domingo, 7 de fevereiro de 2016

O Carnaval da política

Do jeito e no ritmo que as coisas andam no Brasil temos a impressão nítida de que esses tempos de modorra das festas momescas nada mais são do que a própria expressão de nossa experiência histórica. Como tudo foi sempre lento entre nós, os eventos se arrastam mais do que os seus congêneres em outras nações. Para além da tradição dos três dias, tanto do Carnevale veneziano como do Mardi Gras francês, nossa farra se estica por mais de uma semana obediente à tradição secular de indolência de enforcar os dias, senão os meses, como nos abusivos recessos dos poderes legislativo e judiciário. Temos sido sempre um dos últimos países, seja para declarar a independência, seja para abolir a escravidão. Ou mesmo para se constituir, se democratizar, industrializar, estabilizar a moeda, privatizar estatais ineficientes, abrir e internacionalizar a economia e agora, nosso maior desafio, para reformar as instituições políticas e moralizar a gestão pública. Pois, já era sem tempo! Diante da abertura comercial recém-pactuada entre países do Pacífico e reformas econômicas bem sucedidas de nossos vizinhos latino-americanos como México, Peru, Chile, e agora também da Argentina, ainda nos delongamos em discussões ideológicas anacrônicas ao pé do abismo esquerdista da Bolívia, Venezuela e Cuba. Como demoramos a passar as páginas da história!

Print

É lenta a formação de um consenso sobre a ingovernabilidade do país sob as rédeas de um partido desmoralizado pela opinião pública, abandonado pelos seus membros históricos e mais honrados e integralmente deslegitimado no poder pelas investigações da Lava-jato e suas conexões com o processo eleitoral. Como bem afirmou o deputado Raul Jungmann: “se a política não resolve a crise, a crise resolverá a política”. O que é mal, muito mal, por não sabermos o tamanho do prejuízo a ser assumido por todos os cidadãos brasileiros e seus pósteros. Quantas décadas de retrocesso teremos de experimentar, seja qual for o parâmetro de avaliação entre os países da comunidade mundial? O quanto vamos contribuir para jogar a economia mundial pra baixo, assumindo de vez a vanguarda do atraso entre todos os países submergentes? O quanto poderemos suportar com mais dois anos de depressão, dez milhões de desempregados e a inflação crescente, crise na saúde pública e na segurança a um só tempo? Quando então enfrentaremos a paralisia de nossa iniciativa política e emendaremos as marchinhas satíricas dos blocos de rua com as marchas de protesto contra políticos e magistrados irresponsáveis. O fato novo é que não estamos mais a achar graça na delinquência sanguinária da bandidagem comum assim como nas quadrilhas de colarinho branco de mensaleiros e petroleiros. Começa a cair a ficha de que a história esgotou a farsa de sua repetição e a tragédia em que nos metemos, enfim, nos empurrará para um destino, se não melhor, pelo menos diferente daquele de que estamos fartos de conhecer. Mas resta a pergunta: até onde pretendemos maníacamente destruir nossas realizações para mudar o rumo de nossa cultura política?

Na verdade vivemos em processo de expiação de uma grande culpa coletiva, na euforia do porre de cidadania pela recém-conquistada redemocratização dos anos oitenta, quando cometemos o irresponsável erro de ter mitificado um líder sindicalista como candidato a estadista nacional. Ou como “nosso guia” na irônica expressão do jornalista Elio Gaspari. Estamos em processo de catarse coletiva ou, para os mais folclóricos, em plena pajelança por termos todos nos enganado tanto. Se a vergonha da goleada da Copa foi um prenúncio do tombo nacional, o país ainda não caiu em si pelo desastre que se aproxima. Rebolamos na beira do precipício, atraídos pela mórbida adrenalina de despencar para a morte como preferiu Zumbi. Como nos ensina nosso livre-pensador Millôr Fernandes sobre o valor da liberdade: se não morremos por ela, a conspurcamos com a libertinagem. Pois só achamos que nossa liberdade começa quando acabamos com a do próximo.

