quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Natal numa hora dessas?

No outro dia escrevi uma única palavra no Facebook: “Corja”. Teve 3,5 mil curtidas e 122 compartilhamentos.
 É triste viver num país em que cinco letras dizem tanto a respeito do momento político
Cora Rónai

Desenvolvimento dos jovens

Na maior parte do mundo, o desenvolvimento humano dos jovens tem melhorado, relata recente estudo, mas o avanço é ainda lento. A África subsaariana é a região que concentra os piores índices de desenvolvimento da juventude. Já a América do Norte teve o melhor índice regional, seguida da Europa, Ásia e América do Sul. Entre 183 países, o Brasil obteve a 84.ª posição.

Elaborado por uma agência intergovernamental da Commonwealth – associação de Estados soberanos que reúne, ainda que não exclusivamente, países e territórios do antigo Império Britânico –, o Índice de Desenvolvimento da Juventude é composto por 18 indicadores, agrupados em 5 grandes áreas – educação, saúde e bem-estar, emprego e oportunidades, participação política e participação cívica.

O estudo reconhece a dificuldade de um único ranking expressar uma realidade tão complexa como é o desenvolvimento humano dos jovens. Por exemplo, o próprio conceito de juventude varia de país para país. No estudo, considerou-se como jovens os indivíduos entre 15 e 29 anos.

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Atualmente, há 1,8 bilhão de jovens no mundo, aproximadamente um quarto da população mundial, ainda que, em alguns países, como os asiáticos, eles cheguem a constituir um terço da população. “Tendências e projeções demográficas indicam que a proporção de jovens na população global está diminuindo, com a previsão de ser menos de 20% em 2075. As próximas décadas são, portanto, uma oportunidade única – especialmente nos países em desenvolvimento – para aproveitar o chamado dividendo demográfico”, afirma o estudo.

A imensa maioria da população jovem (87%) encontra-se em países em desenvolvimento, fato que traz não poucas dificuldades para o planejamento de políticas públicas adequadas a essa faixa etária. Nesses países, por exemplo, os jovens estão mais expostos à violência. Estimativas apontam que mais de 50% das vítimas de homicídio no mundo têm menos de 30 anos de idade e a grande maioria vive em países de baixa e média renda. O estudo cita que, em 2011, cerca de 14 milhões de jovens foram afetados por conflitos e desastres.

No ranking geral de países, a Alemanha ocupa o primeiro lugar, seguida de Dinamarca, Austrália, Suíça e Reino Unido. Nas últimas posições da tabela estão República Centro-Africana, Chade, Costa do Marfim e Níger. Estando atrás do Chile (24.º), Colômbia (36.º) e Uruguai (59.º), o Brasil (84.º) tem nota muito próxima à do Paraguai.

Ao comentar os resultados relativos à educação, o relatório menciona a existência de um grande número de jovens sem habilidades básicas de alfabetização, além de persistirem, em algumas regiões, fortes restrições de acesso à educação para determinados grupos sociais, como, por exemplo, meninas, jovens de áreas rurais e portadores de deficiência. No quesito educação, o Brasil ficou na 50.ª posição.

Embora reconheça que a participação política dos jovens promove importantes bens sociais – por exemplo, integração social e fortalecimento de vínculos entre as gerações –, o estudo indica um declínio da participação da juventude nos processos políticos formais e nas instituições, com exceção de alguns poucos países com democracias ainda muito incipientes. Nestes países, os jovens tendem a ser mais confiantes na capacidade de o voto promover mudanças sociais efetivas. O estudo, porém, observa que o declínio do interesse dos jovens pela política formal não indica necessariamente menor interesse pela política em geral, havendo registro, nos últimos anos, de um engajamento recorde em assuntos políticos entre a juventude, com a ocorrência, em várias regiões do mundo, de protestos liderados por jovens. Nesse tópico, o País obteve a 100.ª posição.

Nota especialmente ruim teve o Brasil em relação à participação cívica dos jovens, ficando na 157.ª colocação. Indica com acerto a diferença entre participação cívica e mero agito nas ruas. São coisas diversas, e faz parte do desenvolvimento da juventude perceber a distinção.

