quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Pensamento o Dia

 


Agenda sionista de Goldstein: endossando a ordem de Trump sobre a África do Sul

A recente visita do rabino Goldstein a Israel e seus elogios ao decreto executivo de Trump sobre a África do Sul destacam seu alinhamento controverso com as queixas dos africâneres em meio aos debates em andamento sobre a reforma agrária.

Do número de faixas erguidas por um pequeno grupo de africaners reunidos do lado de fora da embaixada dos EUA em Pretória, a que mais me impressionou foi um apelo a Donald Trump para “reconhecer a nação branca como Israel foi reconhecido”.

Instintivamente, procurei nas fotos da multidão para ver se Warren Goldstein, que se descreve como o Rabino-Chefe da África do Sul, estava presente para apoiar e endossar o apelo.

Como não consegui localizá-lo na reunião, descobri posteriormente que Goldstein estava em uma de suas missões sionistas ao regime colonial de colonos.

Uma reportagem do IOL revelou que em uma postagem no X no domingo, Goldstein disse que tinha acabado de retornar de Israel, onde se encontrou com “altos funcionários do governo”.

Como Israel está na tribuna do Tribunal Internacional de Justiça (CIJ) sob acusações de perpetrar genocídio e seus principais líderes têm mandados de prisão emitidos pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra, talvez não seja surpreendente que Goldstein tenha se abstido de nomear os "altos funcionários do governo" com quem ele alega ter se encontrado.


A declaração do TPI explicando sua decisão de emitir mandados de prisão é crucial para entender a gravidade dos crimes de Israel, o contexto da visita de Goldstein a Israel e seus elogios à ordem executiva de Trump contra a África do Sul:

“Com relação aos crimes, a Câmara encontrou motivos razoáveis ​​para acreditar que o Sr. Netanyahu, nascido em 21 de outubro de 1949, Primeiro-Ministro de Israel na época da conduta relevante, e o Sr. Gallant, nascido em 8 de novembro de 1958, Ministro da Defesa de Israel na época da suposta conduta, têm responsabilidade criminal pelos seguintes crimes como coautores por cometerem os atos em conjunto com outros: o crime de guerra de fome como método de guerra; e os crimes contra a humanidade de assassinato, perseguição e outros atos desumanos.

“A Câmara também encontrou motivos razoáveis ​​para acreditar que o Sr. Netanyahu e o Sr. Gallant têm responsabilidade criminal como superiores civis pelo crime de guerra de dirigir intencionalmente um ataque contra a população civil.”

Além disso, a Câmara considerou que há motivos razoáveis ​​para acreditar que ambos os indivíduos intencionalmente e conscientemente privaram a população civil em Gaza de objetos indispensáveis ​​à sua sobrevivência, incluindo alimentos, água, remédios e suprimentos médicos, bem como combustível e eletricidade, de pelo menos 8 de outubro de 2023 a 20 de maio de 2024.

A Câmara também concluiu que a conduta deles levou à interrupção da capacidade das organizações humanitárias de fornecer alimentos e outros bens essenciais à população necessitada em Gaza.

Nesse contexto de graves crimes de guerra, é desconcertante, mas não surpreendente, notar que Goldstein apresentou um esboço “estratégico” para Israel se envolver com a África do Sul, acrescentando que o “equilíbrio de forças” estava a favor de Israel.

Embora não haja menção no relatório sobre se seu “esboço estratégico” incluía as queixas do AfriForum, a coincidência da visita de Goldstein com a controvérsia desencadeada por elas pode exigir mais detalhes.

Afinal, Goldstein elogiou as ações de Trump contra a África do Sul e teria dito que os sul-africanos deveriam acolher as intervenções do governo Trump nos assuntos do país.

Se o AfriForum foi a faísca que levou Trump a assinar uma ordem executiva suspendendo a ajuda financeira à África do Sul e oferecendo asilo aos africâneres devido à Lei de Expropriação, certamente o fato de Goldstein elogiar a ordem de Trump implica apoio?

No entanto, a decisão de Trump de isolar a África do Sul não passou sem contestação. A premissa de que fazendeiros brancos estavam sendo removidos à força de suas terras foi refutada pelo governo sul-africano, bem como por analistas e uma série de organizações.

O IOL relata que o Ministro das Relações Internacionais e Cooperação, Ronaldo Lamola, reafirmou que a política de reforma agrária do governo – que visa reparar a expropriação de terras da maioria negra antes de 1994 sob o governo da minoria branca – e seu caso de genocídio no TIJ são “inegociáveis”.

Estar em desacordo com as políticas do governo da África do Sul é uma escolha disponível gratuitamente a todos os sul-africanos, diferentemente da punição severa enfrentada pelos palestinos que se opõem ao apartheid israelense.

