quarta-feira, 14 de outubro de 2020

O peso da imprudência

Num de seus ensaios sobre a França no século XX — O peso da responsabilidade (Objetiva) —, o historiador britânico Tony Judt, falecido em 2010, aos 62 anos, analisa a vida pública francesa entre a Primeira Guerra Mundial e os anos 1970. Como se sabe, o primeiro grande Estado-nação da Europa influenciou toda a história moderna do Ocidente, em razão da Revolução Francesa e da Comuna de Paris. Por essa razão, Judt não esconde seu espanto com “a incompetência, a ‘insoucience’ indiferença e a negligência injuriosa dos homens que governavam o país e representavam seus cidadãos” nesse período, e dedica o livro a Léo Brum, Albert Camus e Raymond Aron, intelectuais franceses que nadaram contra a maré e confrontaram seus pares.

Segundo Judt, o problema da França era mais cultural do que político. Os deputados e senadores de todos os partidos, presidentes, primeiros-ministros, generais, funcionários públicos, prefeitos e dirigentes de partidos “exibiam uma assombrosa falta de entendimento de sua época e do seu lugar”. Para um país que no começo do século teve grandes líderes políticos, como o socialista Jean Jaurès, que tentou evitar a I Guerra Mundial e morreu assassinado num comício pela paz, e George Clemenceau, primeiro-ministro durante a guerra e um dos artífices do Tratado de Versalhes, chama atenção a petrificação das suas instituições políticas no período. Traumatizada pelo sangrento desastre que foi o conflito mundial, a França foi polarizada pela radicalização ideológica que antagonizava comunistas e socialistas, de um lado, liberais e fascistas, de outro, em toda a Europa, e imobilizava o país.

Dividida entre um anseio pela prosperidade, equivocadamente inspirada no passado, e pela estabilidade dos anos anteriores à guerra, de um lado, e as promessas de reforma e renovação a serem pagas com recursos financeiros da punição à Alemanha, de outro, a elite francesa não tinha a menor chance de acertar. Qualquer tentativa de mudança em favor de melhores condições de vida para os franceses era barrada por uma política polarizada entre esquerda e direita, toda reforma institucional ou econômica era tratada como um jogo de soma zero. O desfecho foi a ocupação alemã, período ainda mais traumático, do qual a França foi salva pela vitória dos aliados, sem embargo da heroica resistência dos maquis.

A crítica de Judt é duríssima: “Que a França tenha sido salva de seus líderes políticos, de um modo como não podia ser salvar década antes, se deu graças a grandes mudanças no pós-guerra nas relações internacionais. Membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), beneficiária do Plano Marshall e cada vez mais integrada à nascente comunidade europeia, a França não dependia de seus próprios recursos e decisões para ter segurança e prosperidade, e a incompetência e os erros de seus governantes lhe custaram muito menos do que ocorrera em anos anteriores”.



A tradução literal de “insoucience” é imprudência. Essa é a palavra-chave do paralelo entre esse período da história francesa e a política brasileira atual. Talvez a maior imprudência visível seja a atual política ambiental, que está fadada ao desastre absoluto, porque assentada em base políticas e ideológicas com 50 anos de atraso, ou seja, que remontam à estratégia de ocupação e exploração econômica da Amazônia do regime militar. Suas consequências de curto prazo — perda de investimentos, dificuldades de comercialização de produtos e isolamento internacional —, apontam para um desastre muito maior, porque o mundo passa por uma mudança de padrão energético que está nos deixando muito para trás, como aconteceu na Segunda Revolução Industrial, à qual só viemos a nos incorporar na década de 1950.

A questão ambiental é apenas a ponta do iceberg: falta-nos um projeto capaz de construir consensos políticos majoritários e resgatar nossa coesão social, para uma grande reforma democrática do Estado e a redução das desigualdades, no espaço de uma ou duas gerações. Ninguém tem uma fórmula pronta e acabada para isso. A única certeza é que os velhos paradigmas, que alimentam a polarização ideológica atual, não são capazes de dar as respostas adequadas aos problemas brasileiros. O pior é que o velho nacional desenvolvimentismo e os populismos de direita e de esquerda rondam as instituições políticas, sem que nenhuma dessas vertentes tenha a menor capacidade de dar respostas adequadas às contradições atuais.