Editorial - O Estadão

Um chope para pagar as joias

Tarde bonita, fim de expediente, você se acomoda numa mesa de frente para o mar de Copacabana e pede um chope. Pronto, você está colaborando para financiar as joias do Sérgio Cabral. E, a partir de março, vai dar uma colaboração extra, pois a Assembleia Legislativa do Rio aprovou um aumento do ICMS sobre cerveja e chope.

Simples assim. Parte do rombo nas contas do governo fluminense vem da corrupção. O faturamento extra de uma obra — para financiar a propina — é custo, despesa adicional, gasto que virou dívida. Ao aumentar impostos para tapar os rombos, o governo do Rio e a Alerj estão mandando para o contribuinte a conta que inclui a roubalheira.


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Consolo: não é todo seu chope que financia as farras da turma de Cabral, apenas, digamos, uns 10%, talvez menos. Na verdade, não se sabe exatamente, pois ainda não se conseguiu medir o peso da corrupção no déficit público.

Mas a conta está lá, com o gole extra do último aumento de alíquota para vários itens. Ligou o ar-condicionado? Está financiando a boa vida dos políticos que se locupletaram. Botou gasolina, mais uma contribuição. Fumou um cigarrinho, outro tanto.

Com um toque de suprema ironia dos governantes e legisladores. Do que você paga no cigarro, na gasolina e no telefone, entre 2% e 4% vão para o Fundo de Combate à... Pobreza.

O que será que entendem por combate à pobreza? Deve ser arranjar dinheiro para passar das bijuterias do Saara para as joias da H. Stern e Antonio Bernardo.

Até algum tempo, dizia-se que corrupção era mais um problema ético do que econômico. Um modo de dizer que o montante da roubalheira era pequeno, quase desprezível, diante do volume das contas públicas. O processo iniciado pela Lava-Jato mostra que não é bem assim.

Considerem os casos do noticiário dos últimos dias. O presidente da Câmara de Vereadores de Ribeirão Preto, Walter Gomes, foi preso, acusado, entre outros delitos, de participar de um esquema para contratar funcionários para a prefeitura.

Despesa com pessoal, portanto. Duplo aumento: primeiro, no número de funcionários; segundo, na elevação dos salários porque parcela destes ia para quem havia arranjado o emprego.

Não se pode imaginar que só lá em Ribeirão Preto tiveram essa ideia. Não por coincidência, o principal problema dos municípios está justamente no aumento da despesa com pessoal. De 2001 a 2014, dobrou o número de funcionários das prefeituras brasileiras. Isso mesmo, dobrou.

Claro, não pode ser tudo contratação fraudulenta. Na verdade, a maior parte deve ser correta, gente empregada para prestar serviços. Mas está claro também que a fraude é maior do que se imaginava há pouco tempo.

Antigamente, a corrupção era só nas obras. Agora parece espalhada por todo o setor público, inclusive nos órgãos encarregados de zelar pelas contas e serviços, como as agências (des)reguladoras e os tribunais.

E assim chegamos à emenda constitucional que fixou um teto para as despesas públicas, aprovada em caráter definitivo na última terça. Gente, foi histórico. Há décadas que o gasto público tem aumento real todos os anos. O governo pagou isso tomando dinheiro emprestado, para gerar uma dívida enorme, e cobrando impostos.

E a Alerj acha pouco. Com o aumento do ICMS, ficou assim: de cada cinco chopes que você tomar, um vai para o governo.

Ainda bem que o teto de gastos passou no nível federal. Dali certamente vai para os estados. Estes precisam de ajuda do governo federal, que a está condicionando ao ajuste fiscal regional, inclusive com o teto de gastos.

Esse limite impõe uma mudança na gestão pública. Até aqui a regra era gastar primeiro e arranjar o dinheiro depois, sempre tomando do distinto público.

Agora, para aumentar o gasto num setor, será preciso cortar em outro. Querem gastar mais com saúde? Tudo bem. Tira de onde? Isso vai obrigar o pessoal da Saúde a explicar direitinho onde gastou, como gastou e qual o resultado obtido. Vai ficar claro para todos algo que os especialistas já detectaram: não há relação direta entre o volume de dinheiro aplicado e os resultados. Há estados que pagam os melhores salários a professores, e seus alunos tiram as piores notas.

