quinta-feira, 8 de outubro de 2015

História sem tempo

Renato Janine, o Breve, transitou pela porta giratória do MEC em menos de seis meses. No curto reinado, antes da devolução do ministério a um “profissional da política”, teve tempo para proclamar a Base Nacional Comum (BNC), que equivale a um decreto ideológico de refundação do Brasil. Sob os auspícios do filósofo, a História foi abolida das escolas. No seu lugar, emerge uma sociologia do multiculturalismo destinada a apagar a lousa na qual gerações de professores ensinaram o processo histórico que conduziu à formação das modernas sociedades ocidentais, fundadas no princípio da igualdade dos indivíduos perante a lei.

O ensino de História, oficializado pelo Estado-nação no século 19, fixou o paradigma da narrativa histórica baseado no esquema temporal clássico: Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna, Idade Contemporânea. A crítica historiográfica contesta esse paradigma, impregnado de positivismo, evolucionismo e eurocentrismo, desde os anos 60. Mas o MEC joga fora o nenê junto com a água do banho, eliminando o que caracteriza o ensino de História: uma narrativa que se organiza na perspectiva temporal. Segundo a BNC, no 6.º ano do ensino fundamental, alunos de 11 anos são convidados a “problematizar” o “modelo quadripartite francês”, que nunca mais reaparecerá. Muito depois, no ensino médio, aquilo que se chamava História Geral surgirá sob a forma fragmentária do estudo dos “mundos ameríndios, africanos e afrobrasileiros” (1.º ano), dos “mundos americanos” (2.º ano) e dos “mundos europeus e asiáticos” (3.º ano).

O esquema temporal clássico reconhecia que a mundialização da história humana derivou da expansão dos Estados europeus, num processo ritmado pelas Navegações, pelo Iluminismo, pela Revolução Industrial e pelo imperialismo. A tradição greco-romana, o cristianismo, o comércio, as tecnologias modernas e o advento da ideia de cidadania difundiram-se nesse amplo movimento que enlaçou, diferenciadamente, o mundo inteiro. A BNC rasga todas essas páginas para inaugurar o ensino de histórias paralelas de povos separados pela muralha da “cultura”. Os educadores do multiculturalismo que a elaboraram compartilham com os neoconservadores o paradigma do “choque de civilizações”, apenas invertendo os sinais de positividade e negatividade.

A ordem do dia é esculpir um Brasil descontaminado de heranças europeias. Na cartilha da BNC, o Brasil situa-se na intersecção dos “mundos ameríndios” com os “mundos afrobrasileiros”, sendo a Conquista, exclusivamente, uma irrupção genocida contra os povos autóctones e os povos africanos deslocados para a América Portuguesa. A mesma cartilha, com a finalidade de negar legitimidade às histórias nacionais, figura os “mundos americanos” como uma coleção das diásporas africana, indígena, asiática e europeia, “entre os séculos 16 e 21”. O conceito de nação deve ser derrubado para ceder espaço a uma história de grupos étnicos e culturais encaixados, pela força, na moldura das fronteiras políticas contemporâneas.

A historiografia liberal articula-se em torno do indivíduo e da política. A historiografia marxista organiza-se ao redor das classes sociais e da economia. Nas suas diferenças, ambas valorizam a historicidade, o movimento, a sucessão de “causas” e “consequências”. Já a Sociologia do Multiculturalismo é uma revolta reacionária contra a escritura da história. Seus sujeitos históricos são grupos etnoculturais sempre iguais a si mesmos, fechados na concha da tradição, que percorrem como cometas solitários o vazio do tempo. Na História da BNC, o que existe é apenas um recorrente cotejo moralista entre algoz e vítima, perfeito para o discurso de professores convertidos em doutrinadores.

