, de 1998).
A Carta de 88 determinou que a Previdência Social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e deve atender aos princípios enumerados no artigo 201, incisos I a V. As regras gerais da Previdência Social constam da seção III da Constituição.

O excelente Dicionário Unesp do Português Contemporâneo define no verbete Previdência a instituição que visa assegurar a cada beneficiário meio de subsistência em caso de incapacidade dele próprio ou daquele de que ele depende, ou em caso de aposentadoria.

Joelmir Beting, saudoso e querido amigo, dentre outras frases eternas e famosas, afirmou com a precisão de suas lições que na prática a teoria é outra. E é exata e tristemente o que está acontecendo com a imoral e desumana Previdência Social do Brasil.

Ricardo Bergamini, que tem analisando esse tema com rara competência, mostrou que em 2017 o Regime Geral de Previdência Social (INSS), destinado aos trabalhadores do “andar de baixo” (os das empresas privadas), dentre os quais me incluo, com 101,3 milhões de participantes - 66,8 milhões de contribuintes e 34,5 milhões de beneficiários - sofreu em 2017 um déficit previdenciário de R$ 182,4 bilhões (ou seja, um déficit per capita dos participantes de R$ 1.800,59).

Resultado de imagem para previdência charge

No aludido estudo é apontado que no mesmo ano de 2017 o Regime Próprio da Previdência Social, destinado aos trabalhadores do “andar de cima” (os servidores públicos), com apenas 10,4 milhões de participantes - 6,4 milhões de contribuintes e 4 milhões de beneficiários - produziu um déficit previdenciário de R$ 163,2 bilhões (per capita, R$ 15.692,30).

Ou seja, no ano passado a Previdência Social brasileira acusou um déficit previdenciário total de R$ 345,6 bilhões, coberto com fontes de financiamento como Cofins e CSSL, dentre outras contribuições que atingem todos os brasileiros, incluídos os desempregados e os empregados informais, sem carteira assinada (quase a metade da população brasileira economicamente ativa).

Wagner Balera, autor de um dos melhores livros sobre a Previdência Social - Legislação Previdenciária Anotada -, transcreve o sempre esquecido artigo 3.º da Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei 8.212/1991), assinalando que o comando traceja os principais preceitos da Previdência Social: o combate a determinados riscos sociais, por meio de prestações mínimas. Trata-se, como diz com precisão Wagner Balera, do modelo clássico do seguro social, de corte bismarquiano, baseado nas contribuições sociais.

Como demonstram os números, a Previdência brasileira está desequilibrada: as receitas são bem inferiores às despesas, fruto da irresponsabilidade e da incompetência dos nossos governantes e, principalmente, das corporações do serviço público, que a cada dia oneram os cofres previdenciários com privilégios absurdos.

O governo do presidente Michel Temer apresentou ao Congresso Nacional projeto de emenda constitucional (PEC) tentando equilibrar receitas e despesas. O que se viu foram despudoradas ações corporativas, cada uma mordendo a PEC da Previdência segundo os seus interesses (o Brasil que se dane!) e desfigurando-a profundamente. Se não bastasse, a Câmara dos Deputados sinalizou que o quórum necessário para a aprovação da PEC, de 308 votos, não seria atingido. Por derradeiro, a intervenção federal no Rio de Janeiro impediu a sua tramitação, por imposição constitucional.

Com isso a situação da contabilidade previdenciária vai se agravar a cada dia, a ponto de se perguntar: até quando aposentados e pensionistas receberão os seus proventos?

Por isso, a atual Previdência Social brasileira é imoral e desumana!

O jornal O Estado de S. Paulo, em editorial de 26 de fevereiro sob o título 'Por que as reformas não avançam?' (A3), analisou o momentoso tema apontando os seus desastrosos efeitos nas contas públicas, suas injustiças e sua crescente incompatibilidade com a realidade demográfica. Mais uma vez foi demonstrada que não haverá crescimento sem uma profunda reforma na Previdência. Os obstáculos antipatrióticos que têm impedido o avanço da PEC no Legislativo são apontados: a) pressões e manobras do funcionalismo para que as atuais regras não sejam alteradas; e b) as mazelas do Poder Legislativo, no qual um significativo número de parlamentares manifesta seu descompromisso com o interesse público.

