quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Dilmalice

Mundo Encantando de Dilma

No país de faz de conta da presidente da República


Enquanto a crise econômica sobe mais um degrau a cada dia, a presidente Dilma Rousseff mantém distância prudente dos seus efeitos atravessando o país de uma ponta à outra dentro do seu mundinho de faz de conta.

Em Cantaduva, interior de São Paulo, ela entregou, ontem, 1.237 unidades do programa Minha Casa Minha Vida, uma das poucas realizações bem-sucedidas do seu governo. E para não ser incomodada, passou longe do centro da cidade.

Ali, cerca de 500 pessoas protestaram contra a visita dela pondo panos pretos nas janelas e fechando o comércio por meia hora. “Eu quero dizer que vamos superar esse momento de dificuldade”, proclamou Dilma durante a solenidade de entrega das casas.

Ela estava entre autoridades de sua comitiva e do governo de São Paulo, e diante de uma plateia amiga montada para aplaudi-la. O ato no conjunto habitacional foi blindado. O bairro ficou todo cercado para evitar a presença de eventuais manifestantes.

Os contemplados com casas e seus acompanhantes se valeram de ônibus especiais para chegar ao local da solenidade. Todos foram submetidos a detectores de metais. Não carregavam armas nem quaisquer artefatos que pudessem pôr a presidente em risco.

A verdade e a maquiagem
Quatro casas haviam passado por uma maquiagem nos últimos dois dias para que Dilma as visitasse e posasse para fotos – e somente nelas. Foram pintadas e ganharam jardins com flores plantados às pressas, segundo o jornal O Estado de S. Paulo.

Dilma parecia satisfeita. Antes havia concedido entrevistas a duas emissoras de rádio de cidades vizinhas de Cantaduva sem que seus entrevistadores a tivessem aborrecido com perguntas embaraçosas. Foram entrevistas amenas, encomendadas, digamos assim.

A presidente mais impopular da história do país pode repetir afirmações fantasiosas do tipo:

- Não tenho como garantir que a situação em 2016 será maravilhosa. Muito provavelmente não será. Mas também não será a dificuldade extrema que muitos pintam.

(Dilma sabe que a situação não será nem remotamente maravilhosa. Mas ao fazer questão de dizer isso, tenta sugerir que a situação poderá ser boa. Ou razoável. Quando de fato será ruim.)

- Vamos continuar a ter dificuldades, até porque não sabemos como o mercado internacional vai se comportar.

(A menção ao “mercado internacional” é para reforçar sua pregação de que ele é culpado pela crise que atinge o Brasil – e não o governo dela.)

- Acredito que é sempre assim: as pessoas querem que as coisas sejam imediatamente resolvidas. É compreensível, mas nem sempre ocorre assim, nem na vida da gente.

(Aqui, uma crítica velada aos que esperam uma solução rápida para a crise. Ora, eles acreditaram no discurso de campanha de Dilma de que nada ocorreria de ruim – pelo contrário.)

- Nossa ideia é que dificuldades sejam enfrentadas o mais rápido possível. Mas quanto mais gente estiver torcendo pro “quanto pior melhor”, mais longa será essa travessia.

(Indireta para a oposição, a quem Dilma acusa de torcer pelo pior.)

De volta a Brasília no final da tarde, Dilma reencontrou-se com o mundo real. Para seu desgosto.

O que pode estar escondido sob a crise econômica do Brasil


O Brasil vive uma crise grave que, segundo diversos analistas, é mais política do que econômica. Por isso mesmo é mais difícil de resolver, embora o país seja rico em recursos naturais, matérias-primas e capacidade criativa. E não está quebrado como a Grécia e a Venezuela.

O problema é sobretudo político. As pessoas comuns sabem disso. Deixaram isso claro em suas últimas manifestações, quando soaram mais os gritos contra os políticos e seus crimes de corrupção que aqueles contra a inflação e o desemprego – ainda que esses dois fantasmas fiquem mais assustadores a cada semana.
O que não funciona e parece sem solução é o emaranhamento político num labirinto que parece sem saída, com atores medíocres, mais burocratas que estadistas, que não conseguem recitar os grandes dramas e parecem conformar-se com os resultados de opereta, que mal se encaixam na democracia consolidada e moderna de um país continental como o Brasil.

Existem muitas explicações para essa dificuldade que o país tem de conjugar a política exercida por seus profissionais com o desenvolvimento de uma economia com grandes possibilidades e capacidades.

