segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Lições de terror

Calor absurdo aqui no interior do Mato Grosso do Sul. Coisas do marxismo internacional. Acabo de ler o livro de Afonso Arinos, graças às longas viagens de avião: 1.780 páginas.

De tantos pedaços da história, discursos internacionais, personalidades, tenho espaço apenas para destacar uma frase da neta de Arinos. A mulher dele disse que ele andava triste. A menina resolveu consolá-lo:

— Vovô, não fique triste, o senhor tem sua casa, seus filhos, a sua bengala…

Livros como o de Arinos e Joaquim Nabuco me reconciliam com o Brasil. Fico orgulhoso de me dedicar ao estudo do país.


Em Fortaleza, vi um homem com um carrinho de pequenas frutas amarelas ao longe e disse: seriguelas. O homem se aproximou e, ao passar por nós, perguntei: que fruta é essa? Seriguelas, respondeu.

Fiquei feliz como um menino que passa na prova. Deveria ser um pouco mais sério porque estava cobrindo precisamente a onda de ataques no Ceará.

Acontece que estou reavaliando um pouco minha noção de jornalismo. Nossa tendência é dramatizar ataques, cortar as imagens de forma que o fogo e a destruição se destaquem.

Quando examino mais de perto, os ataques, na verdade, são feitos em lugares desertos e em altas horas da noite. Um exemplo disso foi a dinamite que apareceu no metrô. Não tinha detonante, seu objetivo era assustar.

Não quero dizer que o tema não seja grave. As cadeias estão superlotadas. As organizações criminosas cresceram muito, não apenas no Ceará. E um grande número de jovens sem emprego ou escola é atraído para as facções.

Há alguns anos li um livro sobre um congresso ligado à ONU cujo tema era diplomacia preventiva — como atuar para evitar conflitos, sobretudo aqueles que realmente podem ser evitados.

Na época, falou-se também rapidamente no jornalismo preventivo. Nos anos 1960, tínhamos cadernos teóricos e talvez me dedicasse a escrever sobre essa nova forma de jornalismo.

Mas, como as tarefas aumentaram, resta-me tentar aplicar a ideia na prática. Os puristas podem objetar: prevenir? O jornalismo não previne, não evita, nem provoca: apenas informa.

Mas é de informação de que se trata. Informar significa também colocar num contexto um pouco mais amplo.

Um pouco de estudo militar mostra que ofensivas são um momento delicado: os atacantes se expõem e costumam sofrer grandes perdas.

Com quase 400 pessoas presas, parece que aconteceu com as organizações criminosas do Ceará.

Em Fortaleza, há agora um centro de inteligência para todo o Nordeste. Eu visitei o centro, mas não pude entrar porque precisava de licença especial, essas coisas. Imagino que tenham aproveitado esse momento de ofensiva e muitas prisões para entender um pouco mais das organizações criminosas.

O que torna o problema do Ceará mais sério ainda é o fato de que muitas de suas coordenadas estão presentes em outros estados.

A simples enumeração de ataques, grande parte deles em lugares remotos e escuros, no fundo, é, involuntariamente, o jogo que interessa aos líderes das organizações criminosas.

Eles precisam de um tipo de cobertura para difundir o medo. Mas chega um momento, e isso vale também para o terror político, que é preciso vencer o medo coletivo e encarar a vida com normalidade, mostrar que as coisas seguem, apesar deles.

Artistas locais fizeram uma campanha intitulada Quero Meu Ceará de Volta, evocando todas as coisas boas numa cidade tão simpática como Fortaleza: andar nas ruas, ter cadeiras na frente de casa.

A ideia, creio eu, estava numa direção correta. Mas era preciso mais que isso: era preciso retomar as ruas com firmeza. Isso seria também uma tarefa para políticos. Mas eles andam meio escondidos. Exceto os que têm de tratar diretamente do tema pela responsabilidade de governo, os outros são muito discretos, para usar um termo leve.