Rompemos com a moral vigente do carnaval “estendido”, onde as pequenas transgressões do dia-a-dia não são cobradas pelo dever cívico que não aprendemos em casa ou na escola, para não enfrentar a grande ruptura política que a modernidade nos exige. Conquistamos nas últimas décadas excelências em todas as áreas da expressão cultural de um povo. Das artes, esportes, engenharias e medicinas. Mas numa única não avançamos nada: na cultura política que nos joga todos irremediavelmente pra baixo, derrubando todas nossas conquistas setoriais. Pois a política é a atividade de maior abrangência social do homem e tem o dom de contaminar todas as demais.

Se nos enganamos tão redondamente quando colocamos o Lula lá, talvez pela fantasia romântica de experimentar um novo paradigma da cultura política, chegou a hora de não mais estender esta lição que nos tem custado tão caro. Espero que tenhamos todos aprendido a não mais tentar a heterodoxia, não apenas na economia, mas sobretudo na política. Se Lula significou a esperança vencendo o medo, como lembrou de maneira magistral a ministra Cármen Lúcia no julgamento do mensalão: “não podemos permitir que o cinismo venha a vencer o medo, e agora o escárnio venha a vencer o cinismo”. Se não podemos contar com parte de nossas “elites” que persiste em corromper mandatos e agentes públicos, temos de apostar em parcelas cada vez maiores de cidadãos e cidadãs que resolveram se manifestar nas ruas, nas redes sociais e nas poucas brechas que lhes restam da grande mídia. Sobretudo por parte de jornalistas já cansados do noticiário repetitivo e sensacionalista da política profissional e mais esperançosos e dedicados ao jornalismo cívico. Se somos vinte milhões de cidadãos e cidadãs a recusar a cada uma das últimas eleições que a nobre arte da política seja corrompida pela tentação demagógica da marquetagem eleitoral, com certeza este capital da nova cultura política se compõe de dez a vinte por cento de formadores de opinião e mobilizadores sociais. Por isso é que há dois anos venho investindo no que temos identificado como Agentes de Cidadania, cidadãos e cidadãs que, embora ainda invisíveis na grande mídia, se dedicam em mais de três mil organizações sociais, movimentos e associações civis à árdua luta contra a corrupção, pela transparência da gestão pública e fiscalização de mandatos políticos, orçamentos e desempenho de instituições públicas. Assista a nosso vídeo de lançamento do programa em plena eclosão das manifestações de 2013.

E divirtam-se bastante neste carnaval da libertinagem política. Pois muito em breve teremos de trabalhar duro, os cidadãos engajados em libertar a política da delinquência dos políticos

Coação, coerção e delação


Qual é a cola semântica que junta mensalão, petrolão e delação? O mensalão foi concebido como um banco de mesadas para buscar apoios ao governo durante o primeiro mandato de Lula. O petrolão, considerado o maior escândalo de corrupção da atualidade, foi arquitetado para produzir e distribuir propinas no entorno da Petrobras. Pois bem, a resposta para a pergunta aponta para três substantivos também terminados em ão: cooptação, coação e coerção. O primeiro sugere a capacidade de convencimento de uma fonte (governante) para atrair, aliciar, buscar apoios junto a pessoas físicas ou jurídicas. A persuasão de interlocutores se dá por meio de recompensas, abrigando recursos financeiros, cargos em máquinas governamentais, concessão para realização de obras públicas etc. Acordados quanto ao volume e porte das trocas, fontes e receptores maximizam seus interesses e passam a agir como parceiros nos empreendimentos.

Esta modelagem explica a similaridade entre mensalão e petrolão, dois fenômenos que escancaram as relações promíscuas entre agentes da estrutura administrativa (governantes e burocratas), da representação popular (membros do Legislativo nas três instâncias da Federação) e os círculos de negócios privados. Já a delação se ampara mais na coação, aqui entendida como pressão moral para que delatores aceitem entrar no jogo. A recompensa, nesse caso, reúne formidável bagagem moral, a partir da fatura que se apresenta: atenuação de penas; liberdade em lugar de prisão ou prisão em regime semi-aberto.

Apesar de ser instrumento de nossa legislação criminal, a delação se desenvolve sob intensa pressão psicológica de indiciados, que acabam optando pela alternativa capaz de livrá-los do poder coercitivo do Estado. É o caso de indagar: da maneira como vendo sendo usada, a delação não resvalaria no terreno ético? Há quem veja razoável grau de desvirtuamento no abuso da delação. Deveria ser desaguadouro natural, espontâneo, do processo investigativo. Ocorre que os delatores se vêem diante de monumental barreira que os impede de optar de maneia espontânea por esta via. A barreira é o medo do poder coercitivo do Estado, apto a trancafiar por longos anos quem não se submeter àquela modalidade denunciatória. A família do indiciado, por sua vez, age como estrutura psicológica, induzindo o chefe de família a buscar a melhor alternativa para voltar o quanto antes ao seio familiar.