A Revolução Francesa inspirou nossas instituições políticas, assim como a Revolução Americana, matriz das nossas ideias federativas. Tanto a França como os Estados Unidos, porém, vivem novos dilemas, com a revolução tecnológica e a globalização, em que perdem protagonismo econômico e político, a primeira para Alemanha, os segundos para a China. Esses quatro países protagonizam as linhas de força do desenvolvimento mundial, no qual precisamos nos inserir de maneira mais proativa. Nenhum deles, porém, nos serve de modelo de desenvolvimento.

Os Estados Unidos não nos darão de bandeja um Plano Marshall, o Mercosul está cada vez mais na contramão da União Europeia e não nos interessa a militarização do Atlântico Sul. Precisamos traçar o nosso próprio rumo. Nossos gargalos econômicos e sociais têm raízes ibéricas (patrimonialismo, compadrio, clientelismo) e escravocratas (a exclusão social e o racismo estrutural). O xis da questão é produzir uma nova síntese sobre a realidade brasileira e, politicamente, desatar os nós institucionais que impedem o nosso desenvolvimento sustentável. Nossa elite política não tem se demonstrado capaz de cumprir essa tarefa.

Na tendinha Brasil sempre tem

 


A teoria do esgoto de Bolsonaro e Russomano

Celso Russomano (Republicanos) é o candidato de Jair Bolsonaro e da Igreja Universal à prefeitura de São Paulo. Disse a empresários da Associação Comercial desta cidade que os moradores de rua podem ser “mais resistentes do que a gente” ao coronavírus. Como não pegaram Covid em massa, diz o candidato, talvez tenham a imunidade das ruas, onde “convivem o tempo todo” e não têm como tomar banho todos os dias.

Para dizer a coisa de modo sarcástico, é uma teoria higienista ao contrário. Existe “a gente” e existem “eles”, os sem-banho, talvez imunizados pela aglomeração em uma espécie de espurcícia salubre. É uma variante da teoria do esgoto, de Bolsonaro.

Em 26 de março, quando ainda estavam para morrer 150 mil pessoas de Covid, o presidente desta República esgotada dizia o seguinte: “... o brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele. Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajuda a não proliferar isso daí”.



Bolsonaro e Russomano devem se banhar em alguma fonte de sabedoria estranha para “a gente” que esperava alguma revolta ou pelo menos comiseração por causa do morticínio. A indiferença, quando não troça, não causa danos relevantes ao prestígio “deles”. Não há organização ou interesse políticos suficientes para cobrar consequências dessas barbaridades.

Os poucos sinais de ira manifesta e coletiva contra o governo se esvaneceram desde julho. Não houve tumulto social algum, menos ainda saques, o que é fácil de entender. Os auxílios emergenciais mais do que cobriram a perda de renda dos mais pobres, na média, embora pesquisas registrem o aumento do número de pessoas que padecem de fome e o emprego para o povo miúdo não venha reaparecendo.

Mesmo as tretas, sururus e indignações entre as elites se dissipam rapidamente, embora alguns de seus motivos continuem a queimar ou ferver nos subterrâneos. Assim que chegaram algumas chuvas, foram passando os protestos mais ruidosos contra as queimadas e outras destruições da natureza. Parece que faz tempo, mas foi no final de setembro que o governo e seu centrão anunciou com estrondo e cara de pau que financiaria um Bolsa Família encorpado com uma pedalada, com o calote dos precatórios.

Como não há oposição política organizada ou partidos políticos com alguma articulação social mais relevante e extensa, tais reações em parte se dissolvem na espuma das mídias sociais, onde a cada minuto há nova maré alta de sujeira e bobagem.