De qualquer forma, creio que os episódios do Ceará surgiram e sumiram sem que houvesse uma discussão mais detalhada sobre eles.

Minha impressão é que já é tempo de avaliarmos as relações de jornalismo e terror. Minha sugestão não é, absolutamente, a de omitir episódios atemorizantes.

Em muitos casos, informar com mais profundidade e exatidão pode abrir caminho para que a sociedade compreenda o que se passa e retome as rédeas de seu cotidiano.

'Corrupasizão' generalizada

Desculpem o péssimo trocadilho aí em cima, mas, pelo menos, até agora, o governo de Jair Bolsonarma é muito pior. No entanto, por trás dos trocadilhos ruins, se escondem grandes verdades, desta vez sem trocadilho, por favor.

Segundo os “cientistas loucos” políticos esquerdopatas da GloboNews, do ponto de vista ideológico, o governo atual pode ser considerado uma “milico-filhocracia”, em que parentes de várias patentes convivem em perfeita desarmonia.


Na opinião do filósofo e guru liberal EunãOlavo Meu Carvalho, vivemos numa “milico-nepotcracia”, ou seja, um regime “bélico-nepo-presidencialista de coilusão de direita”. Entenderam? Eu também não.

O que não se pode admitir é que um governo de linha ideológica homofóbico-liberal- conservadora tenha o rabo preso. Ou pior: prefira ter o rabo solto por conta da imunidade parlamentar. O ministro do STF (Supremo Tribunal Foderal), Juiz Fucks, complicou a suruba concedendo um habeas rabus preventivo em favor do Flávio Embosalnaro. O perigo é que a imunidade parlamentar pode levar o indivíduo a praticar a promiscuidade congressional e acabar pegando uma moléstia de fundo nervoso. Mais de fundo do que nervoso.

O problema é que os filhos do presidente Bolsossauro não gostavam de estudar e nunca quiseram nada com o trabalho. Infelizmente, devido às más companhias, os três bolsonarinhos acabaram se desviando do bom caminho: um virou vereador, outro deputado e o último foi eleito senador. Como disse o poeta liberal de esquerda Indícius de Imoraes: “Filhos, melhor não tê-los, mas sem tê-los, como elegê-los?”.

Dizem que tudo isso não passa de uma conspiração dos palestinos, do Hamas, do Isis e do Hezbollah junto com a CIA e o Mossad e o hospital Albert Einstein para desestabilizar o governo Bolsossauro, que apoia Israel. A essa operação terrorista covarde eles deram o nome de Rachid, e o Queiroz é o motorista-bomba. Isso é um absurdo. Se o Bolsalneura apoiasse Israel de verdade, não mudava a nossa embaixada para Jerusalém. Mudava para Heretzópolis, na serra do Rio ou Guarujalém, em São Paulo.

Para não atrapalhar o governo do pai, os três filhos do Bolsanauro, Huguinho, Zezinho e Luizinho Bolosonaro, deviam ser mandados para a América, fazer intercâmbio e aprender inglês na casa do Tio Donald Duck Trump.

É por isso que eu não tenho filhos. Só dão dor de cabeça, principalmente quando os seus filhos não são de sua autoria. Por isso mesmo, mandei lacrar o aparelho genético-reprodutor da minha patroa, a Isaura, para nenhuma criatura humana receber a minha herança genética.
Agamenon Mendes Pedreira é filho de mãe desconhecida e pais separados.

Brasil Pátria A(r)mada


Flávio Bolsonaro cultiva estranha aversão à TED

Pendurado nas manchetes de ponta-cabeça, o senador eleito Flávio Bolsonaro concedeu um par de entrevistas para restabelecer "a verdade" sobre o pedaço do seu movimento bancário que o Coaf considerou suspeito (veja aqui e aqui). O primogênito do presidente da República brandiu documentos. Mas se negou a entregá-los. Recusou-se até mesmo a folhear a papelada diante das câmeras. De resto, sonegou à plateia um esclarecimento singelo: por que despreza a transferência bancária eletrônica? 

