Numa época tão doente como esta, quem se ufana de aplicar ao serviço da sociedade uma virtude genuína e pura, ou não sabe o que ela é, já que as opiniões se corrompem com os costumes (de facto, ouvi-os retratarem-na, ouvi a maior parte glorificar-se do seu comportamento e formular as suas regras: em vez de retratarem a virtude, retratam a pura injustiça e o vício, e apresentam-na assim falsificada para educação dos príncipes), ou, se o sabe, ufana-se erradamente e, diga o que disser, faz mil coisas que a sua consciência reprova.(...) Em tal aperto, a mais honrosa marca de bondade consiste em reconhecer o erro próprio e o alheio, empregar todas as forças a resistir e a obstar à inclinação para o mal, seguir contra a corrente dessa tendência, esperar e desejar que as coisas melhorem.Michel Eyquem de Montaigne (1533 - 1592)
segunda-feira, 11 de maio de 2015
A virtude pura não existe nos dias de hoje
Em defesa da democracia
Hoje fui à missa, na igrejinha de Nossa Senhora de Fátima, a mais tradicional de Brasília, na SQS 308. Tradicional, sim, mas simples, bela e singela. Não quero falar de religião e sim da ética e da convivência social. A Igreja exalta o perdão, mas nós temos a difícil tarefa de perdoar sem des-culpar, sem tolerar e deixar impune a ação malévola.
O padre nos dizia: Como podemos reclamar da sociedade, dizendo-a corrupta e violenta, e não julgarmos a nossa própria conduta, como se não fôssemos parte dessa mesma sociedade? Em suma: Qual é a nossa responsabilidade social?
Como perdoar e punir ao mesmo tempo? Como purificar o próprio coração, perdoando, e manter a boa convivência social, punindo o intrafor, reprimindo o delinquente e desprezando o excessivamente egoísta? Em suma: Como fazer Justiça e manter o coração limpo e feliz?
Qual deve ser a nossa atitude com relação aos que roeram a Petrobrás por dentro, prejudicando moral e financeiramente a maior empresa do nosso país, a ponto de colocar em risco sua própria sobrevivência e, mais ainda, o respeito ao interesse coletivo?
Como não sentir desprezo por tamanha desproporção entre o favorecimento ilegítimo do interesse pessoal e o respeito ao interesse de todos. Nesse caso, a punição é indispensável, tendo em vista, inclusive, que as teias da corrupção se estendem também a tantas outras empresas e que a cobrança e o pagamento de propinas vai se tornando prática usual em todos os cantos.
Como ficar indiferente à destruição da confiança entre as pessoas? E como, dentro da nossa impotência, não ficar objetivamente indiferente? É preciso apoiar a Justiça? Sim. Como? Mostrando propósito firme e real de que a Justiça seja feita de forma igualmente firme e real. Mostrando confiança nas nossas instituições, em nossos juízes, em nossos tribunais e mostrando também indignação quando eles não cumprirem o seu papel.
Como não importar-nos com o claro aumento da violência nas ruas, da violência policial, da violência contra a mulher em sua própria casa, em uma deplorável erosão do respeito aos direitos humanos no seio da nossa sociedade?
A nossa atitude, a atitude da sociedade civil, é a que, em última análise, determinará o resultado desta batalha entre a ordem e a desordem, entre a paz e o conflito, entre a concórdia e a discórdia, entre o direito dos trabalhadores e a ganância dos que os exploram, entre o bem comum e a desmesura do interesse individual.
É a defesa da democracia e da lei que nos livrará da violência dos inescrupulosos, dos inimigos da democracia, da fúria dos ultraconservadores e dos que querem sobrepor-se à legalidade.
Serviços públicos à deriva
O dinheiro que desaparece no ralo da delinquência é uma tremenda injustiça, uma bofetada na cidadania, um câncer que, aos poucos e insidiosamente, vai minando a República
Dengue bate recorde em São Paulo: 400.000 casos. Equipe da TV Tribuna assaltada ao vivo, no Guarujá. Obras paralizadas, ou em ritmo de Quarto Mundo, infernizam o cotidiano de quem vive na maior cidade do País. São informações selecionadas num rol infindável de más notícias patrocinadas pelos governos. Os serviços públicos estão à deriva. Não são suposições. São constações.