Os elos da cadeia coativa e coercitiva se juntam, prendendo os presos da Operação Lava Jato em um beco sem saída: ou delatam ou terão suas penas esticadas. Mas esse é o leit-motiv da delação, argumentam promotores e juízes. Trata-se de um sistema de recompensas – materiais, psicológicas – que o instrumento incorpora. Graças a ele, a Operação Mani Pulite, na Itália, foi bem sucedida. Começou com a prisão, em 1992, de Mario Chiesa, então diretor de instituição filantrópica de Milão (Pio Alberto Trivulzio). Dois anos após, 2.993 mandados de prisão haviam sido expedidos; 6.059 pessoas estavam sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros.

O juiz Sérgio Moro segue rigidamente a receita aplicada na Itália, o que inclui a cooptação da Opinião Pública, por meio da ampla visibilidade que a mídia oferece às ações da Operação Lava Jato. Os advogados criminais se queixam do uso (abusivo) da delação, enxergando o risco de consolidação de uma cultura denunciativa e punitiva no país, com desprezo ao rito da defesa. Levantam, por exemplo, a questão da presunção de inocência, uma das mais importantes garantias constitucionais. Por este meio, o acusado deixa de ser mero objeto do processo, passando a ser sujeito de direitos dentro da relação processual. Por essa prerrogativa, o acusado não pode ser considerado culpado até que a sentença penal condenatória transite em julgado. Ou seja, urge evitar uma sanção punitiva antes da decisão final. Diz a CF no artigo 5.°, inciso LVII: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Outra pergunta que se coloca é: o que alimenta mazelas como mensalão e petrolão? Nossa cultura política e, esticando a resposta, nosso presidencialismo de coalizão. Que usa e abusa do poder da caneta: nomeia, demite, promove, faz favores, castiga. A relação de troca passa a ser medida do equilíbrio entre os Poderes Executivo e Legislativo. Ou seja, o presidencialismo de coalizão alimenta-se da base política e esta come do seu pasto para engordar. Para aprovar matérias de seu interesse, a (o) presidente tem usado todos os recur­sos à sua disposição, entre eles liberação de verbas do Orçamento e espaço na administração para partidos. Essa forma absolutista de governar deixa claro que poderia ser chamada também de presi­dencialismo de coação. A corrupção, nessa perspectiva, tem seu filão no interior do Estado. Pois a corrupção é um desvio institu­cional, ilegalidade praticada sob o abrigo da imoralidade. Isso ocorre quando as autoridades públicas deixam à margem seu dever e passam a subordinar seus papéis a demandas exógenas, como as de políticos em época de eleição. Sob essa cultura, a semente do presidencialismo imperial gera muitos frutos.

O presidente é o mandachuva. O chiste é conhecido: como o ato mais importante da partida de futebol, o pênalti deveria ser cobrado por quem? Pelo presidente. O culto à figura do presidente e, por extensão, a outros atores com forte poder de mando faz parte da glorificação em torno do Poder Executivo. Tronco do patrimonialismo ibérico. Herdamos da monarquia por­tuguesa os ritos da Corte: admiração, bajulação, respeito e mesuras, incluindo o beija-mão. Enquanto o poder central continuar com sua monumental capacidade de cooptar e coagir, continuaremos a ver amostras, aqui e ali, de mensalinhos e petrolões. Sob o reino da cooptação, coação, coerção e delação.

Pensando bem, solto ou preso é o de menos


“A mídia faz de Lula o judeu da década, como os nazis fizeram deles e comunas os alvos do seu ódio à democracia social.”
Tarso Genro

Que a repugnância provocada pelo petismo já ganhou ares de instituição não é novidade, entretanto as várias defesas de Lula serpenteadas via mídia e redes sociais conseguiram ultrapassar todos os limites da sem-vergonhice.