A principal dificuldade, está no fato de que o caminho para sua realização é árduo e exige espírito público. O governo da União perdeu muito mais do que a reforma da Previdência. Precisa procurar com urgência um novo rumo!

A polícia é inimiga do povo?

O bárbaro assassinato de Marielle, cujo eco libertador ressoa a cada hora com força cada vez maior por toda a pele do Brasil, também expôs o drama da polícia brasileira e a urgência de repensar uma instituição sem a qual não existe democracia. A polícia é instrumento de dominação de classe, inimiga do trabalhador ou parte do proletariado explorado? A magnífica entrevista do coronel da reserva Ibis Pereira, concedida a meu colega deste jornal Felipe Betim, trouxe-me à memória a manhã em que o cineasta e poeta italiano, autor de Teorema, Pier Paolo Pasolini, foi expulso do Partido Comunista por defender em um poema, publicado no maior jornal do país, Il Corriere della Sera, que os policiais pertenciam ao proletariado e os estudantes, à burguesia.

O ex-comandante da Polícia Militar Ibis Pereira, partidário do esquerdista PSOL, é um intelectual com vários diplomas universitários que, com a distância de meio século, lembra de algum modo Pasolini. Ambos apresentam uma visão clara e dramática da condição da polícia, apesar do meio século de distância. Polícia a serviço do conservadorismo e instrumento de dominação do poder da vez ou garantidora da segurança dos trabalhadores? Polícia de direita ou de esquerda, ou polícia simplesmente a serviço das pessoas? Não basta dizer que a polícia é corrupta, bandida, vendida ao tráfico, conivente com os piores políticos. O que urge é transformar uma polícia mal remunerada, mal preparada, com armas menos modernas que as dos inimigos, em uma instituição a serviço de toda a sociedade, que não precise se corromper e sinta orgulho de sua função social.

Para isso é urgente uma revisão, aqui no Brasil, do papel da polícia. Tema abordado pelo ex-comandante Pereira com grande isenção e lucidez quando diz: “O campo progressista está muito vinculado ao pensamento marxista de que a polícia é um instrumento de dominação de classe. Mas o policial é um trabalhador, dentro da polícia há gente querendo mudar. Esse policial está morrendo. Precisamos entender o seu drama humano.”


Imagem relacionada
Sem dúvida, o Brasil não vive o melhor momento para procurar entender esse drama vivido hoje pela polícia, que conta em milhares suas mortes violentas e é vista mais como um inimigo do que como um instrumento de segurança. E, no entanto, todas as grandes democracias do mundo respeitam e se fazem respeitar por suas instituições de segurança. Só nas ditaduras a polícia deve meter medo nos cidadãos, não nas democracias. Quando jovem eu temia a polícia franquista na Espanha, que me seguia e vigiava até quando fui correspondente na Itália. E que surpresa tive quando fui pela primeira vez ao Reino Unido e pude observar que as pessoas se sentiam mais tranquilas quando viam aparecer um policial em seu caminho. O drama da polícia brasileira, como o da maior parte do continente, é que, como denunciou em seu tempo Pasolini e hoje o fazem no Brasil militares lúcidos como Pereira, os policiais pertencem ao proletariado, chegam ali por falta de opções melhores e estão, assim, expostos a todas as tentações.

O drama que Pasolini viveu com sua visão profética da polícia, vista por seu partido, o maior partido comunista da Europa, como inimiga dos estudantes e trabalhadores, culminou em Roma na tarde de 1º de março de 1968. Durante um confronto entre estudantes e polícia em Valle Giulia, 90 policiais foram feridos a pedradas com os paralelepípedos arrancados do calçamento. Na manhã seguinte, a publicação do poema do famoso cineasta causou comoção e o partido o expulsou. Sua tese rompia com todos os modelos da esquerda. Para Pasolini, os policiais são do proletariado. “Tornam-se policiais porque não podem estudar na Universidade por serem filhos de famílias pobres do pobre Sul da Itália. Os que os feriram são jovens, como eles, mas privilegiados, porque podem estudar e seus pais não precisam que eles trabalhem nem lhes ajudem”, afirmava. Pasolini foi um profeta. Tinha intuído, com antecedência de muitos anos, a degradação e a violência da periferia de Roma, da qual ele mesmo acabou sendo vítima mortal.