É ilusão de que tudo passa, porém. Parte da finança e da grande empresa se organizou para evitar danos maiores da política do mau ambiente de Bolsonaro, por exemplo. Por falar em finança, as taxas de juros estão quase no mesmo nível para onde pularam no anúncio da pedalada dos precatórios. A degradação financeira e a desconfiança no país estão borbulhando e podem ferver.

Decisões sobre assuntos centrais e urgentes da política econômica foram adiados “sine die”: se haverá burla do teto, se o talho de mais de meio trilhão no gasto federal pode provocar recaída econômica, se haverá “reformas”, se haverá auxílios para os famintos de 2021, sem emprego, se o Brasil será rebaixado à última categoria dos párias ambientais e diplomáticos etc.

O país está anestesiado, imune à indignação geral, talvez por ter se acostumado à aglomeração de sujeira juntada por governantes e candidatos bárbaros.

Alguns não acham...


Matar para ser eleito é pior do que roubar
Alexandre Kalil, candidato à reeleição, sobre reabrir serviços em Belo Horizonte

O 'Efeito Bolsonaro' aumentou o número de casos da Covid-19

Bolsonaro jamais ameaçou beijar os seus devotos, como fez o presidente Donald Trump em comício, ontem à noite, na Flórida. “Eu me sinto tão poderoso”, disse Trump, sem máscara, depois de ter sido infectado pelo coronavírus. “Vou beijar todo mundo. Vou beijar os caras e as mulheres lindas. Dar um grande beijo”.

Mas, também sem máscara, Bolsonaro abraçou, carregou crianças, posou para fotos e provocou aglomerações, antes e também depois de ter sido infectado. E seu exemplo, e também a maneira como tratou o coronavírus que não passaria de uma gripezinha, ajudou a aumentar a pandemia no Brasil.



Foi o que concluiu um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro em parceria com o Instituto de Radioproteção e Dosimetria. O levantamento cruzou os dados de expansão da doença com o resultado da votação em primeiro turno nas eleições presidenciais de 2018 nos 5.570 municípios do país.

Conclusão: há uma correlação entre a preferência por Bolsonaro e a expansão da Covid-19. Para cada 10 pontos percentuais a mais de votos para Bolsonaro há um acréscimo de 11% no número de casos de vírus e de 12% no número de mortos, segundo a Folha de S. Paulo. O texto da pesquisa destaca:

"O estudo mostrou que a Covid-19 causa mais estragos nos municípios mais favoráveis ao presidente Bolsonaro. Podemos pensar que o discurso ambíguo do presidente [e a sua postura] induz seus partidários a adotarem com mais frequência comportamentos de risco e a sofrer as consequências."

Outro estudo da Universidade Federal do ABC, Fundação Getúlio Vargas e Universidade de São Paulo chegou à mesma conclusão. Nas ocasiões em que Bolsonaro minimizou a pandemia, o isolamento social diminuiu e mais pessoas se contaminaram e morreram nos locais em que ele foi mais votado.

O compadrismo e os outros erros

O Brasil está em emergência ambiental. Não são focos em alguns biomas, é o país em chamas. A seca é uma das causas, mas o principal fator são os erros do ministro do Meio Ambiente. Ricardo Salles é um desmatador de aluguel. O mandante é o presidente da República. O vice-presidente, Hamilton Mourão, não nos deixa esquecer o lado perverso dos militares que voltaram ao poder com Jair Bolsonaro e repete a defesa do mais notório torturador brasileiro. O episódio da indicação de Kassio Nunes exibiu novos flagrantes da inaceitável promiscuidade do poder em Brasília.

Quem se afasta um pouco dos acontecimentos consegue ver com mais acuidade o quanto a democracia brasileira está disfuncional. Os que têm posição de poder no Brasil afrontam os princípios que deveriam seguir pela posição que ocupam.


Ministro do Meio Ambiente tem que respeitar o motivo pelo qual o Ministério foi criado. Não foi para desproteger manguezais e restingas, não foi para ameaçar a biodiversidade. E é o que Salles faz de forma acintosa. E ainda ofende quem se mobiliza para corrigir os estragos que ele espalha pela natureza, como o produto químico que mandou jogar na Chapada dos Veadeiros. Salles segue uma agenda. A da destruição ambiental. Ele deliberadamente retirou a representatividade do Conama. Agora o conselho, passivo, referenda seus desatinos.

