quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018
Metástase alcança da boca de fumo ao Planalto
Num instante em que Michel Temer intensifica sua “guerra” contra o crime organizado, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, autorizou a prorrogação por 60 dias do inquérito em que o presidente é investigado, mais uma vez, por suspeita de recebimento de propina, agora no caso dos portos. Supremo paradoxo: Temer combate o que chama de “metástase” do crime organizado e não pára de protagonizar processos que expõem o câncer da corrupção.
Nos últimos dias, Temer tomou gosto pelo hábito de subir no caixote para pronunciar entusiasmados discursos sobre o combate aos criminosos das favelas cariocas. Mas o presidente se irrita quando indagado sobre os crimes do poder. “Não volte nesse assunto”, pediu, ao ser perguntado sobre como ficaria a Lava Jato com o deslocamento da Polícia Federal para a pasta da Segurança Pública.
Coisas muitos estranhas acontecem no inquérito que apura a suspeita de recebimento de propina em troca de benefícios a empresas do setor portuário. A Polícia Federal e a Procuradoria, se desentendem. O delegado do caso pediu a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Temer. A procuradora-geral Raquel Dodge barrou a providência.
O ministro Raul Jungman mal assumiu a pasta da Segurança e já demitiu o diretor-geral da PF, Fernando Segovia, que insinuara no Carnaval que o inquérito contra Temer seria arquivado. Nesse contexto tóxico, a prorrogação das investigações contra o presidente da República serve para recordar aos brasileiros que o tumor é gigantesco. A metástase se estende da boca de fumo no pé do morro até o Palácio do Planalto.
Coisas muitos estranhas acontecem no inquérito que apura a suspeita de recebimento de propina em troca de benefícios a empresas do setor portuário. A Polícia Federal e a Procuradoria, se desentendem. O delegado do caso pediu a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Temer. A procuradora-geral Raquel Dodge barrou a providência.
O ministro Raul Jungman mal assumiu a pasta da Segurança e já demitiu o diretor-geral da PF, Fernando Segovia, que insinuara no Carnaval que o inquérito contra Temer seria arquivado. Nesse contexto tóxico, a prorrogação das investigações contra o presidente da República serve para recordar aos brasileiros que o tumor é gigantesco. A metástase se estende da boca de fumo no pé do morro até o Palácio do Planalto.
O andar de cima e a segurança
Um renomado cirurgião plástico de Nova York, republicano radical, acabara de informar que não poderia dar consultas na quarta-feira porque deveria atender policiais que precisavam de seus serviços. Esse médico é inimigo de qualquer coisa que o Estado faça, inclusive cobrar pedágios. Deu-se então o seguinte diálogo:
—Você tem muitas clientes latino-americanas, com maridos ricos que pensam parecido contigo.
—De jeito nenhum. Eu sou conservador. Vocês são fascistas.
O cirurgião opera policiais e seus familiares porque pertence a uma associação particular destinada a ajudá-los. Ele pode ter exagerado, mas acertou num ponto: o andar de cima latino-americano acha que pode cuidar da própria segurança, blindando-se, contratando guardas e tolerando milícias. No Rio há mais carros blindados do que em Nova York e deu no que se vê. Ou há segurança para todo mundo, ou não há para ninguém.
Em centenas de cidades americanas existem associações de amigos da polícia. Não passa pela cabeça de ninguém viver num lugar onde a polícia está sucateada material, financeira e socialmente.
Começando pelo Rio, pode-se sair da dança de perus bêbados na qual não há segurança porque não há polícia e não há polícia porque nem ela tem segurança.
O andar de cima pode abrir, sem fanfarra, uma discussão para criar um fundo de assistência aos policiais civis e militares. Funcionaria assim: empresas e pessoas físicas criariam um fundo destinado a financiar policiais com bônus de desempenho, complementos no acesso à casa própria e à educação. Poderia também complementar aposentadorias e oferecer serviços médicos especializados. Esse fundo ficaria anexo a uma associação à qual os policiais adeririam voluntariamente. Seria uma iniciativa estritamente privada, sem nada a ver com o governo, nada mesmo. Nem presenças simbólicas, eventos, convênios ou coisa parecida.
No dia zero, as portas estariam abertas a todos. A partir dessa hora, caso o policial fosse denunciado pelo Ministério Público por qualquer irregularidade, seria desligado da associação, perdendo os benefícios que porventura estivesse recebendo. Se uma denúncia do Ministério Público é pouco, pode-se pensar em outros mecanismos de correição. Na outra ponta, as empresas e os cidadãos abonados colocariam seu dinheiro no fundo por prazos fixos, renováveis a juízo do interessado. A engenharia financeira e jurídica dessa iniciativa pode ser desenhada em menos de uma semana.