Eu vivi aquele momento que sacudiu a Itália e ainda guardo este fragmento daquele poema profético de Pasolini:

Quando ontem em Valle Giulia
vocês trocaram socos com os policiais,
eu simpatizei com os policiais,
porque os policiais são filhos de pobres,
provêm das periferias, rurais ou urbanas, que sejam.
Quanto a mim, conheço muito bem sua forma de ser meninos e moços,
a mãe calejada como um peão,
a sálvia vermelha (em terrenos de outrem, loteados).
Os esgotos ou os apartamentos nas moradias populares.

(...)

Em Valle Giulia, ontem,
teve-se, assim, uma amostra de luta de classes:
e vocês, amigos (embora do lado da razão)
eram os ricos,
enquanto os policiais (que estavam do lado errado)
eram os pobres.
Bela vitória, então, a de vocês
nestes caso, meus caros, aos policiais
oferecem-se flores
.

Todo dia santo é dia de Bejamins

Os portais da Câmara de Vereadores, prédio alcunhado nos anos 1920 de "Gaiola de OUro", não se abriram no sábado para se reverenciar os mortos do Alemão, entre eles duas mulheres faveladas e negras. Sequer o Rio se manifestou nas ruas por mais um Benjamin, de pouco mais de um ano, assassinado com um tiro na cabeça. Que artista se comoveu em letra e música com mais essa criança assassinada? Bebê nem comoveu Katy Perry. Também não merecerá filme dos mesmos produtores da história de Lula, o mais honesto do planeta. 

Resultado de imagem para violência contra crianças charge

O estado de barbárie nacional afronta todo o dia o Estado de Direito. Esta ano 17 vereadores foram assassinados. A nenhum deles se avocou o atentado à democracia. Também não revoltou o país a tortura e execução de Celso Daniel, autêntico atentado político, avocado pela esquerda em plena era petista como caso de polícia, mas que ainda hoje assombra como um esqueleto do armário partidário.

A politização do homicído de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes deve ser repudiada como suas mortes violentas. Serve apenas aos velhos interesseiros de sempre mais de olho no poder do que em resolver problemas nacionais para os quais não têm ideias nem sequer projetos.

Há que se respeitar a morte e repudiar a execução da vereadora, exigindo punição aos culpados, como de qualquer cidadão assassinado. Nunca se deve esquecer que milhares de outras mulheres, homens e crianças também foram executados em todo o país. Os assassinos não têm dia de descanso como a politicalha, sempre de prontidão para bater continência a criar ícones ou bandieras para se manter ou chegar ao poder.
Luiz Gadelha

Gente fora do mapa

A child goes into poverty also when the mother dies on them at a young age and they have no where to go . A child can't change or prevent from their mother dying .

Quanto custa a água no Brasil?

Na comunidade rural onde Maria Conceição mora, no sertão de Pernambuco, caixa d'água cheia é luxo. Ainda sob o efeito da seca dos últimos anos e sem abastecimento de caminhão-pipa há três meses, os moradores recorreram a uma fonte clandestina: um canal da transposição do rio São Francisco que corre a poucos metros das casas.

O dono da bomba que tira a água é morador local – o que o faz um dos mais respeitados na comunidade. O abastecimento ilegal funciona só à noite, e é possível contratar o serviço para encher os 16 mil litros da caixa por 30 reais.

"Nem todo mundo pode pagar. Mas dá pra comprar fiado", contou Maria. Os quatro moradores da casa, entre eles um filho especial e o marido doente, consomem os 16 mil litros em um mês. Usam a água, sem qualquer tratamento, para cozinhar, tomar banho e regar a pequena roça atrás da casa.