Talvez a explicação menos considerada, em cujo seio estão muitas dessas dificuldades onde os políticos se afogam e que atrasa a recuperação econômica, seja a tentação latente de sacralizá-los ao mesmo tempo em que lhes é concedida a graça da impunidade, como se deixassem de ser cidadãos como os demais.

Se algo deveria diferenciar as democracias modernas dos antigos regimes totalitários é ter-se livrado do perigo dos messianismos, sejam ideológicos ou ideológicos.

O Brasil não está vivendo os tempos bíblicos, em que foi necessário um Moisés para libertar o seu povo da escravidão do Egito. Tampouco vive os tempos das teocracias da Idade Média, quando os reis governavam em nome de Deus – com quem não é possível discutir, só obedecer.

A modernidade é incompatível com dogmas políticos. Os governantes, nas democracias, não são ungidos por Deus e devem responder apenas ao imperativo da Constituição e à vontade de quem os elege livremente. E são proibidos de mentir.

Quanto mais perfeita é uma democracia, menos brilho têm, por exemplo, os seus representantes – que em muitos casos chegam a se confundir nas ruas com as pessoas comuns, sem privilégios ostensivos. Essas democracias maduras não precisam de heróis, nem de messias salvadores da Pátria, nem tampouco de pais ou mães dos pobres.

Deles é exigida somente a capacidade de governar com acerto e justiça, levando em conta sempre, na hora de repartir o orçamento, as necessidades mais urgentes, como a de legislar para reduzir as desigualdades sociais e criar novas possibilidades de crescimento do país.

Pode parecer simples, mas na prática as coisas não são assim tão fáceis. Os que chegam ao poder se esquecem de que não foram colocados no trono por um desígnio divino, e sim pela força do voto popular. Inclusive nos países com Constituições democráticas existe de fato a tentação, alimentada às vezes pela própria sociedade, de sacralizar o poder.

Certos messianismos continuam vivos em vários países da América Latina, com sua nefasta carga antidemocrática e até mesmo ditatorial. Uma mistura de messianismo ideológico e fundamentalismo religioso, fomentado pelas igrejas evangélicas, impede o desenvolvimento de democracias modernas e participativas.

Quando os governantes são divinizados, transformam-se também em indispensáveis e insubstituíveis até o ponto em que qualquer iniciativa de mudança política é vista como diabólica e contra os pobres.

No Brasil, um país com uma Constituição democrática e separação entre a Igreja e o Estado, continua viva a tentação de querer levar Deus até o Congresso ou até os bancos da Justiça, sacralizando a vida pública e com ela seus governantes, embora sejam depois denegridos.

Há até quem defenda hoje no Congresso a inclusão, na Constituição, de que o poder vem de Deus, não do povo. E alguns parlamentares evangélicos profetizam que é vontade expressa de Deus que algum deles chegue um dia à Presidência da República, para governar mais com a Bíblia que com a Constituição.

Somente quando a política se limita à arte de governar com capacidade e ética, sem exageros nem tentações messiânicas, pode-se falar em democracia.

Não existem políticos ungidos por Deus, insubstituíveis e eternos.

O poder deles é temporário. Só o da sociedade é permanente e inapelável. Eles estão a seu serviço, não o contrário.

Ignorar isso é abrir a porta a todo tipo de instabilidade que desemboca, inexoravelmente, em crises econômicas e irritação popular.

Alguma coincidência?


Enfim uma verdade

Quando acontece o pior, quem paga é a população do país
Dilma Rousseff





Em quatro anos e meio, o currículo de Dilma pode registrar ao menos uma verdade. E óbvia.

A presidente, que diz pensar noite após noite no sofrimento do povo, levou todo este tempo para descobrir a verdade bíblica. O que deve ser muito para quem tem um dicionário de frases incompreensíveis.

Como não pode nem quer ir mais longe em pensamento tão brilhante e óbvio, pode-se fazer um esforço para orientar a presidente.

O pior é sempre para a população, porque a cafajestada das zelites político-governamentais fica impune. Nada sabe, nada vê, nunca ouve. Talvez por se enfurnar em palácios, viver num mundo de fantasia pago com o suor de quem trabalha para sobreviver.

Gente como a presidente que foge do povo e prefere a convivência de eventos controlados, midiáticos, ou de reuniões onde vicejam os coroados pelo dinheiro público privatizado para gáudio da canalha.

Fazer a população pagar por erro alheio é crime, presidente, pelo qual não há governante brasileiro ou político na cadeia. É crime de improbidade administrativa, que aqui só gera multinhas, pagas com o Erário, e muito mais grave o de lesa nação. Faz todo um país pagar com sofrimento a incapacidade de administrar um bem público.