Digo, o descortinar de seu escuso envolvimento com a OAS Engenharia atesta o cerco cada vez mais estreito em seu entorno, o fato de estar sendo investigado pela Polícia Federal na esfera da Operação Zelotes nos faz sonhar, mas nada empana o assombro provocado por tamanha ousadia .

Dito isto, não vejo outra saída, é simplesmente mandatório enfrentar esta enésima tentativa de embaçar os fatos por parte de uma gente decidida a encastelar-se no poder.

Quero dizer, arrastam o país de volta para tempos remotos de insegurança, com índices de inflação e desemprego crescentes, propostas de taxação somente necessárias graças ao maior esquema de roubalheira na história da República por eles mesmos instaurado, e ainda por cima pretendem sair ilesos? Nada feito.

Verdade seja dita, trata-se de um fenômeno recente, impulsionado pelo bolso vazio e a falta de perspectivas, mas o brasileiro parece finalmente decidido a abandonar o PT.

E não deixa de ser irônico constatar, coube ao próprio Partido dos Trabalhadores estabelecer o grau de tenacidade que hoje em dia enfrenta. Basta olharmos para sua história, desde o início souberam muito bem martelar seus discursos como se mantras fossem, tanto para burilar a própria imagem quanto para demonizar adversários políticos e ludibriar a população.

De Genoíno a Dirceu, passando por Vaccari e Delcídio, sem falar em peões de menor gabarito histórico importantes para a engrenagem do sórdido projeto, os outrora defensores do povo estão em frangalhos e ainda sofrerão muito nas mãos da justiça. A boa nova é que este não é o maior de seus problemas.

Lamentavelmente, enquanto uma profunda reforma política permanecer no campo da mitologia, começando pelo fim do voto obrigatório sem falar no modelo de governo, nenhuma legenda deverá temer por sua existência, tampouco uma popular desde sua fundação.

Mas, como dizia, o verdadeiro pesadelo da nossa esquerda tupiniquim habituada ao papel de satélite petista, e claro, do próprio partido, na verdade é só um: a morte prematura da imagem de Lula como Padim Ciço da política nacional.

Não duvido nada, entre seus comparsas, até mesmo uma hipotética prisão passou a ser vista com outros olhos, agora que seu nome surge em toda sorte de escândalos.

Neste sentido, quem sabe, até considerem produtiva uma curta temporada de Luis Inácio na cadeia. Ora, se Dirceu e Genoíno foram tratados como “guerreiros do povo brasileiro”, não seria difícil impulsionar uma retórica parecida envolvendo o alcaide.

Assim como durante o debate sobre impeachment usaram a carta do golpismo, a estratégia atual busca alardear uma injusta perseguição ao pretenso defensor dos pobres. Vitimização esta nada criativa, torpe, mas que ainda deve colar entre muitos de seus eleitores.

Caso provas inequívocas resultem na prisão deste sujeito, sem sombra de dúvidas um dos maiores algozes do país, tanto melhor, mas o atual momento já é histórico. Dentro de uma cela ou fora dela, a pena de Lula já começou. Amém.

Lula, quem diria, foi parar...

A combinação carnaval e política tem o dom de disfarçar a gravidade das crises. Diverte milhões com fantasias e máscaras, letras originais ou paródias bem-humoradas - algumas engraçadíssimas. Que valem tanto ou mais do que enquetes ou pesquisas de opinião. Um termômetro adicional e preciso para medir quem goza ou não de prestígio popular. E que deve deixar a presidente Dilma Rousseff, o ex Lula, Cunhas, Renans, governadores e prefeitos às dúzias ansiando pela Quarta-feira de Cinzas.

Para muitos, o carnaval é uma pausa no desassossego do cotidiano. Mas os dias de brincadeira que já foram para desafogar mágoas - quase sempre de um amor perdido - servem hoje muito mais para não pensar no aluguel que vence amanhã, nos preços da feira, no emprego que deixou de existir. 

Está difícil até para os que querem esquecer tudo, ainda que temporariamente. Os preços da cerveja e da cachaça, itens inflacionados e que ganharam novas alíquotas de impostos, não deixam. Até a água está cara, o confete e a serpentina viraram artigos de luxo.

Criativo, o folião remodela a fantasia, pica papel, substitui a arquibancada da avenida – neste ano está sobrando ingresso no Sambódromo do Rio – pelos blocos de rua. Tira o pixuleco do armário, grita “Lula na cadeia” e “fora Dilma”.