Autoridades de saúde não conhecem, ou fingem desconhecer, as causas do avanço da dengue. Não tratam o assunto como problema de saúde pública. Terceirizam responsabilidades. A culpa é nossa. O foco está no descuido dos moradores. Fantástico! E os terrenos públicos abandonados? E o lixo acumulado nas ruas das cidades? E o fumacê, alguém viu? O eficiente procedimento de combate ao mosquito da dengue desapareceu. Razões? Falta dinheiro? Falta planejamento? Sei lá. Trata-se, agora, de esperar a chegada do frio. Com menos chuvas e temperaturas mais baixas, as condições de proliferação do mosquito devem minguar. O inverno, e não as ações do governo, pode minimizar a epidemia.
E a segurança pública? Basta uma notícia, amigo leitor. Uma equipe de reportagem da TV Tribuna, afialada da Rede Globo na Baixada Santista, foi assaltada enquanto fazia uma entrevista ao vivo sobre dengue, na frente da prefeitura do Guarujá, no litoral paulista. A repórter entrevistava do diretor de Vigilância em Saúde da cidade, quando a equipe e o entrevistado foram abordados por um ladrão armado. Toda a cena foi transmitida ao vivo no jornal local do meio-dia. Enquanto sociólogos e comunicadores esgrimam argumentos a favor e contra a diminuição da maioridade penal, a bandidagem faz a festa.
O Brasil, um país continental, sem conflitos externos, com um povo bom e trabalhador, está na banguela. O custo humano e social da incompetência e da corrupção brasileira é assustador. O dinheiro que desaparece no ralo da delinquência é uma tremenda injustiça, uma bofetada na cidadania, um câncer que, aos poucos e insidiosamente, vai minando a República. As instituições perdem credibilidade numa velocidade assustadora. Os protestos que tomam conta das cidades precisam ser interpretados à luz da corrupção epidêmica, da impunidade cínica e da incompetência absoluta da gestão pública. Há uma clara percepção de que o Estado está na contramão da sociedade
Nós jornalistas somos (ou deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnudar os políticos. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação.
Imagem, cada um faz à sua semelhança
"Resguardar" foi a palavra da mídia na semana. Enclausurada no Planalto, cada vez mais afastada de qualquer maior contato com a população - a não ser em eventos bem protegidos e de pouca gente devidamente inofensiva, Dilma precisa ter sua imagem resguardada, segundo o governo. E a mídia insiste na farsa do "resguardo" da imagem presidencial?
Cara pálida, nossa matrioska de cristal foi feita por um artesão imemorial para um soberano de lenda? Estamos em um país ou num paraíso de lendas da carochinha?
Vai-se resguardar que imagem se a própria proprietária jogou fora, deixando que passasse de guerreira, a poste, a gerente, a faxineira e hoje sequer sabe que imagem vestir?
O endeusamento, hipócrita, de quem investe um cargo, no Brasil, é das atitudes mais absurdas no século XXI, mais próprio dos tempos coloniais. O endeusamento que permite usar e abusar do avião presidencial só para comparecer ao casamento de Roberto Kalill Filho, o cardiologista dos poderosos, como se fosse um direito de se apropriar do avião como condução particular para eventos de somenos importância para o país. Um escracho como as maldades que apronta para que o povo pague. Mal e porcamente, é um passeio de carruagem de Maria Antonieta para um baile em Versalhes com a pompa que merece o cargo reinante e a adulação dos menos qualificados.
Quem ocupe a Presidência deve se preocupar em resguardar a própria imagem em atitudes constitucionais em proveito da população, com atitudes dignas a quem foi escolhido (a) pelo voto. Se não tem esse próprio merecimento não há mais o que resguardar.
Será que alguma vez resguardou a imagem do Brasil quando ocupou ministério, Casa Civil e Presidência, no caso Petrobras, que hoje marca o país? Resguardou a imagem do país quando se é quase o lanterninha em tudo que é pesquisa? Resguardou a imagem do Brasil quando se enxovalha a educação, se implode a saúde, se desmorona o emprego e o slário?
Dilma, cada vez mais, se recolhe à proteção dos muros palaciais, mas que bem podem lhe servir de prisão. Presa, não é presidente, mas refém de uma situação governamental ainda indefinida que criou com suas próprias atitudes e comandos. Não há imagem a se resguardar, mas Dilma deveria cuidar de resguardar, enfim, de qualquer jeito, a imagem dos brasileiros que com seus cúmplices jogou na sarjeta. Infelizmente não tem a capacidade humilde de se renovar para governar como o país merece e pede.