Sofrimento que governantes cretinos alegam pensar, mas não pensaam quando estavam em jogo seus interesses. Contrataram o diabo a peso de ouro e enfiaram milhões no inferno. Sem saúde, sem educação, sem segurança, sem trabalho, com salários reduzidos, e por aí vai.

Este inferno de um povo inteiro, que admitiu ser pago pelo contribuinte, foi gerado no Planalto, sob o regime petista, que se alcunha de esquerda, para em nome dos mais pobres se enriqueceu e enriqueceu os amigos, inclusive os companheiros do exterior. Como nunca neste país, diria o eminente Lula Brahma da Silva.

E agora a presidente se exime, lava as mãos, de ter cometido o crime de levar um país ao inferno por interesse partidário, com a maior desfaçatez.

Há de chegar a hora em que governantes paguem pelos erros e pelas mãos que roubaram tanto daquele que trabalha escravizado pelo jugo de uma canalha.

Caiu na real?

Até ontem se vendiam ilusões. De forma exaustiva, a presidente Dilma Rousseff repetia: a crise é passageira e a retomada do crescimento se dará logo, logo. No máximo, admitia 2015 como o ano da “travessia”. Tudo, no entendimento do governo, era uma questão de vontade política, como se a economia fosse movida pela fé.

Não faltaram alertas, mas a presidente e sua equipe continuaram a viver em um universo próprio, vendendo uma imagem de um Brasil inexistente e creditando a ela e aos seus, o dom da infalibilidade.

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Propositadamente, estabeleceram o anátema e interditaram o debate econômico, taxando de pessimista e de torcer contra o Brasil, quem não rezava por sua cartilha. Mensagem, aliás, que Lula e Dilma fizeram questão de transmitir nas inserções televisivas do PT que foram ao ar no último sábado.

De repente e meio contrariada, Dilma dá o braço a torcer e admite que durante a campanha eleitoral errou na avaliação da crise econômica, demorando a perceber sua gravidade.

Aqui surge um primeiro problema: a letargia do seu governo. Afinal, como explicar a nós, simples mortais, que só agora Dilma descobriu que um ministério mastodôntico, com 39 cadeiras, é um prêmio à ineficácia?

Mesmo desconsiderando a demora da presidente para enxergar o que todo mundo já via, resta a questão principal: os brasileiros podem respirar aliviados porque, finalmente, a primeira mandatária do país teria caído na real?

Óbvio que não. Como deixou claro em sua entrevista aos três principais jornais do país, a presidente continua a atribuir ao fator externo, à queda das commodities, a causa da crise. Não há, note-se, a mais leve referência ao desastre da “nova matriz econômica” adotada em seu primeiro mandato.

A crise, no entendimento presidencial, é culpa dos Estados Unidos, da União Europeia e, agora, da China. O máximo de erro que a presidente admitiu foi o de não ter percebido que os tempos da “bolha das commodities” já tinham passado e só ela, debruçada na janela, não viu.

Não viu e não ouviu. Nem as críticas quase unânimes dos analistas econômicos nem o seu ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, que vive se queixando pelos quatro cantos de ter, por diversas vezes, chamado a atenção da presidente sobre a necessidade de reajustar os preços da gasolina e da energia, de conter os gastos públicos. Mas ela simplesmente fazia ouvidos de mercador.

O primeiro dever de um governante é enxergar a realidade tal qual ela é. Só assim poderá agir para modificá-la. Dilma poderia ter economizado tempo e milhares de reais dos brasileiros.

Deveria ter observado o crescimento de moradores de ruas, de vendedores ambulantes em semáforos e das novas favelas que surgem a cada dia. Bastaria uma passadinha na feira, em um supermercado; andar pelas ruas e ver dezenas de pequenos negócios dando lugar a placas de aluga-se.

Há tempos o Brasil paga o preço da ficha que só agora Dilma admite que caiu.

Se é que caiu mesmo.