Os apoiadores sul-africanos da idiotice de Trump, refletida em seu comportamento errático, deveriam tirar lições do ucraniano Volodymyr Zelenskyy que, por sua vez, já teria aprendido com Henry Kissinger que "pode ​​ser perigoso ser inimigo da América, mas ser amigo da América é fatal".

Para sobreviver


A vida não é mais que uma sucessão contínua de oportunidades para sobreviver.

Gabriel García Márquez

Contra a fama

Ser famoso não é bonito.
Não nos torna mais criativos.
São dispensáveis os arquivos.
Um manuscrito é só um escrito.

O fim da arte é doar somente.
Não são os louros nem as loas.
Constrange a nós, pobres pessoas,
Estar na boca de toda a gente.

Cumpre viver sem impostura.
Viver até os últimos passos.
Aprender a amar os espaços
E a ouvir o som da voz futura.

Convém deixar brancos à beira
Não do papel, mas do destino,
E nesses vãos deixar inscritos
Capítulos da vida inteira.

Apagar-se no anonimato,
Ocultando nossa passagem
Pela vida, como à paisagem
Oculta a nuvem com recato.

Alguns seguirão, passo a passo,
As pegadas do teu passar,
Porém não deves separar
Teu sucesso de teu fracasso.

Não deves renunciar a um 
mínimo pedaço do teu ser,
Só estar vivo e permanecer
Vivo, e viver até o fim.

Boris Pasternak 

A mais louca corrida do mundo

Quando eu era criança, nos anos de 1980, adorava um desenho animado chamado Corrida Maluca (em Portugal, A Mais Louca Corrida do Mundo). Dez carros, com seus pilotos pitorescos, disputavam a liderança até a linha de chegada. A Máquina do Mal, do vilão Dick Vigarista e seu cão Rabugento, atirava tachinhas à pista ou dava outro jeito de sabotar os concorrentes. Mas os planos dos malvados sempre fracassavam. Algum carro ultrapassava as armadilhas e vencia a corrida. No fim do dia, o Dick Vigarista lamentava a derrota e o Rabugento ria da própria desgraça.

As histórias infantis são maniqueístas porque os seres humanos não nascem dotados de consciência moral. Precisamos aprender o que é certo e o que é errado. Os mocinhos e vilões são personificações do bem e do mal, que exercem uma função civilizatória. Sentimos alívio quando o Vigarista perde no final. Isso é justo. Só depois crescemos para entender que o bem e o mal são forças presentes em todos nós.


Quando entrei na adolescência, vi uma foto, num livro escolar, de uma pilha de cadáveres muito magros, sem roupas nem cabelos, num campo de concentração nazista. Aquilo era a maldade pura. Cresci num mundo em que havia vilões de verdade: os nazistas. Ninguém duvidava disso, pelo menos publicamente. Todas as pessoas — de esquerda, de direita, progressistas, conservadoras — tinham o bem e o mal dentro de si. Os nazistas eram as exceções que confirmavam a regra. Eram a personificação do mal.

Corta para o ano de 2025.

Elon Musk, o homem mais rico do planeta, profere um discurso e faz a saudação Sieg Heil, duas vezes. Depois, desmente o sentido do seu gesto, indubitável para quem acompanha a aproximação de Musk com o partido alemão de extrema-direita AfD (Alternative für Deutschland).

Donald Trump, o homem mais poderoso do planeta, promete enviar a Guantánamo os “piores dos piores” imigrantes indocumentados nos Estados Unidos. Mas entidades internacionais denunciam que estrangeiros sem nenhum antecedente criminal já foram levados ao presídio, famoso pelas violações aos direitos humanos. (Qualquer semelhança com a criação do campo de concentração de Dachau, que serviu de modelo para os outros campos nazistas, não é mera coincidência.)

Os inimigos já foram os judeus. Hoje, são os imigrantes. A ironia é que isso aconteça no país que se tornou uma superpotência depois de enfrentar Hitler, há menos de um século.

Mas a ascensão de um ideário ultranacionalista e supremacista também ganha força na Europa. Na própria Alemanha, a AfD pode tirar bom proveito do terrível atentado cometido por um afegão em Munique, semana passada. Quantos imigrantes pagarão pelo crime de um? Qual será o preço de se alçar ao poder aqueles que não escondem a simpatia pelo legado de Hitler?

Não se pode negar que a situação global é complexa. Há uma crise a ser enfrentada, de cunho social, econômico, ambiental, migratório. Mas, no fim do dia, nada justifica que os Vigaristas possam vencer a mais louca corrida do mundo.