Na BNC, não há menção à Grécia Clássica: sem a Ágora, os alunos nunca ouvirão falar das raízes do conceito de cidadania. Igualmente, inexistem referências sobre o medievo das catedrais, das cidades e do comércio: sem elas, nossas escolas cancelam o ensino do “império da Igreja” e das rupturas que originaram a modernidade. O MEC também decidiu excluir da narrativa histórica o Absolutismo e o Iluminismo, cancelando o estudo da formação do Estado-nação. A Revolução Francesa, por sua vez, surge apenas de passagem, no 8.º ano, como apêndice da análise das “incorporações do pensamento liberal no Brasil”.

Sob o sólido silêncio de nossas universidades, o MEC endossa propostas pedagógicas avessas à melhor produção universitária, que geram professores “obsoletos” em seus conhecimentos e métodos. Marc Bloch disse que “a História é a ciência dos homens no tempo”. Suas obras consagradas, bem como as de tantos outros, como Peter Burke, Jules Michelet, Perry Anderson, Maurice Dobb, Eric Hobsbawm, Joseph Ki-Zerbo, Marc Ferro, Albert Hourani, Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda e José Murilo de Carvalho, não servem mais como fontes de inspiração para o nosso ensino. A partir de agora, em linha com o decreto firmado pelo ministro antes da defenestração, os professores devem curvar-se a autores obscuros, que ganharão selos de autenticidade política emitidos pelo MEC.

Não é incompetência, mas projeto político. Num parecer do Conselho Nacional de Educação de 2004, está escrito que o ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana “deve orientar para o esclarecimento de equívocos quanto a uma identidade humana universal”. Equívocos! No altar de uma educação ideológica, voltada para promover a “cultura”, a etnia e a raça, o MEC imolava o universalismo, incinerando a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A trajetória iniciada por meio daquele parecer conclui-se com uma BNC que descarta a historicidade para ocultar os princípios originários da democracia.

Doutrinação escolar? A intenção é essa, mas o verdadeiro resultado da abolição da História será um novo e brutal retrocesso nos indicadores de aprendizagem.

Demétrio Magnoli e. Elaine Senise Barbosa

Não há golpe à vista. Há suicídio do governo

Parecia razoável que Dilma contasse até a última hora com alguns votinhos de ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) contrários à rejeição das contas do governo relativas ao ano passado. Na intimidade dos seus auxiliares mais próximos, era o que ela mesma admitia.

Afinal, governo é governo. Por mais enfraquecido, não deve ser subestimado. E ministros do TCU, especialmente eles, são mais sensíveis às pressões políticas. O TCU tem apelido de tribunal, mas é um órgão auxiliar do Congresso. Os ministros apenas carregam o apelido de ministros.


Ao todo, são nove. O presidente, Aroldo Cedraz, ex-deputado do extinto PFL, hoje DEM, só vota em caso de empate. Augusto Nardes, ex-deputado do PP do Rio Grande do Sul e relator das contas, era voto mais do que perdido e anunciado. Não valeria ao governo perder tempo com ele.

Em José Múcio Monteiro, ex-PTB, e ex-ministro do segundo governo Lula, valeria a pena o governo investir. Ele deve a toga ao ex-presidente que o indicou para o TCU. Walton Alencar e Benjamin Zymler devem as suas togas à indicação dos técnicos do tribunal, seus ex-colegas.

Bruno Dantas e Vital do Rego são ministros graças a Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, e aliado de Dilma. E Raimundo Carreiro, ex-diretor do Senado durante 14 anos, graças a José Sarney, também aliado de Dilma. Carreiro sempre foi governista até a alma.

Ana Arraes, mãe do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos e ex-deputada do PSB, não seria necessariamente um voto pela rejeição das contas. Mas que fosse. Tirado o noves fora, o governo teria chances de sonhar pelo menos com quatro votos (Monteiro, Bruno, Vital e Carreiro).

Foi derrotado por 8 x 0. Antes perdera no Supremo Tribunal Federal a ação que poderia ter resultado no afastamento de Nardes da relatoria do processo. E mais cedo perdera no Congresso pela segunda vez a oportunidade de manter vetos de Dilma a projetos que criam novas despesas.