Resultado de imagem para água no brasil charge
Para os brasileiros que têm acesso à infraestrutura de saneamento básico e água, o preço do serviço prestado por uma operadora de água pode mais que dobrar de estado para estados. O Pará tem a tarifa mais baixa do país: uma caixa d'água de 16 mil litros cheia sai por 33,44 reais. Goiás é o estado da água mais cara, 83,04 reais.

O Distrito Federal, palco do 8˚ Fórum Mundial da Água – que teve início neste domingo (18/03) – vem em segundo lugar (75,84 reais). Mas não há dinheiro que garanta caixa d'água cheia em Brasília. Há um ano, a escassez impôs um racionamento que prevê apenas quatro dias de abastecimento normalizado para 85% da cidade.

Para abastecer Brasília, a operadora local precisa buscar água cada vez mais longe. "Isso gera uma série de esforços, tanto no dia a dia operacional para fazer o abre e fecha dos registros, como para tocar obras para implantação de novas unidades de captação de água", afirma Maurício Luduvice, presidente da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb).

Colocar água "nova" no sistema encarece a operação. "Como todas as regiões metropolitanas, estamos sendo obrigados a buscar água a uma distância maior", confirma o presidente da Caesb, que agora capta água em Goiás.

Por enquanto, ainda não se sabe quanto isso vai afetar os custos operacionais, tampouco quando o abastecimento voltará à normalidade.

Ao mesmo tempo, o desperdício no sistema, antes de a água chegar
às torneiras dos consumidores, ainda é grande. A média no Brasil é de 38,1%, apontam dados de 2016 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).

De toda a água captada no Brasil, 67,2% são destinados à agricultura, segundo informações da Agência Nacional de Águas (ANA). O país está entre os de maior área de irrigação do planeta.

"Esse é o número de pedidos, de autorizações para uso destinado à agricultura. Não quer dizer que consumimos toda essa água", argumenta Nelson Ananias Filho, coordenador de Sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Sobre a alta participação da agricultura no consumo nacional, Ananias Filho afirma: "A atividade agropecuária não disputa com outros usos que são prioritários: o abastecimento urbano e dessedentação animal."

A água corresponde a cerca de 20% do custo total de produção na agricultura. "Botar água na hora certa no lugar certo é muito caro. A estrutura de bombeamento, energia elétrica e equipamentos custa caro. Se uso mais água do que preciso, o custo aumenta", afirma Ananias Filho, argumentando que o setor não usa mais que o necessário.

"De forma geral, esse percentual de consumo que o setor agrícola tem no Brasil é observado em todas as partes do mundo", comenta Adilson Pinheiro, presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH). "Mas ainda há espaço para ganho de eficiência. Quanto mais tecnológico for o setor da agricultura, menor será o consumo de água."



No setor de saneamento básico, os atrasos são marcantes e poluentes. "Esse setor é hoje um dos grandes responsáveis pela má qualidade das águas", analisa Pinheiro, da ABRH.

Nas contas de Pedro Scazufca, economista da da GO Associados e parceiro da ONG Trata Brasil, são necessários atualmente 450 milhões de reais para garantir saneamento básico a todos os brasileiros.

"O plano nacional, lançado em 2013, era universalizar os serviços de água e esgoto até 2033. Atualmente, o investimento está 25% abaixo da meta. Nesse ritmo, a universalização só será alcançada em 2054", estima.

O custo da falta de saneamento é alto. Uma pesquisa feita pelo Trata Brasil mostrou que cidades com piores indicadores chegam a gastar cinco vezes mais com saúde.

Cada vez mais cara, a água vai ficando menos disponível para o consumo. Até 2050, um terço da população mundial sofrerá com a escassez de água, projeta a ONU.

As disputas já deixam diversos grupos para trás, aponta Natália Dias, do comitê USP pela água e integrante do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA).

"Frente às grandes corporações que têm interesses em lucrar com serviços em torno da água, nós formamos uma rede com ONGs, movimentos sociais, sindicatos, ribeirinhos, indígenas que são contra a mercantilização. Água é direito, e não uma mercadoria", diz.

Na visão do fórum, a atuação de corporações nos bastidores limita o acesso à água e aumenta a distância entre os que podem e não podem pagar.