Cara pálida, nossa matrioska de cristal foi feita por um artesão imemorial para um soberano de lenda? Estamos em um país ou num paraíso de lendas da carochinha?
Vai-se resguardar que imagem se a própria proprietária jogou fora, deixando que passasse de guerreira, a poste, a gerente, a faxineira e hoje sequer sabe que imagem vestir?
O endeusamento, hipócrita, de quem investe um cargo, no Brasil, é das atitudes mais absurdas no século XXI, mais próprio dos tempos coloniais. O endeusamento que permite usar e abusar do avião presidencial só para comparecer ao casamento de Roberto Kalill Filho, o cardiologista dos poderosos, como se fosse um direito de se apropriar do avião como condução particular para eventos de somenos importância para o país. Um escracho como as maldades que apronta para que o povo pague. Mal e porcamente, é um passeio de carruagem de Maria Antonieta para um baile em Versalhes com a pompa que merece o cargo reinante e a adulação dos menos qualificados.
Quem ocupe a Presidência deve se preocupar em resguardar a própria imagem em atitudes constitucionais em proveito da população, com atitudes dignas a quem foi escolhido (a) pelo voto. Se não tem esse próprio merecimento não há mais o que resguardar.
Será que alguma vez resguardou a imagem do Brasil quando ocupou ministério, Casa Civil e Presidência, no caso Petrobras, que hoje marca o país? Resguardou a imagem do país quando se é quase o lanterninha em tudo que é pesquisa? Resguardou a imagem do Brasil quando se enxovalha a educação, se implode a saúde, se desmorona o emprego e o slário?
Dilma, cada vez mais, se recolhe à proteção dos muros palaciais, mas que bem podem lhe servir de prisão. Presa, não é presidente, mas refém de uma situação governamental ainda indefinida que criou com suas próprias atitudes e comandos. Não há imagem a se resguardar, mas Dilma deveria cuidar de resguardar, enfim, de qualquer jeito, a imagem dos brasileiros que com seus cúmplices jogou na sarjeta. Infelizmente não tem a capacidade humilde de se renovar para governar como o país merece e pede.
País, em crise, não se envergonha de presidente bancar estrela de "Caras" |
Surdez da falta de ética
Na nossa pedestre vida política, a surdez do PT é a tentativa de se manter em cena, sem assumir os desvios éticos nem responder por sua gestão calamitosa. O PT é apenas uma pedra no caminho. Os contornos desse caminho é que precisam ser discutidos. Não importa se essa é a maior e mais complexa das crises. É a que nós temos. E dela, espero, haveremos de sair.Fernando Gabeira
Impeachment fático
A esta altura do campeonato não há muito mais a acrescentar: temos um governo infeliz que, em tudo o que faz, vem gerando, ao contrário do que promete, mais infelicidade. Os pífios resultados econômicos somados à inflação e à recessão, a precariedade dos serviços públicos e de infraestrutura, a insegurança social e as denúncias de corrupção desenfreada agridem o cotidiano dos cidadãos, causando apreensões e temores crescentes.
No plano político, trata-se de um governo que, numa atitude esquizofrênica, abandona a si mesmo, isto é, abandona o que havia sido no primeiro mandato e o que se propunha a ser na campanha eleitoral vitoriosa, e ao mesmo tempo resiste a desvelar as razões reais desse movimento. Não dá o que dava nem o que prometeu porque tem de dar conta da sangria que provocou nos gastos públicos, sem ter lastro para isso. Essa é a razão do chamado “estelionato eleitoral”.
O programa econômico do primeiro governo Dilma, que tinha como vetor o desenvolvimentismo à base de um capitalismo de Estado, é agora deixado de lado ao se adotar no segundo mandato uma estratégia inversa, pautada pela recuperação e pelo controle das contas públicas, o que implica cortes na área social, e pela diminuição da intervenção do Estado na atividade econômica. Tudo isso afeta negativamente a vida dos trabalhadores e das empresas. Seus efeitos colaterais são conhecidos e já são sentidos pela maioria: inflação, recessão e desemprego. Na prática, como é sobejamente reconhecido, o governo mudou radicalmente, mas se recusa a admitir a essência dessa mudança ao adotar um discurso inverossímil e cheio de subterfúgios para justificá-la. Pior do que isso, não se revela capaz de construir um discurso convincente para validar o que diz querer realizar no segundo mandato. O problema não é, portanto, de comunicação ou marketing, e sim de política.