Salles não é um problema isolado, uma peça que, se sair, ficará tudo resolvido. Deve ser demitido porque é pessoalmente deletério, mas é bom sempre ter em mente que esse é o projeto. Ele é defendido pelos generais que estão no governo, pelo presidente que o nomeou e é acobertado pelo silêncio dos outros ministros.

A entrevista concedida pelo vice-presidente Hamilton Mourão a Tim Sebastian da Deutsche Welle não surpreende quem acompanhou suas declarações durante a campanha. Numa entrevista conduzida por mim na Globonews, em 2018, lembrei ao então candidato que Carlos Alberto Brilhante Ustra era comandante do Doi-Codi quando mais de 40 pessoas morreram sob tortura. Quis saber se mesmo assim ele o considerava herói. E ele respondeu: “Heróis matam”. O papel do jornalista em entrevistas como essa é o de permitir que se revele o caráter do candidato. Isso ficou claro naquela entrevista. Agora ele confirma. O presidente e o vice-presidente do Brasil definem como herói quem, acusado por várias vítimas, foi condenado pelo comportamento repugnante de submeter adversários políticos a sofrimento extremo, levando alguns à morte, quando eles estavam presos e sob a custódia do Estado. Mourão disse ao jornalista alemão que quando todas as pessoas envolvidas “desaparecerem” poderá ser feita a análise desse caso. E ainda afirmou que Ustra respeitava os direitos humanos “dos seus subordinados”.

Bolsonaro sempre fez apologia da tortura e dos atos mais violentos da ditadura, mas ele ficou apenas 11 anos no Exército, saiu como oficial de baixa patente e pela porta dos fundos. Mourão cumpriu toda a carreira no Exército e saiu com quatro estrelas. Ainda assim — e mesmo agora — defende um notório torturador e acha que isso só poderá ser analisado quando “desaparecerem” todos os que querem “colocar as coisas como eles viram”. Os torturados não apenas viram, sentiram as dores da tortura em prédios das Forças Armadas. Muitos nada podem contar porque foram mortos. Se o Exército não é capaz de reavaliar esses atos hediondos, quase 50 anos depois de cometidos, infelizmente, os está legitimando.

Há agora erros novos acontecendo diante de nós. A escolha de Kassio Nunes não foi apenas pelo currículo — que aliás já mostrou inconsistências — mas porque tomou tubaína com o presidente, segundo exposição de motivos apresentada pelo próprio Bolsonaro. O encontro na casa de Dias Toffoli mostrou diversos inconvenientes. Aquele abraço entre ele e Bolsonaro mostra que Toffoli não entendeu até hoje o principal sobre o cargo que ocupa. Bolsonaro é investigado pelo Supremo, Toffoli tomou decisão que beneficiou o filho do presidente, o mesmo filho que sugeriu o nome do desembargador. O Senado vai avaliar a indicação, por isso o presidente do Senado não poderia estar ali. O encontro mostrou que todos os envolvidos não sabem a diferença entre o bom relacionamento institucional e o compadrismo.

Ditadura teve até ‘comissão’ para incinerar livros, filmes, revistas e discos

A cerimônia era formal, no depósito de lixo do Departamento de Limpeza Pública da prefeitura de Porto Alegre, durante a ditadura. Em 13 de outubro de 1975, autoridades se reuniam para cumprir mais uma atividade patriótica. No caso, a incineração de aproximadamente 3 mil revistas.

Outra equipe se reuniu na manhã de 27 de janeiro de 1977 no Aeroporto Internacional de Brasília, com tarefa semelhante. Talvez mais intensa. Afinal, segundo o relatório, foram 3 mil quilos de filmes (436), videotapes, revistas/jornais (1.262), livros (890), fitas magnéticas, discos e “cortes de filmes”. Todo esse material teve como destino o incinerador do aeroporto.
Tripé da proibição

Era também dessa maneira, além da censura direta, que a ditadura lidava com produções culturais e veículos de comunicação. Vários dispositivos e determinações tinham como base o Decreto-lei 1.077, que completou 50 anos em janeiro. Assinado pelo general-presidente Emílio Garrastazu Médici e pelo ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, o decreto avisava que “não serão toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos costumes”.