Por outro lado, os custos operacionais não podem ser ignorados, pontua Pedro Jacobi, pesquisador e presidente do Iclei Brasil (Governos Locais pela Sustentabilidade). "Água é um bem. E tem um custo. Mas não queremos que água seja um bem trocado por interesses econômicos", afirma.

Jacobi ressalta que água é um recurso escasso, que precisa de um manejo mais racional e equitativo e deve ser acessível para todos os seguimentos da sociedade. "E quem usa mais tem que pagar mais", considera.
Deutsche Welle

Silenciados

... INDICIOS QUE MUESTRAN QUE TODOS SOMOS ESCLAVOS. http://www.parroquiamagdalena.es/index.php/para-la-catequesis/279-10-estrategias-de-manipulacion-a-traves-de-los-medios
Estamos informados de tudo, mas não sabemos de nada
Ezequiel Fernández Moores, jornalista argentino

A melhor coisa do mundo

Na saída do hotel, em Cuiabá, me aborda um grupo de esmoleiros de São Benedito. Sou coroado em praça pública, ao som de tambores e metais, enquanto a bandeira azul do santo negro me abraça. Moço, faça um pedido, brincam os fiéis, o que o senhor deseja? Pergunta perigosa, mas boa de ouvir. Elaboro um desejo tolo, de rei provisório, e que mantenho em segredo. Agradeço e vou passear. Não mais sozinho, e sim escoltado por um séquito de milagres, subitamente possíveis.

Avenida dos Álamos no Outono Artista: Vincent van Gogh Criação: 1884 Localização: Museu Van Gogh
Avenida dos álamos, Vincent van Gogh (1884)
Diante do hotel, há uma avenida movimentada. Entre suas pistas, um largo canteiro. Nele, não vejo árvore alguma, e essa ausência me intriga. O próprio chão é uma ruína, mistura de pedra, caliça e mato seco. Entro num táxi e interpelo o motorista, o que houve aqui, amigo? Ele chia, o assunto é ruim, tem a ver com a Copa, um VLT que, até hoje, ninguém viu passar. Por ali correria o trem do futuro, um Brasil finalmente nos trilhos. Mas em seu caminho se erguiam centenas de árvores respeitáveis, e disseram que era preciso cortá-las, o VLT pedia espaço. No fim, o trem não veio e as árvores se foram. Mangueiras, cajueiros, ipês, flamboyants. Antigas entidades.

O táxi avança, a avenida é longa. De repente, no canteiro, uma fila de mudinhas recém-plantadas. O taxista explica: aqui já iniciaram o replantio, fez-se necessário. Mas, e o VLT, desistiram dele? Não, ninguém detém o desenvolvimento, juram que o trem vem aí, e logo será hora de cortarmos também estas mudas. Rimos. Fossem árvores de dinheiro, pés de verba, estariam salvas, a gente sabe, e saber às vezes cansa. Por isso mesmo é que entre nós se instaura um minuto de silêncio. Pela pobreza dos arvoredos.

É, diz o taxista, não sei o que é pior, ser gente ou ser árvore. E fala de um tempo em que a cidade tinha mangueiras em todos os quintais. Mas os quintais foram vendidos, e as mangueiras sumiram. Antes, cada família tinha a sua, e a vida se consumia à sombra dela, menos na época das mangas, é claro, pois ninguém era besta de ficar embaixo de mangueira carregada. Rimos de novo.

O taxista me desafia: sabe do que tenho saudade? Por não saber, me calo, e ele sorri. Saboreia o suspense como se chupasse uma rara fruta do cerrado. A conversa, para este homem, é uma barganha entre ricos negociantes, toda palavra é lucro. Entro no jogo, o senhor me diga já, sente saudade do quê? E ele: é de cajá-manga!

Nunca vi, nem cheirei, nem comi. Porém aceito tudo o que o taxista me conta sobre esse tesouro de sua infância, passada não sei onde. Estou inclusive convencido de que o cajá-manga é a melhor coisa do mundo.