O Coaf farejou na conta do neosenador 48 depósitos no valor de R$ 2 mil entre junho e julho de 2017, totalizando R$ 96 mil. Flávio declarou que a verba tem duas origens: rendimentos que obteve como empresário e a venda de um apartamento que teve parte do valor liquidado em dinheiro vivo. Os depósitos foram feitos no caixa eletrônico de uma agência bancária que funciona no prédio da Assembléia Legislativa do Rio, onde o agora senador exerceu o mandato de deputado estadual. 


Segundo Flávio Bolsonaro o fracionamento foi necessário porque o caixa eletrônico do banco não aceita depósitos superiores a R$ 2 mil. Faltou explicar por que diabos a transação não foi feita no interior da agência, onde inúmeros caixas de carne e osso recebem depósitos integrais. Faltou também uma justificativa para essa estranha predileção pela forma mais primitiva de transferência de valores. 

No mundo das pessoas convencionais, ninguém sai carregando grana graúda pelas ruas de uma cidade como o Rio de Janeiro. Noutros tempos, havia o bom e velho cheque. Hoje, como sabem até as crianças de cinco anos, existe a TED, sigla que identifica a 'Transferência Eletrônica Disponível'. 

Trata-se da forma mais rápida e segura de enviar valores de uma conta bancária para outra. Com uma vantagem: o nome do depositante aparece nos registros oficiais, reduzindo as chances de órgãos como o Coaf e o Banco Central enxergarem indícios de má-fé e lavagem de dinheiro nas transações financeiras. 

Além dos depósitos picados, o Coaf mencionou em relatório entregue ao Ministério Público do Rio de Janeiro pagamento de R$ 1.024 milhão feito por Flávio à Caixa Econômica Federal. Segundo o filho mais velho de Jair Bolsonaro a cifra se refere ao financiamento para a compra de um apartamento. O mesmo imóvel que ele venderia depois por R$ 2,4 milhões —parte em moeda sonante. A propósito, o ativismo imobiliário é uma marca do senador.

Flávio recusou-se a exibir as suas "provas" sob a alegação de que a imprensa não é o foro adequado. Disse esperar que o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, decida se ele deve se explicar aos promotores do Rio ou à Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Lorota. Em verdade, o novo senador busca o escudo do foro privilegiado e sonha com uma decisão da Suprema Corte que anule as evidências colecionadas pelo Ministério Público contra ele e seu ex-assessor Fabrício Queiroz. 

Nas palavras de Flávio, o que ocorre no Ministério Público fluminense não é uma investigação, mas uma "perseguição". Busca-se, segundo ele, "atingir o presidente da República." Mantido esse discurso, será difícil distinguir o filho de Jair Bolsonaro de encrencados como Michel Temer, Aécio Neves e Lula. Na era do dinheiro transportado em malas, mochilas e caixas eles têm em comum a mesma aversão à TED e uma certa mania de perseguição. Exibem também uma idêntica presunção de que falam para um país de bobos..
Josias de Souza

Desconfianças

Recente pesquisa internacional concluiu que somos um dos povos menos confiantes do mundo.

Desconfio que estão errados. Só se consideram quem não dá a menor confiança aos fatos. Mesmo evitando palavras como crédulo ou ingênuo, constato o oposto: nossa gente confia até demais. Pode desconfiar das instituições, mas confia em pessoas. E psicanalistas dizem que descrer do coletivo leva a buscar um salvador individual. Em manada, até gente inteligente dá fé a palavras ocas e versões suspeitíssimas. Longe dos fatos.


Poucos confiam tanto como nós em políticos corruptos e falsos. Ou em lideranças religiosas as mais variadas. Incontáveis igrejas proliferam, ancoradas na isenção tributária que lhes permite ganhar dinheiro de legiões de confiantes fiéis sem ter de pagar impostos. Inúmeras mulheres confiam em companheiros que passam a agressores quando elas decidem romper. E em espertalhões confiados que prometem juventude eterna e cirurgias plásticas mirabolantes.

