segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Brasil 'Patriota'

 


O terrorismo destrói ou desperta

Ao decretarem a autonomia política do DF, os constituintes de 1988 sabiam da contradição e riscos do governador eleito comandar a segurança das instituições republicanas. Previa-se a possibilidade de um governador ser incompetente para manter a ordem e a paz na capital do país, ou fazer oposição, tratando o presidente e seu governo como reféns do governo local. Em 1994 o problema aflorou quando segundo governador eleito do DF era do PT e o presidente era do PSDB. Consciente dos riscos na segurança, quando eleito governador fui ao presidente Fernando Henrique Cardoso e pedi que ele indicasse o secretário de segurança. Combinava assim a autonomia, o governador nomearia, dividindo a responsabilidade pela segurança ao ter o secretário indicado pelo presidente. Ele indicou o General Serra, que foi a ponte entre os dois níveis de governo no que se referia à segurança na capital da república.

Desde então não houve riscos, porque presidentes e governadores foram aliados politicamente ou responsáveis gerencialmente.


Nos últimos quatro anos, Bolsonaro e Ibaneis eram irmãos políticos, ao ponto de manterem o Delegado Anderson Torres trocando de cargos entre um e outro nível de governo: ora como secretário, ora como ministro. Esta situação muda quando Lula é eleito para presidente, ao mesmo tempo que Ibaneis se reelege para governador. Estava claro que o temor dos constituintes poderia se transformar em crise, devido ao conflito em algum momento entre os dois níveis de governo. Sobretudo diante da radicalização do ativismo golpista dos bolsonaristas, acampados em frente aos quartéis, pedindo intervenção militar para destituir o presidente eleito.

Lamentavelmente, em vez de procurar o governo federal e instituir uma convivência responsável pela segurança da república, o governador Ibaneis preferiu o caminho inverso e por razões ainda não conhecida, preferiu entregar a secretaria ao ex-presidente Bolsonaro, ma pessoa do ainda ministro da justiça Anderson Torres. Colocou para cuidar da segurança da república um político ligado aos golpistas que ameaçavam as instituições.

Em qualquer momento, seria temerário um governador e um secretario de oposição ao presidente, ainda pior, em momento de efervescência radicalizada na politica, com milhares de pessoas ocupando a frente dos quartéis pedindo intervenção militar para destituir o presidente eleito.

Não se sabia a dimensão, as características, nem o momento, mas eram previsíveis grandes manifestações golpistas com a promoção, o apoio ou a omissão do governador e seu secretário de segurança. Difícil imaginar o tamanho do vandalismo, mas perfeitamente previsível a ocorrência do terrorismo. Por isto, o Brasil precisa tomar medidas que impeçam a repetição de fatos como este.

Imediatamente, é preciso impedir o governador de continuar por longos quatro anos como o zelador da segurança na capital da república. Ele demonstrou sua opçâo e è culpado por ter escolhido um secretário de segurança claramente golpista, por ter feito parte ou ter sido incompetente ou omisso ao longo de todo processo que levou ao terrorismo de hoje, cujas consequências poderiam ter sido um golpe vitorioso.

Também imediatamente é preciso punir com rigor todos os participantes diretos por esta tentativa de golpe. A democracia paga até hoje alto preço por ter fechado os olhos aos crimes da ditadura. Os países que julgaram os criminosos, não sofrem riscos de golpe militar, além de terem suas forças armadas separadas dos militares responsáveis diretos pela tortura. Foi um erro perdoar os torturadores, mas a anistia deles teve a explicação no pacto pela democracia. Agora não há justificativa. Esperemos que a Justiça cumpra seu papel, lugar de golpistas é na cadeia.

Também imediatamente, a justiça precisa pedir a extradição de Bolsonaro e Anderson, com o argumento da conivência deles em atos terroristas. Nenhum país é mais sensível contra o terrorismo do que os EUA tanto pela lembrança de Bin Laden, quanto pela invasão Capitólio. Eles não vão querer dar cobertura a terroristas brasileiros.

No longo prazo, precisamos enfrentar os riscos na relação entre governo do do Distrito Federal e Governo Federal. Ao longo das décadas adiante novos governadores poderão querer enfrentar presidentes. Não será impossível um governador ainda pior do omisso e leniente: líder do golpe, usando a polícia para cercar Supremo, Congresso e Executivo, prender os dirigentes nacionais em articulação nacional para destituir os eleitos. Os congressistas, inclusive os oito representantes do DF, precisam superar a lacuna constitucional que deixa a segurança da capital da república nas mãos do governo e da polícia locais. Nem a União, nem a Autonomia do Distrito Federal devem ser reféns deste vazio constitucional. Por 32 anos elegemos governadores que souberam se comportar zelando pela DF mas consciente da responsabilidade de governar a capital da república: com a autonomia cidadã dos brasilienses, cuidando da segurança da capital de todos brasileiros. Os fatos de hoje mostram que a democracia nacional não pode depender da democracia local, elas têm de combinar. Se esta combinação não acontecer, em algum momento a autonomia dos eleitores locais morrerá, para salvar a vontade dos eleitores nacionais.