A adesão e a permanência de um policial nessa organização viriam a ser um distintivo de boa conduta. Seria uma fórmula capaz de levar a Lei de Serpico para dentro das polícias civis e militares dos Estados brasileiros. Ela diz que "é o policial corrupto quem deve ter medo do honesto, e não o contrário."
Serpico (Al Pacino no filme) era um jovem agente da polícia de Nova York e denunciou esquemas de corrupção no seu serviço, mas deu em nada. Suas queixas apareceram na imprensa, e o prefeito da cidade criou uma comissão para estudar o assunto. Meses depois Serpico foi atraído para uma armadilha, tomou um tiro na cara e seus colegas deixaram-no agonizando. Um cidadão que viu a cena salvou-o. Isso aconteceu em Nova York em 1971.
Elio Gaspari
—Você tem muitas clientes latino-americanas, com maridos ricos que pensam parecido contigo.
—De jeito nenhum. Eu sou conservador. Vocês são fascistas.
O cirurgião opera policiais e seus familiares porque pertence a uma associação particular destinada a ajudá-los. Ele pode ter exagerado, mas acertou num ponto: o andar de cima latino-americano acha que pode cuidar da própria segurança, blindando-se, contratando guardas e tolerando milícias. No Rio há mais carros blindados do que em Nova York e deu no que se vê. Ou há segurança para todo mundo, ou não há para ninguém.
Em centenas de cidades americanas existem associações de amigos da polícia. Não passa pela cabeça de ninguém viver num lugar onde a polícia está sucateada material, financeira e socialmente.
Começando pelo Rio, pode-se sair da dança de perus bêbados na qual não há segurança porque não há polícia e não há polícia porque nem ela tem segurança.
O andar de cima pode abrir, sem fanfarra, uma discussão para criar um fundo de assistência aos policiais civis e militares. Funcionaria assim: empresas e pessoas físicas criariam um fundo destinado a financiar policiais com bônus de desempenho, complementos no acesso à casa própria e à educação. Poderia também complementar aposentadorias e oferecer serviços médicos especializados. Esse fundo ficaria anexo a uma associação à qual os policiais adeririam voluntariamente. Seria uma iniciativa estritamente privada, sem nada a ver com o governo, nada mesmo. Nem presenças simbólicas, eventos, convênios ou coisa parecida.
No dia zero, as portas estariam abertas a todos. A partir dessa hora, caso o policial fosse denunciado pelo Ministério Público por qualquer irregularidade, seria desligado da associação, perdendo os benefícios que porventura estivesse recebendo. Se uma denúncia do Ministério Público é pouco, pode-se pensar em outros mecanismos de correição. Na outra ponta, as empresas e os cidadãos abonados colocariam seu dinheiro no fundo por prazos fixos, renováveis a juízo do interessado. A engenharia financeira e jurídica dessa iniciativa pode ser desenhada em menos de uma semana.
A adesão e a permanência de um policial nessa organização viriam a ser um distintivo de boa conduta. Seria uma fórmula capaz de levar a Lei de Serpico para dentro das polícias civis e militares dos Estados brasileiros. Ela diz que "é o policial corrupto quem deve ter medo do honesto, e não o contrário."
Serpico (Al Pacino no filme) era um jovem agente da polícia de Nova York e denunciou esquemas de corrupção no seu serviço, mas deu em nada. Suas queixas apareceram na imprensa, e o prefeito da cidade criou uma comissão para estudar o assunto. Meses depois Serpico foi atraído para uma armadilha, tomou um tiro na cara e seus colegas deixaram-no agonizando. Um cidadão que viu a cena salvou-o. Isso aconteceu em Nova York em 1971.
Elio Gaspari
Nóis avacaia
A piada é antiga, dos tempos da crise-golpe de 63/64. Um dos engraxates do aeroporto Santos Dumont, enquanto lustrava os sapatos do freguês, reclamava do sufoco, do desemprego, da carestia… Velho comunista, o freguês aproveitou pra fazer seu proselitismo: Calma, o comunismo vem aí para acabar com isso tudo. Você sabe o que é o comunismo, né?
O engraxate balança a cabeça e manda essa: Num sei o que é isso não, mas se vié, nóis avacaia!
O comunismo desfez-se antes de chegar por aqui. Seguimos à risca o salve do engraxate. Avacaiar o que vier pela frente. Aí cabendo preceito constitucional, leis que não colam e a imensa cara de pau dos do andar de cima – a turma que capitaneia o faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Sem distinção de gênero, hierarquia ou classe social, a prática contagia. Pode vir do vizinho ou de autoridade constituída.