Lula, que já perdera a santidade quando virou pixuleco nas manifestações pró-impeachment, volta à cena em diversas cidades, encarnado na fantasia de presidiário, como no desfile da Mocidade Unida da Glória, candidata ao bicampeonato do carnaval capixaba. A escola levantou a galera com críticas a políticos - "Será que a malandragem sumiu? Será que ela comanda o Brasil?" - e passistas mascarados de lulas e dilmas atrás das grades.

Herói do ano, o juiz Sérgio Moro, que comanda a Lava-Jato, não bateu o capa-preta dos mensaleiros, Joaquim Barbosa, cuja máscara fez sucesso em 2013. A figura mais popular é mesmo o agente Newton Ishii, chefe do Núcleo de Operações da Polícia Federal em Curitiba, “o japonês da Federal”, figura obrigatória na prisão de gente que já foi intocável.

O “Japonês da Federal” também virou marchinha - “Sou Trabalhador...Não sou lobista, senador ou deputado!”, ao lado do “Bar do Cunha”, “Marcha do tríplex”, “Guarde bem sua cartinha”, “Ela petralha e eu coxinha” e outras tantas. Odes à ironia e ao bom-humor do brasileiro, que, vítima da agudez da crise, apela ao riso e à galhofa. Como sempre.

Por trás da gargalhada está o repúdio à roubalheira. E sem perdão: deputado, senador, lobista, Lula e o tríplex, que já foi e não era dele, que era de sua mulher Marisa Letícia e não é mais.

Nem precisa ir muito além para apontar o estrago para Lula e o PT de o imbróglio do tríplex cair no popular, amplificado por uma marcha redondinha, que não para de tocar, animando a folia de Olinda.

É assim, e todo político sabe disso. O carnaval é a maior festa popular, para o bem e para o mal. Getúlio Vargas odiava ser chamado de velho, mas surfou no sucesso da marchinha “Retrato do velho” (Haroldo Lobo-Marino Pinto), que acabou virando jingle de sua campanha.

Com a sucessão de escândalos patrocinados pelo lulopetismo nos últimos 14 carnavais, a marcha do tríplex talvez caia no esquecimento. Mas sabe-se lá para dar lugar a que tipo de alegoria.

Foi-se o tempo em que “bloco de sujo” era comandado por inocentes batidas de lata no lugar do tamborim.

Minas vai à falência

Ícones da economia mineira como Vale, Samarco, Açominas (hoje Gerdau) e Acesita (hoje AcelorMittal), as construtoras Mendes Júnior e Andrade Gutierrez apresentam quedas de receitas que nunca foram imaginadas em suas longas trajetórias. Defrontam-se com quadros sombrios no curto prazo. A Fiat (agora FCA) amarga 50% de carros vendidos a menos que em 2012.

Se nesta altura as coisas são preocupantes, no andar de baixo, no cinturão de fornecedores e prestadores de serviços, os ventos já levam empresas embora como folhas secas no inverno.

A produção industrial de Minas precipitou em 12% até dezembro de 2015, um desastre que ainda se acelera. Em janeiro deste ano, o setor automotivo registrou um afundamento de 39,8% sobre janeiro de 2015, que foi um dos piores da história.

O Estado de Minas Gerais voltou a ter níveis de produção como os da década de 90, apesar de a população ter crescido 20% desde aquela gloriosa década.

Charge O Tempo 06/02

As sirenes já tocavam em 2014 durante a campanha presidencial, entretanto, no lugar que caberia a uma figura de ampla visão, a reeleita Dilma Rousseff deu as rédeas a Joaquim Levy, saudado pela imprensa especializada e pelo próprio PSDB como “um dos nossos”. Na realidade, um fracasso sem precedente que poderia ser considerado o cavalo de Troia que fez ruir a cidade petista. Ele está para o Brasil assim como o tsunami foi para a Tailândia ou a guerra de 1964 para o Vietnã.

Maior desgraça seria impossível. A economia nacional perdeu o rumo e aniquilou a competitividade. As contas públicas se esgarçaram.