Por se recusar a deixar para trás o governo que realizou e assumir a mudança com clareza e determinação, Dilma foi rapidamente perdendo prestígio e credibilidade, não apenas na chamada classe política, mas perante o eleitorado em seu conjunto, o de oposição e aquele que a consagrou nas urnas. Além do acentuado declínio nas pesquisas de opinião, o resultado pode ser contabilizado negativamente em duas situações que primam pela evidência. No 1.º de Maio deste ano a presidente não participou pessoalmente de nenhum ato comemorativo do Dia do Trabalho nem sequer pôde ir à televisão falar com os brasileiros, especialmente os trabalhadores, e fazer um balanço das iniciativas governamentais em seu benefício. Temeu os apupos e as vaias, mas também os já recorrentes “panelaços”. Teve de se contentar com as redes sociais. Tal escolha foi criticada por líderes do seu próprio partido e desqualificada como “ridícula” pela presidência de um dos Poderes da República.
Mas antes disso, por não assumir a mudança empreendida em seu segundo governo, suas causas e implicações, a presidente assumiu como estratégia pessoal um afastamento quase que integral do centro da cena política, no que ela tem de mais sensível: a economia e a política. A imagem que fica é a de que a política econômica não a representa, delegada que foi a um prócer das finanças nacionais declaradamente crítico da condução da economia no primeiro mandato.
No plano político, depois de intenso bate-cabeças, a coordenação do governo deslocou-se, como última tábua de salvação, para o vice-presidente da República, homem de outro partido, que nem sequer participava do núcleo dirigente no mandato anterior, ocupante do mesmo posto institucional de agora. Dilma é, assim, uma presidente que não tem nem a política econômica nem a articulação política sob seu inteiro controle.
Até cumprir os cem dias do segundo mandato, Dilma foi uma presidente ziguezagueante que ora atuava de acordo com a base de apoio sobrevivente, ora se afastava dela, sem conquistar com isso novos aliados, nem mesmo ocasionais. Uma situação insustentável, que não poderia continuar em nenhuma hipótese, daí a transferência da articulação política para a Vice-Presidência.
Nas ruas, uma população cada vez mais bem informada rompeu a barreira da inércia e passou a manifestar sua indignação com foco bastante definido: a consigna “Fora Dilma” pedia, enfim, o impeachment da presidente. Manifestações massivas irromperam pelo País e coincidiram com a crescente fragilização política do governo. Como em política não há espaço vazio e o governo que acabava de se instalar mostrava não poucos sinais de desorientação, deu-se uma incisiva retomada da iniciativa parlamentar, deslocando a iniciativa política para o Congresso Nacional. Por conta desse movimento, houve quem falasse no estabelecimento de um “parlamentarismo branco”.
Mas não foi precisamente isso o que veio a ocorrer. Ao arrefecer a campanha de massas pelo impeachment, fica-se com a impressão de que o País passa por uma espécie de impeachment fático, inaugurando uma situação insólita em que a presidente, voluntariamente, mas a contragosto, “se retira” (uma espécie de aceitação a meias do seu impedimento), ainda que normativamente continue a exercer seu mandato. Ao mesmo tempo, porém, admite (porque não é mais capaz de dirigir) que o fiel do governo seja o Congresso, sob a articulação do vice-presidente. A presidente Dilma, de fato, afastou-se do comando do País!
Nessa configuração esdrúxula, de incompletude e suspensão, instala-se a incerteza e um jogo em que o controle do tempo é determinante para todos os atores, já que não se forma de imediato uma nova coalizão governante. Tal arranjo garante, contudo, condições de sobrevida ao governo Dilma, na expectativa de que possa desempenhar algum papel na sua sucessão, se conseguir retomar o controle do centro da cena política.
No plano político, trata-se de um governo que, numa atitude esquizofrênica, abandona a si mesmo, isto é, abandona o que havia sido no primeiro mandato e o que se propunha a ser na campanha eleitoral vitoriosa, e ao mesmo tempo resiste a desvelar as razões reais desse movimento. Não dá o que dava nem o que prometeu porque tem de dar conta da sangria que provocou nos gastos públicos, sem ter lastro para isso. Essa é a razão do chamado “estelionato eleitoral”.