Que governo é este que só colhe derrotas amargas? Que governo é este que está se deixando empurrar para a sombra da guilhotina? Como um governo desses despertará a fúria assassina de banqueiros, empresários e homens de negócios para leva-los a apostar no crescimento do país?

Economia depende de confiança, credibilidade. São coisas que este governo não inspira.

Na semana passada, ao anunciar a meia sola ministerial aplicada por Lula ao governo, Dilma reconheceu que ela se justificava por sua carência de apoio político. Não se passou sequer uma semana e restou provado que o apoio do governo no Congresso não cresceu. Pelo contrário.

Um governo que só tem empregos, sinecuras e favores para trocar por apoio está destinado a ruir. Porque quanto mais dê, mais será obrigado a dar. E nas condições atuais do país, conflagrado por crises de natureza econômica, política e ética, a capacidade do governo dar muito é rala.

O pior de tudo, e o que talvez impeça o governo de reagir: ele não sabe ao certo o que lhe acontece. Nem como se comportar para sair do canto. Logo mais à tarde, por exemplo, Dilma reunirá seu ministério para perguntar o que fazer daqui para frente.

Na agenda da reunião destacam-se dois pontos: como o governo deverá reagir à sucessão de derrotas? E o que fazer para atender aos pedidos de pequenos partidos que querem mais cargos, liberação de emendas ao Orçamento da União, e prestígio?

Partidos de médio porte como o PDT e o PRB, mas não só eles, que ganharam ou mantiveram ministérios, querem administrá-los de “porteira fechada”. Isto é: querem poder preencher ali todos os cargos, e não apenas os principais. Eleições veem aí. E falta dinheiro. Sabe como é, não é?

Esgota-se o elenco de truques do governo para manter-se de pé. Desse jeito acabará caindo. 

Concurso de mentiras

Um concurso foi organizado para descobrir o maior mentiroso do mundo. Como todos mentimos, a questão era a de patentear as diferenças flagrantes, não as filigranas que nos fazem falsos e traidores.

Como atração, os participantes teriam duas semanas em hotel de luxo, além das melhores comida, bebida e companhia. Os mentirosos inscritos combinaram de mentir mentindo para que o mais mentiroso somente surgisse como vencedor no último dia e hora do conclave.


Os organizadores sabiam que a mentira era uma moeda corrente. Sabiam igualmente que havia países onde a verdade se contrapunha cabalmente à mentira, mas conheciam outros onde mentira e verdade eram o tijolo da vida pública e a primeira praticada por profissionais, pois, se a verdade fosse a norma, o conjunto entraria numa grave crise..

Ninguém ignorava que a mentira e a verdade nem sempre correspondiam ao falso e ao verdadeiro porque uma mentira bem contada virava verdade e lei; e grandes e extravagantes mentiras — tais como “eu não tenho preconceito”, “jamais roubei”, “tudo foi feito dentro da lei”, “eu não sabia” — podiam, com o tempo, virar verdades.

Antes dos geniais publicitários, eles bem sabiam que uma mentira tornava-se verdade quando repetida e que uma verdade podia virar mentira caso fosse associada a uma sistemática ausência de sinceridade — esse tremendo confronto de fatos que assola quem busca ser verdadeiro.

Sabia-se que a luta entre verdade e mentira era fundacional do universo humano. A mentira do Oeste podia ser a verdade do Leste, e a lorota do Sul, artigo de fé no Norte. Como saber quem somos, se não acreditarmos em mentiras, reiteravam sérios os 11 membros do Supremo Conselho Transcendental da Mentira? Quando se proferia “eu minto!”, falava-se uma verdade ou uma mentira? Antes de existir sociedade, argumentavam, já existia a mentira que não era uma questão de história ou cultura, mas de ontologia.