E há casos como Roger Abdelmassih, que traiu a confiança das clientes e foi condenado a 181 anos por estupros em série. Sem falar nas estarrecedoras revelações sobre o criminoso abuso de confiança por parte do médium João de Deus. Com direito a confiantes reações de quem quis culpar as vítimas. Centenas delas. Durante décadas. E o rebanho, ó, confiando...

Recentemente Verissimo escreveu sobre negadores da realidade e citou que a Paraíba, com o lema NEGO, é o único estado cuja bandeira tem algo escrito. Confiou demais na memória. Desconfio que se enganou. A bandeira do Espírito Santo, ainda que desafie a ministra Damaris, vestindo azul e rosa ao mesmo tempo, traz o dístico “Trabalha e confia.” Depende de em quem se confia enquanto se trabalha. Certas confianças podem ser arriscadas. De minha parte, desconfio de plebiscitos para decidir questões complexas. Vide Brexit ou posse de armas.

Fernando Pessoa alerta: “Ó sol que dás confiança só a quem já confia!” Mais vale desconfiar e abrir o olho.

A época em que o Brasil barrou milhares de judeus que fugiam do nazismo

Em julho de 1938, o cônsul do Brasil em Budapeste (Hungria), Mário Moreira da Silva, enviou ao ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, uma circular secreta em que informava ter recusado a concessão de vistos a 47 pessoas "declaradamente de origem semita" (judeus) que buscavam migrar para o Brasil.

Eles tentavam fugir enquanto o governo húngaro, aliado da Alemanha nazista, punha em marcha uma série de políticas antissemitas - que, seis anos depois, culminariam com o envio de meio milhão de judeus húngaros para campos de extermínio.

O cônsul em Budapeste já havia se posicionado contra a entrada de judeus no Brasil. Em ofício enviado ao ministro meses antes, ele os chamara de "assaz (muito) perniciosos" e "inassimiláveis, que só sabem trabalhar - sem o menor escrúpulo e só visando o lucro - como intermediários de negócios, nada produzindo de útil".

Moradores do bairro judeu em Chelmza (Polônia)
invadido por tropas nazistas em 1939
Não era uma posição isolada no governo. Documentos diplomáticos compilados por Maria Luiza Tucci Carneiro, professora do Departamento de História da USP, mostram que o Brasil rejeitou ao menos 16 mil pedidos de visto feitos por judeus que fugiam do Holocausto ou tentavam reconstruir suas vidas após a Segunda Guerra.

Os documentos - que estão sendo incorporados ao Arquivo Virtual Sobre Holocausto e Antissemitismo (Arqshoah) - jogam luz sobre um lado pouco conhecido da história da imigração no Brasil.

Segundo Tucci, as recusas de visto a judeus seguiam ordens do alto escalão do governo. A partir de 1937, o Ministério das Relações Exteriores emitiu ao menos 26 circulares secretas impondo barreiras à entrada do grupo, considerado indesejável para a formação étnica do povo brasileiro numa época em que o Brasil estimulava a migração de europeus brancos e cristãos. Restrições semelhantes foram impostas a estrangeiros negros e asiáticos.

No caso dos judeus, porém, as barreiras afetavam um grupo que se via cada vez mais acuado por medidas discriminatórias em boa parte da Europa. Calcula-se que cerca de 6 milhões de judeus tenham sido mortos pela máquina de guerra nazista, o maior genocídio do século 20.

As regras que barravam judeus vigoraram mesmo após o Brasil declarar guerra à Alemanha e enviar soldados para a Itália, só perdendo validade no fim do governo de Eurico Gaspar Dutra, em 1950, quando os horrores do Holocausto já haviam sido amplamente difundidos.