Hoje tivemos uma crise que nos despertou, não a desperdicemos.

País colheu o que Bolsonaro plantou

Os prédios que representam os três Poderes foram profanados por golpistas e vândalos, que queriam atingir a própria democracia. É preciso seguir a linha de responsabilidade pelo que aconteceu em Brasília. Se o país não apurar e punir organizadores, financiadores e autoridades coniventes continuará convivendo com episódios como os de ontem.

Foram muitos os sinais de leniência em relação aos terroristas que ontem vandalizaram prédios símbolos do poder da República. Os terroristas puderam se preparar com calma, tempo e a certeza da impunidade. Antes de tudo, é preciso ficar claro: o movimento é resultado do trabalho diário, constante durante quatro anos – e que permaneceu impune – do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele é o principal responsável pelo que aconteceu ontem em Brasília, mesmo estando, covardemente, a 6.100 quilômetros da capital brasileira.

O governo do Distrito Federal é conivente com o que aconteceu e uma das provas mais evidentes disso é ter nomeado Anderson Torres como secretário de Segurança, após todas as demonstrações que ele deu como ministro da Justiça de ser um leal servidor do bolsonarismo. As declarações do governador Ibaneis Rocha de ontem foram apenas uma forma de tentar se blindar. Ele poderia e deveria ter protegido a capital dos terroristas que começaram a desembarcar no sábado na cidade.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, dissolveu todos os grupos nas procuradorias que atuavam no combate aos atos antidemocráticos e o fez em novembro, quando o país já vivia a tensão do golpismo. O ministro da Defesa, José Múcio, minimizou a movimentação dos golpistas em frente aos quartéis, disse que tinha “parentes e amigos” nos acampamentos, que os extremistas eram “casos isolados” e avaliou que o movimento ia “se esvair”. No caso de José Múcio, ele deveria vir a público dizer que se enganou na sua avaliação. No mínimo.

O país colheu nesse domingo amargo o que Bolsonaro plantou. Ele plantou o golpismo. O presidente da Câmara, Arthur Lira, o protegeu, engavetando todos os pedidos de abertura de processo de impeachment. O procurador-geral da República, Augusto Aras, o protegeu impedindo todas as ações contra ele. Os comandantes militares que acabaram de deixar os postos passaram sinais aos manifestantes, quando demonstraram falta de respeito ao comando hierárquico do presidente Lula. Empresários financiaram os atos no Brasil todo e até agora não foram identificados e responsabilizados. Tudo isso somado alimentou o golpismo. A única forma de combatê-lo é punir, e não apenas as centenas de pessoas presas em flagrante.

Vosso tanque

O vosso tanque, general,
é um carro-forte:
Derruba uma floresta, esmaga cem
Homens,
Mas tem um defeito
- Precisa de um motorista

O vosso bombardeiro, general
É poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito
- Precisa de um piloto.

O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar.

Bertolt Brecht

Bolsonaro se tornará inelegível, e Ibaneis não voltará ao cargo

Dá-se como certo no Supremo Tribunal Federal que Jair Messias Bolsonaro deixará de ser elegível e que Ibaneis Rocha (MDB), governador do Distrito Federal, ou renunciará ao cargo ou acabará impedido pelo Superior Tribunal de Justiça.

Os dois construíram álibis frágeis para escapar da acusação de que estimularam a tentativa de golpe de Estado. Bolsonaro fugiu para Orlando, nos Estados Unidos, com a intenção de alegar mais tarde que nada teve a ver com o que aconteceu durante sua ausência.


Ibaneis vazou um áudio onde seu Secretário de Segurança Pública interino lhe diz mais de 10 vezes que não havia risco de atos violentos na manifestação dos bolsonaristas programada para ontem na Esplanada dos Ministérios. Ibaneis teria acreditado nele.

A punição a Ibaneis veio a galope: o ministro Alexandre de Moraes afastou-o do cargo por 90 dias. De nada adiantou ele gravar um vídeo onde pede desculpas a Lula, aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, e a ministros do Supremo.

A punição a Bolsonaro vai demorar mais um pouco. Mas que ele não ouse voltar tão cedo ao país. Se voltar, estará sujeito a ser preso de um momento para o outro. Os militares também têm culpa no cartório, mas tentar punir alguns deles seria arriscado demais.

À ministra Rosa Weber, Lula contou que a partir de hoje os acampamentos de golpistas à porta de quartéis serão desmontados. Foi tudo acertado com o Alto Comando das Forças Armadas. Na dúvida, Alexandre de Moraes baixou uma ordem nesse sentido.

Brasília foi o palco do golpe, mas ele se alimentaria também de ações em outros Estados. As ações foram abortadas por governadores e suas polícias civis e militares. É uma história que em parte será melhor contada nos próximos dias.

Bolsonaro e seus terroristas conseguiram a proeza de unir o país em torno de quem os derrotou – não por ele se chamar Lula, mas por ter sido eleito defendendo a democracia. Se antes, Bolsonaro atirou no próprio pé, desta vez mirou na própria cabeça, e acertou.