O Brasil tem 200 mil leis e uma capacidade infinita de avacalhar, esculhambar, escrachar. Quase tudo. E às claras. Saco sem fundo, onde cabem mentiras, manobras, chantagens, desmandos, crimes, bandos, facções, violência e miséria social. Devidamente noticiadas. Com a versão do lado A e do lado B. Assim, como se fosse sério.
A esculhambação oficializou o faz de conta. Atravessou o samba da legalidade? Manda um desmentido. Qualquer um vale. Se for papo torto, manda o jargão: “conversa republicana”. Fez coisinhas como deixar remédios essenciais vencerem pra ganhar no descarte e na recompra, via advogado, garanta por escrito: “Nossos procedimentos seguiam as mais rígidas normas de governança”.
Colou? Não colou? Não tem a menor importância. Ultrapassamos o vai que cola. Fase vencida. A regra agora é sem regras.
Veio a telefonia celular, esculhambamos. Veio o call center, esculhambamos. Veio a companhia aérea de baixo custo, esculhambamos. O custo é alto, o serviço baixo. Recorde de queixas no Procon? Ah vá! Qual a consequência disso? Ne-nhu-ma. É o que temos para oferecer. Paga e não chia.
Rapidinho, esculhambamos o Uber, por exemplo. Chegou ótimo. Não levou dois anos para perder a estrela de excelência no serviço. Entrou na seara da sorte. Ora um bom carro, um bom motorista. Ora nada disso. Carro cheiroso, balinha e água. Lembra? Só quando Deus ajuda.
Vez por outra, quando a avacalhação é muita, Ele até dá uma força. Foi Ele – só pode ter sido – quem afundou a lancha da avacalhação completa no Ministério do Trabalho que ameaçava ter no comando uma condenada em quê mesmo? Causa trabalhista. Duas, para não deixar dúvida.
Foram 48 dias com o Ministério à deriva. Tempo mais de suficiente para demonstrar a importância que as regulações do trabalho têm nos dias de hoje. Avacaimos. Enquanto isso, tchan, tchan, tchan, tchan, o governo, no modo egípcia, mandou tirar a faixa presidencial do boneco vampiro da Unidos do Tuiuti, a (escola de samba) vice-campeã do Carnaval carioca. Bora levar o sofá pra fora da avenida, que estamos gestando uma intervenção federal no estado. E, consequentemente, um novo ministério. Agora vai!
O general interino da Defesa? Diz que já se enroscou no TCU. Mas a sentença final diz que foi de boa-fé. Pronto. Bora ao próximo causo. Vai que é fake news?
Fake News? Nova rendosa modalidade de esculhambar em meio eletrônico. Rapidinho. Eficiente. A ignorância ajuda muito. Deixa rolar a eleição pra ver só o poder de fogo das news fakes. Avacaiação made in Rússia que elegeu até o chefe do mundo.
Por aqui, houve tempo de tudo acabar em samba. Depois acabava em pizza. O nóis avacaia fermentou tanto que rende enredo – historinha contada passo a passo, – pra Escola de Samba. Dispensa pesquisa. Só olhar em volta e relatar a bagunça. Foi nesse embalo que, no sambódromo do Rio de Janeiro, Tuiuti e Beija-Flor, a campeã, alegorizaram a desgraceira nacional. Violência, corrupção, intolerâncias, impostos excessivos, abandono de doentes, bala perdida, assaltos – de colarinho ou camiseta regata -, facções criminosas – presas e soltas – vieram em alas de ratos com malas e bolsos cheios de dinheiro, autoridades vampiras em trajes de gala, indignos monstros devoradores de esperança.
No menu da avacalhação, os patos amarelos da FIESP vieram como marionetes. Não são? Com fantasias de madamas e senhores de fino trato o samba carnavalizou, avenida afora, o bando dos guardanapos na cabeça que saqueou o Rio de Janeiro.
Nada era fake news.
Cuíca e tamborim choraram o Brasil avacaido de dar dó, onde pouca coisa merece confiança. Sem distinguir o oficial do oficioso, nosso momento desconfiança alcança dos rótulos de alimentos industrializados aos procedimentos e sentenças judiciais. Será? É o mote. Suspeitamos, inclusive, do fundo do poço. Cada vez que, parece, chegamos nele, nova modalidade de avacalhar faz mais funda a cacimba do Brasil.
Fosse o general chefe da segurança do Rio de Janeiro nem temia Comissão da Verdade. O que mete medo mesmo é nossa progressiva capacidade de avacaiar.