O programa econômico do primeiro governo Dilma, que tinha como vetor o desenvolvimentismo à base de um capitalismo de Estado, é agora deixado de lado ao se adotar no segundo mandato uma estratégia inversa, pautada pela recuperação e pelo controle das contas públicas, o que implica cortes na área social, e pela diminuição da intervenção do Estado na atividade econômica. Tudo isso afeta negativamente a vida dos trabalhadores e das empresas. Seus efeitos colaterais são conhecidos e já são sentidos pela maioria: inflação, recessão e desemprego. Na prática, como é sobejamente reconhecido, o governo mudou radicalmente, mas se recusa a admitir a essência dessa mudança ao adotar um discurso inverossímil e cheio de subterfúgios para justificá-la. Pior do que isso, não se revela capaz de construir um discurso convincente para validar o que diz querer realizar no segundo mandato. O problema não é, portanto, de comunicação ou marketing, e sim de política.
Por se recusar a deixar para trás o governo que realizou e assumir a mudança com clareza e determinação, Dilma foi rapidamente perdendo prestígio e credibilidade, não apenas na chamada classe política, mas perante o eleitorado em seu conjunto, o de oposição e aquele que a consagrou nas urnas. Além do acentuado declínio nas pesquisas de opinião, o resultado pode ser contabilizado negativamente em duas situações que primam pela evidência. No 1.º de Maio deste ano a presidente não participou pessoalmente de nenhum ato comemorativo do Dia do Trabalho nem sequer pôde ir à televisão falar com os brasileiros, especialmente os trabalhadores, e fazer um balanço das iniciativas governamentais em seu benefício. Temeu os apupos e as vaias, mas também os já recorrentes “panelaços”. Teve de se contentar com as redes sociais. Tal escolha foi criticada por líderes do seu próprio partido e desqualificada como “ridícula” pela presidência de um dos Poderes da República.
Mas antes disso, por não assumir a mudança empreendida em seu segundo governo, suas causas e implicações, a presidente assumiu como estratégia pessoal um afastamento quase que integral do centro da cena política, no que ela tem de mais sensível: a economia e a política. A imagem que fica é a de que a política econômica não a representa, delegada que foi a um prócer das finanças nacionais declaradamente crítico da condução da economia no primeiro mandato.
No plano político, depois de intenso bate-cabeças, a coordenação do governo deslocou-se, como última tábua de salvação, para o vice-presidente da República, homem de outro partido, que nem sequer participava do núcleo dirigente no mandato anterior, ocupante do mesmo posto institucional de agora. Dilma é, assim, uma presidente que não tem nem a política econômica nem a articulação política sob seu inteiro controle.
Até cumprir os cem dias do segundo mandato, Dilma foi uma presidente ziguezagueante que ora atuava de acordo com a base de apoio sobrevivente, ora se afastava dela, sem conquistar com isso novos aliados, nem mesmo ocasionais. Uma situação insustentável, que não poderia continuar em nenhuma hipótese, daí a transferência da articulação política para a Vice-Presidência.
Nas ruas, uma população cada vez mais bem informada rompeu a barreira da inércia e passou a manifestar sua indignação com foco bastante definido: a consigna “Fora Dilma” pedia, enfim, o impeachment da presidente. Manifestações massivas irromperam pelo País e coincidiram com a crescente fragilização política do governo. Como em política não há espaço vazio e o governo que acabava de se instalar mostrava não poucos sinais de desorientação, deu-se uma incisiva retomada da iniciativa parlamentar, deslocando a iniciativa política para o Congresso Nacional. Por conta desse movimento, houve quem falasse no estabelecimento de um “parlamentarismo branco”.
Mas não foi precisamente isso o que veio a ocorrer. Ao arrefecer a campanha de massas pelo impeachment, fica-se com a impressão de que o País passa por uma espécie de impeachment fático, inaugurando uma situação insólita em que a presidente, voluntariamente, mas a contragosto, “se retira” (uma espécie de aceitação a meias do seu impedimento), ainda que normativamente continue a exercer seu mandato. Ao mesmo tempo, porém, admite (porque não é mais capaz de dirigir) que o fiel do governo seja o Congresso, sob a articulação do vice-presidente. A presidente Dilma, de fato, afastou-se do comando do País!
Nessa configuração esdrúxula, de incompletude e suspensão, instala-se a incerteza e um jogo em que o controle do tempo é determinante para todos os atores, já que não se forma de imediato uma nova coalizão governante. Tal arranjo garante, contudo, condições de sobrevida ao governo Dilma, na expectativa de que possa desempenhar algum papel na sua sucessão, se conseguir retomar o controle do centro da cena política.