"Os documentos derrubam o mito de que o Brasil sempre recebeu imigrantes de portas abertas e reforçam a postura colaboracionista do governo Vargas com a política antissemita da Alemanha", afirma Tucci à BBC News Brasil.

Segundo ela, o governo impunha restrições a judeus e outras minorias por meio de documentos secretos enquanto, no exterior, buscava apresentar o Brasil como um país "com projetos humanitários e salvacionistas". Uma circular que tratava do tema ordenava que a recusa de vistos a judeus deveria "ser justificada sem qualquer referência à questão étnica".

Autora de vários livros sobre o antissemitismo no Brasil, Tucci estuda os documentos desde 1995, quando o Itamaraty abriu seu acervo sobre o tema. Ela diz acreditar que os números de vistos recusados a judeus tenham sido muito superiores aos que já contabilizou.
Judeus 'subversivos'

A primeira das circulares secretas listava uma série de regras para barrar "numerosas levas de semitas, que os governos de outras nações estão empenhados em afastar dos respectivos territórios".

A justificativa, segundo o ministério, era impedir a entrada de migrantes que buscavam, "numa inadmissível concorrência ao comércio local e ao trabalhador nacional, absorverem, parasitariamente, (...) uma parte apreciável de nossa riqueza, quando, além disso, não se entregam, também, à propaganda de ideias dissolventes e subversivas".

A circular determinava, entre outros pontos, que não fossem dados vistos a judeus, exceto nos casos em que tivessem cônjuges brasileiros, possuíssem bens no país, pretendessem viajar a turismo ou tivessem "notória expressão cultural, política e social". As mesmas restrições não se aplicavam a europeus cristãos.

Caso o consulado suspeitasse que um judeu tentava se passar por cristão para obter o visto, poderia pedir sua certidão de batismo e suspender o processo até que, "por meio de investigação, se consiga esclarecer a dúvida". Segundo a circular, as regras haviam sido elaboradas pelos ministérios das Relações Exteriores e do Trabalho e aprovadas pelo presidente Getúlio Vargas.

Na época, outros órgãos do Estado também adotavam políticas racistas. No artigo Discriminação e Intolerância: os indesejáveis na seleção do Exército brasileiro, o pesquisador do Arquivo Histórico do Exército (AHEx) Fernando da Silva Rodrigues cita normas que impediam o acesso de judeus, negros e muçulmanos às escolas que formavam os oficiais da corporação. As regras foram definidas em 1937 pelo então ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, e valeram até 1946.
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Pensamento do Dia

Mana Neyestani

Estratégia do Planalto imita PT e indica Flavio Bolsonaro como 'perseguido político'

A crise está cada vez mais grave e até agora o presidente Jair Bolsonaro não fez nenhum comentário nem postou mensagem nas redes sociais. O motivo do silêncio é óbvio – o chefe do governo não fala nada, porque não tem o que dizer. A estratégia do Planalto é tentar desconhecer o assunto, como se ele “non eczistisse”, no dizer do padre Quevedo. Mas essa posição é um delírio, não se pode esconder uma questão desta gravidade.

A única autoridade que saiu em defesa de Flávio Bolsonaro foi o vice-presidente Hamilton Mourão, que acabou falando bobagens.

Sem saber direito o que está acontecendo, Mourão teve a ousadia de criticar a atuação do Ministério Público do Rio de Janeiro. Disse ao repórter Vinicius Sassine, de O Globo, que falta “foco” ao MP e que existe “sensacionalismo” e “direcionamento” na investigação envolvendo o filho do presidente da República e o ex-assessor Fabrício Queiroz


“São várias pessoas investigadas nessa operação, na Furna da Onça. As quantias que estavam ligadas ao Flávio eram as menores. As maiores, se não me engano, eram ligadas a um deputado do Partido dos Trabalhadores. E ninguém está falando nisso. Eu acho que está havendo algum sensacionalismo e direcionamento nesse troço. Por causa do sobrenome. Não pela imprensa, que revela o que chega às mãos dela. O Ministério Público tem de ter mais foco nessa investigação” – afirmou o vice-presidente.