O concurso tinha o alto patrocínio de um banco local, que se concebia mentirosamente como pobre para justificar a verdade da roubalheira dos seus diretores ricos e mentirosos. O mito do país pobre escondia a burla dos programas feitos para os pobres. Mas isso, riam entre si, seria uma enorme mentira verdadeira ou uma extraordinária verdade mentirosa?

Para o concurso, foram congregados cem mentiroso qualificados por meio de documentos falsos. Como estamos cansados de saber, a mentira tem requisitos, vestimentas, caras, rituais e gestos adequados.

Os competidores eram craques. Jamais hesitavam nas patranhas e pouco gesticulavam ou ficavam descontrolados, pois sabiam que a sinceridade e a fala nervosa e tremulante eram mais amiga dos pobres do que dos bem postos e estes, por oficio e destino, eram obrigados a mentir naquela terra de mentira. E onde se mentia para todos e muito mais para si mesmo, pois a automentira, que levava à riqueza, à fama e ao poder, era parte permanente dos seus sonhos e projetos.

— Que venha o primeiro mentiroso! —ordenou o presidente da comissão de dentro do seu terno impecável de falsa casimira inglesa.

Os cem mentirosos se entreolharam confirmando o combinado de mentir, mentindo para prolongar o gozo das benesses prometidas. Não deveria ocorrer uma mentira traiçoeira, pois, mentindo, todos ganhavam.

Após as palavras solenes da abertura, um velho mentiroso caminhou até a tribuna. Olhou em volta, deu um trago no seu mata-rato e soltou em alto e bom som a sua mentira:

— Eu nunca toquei punheta!

Um enorme urro de decepção saiu do peito dos mentirosos. Estava acabada a farra programada. Adeus às libações e bródios em companhias agradáveis que todos esperavam. Traição, pensaram alguns. Mentira, gritaram os mentirosos. Anulem a fala, queria um outro grupo. A mentira inaugural acabara com o concurso antes mesmo do seu começo.

Mas quando os juízes se preparavam para conceder o primeiro lugar ao mentiroso indiscutivelmente verdadeiro, eis que se escuta um berro do outro lado da assembleia:

— Eu jamais tive contas bancárias no exterior! — disse um senhor mentiroso, tentado pela verdade que media suas palavras.

PS: Como tudo isso é uma mentira da mentira, deixo para os queridos leitores e leitoras, bem como para todos os que ficam entre eles, a decisão final. Pois os especialistas em mentira não sabiam de verdade quem era o vencedor desse concurso.

Roberto DaMatta

Outro nome para reforma

Barganha (Foto: Arquivo Google)
Um dos tangos mais populares no Brasil de minha adolescência chamava-se “Cambalache”, era cantado pelo grande Carlos Gardel e começava assim: “Que o mundo foi e será uma porcaria, eu já sei/ Em 506 e no ano 2000 também/ Que sempre houve ladrões, traidores e aproveitadores/ Mas que o século XX é uma exposição/ De maldade insolente, já não há quem negue”. 

Bem depois, em 1986, a primeira novela de Silvio de Abreu sem censura chamava-se “Cambalacho”, e foi uma das maiores audiências no horário das 19h. Abordava a “falta de vergonha no país”, que, segundo o autor, “era tão corrupto que as pessoas se sentiam no direito de serem corruptas”.

Em política, um sinônimo de cambalacho é barganha, uma forma também pouco ética de acordos e negócios. Esse foi o nome do restaurante do novo ministro escolhido por Dilma para a pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação, Celso Pansera, o chamado “pau-mandado de Eduardo Cunha”. O estabelecimento comercial não é mais dele, mudou de nome, mas a lembrança ficou como sugestão para disputar a classificação da reforma ministerial: cambalacho ou barganha?

Pansera é uma amostra do critério que prevaleceu nas escolhas em geral. Suas credenciais foram não suas supostas qualidades, mas os apoios recebidos, principalmente o de Eduardo Cunha. Quando a repórter Júnia Gama lhe perguntou “se já tinha em mente que marca quer deixar no seu ministério”, ele respondeu: “Ainda não, mas vou descobrir”. 