A revolução através das togas
Só não vê quem não quer: um STF onde não existam liberais nem conservadores, onde todos, num grau ou noutro, sejam "progressistas" ou marxistas, selecionados a dedo pelo mesmo partido, é uma revolução através das togas. Dispensa luta armada ou desarmada, dispensa Gramsci, movimentos sociais, patrulhamento. Bastam onze homens e seus votos. E tudo fica parecendo Estado de direito.
A bússola das decisões normativas sobre a vida nacional, sobre os grandes temas, está saindo do Congresso, onde opera a representação proporcional da opinião pública. Aquela história dos três poderes, este faz a lei, aquele executa e aquele outro julga - lembra-se disso? - vai para as brumas do passado. Há mais de três décadas estão sendo transferidas para o Judiciário deliberações que vão do acessório ao essencial, do mais trivial ao mais relevante. Já escrevi muito sobre tal anomalia e percebo que a migração prossegue, através dos anos, com determinação e constância.
A judicialização da política, braços dados com o ativismo judicial, causa imensas preocupações cívicas. Opera uma revolução silenciosa. Não usa barracas de campanha, não cava trincheiras e não precisa de arsenais. Ataca a partir de luxuosos gabinetes. Reúne-se em associações e congressos de magistrados militantes. Seu material bélico está contido em meia dúzia de princípios constitucionais que disparam para onde a ideologia aponta.
O QG dessa conspiração sofreu uma derrota, terça-feira, com a aprovação da PEC que postergou para os 75 anos a aposentadoria compulsória dos magistrados. Mas isso não resolve o problema diante do mal que atacou o caráter republicano da nossa democracia - o instituto da reeleição - cortando o movimento pendular do poder. Se o Congresso, e especialmente o Senado, não reagir, se for aprovada a inacreditável indicação do Dr. Fachin (que até o Lula teria achado "basista" demais), se aprofundará o abismo entre o pluralismo como inequívoco princípio constitucional e a composição do STF.
É algo de que, aparentemente, ninguém se deu conta. Pluralismo é pluralismo. Dispensa interpretação. É um severo princípio impresso no preâmbulo da Constituição. Como pode ele ser desconsiderado quando se trata de indicar membros para a mais alta corte do Poder Judiciário (isso para não falar nos demais tribunais superiores)? É admissível que os membros desse elevado poder expressem o ideário e os interesses de uma mesma corrente política? O que a presidência da República vem fazendo e o Senado aprovando é uma revolução branca, via totalitarismo judiciário. Toleraremos, aqui, o que já aconteceu na Venezuela?
A bússola das decisões normativas sobre a vida nacional, sobre os grandes temas, está saindo do Congresso, onde opera a representação proporcional da opinião pública. Aquela história dos três poderes, este faz a lei, aquele executa e aquele outro julga - lembra-se disso? - vai para as brumas do passado. Há mais de três décadas estão sendo transferidas para o Judiciário deliberações que vão do acessório ao essencial, do mais trivial ao mais relevante. Já escrevi muito sobre tal anomalia e percebo que a migração prossegue, através dos anos, com determinação e constância.
O QG dessa conspiração sofreu uma derrota, terça-feira, com a aprovação da PEC que postergou para os 75 anos a aposentadoria compulsória dos magistrados. Mas isso não resolve o problema diante do mal que atacou o caráter republicano da nossa democracia - o instituto da reeleição - cortando o movimento pendular do poder. Se o Congresso, e especialmente o Senado, não reagir, se for aprovada a inacreditável indicação do Dr. Fachin (que até o Lula teria achado "basista" demais), se aprofundará o abismo entre o pluralismo como inequívoco princípio constitucional e a composição do STF.
É algo de que, aparentemente, ninguém se deu conta. Pluralismo é pluralismo. Dispensa interpretação. É um severo princípio impresso no preâmbulo da Constituição. Como pode ele ser desconsiderado quando se trata de indicar membros para a mais alta corte do Poder Judiciário (isso para não falar nos demais tribunais superiores)? É admissível que os membros desse elevado poder expressem o ideário e os interesses de uma mesma corrente política? O que a presidência da República vem fazendo e o Senado aprovando é uma revolução branca, via totalitarismo judiciário. Toleraremos, aqui, o que já aconteceu na Venezuela?
Assinar:
Postagens (Atom)