Levy, enquanto tentava aumentar impostos para arrecadar mais R$ 50 bilhões, elevou os juros pagando R$ 501 bilhões a banqueiros. Para arrecadar R$ 50 bi a mais, aumentou o serviço da dívida em R$ 180 bilhões. Perdeu 5,6% de arrecadação. Um aprendiz faria melhor.

E Dilma pretende ainda a CPMF, o mais regressivo dos impostos, um golpe a ser pago pela economia popular e com mais desempregos. O que falta ao Brasil é cortar pela metade os cargos e os gastos do Legislativo e também o número de cargos de nomeação ampla. Implantar austeridade e respeito com o que se tira do contribuinte.

As culpas não são todas de Levy, mas ele se prestou a fazer apenas o interesse dos especuladores. Concedeu aos bancos os maiores lucros de todos os tempos, enquanto o Brasil se desgraçava e afundava. Isso, como criticado pelas melhores inteligências econômicas do planeta, devasta a economia. Neste momento dá-se ênfase ao crescimento econômico como solução para fugir da queda de arrecadação e da geração de desequilíbrios sociais. No Brasil, se asfixia exatamente a produção, que é como aumentar água na garganta de alguém que está se afogando.

A crise em Minas decretou 200 mil desempregados em 2015, e esse número catastrófico poderá se repetir já no primeiro trimestre de 2016 com mais uma quebra: a Usiminas.

Considerada a estrela da siderurgia brasileira, a empresa de Ipatinga, engasgada com dívidas e prejuízos bilionários, está para fechar as portas.

A deterioração da histórica siderúrgica de Minas determinou-se não apenas pela conjuntura adversa e nem pela briga entre sócios – de um lado, os nipônicos da Nippon Steel, e, do outro, os ítalo-argentinos da Ternium.

A Usiminas vinha se reestruturando com a gestão dos “argentinos”. As ações na Bovespa chegaram a seu melhor momento, R$ 14, e a credibilidade protegia a empresa. Entretanto, o acordo entre acionistas foi ruidosamente implodido pelos nipônicos, com acusações que até hoje não passam da ineptidão. O grupo Ternium, até pela falta de articulação política no Brasil, perdeu a queda de braço; os diretores saíram e, de lá pra cá, a empresa entrou em parafuso com ações não valendo um insignificante 5% do já que valeram há dois anos.

Joaquim Levy de fora e um grupo desastroso de dentro reduziram a geração de caixa em 18 vezes, até esvaziá-la; o saldo de liquidez hoje não cobre um dia de necessidades. A insolvência se dará a qualquer momento. Os bancos exigem um aporte de R$ 4 bi de capital dos acionistas para diminuir a exposição e ainda querem avaliar um plano de recuperação que não existe.

Como um barco que quebrou o leme, perdeu as velas e bateu num rochedo, a Usiminas está afundando. Os japoneses, conhecidos pela frieza e orgulho, parecem dispostos ao haraquiri antes de recuarem de suas posições.

Na Cidade Administrativa, na última sexta, o nervosismo estava no ápice. A Usiminas se perdeu e, por fim, perdeu também a credibilidade e o crédito. Sua avaliação internacional precipitou para CCC1. Quer dizer: empresa falida.

Que os japoneses percam aqui alguns bilhões, para eles pode não fazer diferença, mas para Minas será uma catástrofe de desemprego e perda de renda. O Vale do Aço, vermelho de lama da Samarco, pode se transformar num vale das lágrimas da Usiminas.

Agora o governo de Fernando Pimentel, que se queixa de ter encontrado as contas do Estado arrasadas e com R$ 7 bilhões de dívidas inadministráveis, mantidas “fantasiadas” ao longo do governo tucano, será testado. A falência da Usiminas vai exigir muito dele para evitar a perda de milhares de empregos e garantir uma arrecadação fundamental para o erário mineiro.

Campeões das reformas

Os políticos de esquerda costumam lutar por reformas –agrária, política, bancária, fiscal, urbana, universitária, administrativa– e pagar caro por isso. O status quo, por definição, não gosta de reformas, e combate os políticos que tentam promovê-las. O ex-presidente Lula também é partidário de reformas. Mas, cioso de seus amigos das elites, limita-se a reformas mais modestas. Uma delas, a do tríplex que ele diz não ter comprado no edifício Solaris, na praia das Astúrias, Guarujá (SP). Por que alguém faria reformas num apartamento que não lhe pertence é um mistério. E por que sua mulher, dona Marisa, vivia visitando o apê se nunca iriam morar lá só ela e Lula –por enquanto– sabem.