Não disse em quanto tempo. Nessa reforma, ficou evidenciado mais uma vez o poder que o presidente da Câmara detém e o medo que inspira no governo e na oposição. Uns o temem pelo que pode fazer; outros, pelo que pode deixar de fazer. E todos procuram agradar-lhe. Dilma abriu as portas do governo para o PMDB na esperança de que Cunha barre os pedidos de impeachment. Já o PSDB, temendo que surja algo que o impeça de aprovar esses pedidos, declarou, através de seu líder na Câmara, que o partido vai manter o seu apoio ao polêmico peemedebista.

Enquanto isso, Eduardo Cunha vai tirando de letra as denúncias de corrupção e garantindo que não tem conta no exterior, apesar de a Procuradoria-Geral da República tê-lo denunciado ao STF por receber US$ 5 milhões de propina e apesar de o MP da Suíça ter informado que encontrou quatro contas bancárias controladas por ele e familiares. 

Ontem mesmo, as autoridades suíças voltaram a falar das contas. Não adianta, o deputado continua afirmando o contrário, a exemplo do que sempre fez Paulo Maluf, que já foi obrigado pela Justiça britânica a devolver quase R$ 80 milhões à Prefeitura de SP, mas insiste em repetir que não possui dinheiro no exterior. É possível que os dois sigam teimando. Só não devem viajar, porque o perigo mora lá fora.

Brasil é de ouro

A visita do Presidente

Comunista em 1971, eu não usava gravata, que via como coisa burguesa, embora meu então ídolo Lênin usasse gravata e até colete… Mas o presidente Garrastazu Médici ia passar pela cidade e, como repórter da Folha de Londrina, fui encarregado da cobertura, junto com o fotógrafo Daniel Martinon.

Médici desceria de um avião, caminharia pela beirada da pista, cumprimentando autoridades e vinte casais londrinenses consideráveis (aqueles considerados dignos de tal consideração) e embarcaria noutro avião da FAB com destino a Foz do Iguaçu. Era obrigatória gravata na foto da carteirinha-crachá de trânsito livre, “válida entre 25 e 26 de janeiro de 71”, e lá fomos nós.

Do avião saíram primeiro uns tipos altos de terno escuro, que avisaram aos repórteres: não podíamos sair do quadrado de poucos metros desenhado na pista. Mas Martinon botou um pé para fora, batendo fotos, depois outro pé, aí levou uma cotovelada no peito e caiu sentado. Ofegante, me deu uma maquininha instamatic, dizendo para eu fotografar antes que o presidente acabasse de descer a escada do avião. No dia seguinte sairia na primeira página do jornal minha única foto em duas décadas de jornalismo.

Médici cumprimentou os casais enfileirados suando ao sol, daí resolveu quebrar o protocolo e tomar um cafezinho no bar do português no aeroporto, e foi aquela pequena multidão junto. Muitos tomaram café e, quando o presidente ia se afastando, o portuga bateu palmas:

– Ei! Quem vai pagar os cafezes?

Foi aquela correria de puxa-sacos com dinheiro na mão. Enquanto os cafezes eram pagos, o presidente foi abordado pelo Circuito, o japonês que tremelicava enquanto recortava origamis com inesquecível habilidade. Seguranças quiseram afastar o importuno, mas João Milanez disse que ele não fazia mal a ninguém, só bem, e o sisudo presidente ficou vendo o japonesinho elétrico trabalhar com a tesoura.

Circuito fez um bichinho, Médici sorriu, depois fez uma ciranda de bonecos, o presidente sorriu de se ver os dentes, coisa rara nos presidentes militares. Até que alguém lembrou da agenda, o presidente tinha horário rígido, e um ordenança recolheu os origamis, a comitiva ia já se afastando quando Circuito teve um chilique:

– Ei, quem vai pagar? Quem vai pagar?!