Tânia Fusco
O engraxate balança a cabeça e manda essa: Num sei o que é isso não, mas se vié, nóis avacaia!
O comunismo desfez-se antes de chegar por aqui. Seguimos à risca o salve do engraxate. Avacaiar o que vier pela frente. Aí cabendo preceito constitucional, leis que não colam e a imensa cara de pau dos do andar de cima – a turma que capitaneia o faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Sem distinção de gênero, hierarquia ou classe social, a prática contagia. Pode vir do vizinho ou de autoridade constituída.
A esculhambação oficializou o faz de conta. Atravessou o samba da legalidade? Manda um desmentido. Qualquer um vale. Se for papo torto, manda o jargão: “conversa republicana”. Fez coisinhas como deixar remédios essenciais vencerem pra ganhar no descarte e na recompra, via advogado, garanta por escrito: “Nossos procedimentos seguiam as mais rígidas normas de governança”.
Colou? Não colou? Não tem a menor importância. Ultrapassamos o vai que cola. Fase vencida. A regra agora é sem regras.
Veio a telefonia celular, esculhambamos. Veio o call center, esculhambamos. Veio a companhia aérea de baixo custo, esculhambamos. O custo é alto, o serviço baixo. Recorde de queixas no Procon? Ah vá! Qual a consequência disso? Ne-nhu-ma. É o que temos para oferecer. Paga e não chia.
Rapidinho, esculhambamos o Uber, por exemplo. Chegou ótimo. Não levou dois anos para perder a estrela de excelência no serviço. Entrou na seara da sorte. Ora um bom carro, um bom motorista. Ora nada disso. Carro cheiroso, balinha e água. Lembra? Só quando Deus ajuda.
Vez por outra, quando a avacalhação é muita, Ele até dá uma força. Foi Ele – só pode ter sido – quem afundou a lancha da avacalhação completa no Ministério do Trabalho que ameaçava ter no comando uma condenada em quê mesmo? Causa trabalhista. Duas, para não deixar dúvida.
Foram 48 dias com o Ministério à deriva. Tempo mais de suficiente para demonstrar a importância que as regulações do trabalho têm nos dias de hoje. Avacaimos. Enquanto isso, tchan, tchan, tchan, tchan, o governo, no modo egípcia, mandou tirar a faixa presidencial do boneco vampiro da Unidos do Tuiuti, a (escola de samba) vice-campeã do Carnaval carioca. Bora levar o sofá pra fora da avenida, que estamos gestando uma intervenção federal no estado. E, consequentemente, um novo ministério. Agora vai!
O general interino da Defesa? Diz que já se enroscou no TCU. Mas a sentença final diz que foi de boa-fé. Pronto. Bora ao próximo causo. Vai que é fake news?
Fake News? Nova rendosa modalidade de esculhambar em meio eletrônico. Rapidinho. Eficiente. A ignorância ajuda muito. Deixa rolar a eleição pra ver só o poder de fogo das news fakes. Avacaiação made in Rússia que elegeu até o chefe do mundo.
Por aqui, houve tempo de tudo acabar em samba. Depois acabava em pizza. O nóis avacaia fermentou tanto que rende enredo – historinha contada passo a passo, – pra Escola de Samba. Dispensa pesquisa. Só olhar em volta e relatar a bagunça. Foi nesse embalo que, no sambódromo do Rio de Janeiro, Tuiuti e Beija-Flor, a campeã, alegorizaram a desgraceira nacional. Violência, corrupção, intolerâncias, impostos excessivos, abandono de doentes, bala perdida, assaltos – de colarinho ou camiseta regata -, facções criminosas – presas e soltas – vieram em alas de ratos com malas e bolsos cheios de dinheiro, autoridades vampiras em trajes de gala, indignos monstros devoradores de esperança.
No menu da avacalhação, os patos amarelos da FIESP vieram como marionetes. Não são? Com fantasias de madamas e senhores de fino trato o samba carnavalizou, avenida afora, o bando dos guardanapos na cabeça que saqueou o Rio de Janeiro.
Nada era fake news.
Cuíca e tamborim choraram o Brasil avacaido de dar dó, onde pouca coisa merece confiança. Sem distinguir o oficial do oficioso, nosso momento desconfiança alcança dos rótulos de alimentos industrializados aos procedimentos e sentenças judiciais. Será? É o mote. Suspeitamos, inclusive, do fundo do poço. Cada vez que, parece, chegamos nele, nova modalidade de avacalhar faz mais funda a cacimba do Brasil.
Fosse o general chefe da segurança do Rio de Janeiro nem temia Comissão da Verdade. O que mete medo mesmo é nossa progressiva capacidade de avacaiar.
Tânia Fusco
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