Está em curso uma mudança cultural na administração pública. Envolve também as pessoas, os cidadãos acostumados a demandar tudo do governo. Não vai ser fácil. Temos visto manifestações contra o teto de gastos, portanto, por mais gastos, e contra o aumento de impostos.

Ou muda isso, ou vamos ter que tomar mais uns chopinhos para ajudar o pessoal.

Carlos Alberto Sardenberg

Paisagem brasileira

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Paisagem com figura (1961), Cândido Oliveira

A crise na vida banal

Um dos efeitos mais deletérios da crise ética são os seus efeitos sobre a vida banal. Nosso “capitalismo de laços”, na sua face mais abjeta, foi desnudado pela Operação Lava-Jato: um pacto corrupto entre a elite política e as grandes empreiteiras do país para saquear os cofres públicos. Mas o fenômeno se reproduz também em relação às políticas públicas capturadas por grandes interesses privados na saúde, na educação, na segurança pública e na mobilidade urbana — os setores dos quais depende o cotidiano dos cidadãos.

É nesse contexto que devemos examinar a aprovação da PEC do teto dos gastos sociais. A crise fiscal não é fruto somente da ampliação dos gastos sociais em consequência da Constituição de 1988, como muitos afirmam. Além dos escândalos investigados pela Lava-Jato, há que se examinar a qualidade desses gastos. Até que ponto se consomem mais recursos com a própria burocracia e com o superfaturamento de insumos e serviços, para favorecer grandes grupos privados, em detrimento do atendimento direto ao cidadão?

Ao contrário do que muitos afirmam, o teto dos gastos não significará a redução automática dos recursos da saúde e da educação, essa é uma narrativa falsa, pois a lei limitará os gastos em geral e imporá escolhas mais racionais, ou seja, uma disputa política no debate do Orçamento da União. A crise de financiamento do Estado de bem-estar social é mundial, em razão das aceleradas mudanças na estrutura produtiva e da globalização, e gera um grande desconforto social. No Brasil, porém, esse desconforto foi exacerbado pela recessão econômica e pela crise ética.

As políticas públicas foram capturadas pelos grandes interesses econômicos e a chamada vida banal foi ignorada pelo poder público, principalmente nas periferias das grandes cidades. Essa é a verdade mais dolorosa. A mais forte reação ao necessário ajuste fiscal parte das corporações, embora não se possa ignorar a insatisfação dos setores verdadeiramente prejudicados pela péssima qualidade dos serviços.

A oposição atribui ao presidente Temer a responsabilidade pela recessão, como se nada tivesse a ver, por exemplo, com o corte de R$ 69 bilhões no Orçamento de 2015, no governo Dilma Rousseff. Os maiores ajustes foram efetuados nos ministérios das Cidades (R$ 17,2 bilhões), da Saúde (R$ 1,7 bilhão), da Educação (R$ 9,4 bilhões) e dos Transportes (R$ 5,7 bilhões). Ou seja, o maior impacto foi na chamada vida banal.

O outro lado da moeda da “focalização” dos gastos sociais nos mais pobres, que se traduziu durante os governos Lula e Dilma na transferência direta de renda para aproximadamente 13 milhões de famílias, foi o sucateamento das políticas “universalistas”. Saúde, educação, transportes e segurança pública ficaram em segundo plano; a prioridade foi expandir o consumo via endividamento do Estado e das famílias. Resultado: a vida melhorou temporariamente dentro de casa, mas se degradou da porta para fora. As eleições municipais foram eloquentes quanto a isso.

Há que se rediscutir a relação entre o SUS e os estabelecimentos privados, a hegemonia do lobby rodoviário nas políticas de transportes, o impacto da bolha imobiliária na qualidade de vida das cidades e a expansão do ensino em função da acumulação privada e não da necessidade de formação de mão de obra. No andar de baixo, traficantes e milícias controlam a vida banal, enquanto as gangues de colarinho branco cuidam do andar de cima. Com a recessão e o desemprego, a pressão social sobre os serviços e a violência aumentaram. A crise nas administrações locais agrava a situação: são elas que arcam com a maior parte dessas demandas sociais.