Novamente os puxa-sacos arrancaram carteiras mais ligeiros que mocinho de faroeste sacando revólver, e Circuito pegou todas as notas. Voltando ao jornal, Martinon disse que sentia dores no peito mas também duas alegrias:

– A ditadura já não assusta tanto, e começou a pagar o que deve…

Dilma cai caprichosamente nas suas armadilhas

Dilma Rousseff envelheceu os métodos clássicos de fazer política. Criou um modelo próprio, baseado num tipo revolucionário de irresponsabilidade. Sua prioridade é a autodesconstrução. A estratégia é revelar as armadilhas que montou no primeiro mandato caindo em todas elas nesta segunda gestão.


Dilma deixa os governistas indignados e os oposicionistas perplexos. Por um lado, tornou-se uma caricatura que fugiu do controle do Lula. Por outro, faz questão de produzir as crises que podem asfixiá-la, dispensando seus antagonistas do trabalho. A história fará justiça a Dilma. Ela se tornou um fator de progresso. Revitaliza as instituições nacionais.

Na noite desta quarta-feira, Dilma refundou o Tribunal de Contas da União. FHC dera suas pedaladas. Lula também acionara os pedais. Mas foi Dilma quem desvendou o crime cometendo-o em proporções amazônicas. Preparou o terreno para que os auditores a flagrassem. Graças ao desejo inconsciente de Dilma de ser desmascarada, o TCU, antes um tribunal de faz de conta, teve sua noite de glória.

Em sessão apinhada, transmitida ao vivo, os ministros do TCU reprovaram por unanimidade as contas do governo Dilma referentes a 2014. Coisa semelhante não sucedia havia 78 anos. O último presidente a ter as contas rejeitadas fora Getúlio Vargas, em 1937. Orçado pelos auditores em R$ 106 bilhões, o desprezo de Dilma pelo rigor orçamentário fez renascer a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Na véspera, a inviabilidade de Dilma já havia prestado outro inestimável serviço à democracia brasileira ao arrancar da letargia o Tribunal Superior Eleitoral. Pela primeira vez na história, o TSE abriu um processo que tem como objetivo a cassação de uma chapa presidencial —a titular e o vice. Antes, os comitês fingiam prestar contas e a Justiça Eleitoral fazia de conta que auditava.
Com o auxílio luxuoso da dicotomia de Dilma, produziram-se em volume jamais visto as pistas que podem asfixiá-la. A roubalheira político-empresarial jamais será a mesma. No seu esforço secreto para ser descoberta, Dilma percorreu distraída os dois lados do balcão. Na presidência do conselho da Petrobras, conviveu com as más companhias. No comitê eleitoral, beneficiou-se da verba suja.
Na economia, Dilma já havia se rendido ao programa do adversário. Joaquim Levy percorre Brasília como uma espécie de denúncia ambulante do desmantelo fiscal e monetário que madame legou a si mesma.

Na política, a recente conversão de Leonardo Picciani em herói da resistência escancara o desejo de Dilma de se autoflagelar, expondo sob a luz do sol transações que exigiriam luzes apagadas. 

Personagem complexa, Dilma luta para barrar o impeachment ao mesmo tempo que empurra seu governo para o beco-sem-saída. O grande acerto de Dilma é a revelação dos seus erros.

Resistir, é preciso!

A convicção de que tudo o que acontece no mundo deve ser compreensível, pode levar-nos a interpretar a História por meio de lugares comuns. Compreender não significa negar nos fatos o chocante, eliminar deles o inaudito, ou, ao explicar fenômenos, utilizar analogias e generalidades que diminuam o impacto da realidade e o choque da experiência. Significa, antes de mais nada, examinar e suportar conscientemente o fardo que o nosso século colocou sobre nós - sem negar a sua existência, nem vergar humildemente ao seu peso. Compreender significa, em suma, encarar a realidade sem preconceitos e com atenção e resistir a ela - qualquer que seja
Hannah Arend

Quem perde paga

É como acontece na guerra e se reproduz em jogos, desafios ou apostas: “QUEM PERDE PAGA!”