Pouco depois, no centro de Cuiabá, caminho sem pressa, o calor me espremendo contra os velhos casarões. Ruas estreitas, gente atarefada, um clima de mercado arcaico, de alegre comércio, com que logo simpatizo. Mas é meio-dia e o sol me vence. No calçadão, encontro um banco, ao lado duma palmeira ainda pequena, da minha altura, e que me convida a sentar com ela. Obedeço.

É preciso paciência, me diz a árvore, um dia a sombra se avoluma. Regido por um desejo de descanso, refrigério e cajá-manga, concordo e me deixo relaxar sobre a madeira, à espera dos progressos desta boa palmeirinha, no centro geodésico da América do Sul.

Imagem do Dia

Water's Edge

Para salvar Lula, STF entra em autocombustão

O Supremo Tribunal Federal virou um teatro. Nele, arma-se uma nova encenação. Cármen Lúcia, a presidente da Corte, ainda resiste. Mas formou-se um sólido bloco de ministros a favor da rediscussão da regra que permitiu a prisão de condenados na segunda instância. Há duas ações tratando do tema. Alega-se que são genéricas. Meia verdade. As ações, de fato, não tratam de nenhum caso específico. Mas deseja-se julgá-las para chegar a um resultado bem concreto: livrar Lula da cadeia.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Há no Supremo um pedido de habeas corpus protocolado pela defesa de Lula. Poderia ser julgado em plenário. Bastaria que o relator, Edson Fachin, submetesse o assunto aos colegas. Mas prefere-se julgar as ações que tratam genericamente da regra sobre a prisão em segunda instância. Por quê? Imagina-se que o steap-tease seria menor.

Celso de Mello, o ministro mais antigo, decano do Supremo, foi guindado à condição de líder do bloco que defende a política de celas abertas. Para atenuar a desmoralização, nenhum ministro do lado contrário se anima a gritar incêndio dentro do teatro em que se converteu o Supremo. Mas a pressão para livar Lula do constrangimento de ser preso torna inevitável gritar teatro dentro do incêndio. Para salvar Lula, o Supremo Tribunal Federal cogita matar sua supremacia. A Suprema Corte entrou em processo de autocombustão.

O Brasil não ouve o Brasil

Sempre que se vê diante de crises agudas – e esse tem sido um cenário recorrente -, o status quo reage com indignação e contundência. E arremata seus discursos com a lengalenga de defesa da democracia e da estabilidade institucional, enquanto ambas cambaleiam.

E aí não há meio termo. São tempos em que o preço da paz é a negociação com o crime. Em que o Estado ou é bandido ou é refém da bandidagem.

Algo sabido, agora escancarado ao mundo com a execução brutal da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Enquanto milhares ocupavam as ruas do centro do Rio e de várias cidades do país, Ágatha, a viúva de Anderson, dava um depoimento simbólico: “a revolta existe, mas a dor é maior. Estamos imersos nisso que está acontecendo. Estamos nos acostumando. Como dizem, é mais um. São várias pessoas nessa mesma situação no Rio de Janeiro”.

É mais um.

Resultado de imagem para intervenção  no rio charge

Com sete assassinatos por hora, índice de 2016, computado pelo Atlas Brasileiro da Violência, o Brasil lidera o ranking mundial de homicídios. No Rio, só em janeiro deste ano foram registrados 688 tiroteios, quase um por hora, 146 mortos à bala, 158 feridos, duas dezenas deles, policiais.

Diante desses números, difícil falar em ordem institucional ou mesmo em democracia.

Mais difícil ainda é travar o tão necessário debate racional frente a tantos oportunistas. No caso de Marielle, tão despudorados que deveriam envergonhar os interlocutores. Nas redes sociais, as discussões entre os extremos sobre o crime causam náusea e alimentam desesperanças de que a violência contra ela possa, como torcem as pessoas de bem, induzir mudanças de fundo de que o país tanto necessita.

Rápido no gatilho, o PSOL, partido de Marielle, pediu à Suprema Corte a suspensão da intervenção federal na segurança do Rio, corroborando a tentativa da esquerda de jogar a morte da vereadora no colo do presidente Michel Temer.