A revolta dos boçais

É impressionante como seres do governo – qualquer governo – portam-se como se oposição fossem. Havia partidos demais? Negociações demais? Corrupção demais? E Dilma do chefe exercia exatamente que papel, quando tudo isso acontecia bem debaixo de sua capa de gordura? Ora, tenha paciência. Posar de estudiosa da bandidagem depois de ter sido eleita chefa da vadiagem, fazendo o diabo para se manter na teta, chega a ser nojento. Não tenho um pingo mais de tolerância com essa gente.

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Enoja ver que a esquerdalhada de sempre trama a volta dos que não foram ─ para a cadeia ─ justamente porque continuamos a ter uma república de bananas instalada no Planalto, tentando pateticamente blindar o que ainda resta dessa mesma vigarice aboletada no governo. Vamos acordar, meus caros. Usar o DataMoscas para levantar esses defuntos ─ notem que quem reverberou a pesquisa não colocou em dúvida um só momento a lisura do tal instituto, que erra por 30 pontos de margem em suas pesquisas ─ é vigarismo do mais deslavado.

Quem quer embarcar nessa vaca indo pro brejo, que embarque. Eu não tenho a menor paciência para quem encara a coisa confundindo deliberadamente ladroagem com pesquisa de campo. Vão pro inferno.

Tempo urge para Temer

Em Brasília, a regra é o judicial se submeter ao político. No cipoal normativo brasileiro, sempre há lei, artigo ou jurisprudência à mão para justificar quase qualquer coisa. A decisão do Supremo a favor de Renan Calheiros é a mais recente, e não é exceção. Juristas podem dar parecer para lá e para cá, mas, data vênia, se o clima político pender pela ejeção precoce de Michel Temer, a Justiça não será empecilho, mas facilitadora.

Seja por uma renúncia forçada, como explicitou o senador e porta-voz dos ruralistas, Ronaldo Caiado (DEM-GO), seja pela cassação da chapa Dilma/Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral – uma mola que o presidente do TSE, Gilmar Mendes, pode contrair ou liberar a qualquer tempo –, o modo de ejeção é menos importante do que as condições necessárias para apertar o botão.

Perceber o clima político, porém, é tão complexo quanto medir as condições atmosféricas. Dizia Magalhães Pinto, política é como nuvem: agora está de um jeito, no instante seguinte, já mudou.

A complexidade se deve à quantidade de variáveis. Envolve não só quantos deputados e senadores com os quais um presidente pode contar a cada momento, mas o apoio ou oposição que ele sofre dos diferentes segmentos empresariais e, cada vez mais, da opinião pública. Para complicar, há fenômenos imprevisíveis, como operações da Polícia Federal e vazamentos de delações premiadas.

Se prognosticar o que vai acontecer amanhã é arriscado mas possível, crer em previsão de que vai fazer sol ou cair uma tempestade daqui a três meses beira o misticismo. No máximo, pode-se acompanhar as principais variáveis de perto, ver como se comportam, como evoluem, e traçar cenários plausíveis.

No Congresso, aparecem fissuras no rolo compressor de Temer. Aprovada e comprovada pelo congelamento dos gastos públicos, a maioria governista perdeu oito votos do primeiro para o segundo turno de votação no Senado. Houve ameaça de obstrução da reforma da Previdência, e há disputa uterina entre Centrão e PSDB pelo comando da Câmara. Por ora, a liberação do pagamento de R$ 1,2 bilhão em emendas parlamentares adiou maiores problemas.


No palácio, Temer está cada vez mais solitário. Perdeu o braço do é dando que se recebe e não conseguiu uma prótese. Depois que Geddel Vieira Lima escorregou na ladeira do Porto da Barra, Temer ensaiou nomear um tucano para a vaga, mas recuou diante da pressão do Centrão. Agora, o presidente perdeu seu assessor franciscano: José Yunes é amigo do presidente desde quando estudaram na São Francisco. Foi levado pelo furacão Odebrecht.

No empresariado, há resmungos contra a demora na retomada do crescimento, mas são raras as manifestações públicas contra o governo. Ao contrário, nos últimos dias houve um esforço comovente para premiar Temer, chamá-lo de líder, de homem do ano. Longe dos holofotes, vendas em queda, desemprego em alta e perda de confiança alimentam projeções ainda piores para 2017.