Como os ladrões roubam o Brasil

O dinheiro produzido aqui vai veloz e sombriamente fortalecer outras sociedades. Por isso, a distribuição de renda não é condizente com as legítimas reivindicações da sociedade brasileira, iludida seguida e sordidamente por manipuladores de números e índices financeiros. Não se trata, no fundo, de um caso de roubo, mas sim de roubo vinculado à traição dos interesses brasileiros

Amadorismo e incompetência

Madame continua conquistando os troféus de amadorismo e de incompetência política, agora ao mandar anunciar que extinguirá dez ministérios, mas sem dizer quais, aumentando a temperatura entre os partidos incrustados no poder sem querer perdê-lo. A briga vai ser de foice entre PT e PMDB para segurar seus lugares. Acresce que a presidente deixou passar um tempo precioso desde as primeiras pressões recebidas para enxugar o governo, de início negando-se e agora voltando atrás.

Charge O Tempo 26/08

O maior erro de Dilma Rousseff, porém, ainda não foi cometido, situando-se na ante sala de seu gabinete, caso não aproveite para mudar quase todos os 29 ministros que não terão extintos seus ministérios. Porque para recuperar a credibilidade e retirar o país do buraco em que se encontra, só mandando passear os fisiológicos e os parvos de sua equipe, compondo um grupo caracterizado pela eficiência. Será fatal manter o condomínio atual dos partidos no governo, sem cuidar de selecionar os melhores para cada função, de preferência escolhidos bem longe do Congresso.

Fácil não será, tendo em vista a necessidade de impedir o esfacelamento de sua base parlamentar, mas em tempos bicudos como os atuais, sempre será possível obter dos partidos um compromisso de colaboração desinteressada, capaz de evitar o pior.

A principal dificuldade para Dilma enfrentar é o PT, hoje detendo o maior número de ministérios e, em consequência, mais exposto a perder espaço. A presidente deveria ter costurado a cirurgia e promovido as substituições antes de mandar anunciá-las genericamente, muito menos estendendo até final de setembro o prazo para tomar as decisões. Parece óbvio que sofrerá pressões inusitadas, até ameaças de abandono da base governista. Com o governo enfraquecido, aumentam as possibilidades de chantagem.

Em suma, o risco é de amadorismo e incompetência continuarem frequentando os corredores do palácio do Planalto, ainda mais na ausência do vice-presidente Michel Temer, engolido pelo festival de mesquinharias encenado pelo comando petista.

Houve tempo em que dava gosto viver no planeta, apesar de suas contradições e dificuldades. Pelo menos, as nações tinham em quem confiar. Nos Estados Unidos, John Kennedy empolgava. Na União Soviética, entre o Sputnik e Yuri Gagárin, quem pontificava era Nikita Kruschev. O general De Gaulle recuperava a França, Winston Churchill voltara a ser primeiro-ministro da Inglaterra e Konrad Adenauer consolidava a nova Alemanha. Na China, Mao Tse-tung assustava o mundo, menos Pandit Nehru, na India, e até no Vaticano permanecia a sombra do velhinho mais reformador da Igreja, João XXIII. Para não esquecer o Brasil, onde Jânio Quadros assumia o poder como a grande esperança, depois da confiança deixada por Juscelino Kubitschek.

Pois é. Acabou tudo. A mediocridade ocupou todos os quadrantes e nunca mais foi embora…

Fósseis desfossilizam

Todos deveríamos ter um fóssil em casa, em local de destaque, bem visível, em cima da geladeira por exemplo. Não um fóssil recente, como os preguiças-gigantes que viveram em Minas Gerais há poucos milhares de anos, porém um antigo, um dinossauro. Sei que é pesado e difícil de arranjar, mas valeria a pena. Se não o conseguirmos, vamos nos contentar com um imaginário. Suponhamos um Tyrannosaurusrex, ainda filhotinho, ao lado do pinguim de louça. Par perfeito.

Quando o T. Rex nasceu, os primatas não existiam nem na imaginação, ou melhor, nem imaginação havia. As espécies contavam apenas com a astúcia, as pernas ou as garras para sobreviver. Se algum bicho caísse de quatro e implorasse ajuda aos céus, tadinho. Outro bicho, mais chegado a instinto, logo o devoraria. Eis a primeira ajuda que o fóssil nos pode dar. Ele vem de uma época em que os deuses não existiam, porque, com a necessidade divina de reconhecimento, adoração e sacrifício, estão intimamente ligados à nossa espécie, em simbiose perfeita. Eles nos ajudam, nós os sustentamos. Como são eternos, infere-se que a humanidade também será. Sem o ser humano, quem os adoraria? A serpente?

Nesse ponto, o fóssil pode provocar confusão. Veja só. Todas as espécies, mais cedo ou mais tarde, acabam extintas. Seríamos a exceção? Alguém, com fundamento, argumentaria que os tubarões são anteriores ao tiranossauro, portanto sobrevivem há uma eternidade. Não seria, então, o caso de consultarmos os deuses deles? Têm eficiência comprovada.

