quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Algo terá de mudar

Israelenses dificilmente trocarão de premiê em meio a uma guerra —e é aí que mora o perigo. Binyamin Netanyahu tem uma agenda pessoal que não coincide com a dos interesses de Israel no médio e longo prazo.

O ataque do Hamas em 7 de outubro mostrou que Israel só terá segurança real se surgir um Estado palestino, o que eliminaria ou pelo menos reduziria o apelo por movimentos teocrático-terroristas como o Hamas e o Jihad Islâmico. E o problema é que Netanyahu, por razões tão banais como manter-se no poder e evitar a cadeia (ele responde a processos por corrupção), fará o que estiver a seu alcance para bloquear iniciativas que possam resultar num Estado palestino.


Interessa a Netanyahu agora prolongar ao máximo o estado de guerra e reforçar seus vínculos com os partidos ultrarreligiosos de extrema direita, com o que iria adiando sua provável defenestração do poder.

Um eventual entendimento com os palestinos, porém, exige exatamente o contrário disso. O morticínio que Israel está impondo à população civil de Gaza precisa parar o quanto antes, e a pauta dos ultrarreligosos, que é essencialmente a de ampliar os assentamentos judaicos da Cisjordânia, tem de ser revertida. O Estado palestino precisa ser territorialmente viável, o que exige desmantelar ao menos parte das colônias.

A melhor chance de isso acontecer é por pressão dos norte-americanos. Joe Biden tem os meios e o interesse em recolocar israelenses e palestinos para discutir a paz. Se o processo não naufragar antes mesmo de começar, poderia ser vendido como trunfo eleitoral no pleito norte-americano do ano que vem. Para isso, o presidente dos EUA vai ter de falar duro com o premiê israelense.

Se é verdade que apostar em paz no Oriente Médio é jogar dinheiro fora, também é fato que, depois dos acontecimentos do último mês, o status quo se tornou insustentável. Algo vai ter de acontecer.

'Humanidade vive divórcio da vida na Terra'

Olha, eu podia dizer que não espero nada. Mas seria uma resposta curta demais para um problema amplo, global. Por ser global, seria uma grave omissão os países ricos da Europa fingirem não ver que nós estamos fritando. Não só na Amazônia. Nós estamos degelando, torrando, fritando, em diferentes lugares do planeta. O El Niño e outros fenômenos que são marcadores das situações extremas climáticas não acontecem só na América do Sul, acontecem no planeta inteiro. Enquanto a Europa achar que é o centro do mundo, não vai poder ajudar ninguém em lugar nenhum. A gente deveria questionar essa ideia de ajuda e começar a pensar em corresponsabilidade de quem faz a governança global.

Quem está governando qualquer lugar do mundo teria que estar envolvido num programa obrigatório de corresponsabilidade. Esses países que estão se lambuzando na guerra agora, quando cessarem a hostilidade um com o outro, deveriam ser obrigados a pagar uma contribuição trilionária para os países que não participaram de guerra nenhuma enquanto eles estavam cagando no mundo. Porque nós vamos ter que limpar a merda deles. Aí, a gente ia criar uma economia um pouquinho mais cooperativa e menos caritativa. A Europa acha que faz caridade, tirando um pouco da sua fortuna para ajudar os outros que estão afundando. Mas é ela que afunda o mundo. As pessoas têm que ter corresponsabilidade, parar com esse papo furado de caridade.


Nós estamos imersos num oceano de ignorância, onde as pessoas querem dinheiro a todo custo. Os que não têm acham que vão ganhar, enquanto os que têm muito só querem aumentar suas fortunas. Isso é tão óbvio, mas é óbvio para quem já viveu e entendeu como é que funciona. Não é óbvio para as pessoas que acham que finalmente chegou a sua vez. Lá em Óbidos, no Pará, e em outras regiões carentes da Amazônia, se chegar uma mineradora na praça, eles vão adorar, porque nunca tiveram tanta facilidade para ter dinheiro de graça, para consumir tudo o que todo mundo consome. Essa sansara, essa roda da fortuna, onde sempre vai ter alguém chegando e falando "oba, agora é minha vez!”, é o motor que vai comer o mundo. O mundo vai ser comido assim, por idiotas que acham que chegou a sua vez.

Se você olhar a história, do século 19 ao 21, não vai ver nenhuma outra variante. O que apareceu no meio do caminho? O socialismo? Tem socialismo em algum lugar do mundo? O capitalismo virou a única religião planetária. Como você quer, dentro de uma religião planetária dessas, abrir rotas de fuga para outro tipo de vida que não seja a disputa constante contra a fúria da mercadoria? Como o genial (Davi) Kopenawa Yanomami nomeou, a sociedade não indígena se tornou a sociedade da mercadoria. Quer dizer, não tem outra coisa que justifica a vida dessas pessoas, é a mercadoria. É como se a mercadoria fosse o altar do capitalismo. É uma religião. Quem pensa que capitalismo é economia está enganado, é religião.