Assim estamos no Brasil, como na fase final de uma guerra.

A nação (cidadãos, famílias, comunidades e empresas), mais uma vez, derrotada pelos seus governantes.

O Brasil, por suas “estratégias”, no último período, distribuiu quantias astronômicas de dinheiro em operações não produtivas para, segundo seus mentores, obter resultados sociais e de desenvolvimento.

Foram realizados volumosos investimentos de infraestrutura em nações amigas como Bolívia, Venezuela, Cuba e Panamá, em estradas, portos, aeroportos e refinarias.

O Governo Brasileiro com o objetivo de “estreitar relações”, perdoou dívidas que superam US$ 1 Bilhão dos países africanos: Congo, Tanzânia, Zâmbia, Etiópia, Costa do Marfim, Senegal, Gabão, República da Guiné, Mauritânia, São Tomé e Príncipe, Sudão e Guiné Bissau. Conjunto de países que inclui algumas das mais violentas ditaduras da atualidade.

Perdoamos também a dívida da Bolívia (US$ 52 Milhões), da Venezuela (R$ 20 Bilhões) e ainda doamos US$ 800 Milhões para o governo de Cuba.
Aumentamos neste ano, o Fundo Partidário (dinheiro destinado ao “sustento” dos Partidos Políticos) de 289 Milhões, para R$ 868 Milhões em um aumento de mais de 200%.

Fizemos transferências diretas R$ 27 Bilhões via Bolsa-família, para 50 Milhões de pessoas, um exército que já representa ¼ da população total do País.

Para a Copa do Mundo de Futebol, foram gastos R$ 33 Bilhões, sendo R$ 1,1 Bilhão só para o estádio do Corinthians e R$ 1,05 Bilhão para o Maracanã.

Gastamos em 2014 para manter nossos inacreditáveis 39 Ministérios, a quantia de R$ 400 bilhões, remunerando mais de 113.000 empregados.
Cartões Corporativos do Governo Federal custaram em 12 meses aos cofres públicos, R$ 61,8 Milhões, sendo 49% deste montante, em gastos sigilosos.

Alguns bilhões ainda foram dedicados à ONGs, convênios, incentivos, patrocínios, participações, “comissões”, etc.

Alguns obtiveram grandes vantagens. Mas, ao final, pelo menos para nós, deu errado! Fomos os derrotados!

A economia encolheu, perdemos mais de meio milhão de postos de trabalho em seis meses, a inflação cresceu, a insegurança é assustadora, o sistema de saúde se deteriora, a educação diminui seu orçamento e não evolui, nossa infraestrutura é precária e a corrupção se dissemina implacavelmente em todas as dimensões e por todo território nacional.

E agora, a despeito de já pagarmos mais de 45% de tudo o que produzimos em impostos aos nossos governantes e de já possuirmos uma liderança mundial inalcançável na relação injusta entre a arrecadação de impostos e a entrega de serviços à população, nossos governantes chegam a conclusão de que devemos pagar mais impostos ainda, para acertar o caixa e manter o pais, minimamente, viável.

Dizem eles, que isso é o que precisa e o que deve ser feito. Mas não pode ser por necessidade! Não é possível que seja! Certamente, não é. Só pode ser pela lógica da guerra e pela execução de sua principal regra. Uma regra opressora, tacitamente estabelecida e aplicada por quem detém muito poder e nenhum senso de justiça.

Aos vencedores, cabe a apropriação da riqueza. Aos perdedores, a assimilação de seus prejuízos, a indenização dos custos e o pagamento da premiação aos vitoriosos.

Não deveria ser assim. Mas vai acontecer novamente... Mais uma vez nós perdemos... E QUEM PERDE, PAGA.