O fóssil também nos ajuda em questões mais à terra, questões do dia a dia. Quem nunca sentiu uma dosezinha excessiva de orgulho ou, deprimido, achou que o mundo caiu de vez? Para os acessos mais brandos, não recorrentes, a fossilterapia funciona. Atenção, curandeiros de plantão: a técnica é tão simples que não justifica escrever livros ou ministrar cursos sobre ela, portanto não dá dinheiro. Consiste no seguinte: durante a crise aguda de desânimo ou inchaço de ego, contemple o fóssil por alguns segundos e constate que o animal já teve as mesmas necessidades nossas, do ar à comida à luta pela vida – e veja o que virou: pedra. Pense que ele conseguiu um destino melhor que o da humanidade inteira. Milhões de anos após sua morte, ainda marca a presença no mundo, ainda vemos seu corpo, ainda nos transmite informação. Quem nos garante que, no futuro distante, restarão traços humanos sobre a Terra? Portanto, nesse aspecto, qualquer fóssil jurássico pode ser mais bem sucedido que o Homo sapiens.

Depois da contemplação desfossilizante, faça-se uma pergunta singela: não seria melhor a gente viver sem muita firula, curtir os dias do jeito que vêm, sem ódios e rancores, arrogância ou depressão? Afinal, a vida não dá duas safras nem deixa sequelas.

Muita gente despreza os fósseis, porque são pura pedra, a realidade nua e dura. Como todos carecemos de bengalas fora de nós mesmos, apelamos para a fantasia. O mundo não fica muito melhor com óvnis, superpoderes, milagres, livre comércio? A ficção é vital. Sem ela não estaríamos aqui, os escritores. No entanto, meditar sobre um fóssil de vez em quando faz um bem…

Para dizer a verdade, até fóssil vivo serve, com vantagem extra: é abundante e sai de graça o ano inteiro, com paletó e gravata, na primeira página de revista e jornal. Coleciono o retrato de vários em cima da geladeira. A maioria mora em Brasília.

Luís Giffoni

Parque Brasil de Diversões

Venham! Venham! Do que vamos brincar agora? Em épocas sacudidas, sim, épocas sacudidas, cheias de emoção, mudanças, estamos em uma, coisas muitas ainda de se ver fazer e acontecer, montanha russa, trem fantasma. O bicho da seda, ah, esse ainda vai depender do STF para enrolar.

 A roda gigante, bem... melhor não comentar. Não para, não para. Quem está em cima quer descer, quem está em baixo quer subir. Lembra alguma coisa?

Amigos, todos, aí. Peguem a fila. Ingressos na mão, embora não esteja ainda muito certo que os votos das próximas urnas já serão impressos. Esse papel tem poder. Poderá ser necessária uma nova eleição, isso também está em jogo. Guarde esse seu bilhete.

As luzes já estão acesas, com economia, claro; mas o show deve continuar e não há parque sem luz, sem letreiro piscando bem lá no alto: Parque Brasil de Diversões. O risco de apagão que andava sempre rondando a gente diminuiu muito. Certo, pena que por um péssimo motivo. Com a recessão, a produção também baixou e o consumo despencou. Saudades daqueles tempos de real, e mesmo de primeiro governo Lula, quando as coisas vibravam. Podia haver pico de luz por uso, veja só, que tinha esse lado.

Não concordo com a frase/tese que diz que se cobrir vira circo, que não somos palhaços, nem domadores de bestas, dessas tantas que aparecem das trevas. E mais na lona do que já estamos será difícil ficar. Nem se cercar virará hospício. Melhor é pensar no parque de diversões, com realejo. O da sorte e movido a manivela. Com um lindo periquito ou papagaio verde e amarelo tirando nosso destino. Concentre-se, para pedir direitinho.

Entre. Não repare. Esse Parque é bem tradicional, chão de terra batida, ruas esburacadas, brinquedos quase analógicos para uma era tão digital - mas é que estamos um pouco atrasados, esperando uns investimentos que nos prometeram. Tem um monte de coisas para ver. Alertamos que há alguns brinquedos parados por falta de peças de reposição, que foram morrendo, e não surgiram ainda outras que as possam substituir e fazer andar melhor a engrenagem. Têm aparecido só umas peças bem falsas, cheias de leros, o que faz com que tenhamos de ficar bem atentos para não acabar apoiando a serpente que sairá do cesto, mas nos picará de morte.