Os clichês que brasileiros ainda escutam na Europa

"Olá, meu nome é Marco. Eu vivo no Rio de Janeiro. Eu não vou à escola. Pela manhã, procuro restos de comida na lata de lixo. Meu sonho é ser jogador de futebol profissional". É inacreditável, mas esse perfil está num livro didático da Alemanha dirigido a crianças do quarto ano do ensino fundamental.

O caso é muito sério, ainda mais pelo fato de esse exemplo estar num livro usado por escolas públicas, que deveriam estar educando as crianças, e não repetindo e corroborando clichês.

O fato foi denunciado por pais brasileiros que moram em Berlim e causou uma justa revolta. Como resultado, a Embaixada do Brasil na Alemanha também reclamou e a editora da obra, a Mildenberger, disse que suspendeu as vendas dos livros e que iria fazer uma "versão atualizada que seria discutida com a comunidade brasileira". A versão online da obra já foi alterada. Agora, Marco adora esportes e continua sonhando em ser jogador de futebol. Ou seja, melhorou, mas continua sendo um clichê.

"Ah, mas todo menino brasileiro ama esportes e sonha em ser jogador de futebol", dirão alguns. Não, não são todos. O que existe é um estereótipo antigo de que o Brasil é o país do "futebol, do samba e da bunda", quando, na verdade, o Brasil é enorme e diverso.

É fato também que, infelizmente, existem no Brasil crianças que não vão à escola e catam comida no lixo. Mas usar esse exemplo para retratar as crianças do país é um estereótipo preconceituoso, dirigido a países em desenvolvimento como o Brasil.

Por exemplo, você acha que um menino nascido nos Estados Unidos seria retratado como alguém que não vai à escola e se alimenta do lixo? Não, apesar de isso também acontecer lá. E, claro, na Alemanha também existem crianças que vivem em situações de vulnerabilidade.

O caso do livro escolar é revoltante, mas, infelizmente, não é isolado. Brasileiros que moram na Alemanha, e também em outros países mundo afora, continuam lidando com clichês rotineiramente. É absurdo, mas em 2025 ainda existe muito europeu que acha que o Brasil se resume a miséria, samba, bunda, futebol e selva.


Sabe aquela ideia antiga de que toda mulher brasileira é sexy e sabe sambar e que os homens sabem todos jogar futebol? Ela ainda existe.

Nada contra sambistas, jogadores de futebol e ser quente na cama (muito pelo contrário). Tudo contra o fato de o Brasil, para muitos, ainda se resumir a clichês que datam dos anos 60. "Quando entro num táxi, nem falo mais que sou brasileira", diz uma amiga que mora há muitos anos aqui e simplesmente se cansou de ouvir piadinhas e cantadas pelo simples fato de ser brasileira.

"Tem homem alemão que acha que pode passar a mão na gente quando falamos que somos brasileiras", me conta uma moça de 20 e poucos anos.

No caso das mulheres, é ainda mais difícil, porque temos essa imagem da hipersexualização, e por isso somos extremamente objetificadas. Nas lojas, ainda é possível encontrar calcinhas tangas chamadas de "modelo brasileiro", e claro, o Brasil é famoso também pela depilação e a cirurgia Brazilian booty lift (um preenchimento dos glúteos conhecido no mundo todo por esse nome "lift de bunda brasileira").

Mas os clichês e estereótipos vão além dos sexuais.

"Quando a minha irmã visitou a Alemanha pela primeira vez sozinha, nos anos 90, já perguntaram para ela se ela ia para a escola de cipó", me conta uma amiga. É chocante que ainda exista gente que pensa que o Brasil é uma selva, na "civilizada" e "educada" Europa.

Assim como é assustador que ainda haja europeu achando que no Brasil falamos espanhol. "Você pode ajudar minha filha na lição de espanhol?" Eu já ouvi isso de uma mulher teoricamente muito culta e sofisticada. Como pode?

Outro clichê comum (e que acho que atinge os latinos em geral) é o temperamento "quente, passional". Quem me conhece pessoalmente sabe que eu sou uma pessoa inofensiva, que as crianças adoram e que não oferece perigo (risos) mas juro que uma alemã já se referiu a mim da seguinte maneira: "Ela tem uma energia brasileira muito forte e eu me sinto desprotegida diante dela". Eu não estou brincando. Isso aconteceu comigo.

O que é "energia brasileira" é algo que eu ainda não entendi e nem pretendo entender. Já o preconceito, entendi na hora. A "pobre mulher branca europeia" se sentiu "desprotegida" diante da "selvagem". Sem querer, ela reproduziu outro clichê.

Não estou falando que todos os europeus têm essa ignorância e preconceitos em relação ao Brasil e brasileiros, de forma alguma. O que acho importante é a gente reconhecer que esse comportamento ainda existe. E denuncie para que um dia, quem sabe, brasileiros sejam tratados apenas como… pessoas que nasceram num país diverso chamado Brasil.