Em um esforço para compensar o noticiário negativo, Temer encomendou a Henrique Meirelles um pacotinho econômico de Natal. A Confederação Nacional da Indústria deixou para o dia seguinte a divulgação do Ibope de Temer. Se fosse alto, reforçaria a tentativa de injetar confiança na economia. Mas, a julgar pelo Datafolha, deve estar bem perto de traço.

É o principal problema do presidente. Sua popularidade está despencando em um gerúndio sem fim. Se essa insatisfação demorará um, dois ou três meses para ser ouvida em Brasília, nem o homem do tempo pode dizer. Mas é certo que não adianta só esperar. Quando ela chegar, será tarde demais para reagir.

Canção à meia luz

Tema de "Blue Velvet" (1986), de David Lynch.

Falta de alternativas

Com a paralisação das atividades do Congresso a partir de hoje e o Supremo Tribunal Federal devagar, quase parando, aumentarão as agruras do Executivo. Deverão continuar os vazamentos das delações dos ex-diretores da Odebrecht, atingindo grandes e pequenas figuras do mundo político. Todos terão direito à defesa, mas a simples inclusão de seus nomes funcionará como sentença irrecorrível para condenar o futuro de todos. Nas eleições de 2018 poderão estar afastados os sonhos de candidatos até à presidência da República, aos governos estaduais, à Câmara e ao Senado. Hoje, não há certeza de quem e quantos vão concorrer. Claro que muitos poderão escapar da degola, mesmo culpados.

Certa parece ser, também, sensível mudança no ministério e em altos postos do governo. Impossível será a permanência de uns tantos ministros envolvidos com o recebimento de propinas e a manipulação de dinheiro podre.


A pergunta que se faz é sobre o papel das empreiteiras nesse período de pós-guerra após o festival de corrupção por elas encenado há anos. Possivelmente sobreviverão, mas marcadas a ferro e fogo.
Quanto ao presidente Michel Temer, precisará enfrentar sucessivas tertúlias que nem Papai Noel poderá evitar. Não surtirão efeito os apelos para que renuncie, sequer as tentativas para a convocação de imediatas eleições gerais. Seguir adiante dentro das disposições constitucionais é sua garantia final. Apesar das sucessivas manifestações de protesto da população, e do risco do aumento da violência, não há sinal de desmoronamento das estruturas institucionais. Pelo menos por enquanto.

É flagrante a rejeição do povo diante das combalidas instituições representativas ortodoxas, mas não surgiu até agora um movimento ou um líder capaz de empalmar o sentimento de mudanças inusitadas.

Em suma, por falta de alternativas, haverá que seguir adiante.

A salvação do país está na obediência à Constituição

(...) a preocupação diária de muitos atores tem sido com a matriz econômica, e não com a matriz política. É nossa matriz política, leitor, não raras vezes bem mais importante do que a primeira, que vem acumulando, como se fosse um tumor, secreção malcheirosa e de cor amarelo-esverdeada, consequência de grave infecção bacteriana.
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Há muitos anos o país sofre de renitente furúnculo. É preciso que se lhe extraia o enorme carnegão e, em seguida, se colete o pus. O tratamento para isso é a convivência, em paz, dos Três Poderes, e jamais, da direita ou da esquerda, qualquer iniciativa autoritária. O que salvará o país é a obediência à Constituição de 1988. Ela dará conta.

O direito ao delírio

Que tal se começássemos a pensar no nunca proclamado direito de sonhar? Que tal se delirássemos um pouquinho? Vamos definir nossa visão para além das abominações de hoje para adivinhar outro mundo possível:

– O ar estará limpo de todos os venenos que decorram dos medos e das paixões humanas;

– Nas ruas, os carros serão esmagados pelos cães;

– As pessoas não serão conduzidas por um automóvel, ou programadas por um computador, ou compradas pelo supermercado, nem vistas pela televisão;

– A televisão deixará de ser o membro mais importante da família e será tratada como o ferro de passar ou a máquina de lavar roupa;

– As pessoas trabalharão para viver em lugar de viverem para trabalhar;