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Parque Brasil de Diversões. Com carrinho de bater e tudo - igual ao trânsito de nossas cidades. Caótico. Um monte de gente que não sabe dirigir e outro tanto de trogloditas. Arma no vidro, parado no farol. Não use celular - ele foi roubado. Amarre o cinto: além de não termos pilotos, temos de apertá-los bem, para ajustes nos buraquinhos.

O carrossel do Parque mudamos um pouco para que ficasse mais moderno: cavalos por bicicletas. Subindo e descendo com a gente sentadinho no selim. Não ficou legal? Eu adoro carrosséis. Pensando bem, também é bom ir treinando andar de patins ali naquela pista. Se a velocidade já está reduzida, se já não tem onde parar, se querem que a gente compre os carros, mas não os use, pelo que vemos já que estão até fechando até avenidas, eles, os patins, poderão ser nossa solução. Você descalça e guarda na bolsa.

Veio de trem fantasma? Se for mulher, e tiver reclamações contra a onda de assédio sexual nos trens, adiante-se. Nas próximas estações, estarão pendurados os pedaços de mulheres que a polícia e a Justiça devia estar protegendo, mas não apareceram e elas foram cortadas em picadinhos pelos seus algozes. Grite. Salários mais baixos. Desrespeito. Grite. Querem controlar até o seu corpo; as suas decisões. Lá vem mais uma curva.

Relaxa antes do próximo brinquedo. Coma uma glamorosa maçã do amor, deixe os dedos grudentos de algodão doce, faça amor com um churro de doce de leite. A vida, creio, de todas as mulheres, é como o caminho do trem fantasma, cheio de sustos, de monstros, de obstáculos.

Tiro ao alvo. Olha só como todos nós poderemos nos divertir nessa barraquinha. Lá na frente vão passando enfileirados todos esses que estão fazendo a vida de todo mundo um inferno da insegurança, vão passando as fotinhos deles, sem parar, e você pode mirar e acertar, eliminando-os da política, da religião, da sociedade. Ganha de presente um futuro melhor, com mais tolerância, convivência com a diversidade, compromisso ambiental.

Eu jogo palavras neles e de vez em quando acerto um

Marli Gonçalves

O governo tenta ganhar tempo para uma pausa na morte cotidiana

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A presidente deveria se mancar, aproveitar a boa ideia que será – se for – mal executada e extinguir o governo. Mas Dilma Rousseff deseja mesmo continuar não governando o país. Ora, e não é isso mesmo o que faz o desejo? Prende-nos naquilo que não é nosso. Traída pelo desejo de vergar sem quebrar, enquanto quebra o país, a presidente dedilha sua lira do delírio fragmentando-se em ações sucessivas que há muito só cuidam dos cacos da figura política mais tosca da história do país – qualquer país.

O Brasil toca sozinho a própria rotina na qual tudo o que funciona só funciona apesar da presidente atada ao desejo de salvar aparências vazias. Consumando outra mentira da campanha eleitoral, o anúncio dos ministros aparvalhados quanto à redução aleatória de 10 ministérios – por que não 9 ou 11? – não explicou o planejamento da coisa, os objetivos e as estratégias para alcançá-los. Nas mentiras transparentes, a verdade é antevista na tentativa de enrolar o público pagante e ganhar tempo para uma pausa na morte cotidiana do governo.

A proposta é ótima, pena que não há proposta; o país só teria a ganhar, mas é aí que entra Dilma acabando com as chances de a nação ter algum ganho. Ainda que haja a redução, restará esse governo cuja chefe instala, na equipe multidisciplinar da articulação política com várias disciplinas da imbecilidade política do governo, o secretário pessoal que, mais do que tudo, é um amigo-funcionário que é tão popular entre os políticos quanto um amigo de Dilma pode ser.

Giles Azevedo deve ser ótimo confidente e tal, daqueles para quem se confessa até o índice de massa corporal, mas é perturbador saber que o obscuro articulador político esteve ao lado de Dilma em cada, vá lá, ideia que ela teve. Torço pelo dia em que a lei despejará a súcia do poder e é exasperante perceber que os planos que o bando tem são o de fugir da realidade com esses espetáculos de bisonhice explícita e aquele implícito de arranjos paridos por quem nem mesmo pode se garantir.

É cada vez mais entristecedora e intolerável a constatação renovada de que o Brasil se deixou submeter, por tanto tempo, por uma escória que é tão ruim para a política quanto é boa para a vigarice.

Valentina de Botas