sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Virou farofa

 


Os ricos, os tributos e a hipocrisia

Em janeiro passado, na reunião anual do Fórum Econômico Mundial, um grupo de mais de 100 milionários, autodesignado Milionários Patriotas, divulgou carta em que reconheciam que suas fortunas cresceram com a pandemia e que os sistemas tributários eram injustos. Piedosamente, pediam para ser mais tributados.

Logo me veio à lembrança a frase atribuída ao pensador francês La Rochefoucauld (1613-1680): “a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude”.


É certo que os ricos, especialmente os milionários, pagam desproporcionalmente menos impostos que os demais contribuintes. Porém é igualmente certo que as leis tributárias, que lhes permitem pagar menos impostos, não decorrem, por óbvio, de pressão política dos pobres. Ao contrário, como se constata na forte oposição, no Congresso norte-americano, às propostas tributárias do Presidente Biden.

Para evitar o pagamento de impostos, grandes multinacionais e milionários não praticam a vulgar sonegação. Recorrem a talentosos e bem remunerados especialistas que produzem requintados planejamentos tributários, invulneráveis a alíquotas nominais elevadas ou a pretensões de tributação das fortunas. Essa arma, não tão secreta, ainda que desconhecida para os leigos, é um agente formidável na geração de desigualdades entre pessoas e países.

Compungidamente, os que se valem do planejamento abusivo alegam que tão somente lançam mão de brechas na legislação tributária, como se elas nascessem por geração espontânea.

Dia após dia, são divulgadas informações que atestam o que vem a ser, no meu entender, o maior escândalo da história da tributação.

Em 2021, Chuck Collins, professor do Institute for Policy Studies, em Washington, publicou um livro (The Wealth Hoarders) em que mostra como os bilionários pagam milhões para esconder trilhões e assim acumular riquezas, por meio de astuciosos planejamentos.

Assinala o autor, entre muitos exemplos, que quase a metade das empresas norte-americanas têm inscrição fiscal em Delaware, conhecido paraíso fiscal. Acrescenta que um único endereço em Wilmington, mais populosa cidade daquele Estado, é o domicílio fiscal de 285 mil empresas.

Em maio do ano passado, com base em dados oficiais, os jornalistas investigativos do site ProPublica demonstraram que os 25 maiores bilionários norte-americanos, entre 2014 e 2018, pagaram imposto de renda à alíquota efetiva média de 3,4%, bem inferior à média dos demais contribuintes. Os Milionários Patriotas, timidamente, não reagiram.

Pátria assassina

Dia desses mataram alegria, grávida de quatorze semanas, bala perdida, digo, bala encontrada. O bom senso, que já andava capenga, foi morto a pauladas atrás de um quiosque no Rio de Janeiro ao cobrar o seu sustento. A empatia também foi estrangulada no estacionamento de um supermercado. O afeto saiu pra trabalhar e não voltou mais, não encontraram o corpo até hoje. Ajuntamento na esquina da Assis Brasil com a Sertório, cena forte, compaixão destroçada no asfalto quente, pernas e braços amputados, foi atingida por um carro na contramão, o motorista fugiu sem prestar socorro. Alguém serviu pra boa fé, moradora de rua, um prato de comida misturada com pó de vidro. Gratidão morreu de sede. Coragem suicidou-se. Autoestima pulou do terraço de salto alto, do prédio mais alto, da Avenida Paulista. A generosidade foi vista a última vez, doente, todos os dentes podres, pedindo esmola na Cracolândia. Com a tolerância foi cirrose, nem transplante de fígado a salvou. O carinho adoeceu de repente, foi definhando, definhando, amarelou, perdeu os cabelos, já não se alimentava mais, até que não resistiu. No atestado de óbito do encantamento dizia: morte por causas naturais. Doação afogou-se na última enchente. Compreensão pegou fogo, incêndio criminoso. Esfaquearam a dignidade em plena luz do dia, ninguém fez nada. O respeito perdeu-se por completo, não foi mais visto nem é lembrado. Com o perdão foi latrocínio. Felicidades morreu de saudade. A liberdade está sendo caçada, dois olhos arregalados, esconde-se como pode. Perdão pegou perpétua, tuberculoso, agachado no canto de uma cela fedorenta. A fé teve morte cerebral. A humanidade não encontrou vaga na UTI, não há previsão de melhora. Esperança, entubada, ainda resiste ligada em aparelhos.

Lula não é minha mãe

Fui ouvir a entrevista que Lula (foto) concedeu hoje a rádios do Paraná e, lá pelos 11 minutos da conversa, senti aquilo que minha tia Albertina chamava de “arrepio nos dentes”. O presidenciável petista estava dizendo que deu atenção especial aos pobres em seus dois mandatos. Então, ele usou uma metáfora.

“Nós fizemos o que faz uma mãe”, disse Lula. “Ou seja, ela cuida de todos os filhos em igualdade de condições, mas aquele que está mais fragilizado é aquele que ela vai fazer um cafuné a mais, que ela vai cuidar melhor, que ela vai dar um pedaço de carne a mais, um copo de leite a mais.”



Foi como voltar ao início dos anos 2000, quando as metáforas de Lula atingiam você em rajadas, dia sim e outro também, todas elas sobre família e futebol. Lembrei mais uma das razões por que não quero que o PT retorne ao governo.

Essa não é, obviamente, a principal razão. Há coisas muito mais graves. Não acredito nas soluções estatizantes do partido para a economia. Além disso, ouço Gleisi Hoffmann dizer que o PT nunca fez nada de errado na Petrobras, e sinto que eles não hesitarão em corromper o sistema político mais uma vez, como no mensalão e no petrolão, quando sentirem aquela tentaçãozinha de permanecer no poder pelos próximos sete mil anos.

Não acho, porém, que as escolhas retóricas de um político sejam totalmente irrelevantes.

Essa ideia do governante paizão ou mãezona, que zela pelo bem estar da meninada, é especialmente perniciosa. Ela eleva o político e diminui os cidadãos.

Lula não é minha mãe. O estado não é nosso pai. E o Código Eleitoral não é o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Não vou discorrer sobre a retórica de Bolsonaro. Digo apenas que não desejo ao Brasil outros quatro anos de vulgaridade ululante e metáforas matrimoniais. Por isso, continuo torcendo pela Terceira Via e pela eleição de alguém que não seja nem pai, nem mãe, nem herói, nem vingador, nem salvador da pátria. Basta que seja um bom presidente.