Autoridades públicas repetem mesmices. No dia seguinte à barbárie, não faltaram brados de repúdio, de Temer aos ministros do STF, dos parlamentares ao Ministério Público. Foram criadas comissões de acompanhamento do caso na Câmara e no MPF, falou-se até de federalização das investigações. Tudo parecido ao que se disse na execução, também icônica, da implacável juíza Patrícia Acioli, há sete anos, em Niterói.

Tudo que nada é.

Nada que políticos, ministros, juízes ou promotores dizem dialoga com um país que rejeita seus dirigentes, não confia na Justiça e teme a polícia.

Esse é o alerta embutido nos gritos dos que foram às ruas por Marielle. Seria melhor ouvi-lo.

Mary Zaidan

Descendo a rampa

Michel Temer atravessou a maior parte dos seus 77 anos de vida dedicado a uma discreta sobrevivência na atividade política. Nas últimas 32 semanas, porém, revelou-se exuberante protagonista em meia dúzia de devassas judiciais - um caso de corrupção nas páginas do Diário da Justiça a cada 35 dias, na média dos últimos oito meses. Entre as múltiplas suspeitas, destacam-se: 1) Integrar um grupo, com outros 11 da cúpula do PMDB, acusado de tomar dinheiro de empresários em troca de privilégios em negócios com Petrobras, Furnas e Caixa;

2) ser o destinatário da mala com R$ 500 mil da J&F portada pelo seu antigo assessor Rodrigo

Rocha Loures flagrado na noite paulistana;

3) obstruir a Justiça no inquérito sobre R$ 587 milhões que o grupo J&F teria repassado a ele e aos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco;

4) obter R$ 10 milhões em dádivas do departamento de propinas da Odebrecht;

5) participar de fraude para disfarçar a origem ilegal de R$ 112 milhões registrados pela chapa Dilma-Temer como doações eleitorais legítimas na campanha presidencial de 2014;

6) receber benesses por um decreto (nº 9048/ 2017) que afetou empresas vinculadas à Associação Brasileira de Terminais Portuários, entre elas Libra e Rodrimar, no Porto de Santos.

Resultado de imagem para Temer e a faixa charge
Temer é caso raro de presidente investigado durante o mandato. Ano passado, submergia abraçado a Dilma num oceano de provas, quando foi resgatado pelo juiz Gilmar Mendes, que julgou ser preferível "pagar o preço de um governo ruim e mal escolhido do que uma instabilidade no sistema". Na sequência, sobreviveu a duas votações na Câmara, garantindo sua imunidade até o final do mandato.

Agora, já não consegue dissimular o dissabor da incriminação em escala. Assumiu o papel de perseguido e avalizou uma escalada de ataques contra delegados, procuradores e juízes. Conseguiu aumentar a percepção no Congresso de que avança para um epílogo em desalento.

Professor de Direito Constitucional, arriscou-se em manobra com outro decreto (nº 9.246/17), que flexibilizou o indulto presidencial muito além do que havia feito Dilma em benefício de condenados no mensalão.

"Sem razão específica", notou a Procuradoria-Geral, Temer violou a separação de Poderes e ampliou o perdão de forma seletiva e desproporcional. Dispensou corruptos e corruptores do cumprimento de 80% da pena estabelecida e extinguiu sanções financeiras.

Na visão da procuradoria, ratificada em decisões de dois juízes do Supremo, o presidente criou "um cenário de impunidade no país". E transformou o processo penal em algo menor: "Está tudo perdoado, independentemente do que o Judiciário venha a dizer."

Temer busca alternativas para os dias seguintes à descida da rampa do Planalto. Sem foro privilegiado, sua perspectiva é a do juízo de primeira instância - "e isso obviamente é preocupante", lembrou seu advogado aos repórteres Fausto Macedo e Eduardo Kattah.

O 1º de janeiro de 2019 é chave para se entender o enredo em curso sobre perdão de 80% da pena, garantia de foro privilegiado e revisão da prisão em segunda instância. É o horizonte do amálgama de interesses do trio Temer, Lula, Dilma e de outros 552 denunciados - por ação ou omissão - na roubalheira exposta nesses quatro anos da Operação Lava-Jato.