– Será incorporado no código penal o crime de estupidez para aqueles que vivem somente para ter ou para ganhar, em vez de viver, simplesmente, por viver como canta o pássaro sem saber que canta e brinca uma criança sem saber que brinca;

– Em nenhum país serão presos os meninos que se recusarem a cumprir o serviço militar, senão os que querem cumpri-lo;

– Os economistas não chamarão padrão de vida o nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida a quantidade de coisas;

– Os cozinheiros não acreditarão que as lagostas gostem de ser fervidas vivas;

– Os historiadores não acreditarão que os países gostem de ser invadidos;

– Os políticos não acreditarão que os pobres gostem de comer promessas;




– A falsidade deixará de ser uma virtude e ninguém levará a sério alguém que seja capaz de enganar uma pessoa;

– A morte e o dinheiro perderão seus poderes mágicos, e nem o falecimento e nem a fortuna converterá um desonesto em um virtuoso;

– Ninguém será considerado um herói ou um tolo por fazer o que ele acredita que é certo em vez de fazer o que lhe é mais conveniente;

– O mundo já não estará mais em guerra com os pobres, mas com a pobreza, e a indústria militar não terá escolha a não ser a de declarar-se em falência;

– A comida não será uma mercadoria, nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos;

– Ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão;

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– As crianças de rua não serão tratadas como lixo, porque não haverá meninos de rua;

– As crianças ricas não serão tratadas como se fossem dinheiro, porque não haverá meninos ricos;

– A educação não será privilégio daqueles que podem pagá-la;

– A polícia não será a maldição de quem não pode comprá-la;

– A justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viverem separadas, voltarão a se unir, muito de perto, costas com costas;

– Uma mulher negra será presidente do Brasil e outra mulher negra será presidente dos Estados Unidos da América; uma mulher indiana governará a Guatemala e outra o Peru;

– Na Argentina, as loucas da Praça de Mayo serão um exemplo de saúde mental, porque se negarão a esquecer os tempos de amnésia obrigatória;

– A Santa Madre Igreja corrigirá os erros das tábuas de Moisés, e o sexto mandamento ordenará festejar o corpo;

– A Igreja também ditará outro mandamento, o qual se esqueceu Deus: “Amarás a natureza de que fazes parte “;

– Serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma;

– Os desiludidos serão bem vindos e os abandonados serão encontrados, porque foram aqueles que perderam a esperança de tanto esperar e os que ficaram abandonados de tanto procurar;

– Seremos compatriotas e conterrâneos de todos aqueles que têm vontade de justiça e de beleza, que nasceram onde nasceram e viveram onde viveram, sem ter importância as fronteiras do mapa e do tempo;

– A perfeição continuará a ser o tedioso privilégio dos deuses; mas neste mundo torpe e decadente cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro.
Eduardo Galeano 

Brasil em crise: Farinha pouca, meu pirão primeiro

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Já notaram que há uma parcela da sociedade que está sempre intransigentemente contra qualquer proposta que vise a reduzir o volume de gastos do governo, como a PEC 241 (PEC do Teto) ou a reforma da previdência (qualquer uma)? Sua estratégia para manter tudo como está – independentemente dos custos que enviaremos para as gerações futuras – envolve falácias e sofismas cujo objetivo é tentar demonstrar que a conta de qualquer mudança recairá sobre os mais pobres.

Peguem, por exemplo, esse vídeo que anda circulando pelas redes. Nele, tenta-se demonstrar que há recursos mais do que suficientes para custear a previdência e a assistência social, e que o problema é que tais recursos foram desviados para pagar os juros da dívida. Não só esquecem que o caixa do Tesouro é único, como confundem causa e efeito, pois a dívida é conseqüência dos constantes déficits, e não o contrário.

Outra estratégia muito em voga é vincular a PEC do teto ao corte de verbas para as áreas sensíveis da saúde e da educação, tentando trazer para seu lado os alunos da rede pública e os dependentes da combalida saúde pública. Só não explicam por que, durante as últimas décadas, os serviços públicos de educação e saúde só pioraram, apesar do aumento contínuo dos gastos do governo nessas áreas.