Vinicius Sassine, que é um excelente jornalista, não deixou por menos. Depois de assinalar que Mourão adotou a estratégia do Planalto, que recomenda distanciamento do caso por parte dos membros do governo, o repórter publicou uma informação que isenta o Ministério Público, ao revelar que, enquanto Flávio Bolsonaro tenta evitar o depoimento, os outros quatro deputados estaduais que têm assessores com movimentações atípicas já procuraram os procuradores e prestaram explicações.

São eles: André Ceciliano (PT), Luiz Paulo (PSDB), Paulo Ramos (PDT) e Tio Carlos (SD). Ou seja, fica claro que o foco do MP não é apenas Flávio Bolsonaro e seu assessor milionário.

Mourão insiste na estratégia do Planalto, dizendo que é uma questão do Flávio Bolsonaro, não tem nada a ver com o governo federal. “Esse assunto pertence ao Flávio e aos assessores dele. Vamos aguardar os esclarecimentos que tiverem de ocorrer por parte dele mesmo e da própria investigação que está em curso”, alega o vice-presidente.

Por sua vez, outros importantes membros do primeiro escalão do governo já desistiram dessa linha de defesa. O ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), por exemplo, vinha declarando que o governo nada tem a ver com isso, mas no domingo passou a dizer que não vai se meter “nesse negócio”. E o ministro da Justiça, Sérgio Moro, também se recusa a comentar.

Nesta segunda-feira, Bolsonaro e Moro chegam ao Fórum Mundial de Davos. A imprensa mundial está aguardando os dois, que cancelaram as entrevistas coletivas.

Detalhes: em Davos, ambos pretendem apenas falar de combate à corrupção “latu senso”, mas sem entrar em detalhes familiares, digamos assim. Mas o povo quer ser justamente esses detalhes, que não foram informados nem mesmo aos advogados de Fabricio Queiroz, aquele subtenente da PM da confiança da família Bolsonaro, que movimentou R$ 7 milhões num período de apenas três anos e alega fazer “negócios” comprando e revendendo carros usados.

Até agora, os únicos carros encontrados no nome de Queiroz são uma Belina 86 e um Voyage 2010. Como Piada do Ano, a coisa vai bem; como “explicação plausível “de inquietante movimentação financeira, vai muito mal.

Aquecimento global e desinformação

Informação é um elemento essencial para a nossa sobrevivência e a tomada de decisões. É por isso que ninguém se lança de um edifício de dez andares, em lugar de descer as escadas, para ganhar tempo: jamais houve uma violação das leis da gravidade.

O mesmo acontece com tomadas de decisão. Se uma pessoa deseja viajar de avião para Nova York, ela se informa da hora da partida antes de ir ao aeroporto. Caso contrário, corre o risco de perder o voo.

Acontece muitas vezes que a informação não é completa. Nesse caso, o que funciona é saber a probabilidade de ocorrência do evento. Prever quando vai chover é um exemplo. Desde a mais remota Antiguidade a previsão do tempo foi essencial para saber quando plantar e quando colher, e erros graves nestas previsões – que eram frequentes – tiveram sérias consequências.


Nos dias de hoje, com o avanço da tecnologia, as previsões de tempo melhoraram muito e os meteorologistas já são capazes de nos dizer qual a probabilidade de chover amanhã ou no fim de semana, e acertar, na maioria das vezes.

O bom senso comum, que nessas áreas é aceito por todos, não existe, contudo, no tocante a outro problema de grande importância, que é o aquecimento do nosso planeta, que está em curso. A temperatura média já subiu mais de um grau centígrado desde 1800 e provavelmente vai subir mais dois graus até o fim do século 21.