Pode haver coisa pior do que uma reforma? Começa-se trocando uma escada comum por outra em caracol e, de repente, já se quer instalar um elevador privativo, só para os bacanas. Um rodapé de madeira torna-se de porcelana e, num instante, o porcelanato toma também as paredes das salas de estar, jantar e TV. Dona Marisa fez tudo isso no tríplex que não é de Lula. Por sorte, os R$ 777 mil que a obra custou lhe saíram de graça, cortesia de uma gentil construtora.


Outra reforma pela qual Lula lutou foi a de um sítio de 173 mil metros quadrados em Atibaia, que também não lhe pertence, mas a sócios de seu filho. A obra envolveu construir ou ampliar um pavilhão, churrasqueira, piscina, campo de futebol e converter um lago em tanque de peixes –quase uma reforma agrária. E, que bom, ela também lhe foi oferecida pela construtora.

Igualmente campeão das reformas é o ex-ministro José Dirceu –no caso, a de seu próprio sítio em Vinhedo (SP), no valor de R$ 1, 8 milhão, pagos por um lobista. Dirceu nem precisou lançar mão da vaquinha que, um dia, seus correligionários fizeram para socorrê-lo, lembra-se?

'Deus' brasileiro



Todo mundo rouba, menos o camarada Stalin, porque ele é Deus e Deus não precisa roubar, é só pegar o que Ele quiser
Issac Bashevis Singer, Sombras sobre o rio Hudson

Ontem, hoje, amanhã

Não gosto de fazer previsões e não sou dada a exercícios de futurologia. Mas quando tento analisar uma situação, procuro ter em vista aonde quero chegar e quais podem ser os melhores caminhos para que o objetivo seja alcançado da forma mais eficiente e com o mínimo de perda. Ou seja, acredito em planejamento, não em profecia. Talvez até por causa da história de “Alice no País nas Maravilhas”, lida na infância. Quando a menina está perdida e pergunta ao Gato de Cheshire qual o caminho para sair dali, ouve a resposta lógica:

“Depende muito de para onde você quer ir...” Conselho que não custa nada seguir. Mas parece ser simplesmente ignorado quando quem devia agir com responsabilidade fica feito barata tonta, entre idas e vindas. E tem de pagar o preço por não ter olhado para a frente nem se preocupado com a conta que ia chegar.

Nestes dias pré-carnavalescos, passa na rua um bloco animado, cantando o refrão que Didi e Mestrinho imortalizaram há anos num desfile da União da Ilha. Primeiro, se pergunta: “Será que eu serei o dono dessa festa?” A resposta vem depois. Pode ser linda e poética no carnaval, mas é um desastre quando a administração de um país a adota como mote implícito, no vale-tudo de ignorar consequências: “É hoje o dia da alegria, e a tristeza nem pode pensar em chegar.”

No início da década de 1970, muitas vezes se citava como bordão a frase bíblica então trazida de novo à circulação pelo ministro da Fazenda, Mario Henrique Simonsen: “O futuro a Deus pertence.” Era uma maneira de recusar previsões econômicas deterministas. Por outro lado, anunciando também seus traços de futuro ministro do Planejamento, Simonsen se batia era pela formação de expectativas racionais. Como se, ao recusar a mera profecia ou a promessa, fizesse questão de clarear a necessidade de planejar.

Num governo, a economia e a administração de um país precisam olhar para o futuro. E se apoiar em análises racionais para traçar planos. Em meio a este festival de improvisos governamentais a que estamos assistindo, é preciso fazer um esforço para entender a realidade, o que acontece nela, e planejar o que se quer que ocorra.

Há pouco tempo o ministro Mantega garantia que quem apostasse na alta do dólar iria quebrar a cara. Amparada em Lula e Mercadante, Dilma apoiava seus conselhos. Chamou de rudimentar o plano de ajuste do ministro Paulo Bernardo, mesmo adjetivo que usara, quando na Casa Civil, sobre as propostas econômicas do ministro Palocci. Turbinou sua campanha com bravatas marqueteiras, ataques inescrupulosos às ideias diferentes das suas, e elogios à “nova matriz econômica”. Das duas, uma: ou mentia sem qualquer limite ou acreditava mesmo naquilo e atestava sua mais absoluta incompetência, como os fatos vieram a comprovar. Deixou Levy ser fritado vergonhosamente. Dá para ter qualquer esperança de que agora tenha subitamente aprendido algo e saiba do que está falando quando se manifesta sobre economia? Não imaginava que chegaria a hora de pagar a conta das teimosas decisões equivocadas? É hoje o dia. Da agonia.