Segundo o governo ditatorial, a norma “visa a proteger a instituição da família, preserva-lhe os valôres éticos e assegurar a formação sadia e digna da mocidade”. O DL 1.077 evidentemente não foi o único dispositivo legal, mas ajudou a fortalecer a “armadura” montada com o AI-5, em 1968. O termo é da historiadora Beatriz Kushnir, que em 2004 lançou o livro Cães de Guarda (Fapesp/Boitempo), em que esmiúça o funcionamento da censura no Brasil até a Constituição de 1988.

A autora cita um “tripé” de normas da ditadura que de alguma maneira sustentou os trabalhos dos censores. O Decreto 20.493, de 1946 (Regulamento do Serviço de Censura de Diversões Públicas do Departamento Federal de Segurança Pública), a Lei 5.536, de 1968 (censura de obras teatrais e cinematográficas e criação do Conselho Superior de Censura) e o próprio Decreto-lei 1.077.

Além dos supostos atentados à moral, havia publicações que “insinuam” o amor livre, ameaçando a família brasileira, dizia o decreto de 1970. Tão ou ainda mais grave, certos meios de comunicação obedeceriam “a um plano subversivo, que põe em risco a segurança nacional”.

O aviso de que todo esse vasto material imoral e subversivo teria o fogo como destino estava no artigo 5º, item II. Sem contar possível responsabilização criminal e multa, os infratores estavam ainda sujeitos “à perda de todos os exemplares da publicação, que serão incinerados a sua custa”.

É verdade que não havia muito critério no processo de triagem do que iria ou não para as fogueiras morais da ditadura. Na dúvida, ia tudo. A lista de Brasília, por exemplo, tinha até a gravação de um show da cantora Elizeth Cardoso, que apesar do epíteto de “Divina” não escapou das chamas. Junto foram 20 cópias de uma apresentação de Tom Jones, além de Ray Charles, Trini López e um programa com o nome de Sambão. Não se discriminava gênero musical.

Os livros incinerados, por seus títulos, tinham conteúdo sexual. Destacam-se 204 exemplares de O Último Tango em Paris (1973), escrito por Robert Alley depois do filme estrelado por Marlon Brando e Maria Schneider – que havia sido proibido no Brasil. Já na categoria revistas/jornais, foram queimados 450 exemplares d´O Pasquim, publicação alternativa de grande circulação na época, e sete da revista 

Houve até a formação de “comissões de incineração”, para dar conta da tarefa. Em 7 de junho de 1972, por exemplo, comissão designada pelo Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), apresentava relatório para detalhar atividades: Trabalhos da 1ª Comissão de Incineração Ano de 1972. Todo esse material está disponível no Arquivo Nacional.

O relatório apresenta o material arquivado no setor, mas não deixa claro se tudo foi para o fogo. O SCDP tinha 6.566 revistas (sendo 3.960 de uma só edição da Veja, número 15, de 18 de dezembro de 1968, logo depois da edição do AI-5). 6.968 discos (5.549 compactos e 1.419 LPs), 630 filmes. E até 52 agendas Vozes 1969, apreendidas por conter “pensamentos e mensagens” nocivos à segurança nacional.

Esse mesmo colegiado se reuniu solenemente em Brasília, em um terreno baldio “situado em local distante desta cidade”, das 10h às 13h de 1º de março de 1973, para cerimônia de incineração. Além de seus três componentes, estavam presentes três integrantes do Corpo de Bombeiros. O repertório, como sempre, variado, conforme conta no Diário Oficial da União, edição de 10 de julho de 1972: desde Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, de Zé do Caixão, ao desenho animado Scooby-Doo e pelo menos um episódio de O Gordo e o Magro. Até edições do Canal 100, que se celebrizou por imagens de futebol.