A probabilidade de que a principal causa deste aquecimento seja a emissão dos gases resultantes da queima dos combustíveis fósseis, do desmatamento e de atividades agrícolas é muito grande e essa avaliação decorre de inúmeros estudos científicos. As consequências do aquecimento da Terra são muito sérias e já se manifestam, por exemplo, nos desastres climáticos que se estão tornando cada vez mais frequentes.

Para enfrentar o problema a cooperação internacional é essencial, porque as emissões que causam o aquecimento não respeitam fronteiras. A temperatura na China (o país maior emissor mundial) está subindo por causa de suas próprias emissões, mas também das emissões dos Estados Unidos (o segundo emissor mundial) e vice-versa, bem como das emissões de todos os outros países. O Brasil é responsável por cerca de 3% das emissões mundiais.

Vários acordos foram tentados – desde a Conferência do Rio sobre Mudanças Climáticas, em 1992 – para dividir as responsabilidades entre as nações, como, por exemplo, atribuir aos países cotas para redução das suas emissões. Todos fracassaram porque impunham cortes nas emissões aos países industrializados e isentavam os países em desenvolvimento dessas reduções, o que foi considerado inaceitável para os dois grupos.

O último deles é o Acordo de Paris, adotado em 2015, em que cada um dos países apresentou voluntariamente as reduções que desejava soberanamente fazer. Os países onde o movimento ambientalista é mais atuante apresentaram compromissos mais ambiciosos. É o caso dos países da Europa e dos Estados Unidos (sob a presidência de Barack Obama).

O Brasil, no governo de Dilma Rousseff também apresentou propostas ambiciosas, que foram objeto de amplo debate promovido pela então ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira. Essas propostas foram convertidas em lei pelo Congresso Nacional. Ninguém forçou o País a adotá-las.

Mais recentemente, o presidente Donald Trump decidiu mudar a posição do seu país, provavelmente para “desconstruir” o legado do presidente Obama, e deixar o Acordo de Paris, que não é mais que a soma dos compromissos voluntários apresentados por cada país. Para não cumprir os compromissos assumidos basta mudá-los unilateralmente, não é preciso “deixá-lo” ou “sair dele”, a não ser por motivos políticos.

É curiosa, portanto, a retórica inicial de alguns dos colaboradores do presidente Bolsonaro de seguir os passos do presidente Trump, que agora, ao que parece, está mudando. Ela nos parece simplesmente fruto de desinformação: não existe a menor dúvida de que a temperatura média do planeta está aumentando e a causa principal é a ação do homem. Quem nega isso são leigos que inventam teorias conspiratórias, setores ligados a interesses contrariados de produtores de carvão e petróleo ou simplesmente desinformados.

Existem outras causas para o aquecimento (e até o resfriamento) da Terra – além das emissões de carbono –, como já aconteceu no passado, como a variação da atividade solar, a inclinação do eixo da Terra, erupções vulcânicas, etc. Mas elas foram todas analisadas pelos cientistas: a ação do homem soma-se a esses eventos naturais e está ocorrendo numa velocidade sem precedentes na história geológica da Terra. Questionar a realidade do problema é uma posição obscurantista, como foi a da Igreja Católica no fim da Idade Média ao negar que a Terra gira em torno do Sol.

Os custos necessários para evitar o aquecimento global são elevados – e para muitos governos há tarefas mais urgentes a realizar –, mas esses custos aumentarão muito se nada for feito agora.

Existem, portanto, razões econômicas e sociais para não enfrentar de imediato esses problemas, caso da indústria do carvão nos Estados Unidos ou dos protestos contra a adoção de uma taxa sobre as emissões de carbono na França.

O Brasil perdeu protagonismo e prestígio internacional nesta questão ao desistir de sediar a Conferência do Clima em 2019 porque ela se realizará no Chile e nossa capacidade de influir nos resultados vai diminuir com possíveis prejuízos para o nosso próprio país.