Como se isso não bastasse, além de ser impossível ter total certeza a respeito do que os fatos vão nos trazer e do que tudo indica que será a consequência futura de causas passadas, ainda há o elemento realmente imprevisível, que sempre se manifesta. Alguns são súbitos, como o desastre de Mariana. Outros se constroem mais lentamente, correndo o risco de só serem detectados de forma tardia — como a expansão da microcefalia a partir do mosquito que está aí há um tempão. E há a crise da Previdência, prevista há anos, cuja reforma foi sempre detonada pelo PT. Agora se constata que ela ajuda a quebrar o país.

Há outros problemas graves a serem enfrentados já. Não há desculpa para a miopia em enxergar as questões ambientais. Pode ser conveniente jogar a culpa em El Niño ou reunir um Conselhão para uma foto. Mas não resolve. O meio ambiente pede socorro urgente. O mundo se afasta da primazia de petróleo e combustíveis fósseis. Nós vamos na contramão.

Como é que a esta altura a presidente veta investimentos em energias alternativas no plano plurianual? Não pensa no amanhã? A situação de nossas cidades, a falta de saneamento, o descontrole do desmatamento, tudo isso precisa ser analisado a fundo, para que se tenha um diagnóstico correto e se possam tomar medidas em direção a sua solução. Urgentes. Não se trata de ameaça ao planeta, ele sobreviverá. Se continuará como habitat da humanidade, é outra história. Nós é que estamos nos ameaçando.

Precisamos fazer algo, já, em vez de nos resignarmos ao mero blá-blá-blá, nos dando ao luxo de brincar de cabra-cega, ou docilmente seguirmos outro bloco que passa, cantando outro samba da União da Ilha: “Como será o amanhã? Responda quem puder. O que irá me acontecer? O meu destino será como Deus quiser.”

Ou como nós construirmos? Depende de onde queremos chegar.

Ana Maria Machado

Prevenção de pandemias custaria menos de 1 dólar por pessoa

Investindo menos de 0,72 dólar por pessoa anualmente faria com que o mundo fosse mais resistente doenças pandêmicas infecciosas potencialmente devastadoras, de acordo com um grupo de peritos em saúde global convocado durante a crise do Ebola.

Doenças pandêmicas custam ao mundo mais de 58 bilhões de dólares por ano, estimou relatório, ainda em comparação com outras ameaças de alto perfil, a preparação para pandemias é cronicamente subfinanciada.

“Poucos evetos globais correspondem à epidemias e pandemias em potencial para perturbar a segurança humana e infligir perda de vidas, danos econômicos e sociais”, disse Jeremy Farrar, diretor da empresa de caridade em saúde global Wellcome Trust. “Ainda por muitas décadas o mundo investiu muito menos em prevenir, preparar e obter respostas para essas ameaças em comparação com riscos à segurança internacional e financeira”.

A análise foi coordenada pela U.S. National Academy of Medicine durante o início da epidemia Ebola, que se espalhou por três países do oeste África no ano passado, matando mais de onze mil pessoas e causando estragos na esfera econômica e social.

Em entrevista em Londres, Farrar disse um fator crucial para se preparar para futuros surtos seria a criação de um centro forte e independente sob a supervisão da World Health Organization (WHO), que lideraria a preparação para sustos e respectivas respostas à estes.

O novo centro, que ele afirmou que poderia ser montado em um ano se ajudado pela WHO e seus 194 Estados membros, deveria ser uma parte permanente do sistema WHO e também ter “considerável independência operacional e orçamento sustentável”.

“O que nós precisamos ver agora são ações”, disse Farrar. “A liderança WHO e seus Estados membros devem fazer de 2016 o ano em que eles aprendem lições sobre epidemias e pandemias passadas e implementar essas medidas valiosas para construir sistema global de saúde mais resistente”.