Essas baboseiras já foram muito bem rebatidas por gente mais capacitada do que eu. Portanto, saindo um pouco do habitual, hoje pretendo focar não nas mensagens, mas nos mensageiros desses discursos oportunistas e demagógicos, exclusivamente voltados para enganar os incautos e arregimentar apoio dos menos avisados.

A narrativa comum nesses discursos é a mesma utilizada, desde sempre, pelo esquerdismo, focado nas “injustiças sociais” e privilegiando os mais frágeis e necessitados. Essa narrativa é tão bem trabalhada entre os jovens que estes, não obstante muitas vezes sintam que há algo de muito errado e pernicioso na sua lógica interna, recusam-se admitir a verdade, mesmo depois da fase adulta, preferindo permanecer, mercê de uma singularíssima idiossincrasia, ancorados no porto seguro dos discursos de igualdade e fraternidade. Não querem escutar a voz da razão, mas somente aplacar suas consciências, redimir suas culpas. Ser de esquerda, afinal, os faz sentir bons, puros e magnânimos.

Esses são os inocentes úteis, os soldados rasos do esquerdismo. O lado, digamos, sincero e bem intencionado da seita socialista. Mas há o outro lado da moeda. O lado da liderança; dos mandarins; dos ideólogos; do pessoal que reza segundo a cartilha resumida pelo velho brocado popular: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Os tipos mais comuns vivem encastelados em cargos públicos muito bem remunerados, detêm vastos privilégios trabalhistas e polpudas aposentadorias. Seu discurso (da boca pra fora) defende a redistribuição da renda (dos outros) e o fim das desigualdades sociais. Sua palavra de ordem é Justiça Social que só pode ser alcançada através de um Estado provedor. Malgrado suas mensagens altruístas e benevolentes, um detalhezinho do seu caráter chama a atenção: nunca, mas nunca mesmo, tente mexer com os sagrados “direitos adquiridos”, porque eles viram fera, fazem greve, passeata, arruaça, quebra-quebra… São capazes de paralisar o atendimento público de saúde, as escolas ou o instituto de previdência do país por imensos períodos, a custa de prejuízos incalculáveis para a população, sem que isso lhes cause qualquer comoção ou constrangimento. Apesar de serem, em tese, servidores públicos, colocam seus interesses pessoais acima de tudo.

Outro exemplar, não menos famoso, é aquele que Nelson Rodrigues chamava de esquerda festiva. Como os demais, adoram falar de justiça social e igualdade. São a vanguarda do anticapitalismo, da anti globalização, da luta contra o demônio neoliberal. Não raro, abocanham nacos suculentos dos subsídios estatais, sob a égide do desenvolvimento artístico e cultural. Apesar do socialismo de fachada, quando os seus direitos é que estão em jogo, tornam-se enfáticos defensores do direito de propriedade. Seus contratos são elaborados por advogados do mais alto gabarito e devem ser cumpridos à risca, sob pena de processos indenizatórios milionários. No entanto, quando o assunto é a propriedade alheia, não pensam duas vezes antes de mandar os direitos constitucionais às favas. No interior de suas mansões, vivem permanentemente cercados e protegidos por seguranças armados até os dentes, mas não vêem qualquer problema em dar apoio às invasões de terras e outras propriedades privadas pelo MST e congêneres.

Não dá para esquecer e deixar de fora os rent-seekers, grandes empresários que, em nome da manutenção dos empregos e do desenvolvimento nacional, vivem sugando a sociedade, através de isenção de impostos, subsídios, protecionismo e mais um sem número de favores governamentais. Sabem perfeitamente que “não existe almoço grátis”, mas, quem se importa com isso quando estamos diante de benefícios concentrados e custos difusos?

É claro que há outros espécimes escondidos por aí, mas não dá para listá-los todos num pequeno artigo. Para iniciantes, aqui vão algumas dicas que os ajudarão a perceber quando estiverem diante de um: 1 – compare o seu (dele) modo de vida com o discurso. Normalmente frequentam a mais alta burguesia, mas não se consideram parte dela; 2 – verifique se existe algum interesse pessoal escondido trás das suas bandeiras de luta; 3 – Preste bastante atenção na sua relação com o sucesso alheio, pois eles adoram fazer justiça social com o dinheiro dos outros.