Mais ainda perder “status” internacional com o argumento de que a conferência teria gastos elevados não é convincente porque o mesmo argumento deveria ter valido para os Jogos Olímpicos que exigiram a construção de inúmeros estádios a alto custo que estão hoje praticamente ociosos.

Jair & Filhos

Na última quinta-feira, conversava com um aliado de Jair Bolsonaro a respeito da forte presença de militares em postos-chave do governo. Ele fez uma observação: “Não me preocupa. Os militares são os adultos na sala deste governo. E terão um papel importante: o de conter a influência dos filhos”. Na saída do encontro, me deparei com o desdobramento do caso Fabrício Queiroz, com a reclamação de Flávio Bolsonaro ao STF para paralisar o inquérito contra o ex-assessor e anular suas provas.

O filhotismo é um dos fenômenos originais da política brasileira. Tão antigo quanto os outros “ismos” que nos (de)formaram: clientelismo, patrimonialismo, coronelismo, populismo, e por aí vai.

O clã Bolsonaro, bem como outros da política atual, renovou o fenômeno. Deu-lhe características de franquia: os produtos são de rápida absorção no mercado, vêm com aquela marca distintiva fácil de “colar” junto ao consumidor, têm uma estratégia de marketing tão simples quanto agressiva e usam as redes sociais como veículo – a versão pós-moderna do curral eleitoral do coronelismo clássico.

A franquia Jair & Filhos foi tão bem-sucedida que mesmo os furos gritantes de narrativa não foram suficientes para conter seu avanço. Como falar em renovação política tendo uma família em que nada menos que quatro integrantes da árvore genealógica direta (sem contar as ex-mulheres) tiram seu sustento da política? Claro, os Bolsofilhos foram eleitos legitimamente. Mas a pergunta é: teriam sido por suas próprias qualidades, trajetórias e ideias, dissociados da “matriz” Jair? Provavelmente não.

Mas o filhotismo não se encerra na perpetuação dos clãs por meio da entrada de sucessores na vida pública. Quando ele chega ao Executivo, há os desdobramentos disso: os herdeiros passam a orbitar em torno do poder. Aconteceu com os filhos de Lula, que preferiram agir nos bastidores, sem ocupar funções eletivas, mas se valeram do apelido do pai, convertido em sobrenome, para fazer negócios para si.

No caso dos Bolsonaro, por ora a influência se dá mais no campo da própria política. Eduardo e Carlos, os irmãos que se dão melhor entre si e com o pai, hoje exercem forte influência nas áreas de comunicação, educação e política externa do governo.

Flávio, o “patinho feio” da família, aquele a quem as abundantes postagens dos manos sobre tudo nas redes sociais ignoram, se preparava para, a partir do Senado, também ser um foco de influência junto ao pai. Dias antes de Fabrício Queiroz emergir dos bastidores da política miúda de gabinete para as manchetes, seu ex-chefe dera uma entrevista à GloboNews em que pontificava sobre a eleição para a presidência da Casa para a qual foi eleito e defendia a eleição de um nome alternativo ao de Renan Calheiros para que o governo tivesse tranquilidade para votar sua pauta. Ironicamente, o primeiro do trio a se desgastar politicamente é aquele com discurso político menos belicoso, mais conciliador e pragmático – sem arroubos tirados de manuais dos cursos online de ideologia para iniciantes.

O fato é que a desenvoltura com que os filhos transitam no governo, de um lado, e o novelo do caso Queiroz em que o menos desenvolto deles se enreda dia a dia, de outro, respondem hoje pela quase totalidade de pequenas crises que travam o início do mandato do “01”.

Das confusões no Itamaraty aos recuos no MEC; da cantilena da “comunicação direta com o povo” aos entreveres diários e infantis com adversários políticos e a imprensa; e, finalmente, o primeiro confronto autoimposto com o Supremo: todos os primeiros ruídos do governo têm o mesmo sobrenome. Os militares, como os adultos na sala, já começam a se preocupar com as diabruras das crianças.